quarta-feira, 7 de agosto de 2019

106 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 17)


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106
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 17)


HOMILIA 17 - Lc 2.35-38
Novamente sobre o que está escrito: “Seu pai e sua mãe estavam admirados com as coisas que eram ditas sobre ele”, até aquela passagem onde está escrito acerca de Ana.

A paternidade de José
Lucas, que escreveu: “O Espírito Santo virá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra; é por isso que aquele que tiver nascido será santo, será chamado Filho de Deus” e que claramente nos transmitiu que Jesus foi filho de uma virgem e não foi concebido de semente humana, este [mesmo São] Lucas testemunhou que José era pai de Jesus, dizendo: “Seu pai e sua mãe estavam admirados com as coisas que eram ditas sobre ele”.
Que causa, então, existiu para que ele mencionasse como pai aquele que, na realidade, não foi seu pai? Quem se contenta com uma explicação singela dirá: “o Espírito Santo o honrou com o título de pai porque havia criado o Salvador”.
Quem procura um sentido mais profundo pode dizer: “porque a ordem da genealogia parte de Davi para chegar até José, para que José não parecesse ser nomeado em vão”.
[Sim,] aquele que não fora o pai do Salvador foi chamado “pai” do Senhor, para que a
ordem da genealogia tivesse o seu lugar.
“Seu pai e sua mãe estavam admirados com as coisas que eram ditas sobre ele”, tanto pelo anjo quanto pela “multidão do exército celeste” e pelos pastores. Ouvindo todas essas maravilhas, eles ficavam muitíssimo maravilhados.

A queda e o soerguimento de muitos
A Escritura diz em seguida: “Simeão os abençoou e disse a Maria, sua mãe: ‘Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel, e como sinal de contradição.
Quanto a ti, uma espada te transpassará a alma, para que sejam revelados os pensamentos de muitos corações’”. Devemos contemplar o modo como o Salvador veio “para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”.
Quem explica singelamente pode dizer que ele veio “para a queda” dos infiéis e “para o soerguimento” dos que creem.
Mas quem é um intérprete arguto da Escritura diz que, de modo nenhum, cai aquele que antes não tiver estado de pé. Indica-me, portanto, quem terá sido aquele que terá estado de pé, para cuja “queda” o Salvador veio, e também aquele que possa se soerguer.
Na verdade, com certeza aquele que, anteriormente, havia desabado se soergue. É preciso se dar conta de que o Salvador não veio “para a queda” de uns e “para o soerguimento” dos outros, mas “para a queda e o soerguimento”.
“Eu vim”, diz ele, “para cumprir o julgamento, para que vejam aqueles que não viam e se tornem cegos os que viam”.
Há, com efeito, em nós uma parte que antes gozava da visão espiritual e depois cessou de enxergar, e outra que estava cega e depois passou a enxergar.
Por exemplo, quero enxergar com aqueles olhos com os quais anteriormente não via e que, em seguida, me foram abertos, porque, depois da desobediência, os olhos de Adão e de Eva foram abertos, sobre os quais expusemos na homilia anterior.
Agora, porém, é preciso explicar o que quer dizer este texto: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”. É-me necessário primeiro cair e, uma vez caído, depois me soerguer, para que o Salvador não tenha sido para mim causa de uma queda funesta.
Por essa razão me fez cair, para que me soerga, e essa queda terá sido para mim muito mais útil do que aquele tempo em que parecia estar de pé. Eu me mantinha de pé pelo pecado naquele tempo em que vivia do pecado; e porque estava de pé pelo pecado, foi-me muito útil no início que eu caísse e morresse pelo pecado.
Por fim, também os santos profetas, quando contemplavam algo mais sublime, caíam de rosto no chão; é por isso, porém, que caíam, para que, pela queda, os pecados fossem purificados mais plenamente.
Esta graça o Salvador também te concedeu: que caias. Eras pagão, que o pagão em ti caia; amavas as prostitutas, que morra em ti o devasso; eras pecador, caia em ti o pecador, para que possas em seguida te soergueres e dizeres: “Se nós morremos com ele, com ele viveremos”, e: “Se partilhamos sua morte, nós partilharemos também sua ressurreição”.

