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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Cipriano de Cartago (?-258)
A Oração do
Senhor (8 - 9)
Ministração do Estudo 130
8.
Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu.
Acrescentamos ainda o seguinte: “seja feita a tua vontade,
assim na terra como no céu”; não para que Deus faça o que quer, mas para que
nós possamos fazer o que Deus quer.
Com efeito, quem impediria Deus de fazer o que quer?
Porque nós, porém, somos perturbados pelo diabo, que impede
que sigamos a Deus inteiramente, com toda a nossa alma e a nossa ação, oramos e
suplicamos para que se faça em nós a vontade de Deus.
Para que se faça em nós, é indispensável essa mesma vontade
de Deus, isto é, a sua ajuda e proteção; pois ninguém se sustenta por suas
próprias forças, mas graças à indulgência (tolerância, clemência) e à
misericórdia de Deus.
Finalmente, o próprio Senhor indica a debilidade do homem,
que ele carregava [em si], dizendo: “Pai, se é possível, afasta de mim este
cálice”; e, deixando aos discípulos um exemplo para que não fizessem a própria
vontade, mas a de Deus, acrescentou: “Contudo, faça-se não o que eu quero, mas
o que tu queres” (Mateus 26.39).
Também diz, em outro lugar: “Não desci do céu para fazer a
minha vontade, mas a vontade
daquele
que me enviou” (João 6.38).
Se o Filho esteve atento para cumprir a vontade do Pai,
quanto mais deve estar atento o servo para fazer a vontade do Senhor; como São
João instrui igualmente, em sua epístola, exortando a cumprir a vontade de
Deus, dizendo: “Não ameis o mundo, nem o que está no mundo. Se alguém ama o
mundo, a caridade do Pai não está nele. Pois tudo que está no mundo é
concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e ambição do século, que não
vem do Pai, mas da concupiscência do mundo. O mundo passará, e igualmente a sua
concupiscência; aquele, porém, que cumprir a vontade de Deus permanece
eternamente” (I João 2.15-17).
Nós que queremos permanecer eternamente devemos cumprir a
vontade de Deus, que é eterno.
E a vontade de Deus é a que Cristo praticou e ensinou:
Humildade na vida, estabilidade na fé, veracidade nas palavras; justiça no
agir, misericórdia nas obras, disciplina nos costumes; não saber praticar a
injúria e saber tolerar a recebida, manter a paz com os irmãos; amar a Deus com
todo o coração, amando nele o que é Pai e temendo o que é Deus; nada prepor
(antepor) ao Cristo, porque ele também, em relação a nós, nada prepôs; aderir
inseparavelmente à sua caridade, unir-se à sua cruz com firmeza e fé.
Se houver luta