O sinal de contradição
Ele, portanto, “foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”,  isto é, daqueles que podem olhar com plena penetração e espiritualidade também para o “sinal de contradição”. Tudo o que é narrado na história do Salvador é sinal de contradição.
Uma virgem é mãe, eis um sinal de contradição; os marcionitas se opõem a esse sinal e afirmam com insistência que o Cristo não nasceu de uma mulher; os ebionitas se opõem a este sinal e dizem que ele nasceu de um homem e de uma mulher, como nós também nascemos.
Teve um corpo humano, e esse sinal é de contradição: uns dizem que esse corpo veio do céu, outros que teve um corpo tal qual o nosso, para que, pela semelhança de corpo, também pudesse redimir nossos corpos do pecado e dar-nos a esperança da ressurreição.
Ressurgiu dos mortos, e esse é um sinal de contradição: Como ressuscitou? Ressuscitou com seu próprio corpo e tal qual morreu, ou, sem dúvida, para um corpo formado de uma substância superior?
E é infinita a discussão, quando uns dizem: “ele mostrou a chaga dos cravos nas suas mãos a Tomé”; outros objetam, ao contrário: “se ele retomou o mesmo corpo, como ‘ele entrou com as portas fechadas e se achou lá de pé [entre eles]’?”
Vês, portanto, pela variedade dos argumentos, como a própria Ressurreição levanta controvérsias e se torna sinal de contradição.
Eu penso que também aquilo que foi  predito pela boca dos profetas é sinal de contradição. Existem, com efeito, vários hereges que afirmam que o Cristo não foi de modo algum anunciado pelos profetas.
Aliás, que necessidade há de prosseguir muito longamente? Tudo o que narra a história sobre o Cristo é sinal de contradição; contradição não para aqueles que creem nele – porque nós sabemos que o que foi escrito é verdadeiro –, mas todas as coisas que sobre ele foram escritas, para os incréus, é sinal de contradição.

O escândalo de Maria
Simeão diz em seguida: “e uma espada transpassará a tua própria alma”. Qual espada é esta que transpassou não somente o coração dos outros, mas também o de Maria?
A Escritura diz claramente que, no tempo da paixão, todos os apóstolos foram escandalizados, quando o próprio Senhor disse: “Todos vós sereis escandalizados nesta noite”. Portanto, todos foram escandalizados, a tal ponto que o próprio Pedro, o chefe dos apóstolos, renegou Jesus três vezes. Por que pensamos que, tendo os apóstolos sido escandalizados, a mãe do Senhor estaria imune ao escândalo?
Se, durante a paixão do Senhor, ela não sofreu o escândalo, Jesus não morreu por seus pecados. Se, porém, “todos pecaram e são privados da glória de Deus, se todos são justificados e redimidos por sua graça”, Maria também, naquele tempo, esteve sujeita ao escândalo.
E isto é o que agora Simeão profetiza, dizendo: “a tua alma”, que sabe teres tu, na condição de virgem, dado à luz, sem a participação de homem; que sabe que ouviste de Gabriel: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”; que sabe que a espada da infidelidade a transpassará e serás ferida pela ponta da incerteza, e teus pensamentos te dilacerarão em todos os sentidos, quando vires aquele que ouviste ser nomeado Filho de Deus e que sabias que tinha sido gerado sem a semente de um homem ser pregado à cruz e morrer e ter sido sujeito aos suplícios humanos e, no momento derradeiro, queixando-se com copiosas lágrimas e dizendo: “Pai, se for possível, que este cálice passe além de mim”. “Uma espada transpassará a tua alma”.
“A fim de que sejam revelados os pensamentos nos corações de muitos”. Os pensamentos dos homens eram maus.
Por isso foram desvelados, para que, postos à clareza do dia, fossem destruídos e terminassem mortos e aniquilados, e os matasse aquele que morreu por nós.
Com efeito, enquanto nossos pensamentos eram ocultos e não postos à clareza do dia, era impossível aniquilá-los por completo.
É por isso que nós, também, se pecamos, devemos dizer: “Eu te dei a conhecer meu pecado, e não escondi a minha iniquidade. Eu disse: confessarei a minha própria injustiça contra mim mesmo”.
Se, com efeito, tivermos feito isso e tivermos revelado nossos pecados não só a Deus, mas também àqueles que podem curar as nossas feridas e nossas faltas, nossos pecados serão destruídos por aquele que diz: “Eis que dispersarei como uma nuvem tuas iniquidades e como uma cerração os teus pecados”.

Ana, a profetisa
Depois da profecia de Simeão, porque era necessário que também as mulheres fossem salvas, veio uma profetisa sobre a qual está escrito: “Havia também Ana, uma profetisa, filha de Fanuel, da tribo de Aser”.
Que ordem magnífica! A mulher não vem antes do homem. Primeiramente vem Simeão, que abraçou a criança e a segurou em seus braços; em seguida, a mulher, cujas palavras, a bem dizer, não são reportadas, mas de um modo geral diz-se que “ela confessou ao Senhor e que ela falou dele a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém”.
E justamente essa santa mulher mereceu receber o espírito de profecia, porque, por uma longa castidade e jejuns prolongados, havia ascendido a esse cume.
Vede, ó mulheres, o testemunho de Ana e imitai-o! Se um dia vos suceder que percais vossos maridos, considerai o que está escrito sobre ela: “Após a virgindade, ela viveu sete anos com seu marido”, e o que se segue; por causa disso, foi profetisa; e não foi de improviso e por acaso que o Espírito Santo habitou nela.
É bom, em primeiro lugar, se for possível, conservar a graça da virgindade; se, porém, isso não puder ser, e suceder-lhe de perder seu marido, que persevere na viuvez.
Não só depois da morte de seu marido, mas também, quando em vida, se deve ter este desejo de que também ele seja coroado pelo Senhor; mesmo que essa vontade e esse propósito não se realizem, diga: “Eu faço voto e prometo, se algo humano indesejável me suceder alheio à minha vontade, nada farei de diverso do que perseverar na continência em minha viuvez”.
Mas agora é possível encontrar na Igreja pessoas que se casam duas, três e até quatro vezes, para não dizer mais; e não ignoramos que tais casamentos nos lançarão fora do Reino de Deus.
Pois não somente a fornicação, mas mesmo as segundas núpcias nos afastam das dignidades eclesiásticas – com efeito, nem um bispo, nem um presbítero, nem um diácono, nem uma viúva podem ter-se casado duas vezes –; do mesmo modo, quem se casou duas vezes será talvez rejeitado da assembleia “dos primogênitos e dos imaculados” da Igreja “que não tem nem mancha nem ruga”, não que ele deva ser mandado para o fogo eterno, mas ele não deve ter parte no Reino de Deus.
Lembro-me, quando eu explicava o que está escrito aos Coríntios: “À Igreja de Deus, que está em Corinto, com todos os que o invocam”, de ter falado da diferença que há entre “a Igreja” e “aqueles que invocam o nome do Senhor”.
Penso, com efeito, que aquele que se casou apenas uma vez, que aquele que permaneceu virgem e que aquele que perseverou na castidade fazem parte da Igreja de Deus; mas o que se casou duas vezes, ainda que tenha tido boa conduta e se exceda em outras virtudes, não faz parte, porém, da Igreja e do número que “não tem nem ruga nem mancha nem nenhum defeito desse tipo”, mas ele é colocado na segunda posição e dentre aqueles que “invocam o nome do Senhor”, e que são evidentemente salvos em nome de Jesus Cristo, sem serem, entretanto, coroados por ele, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?


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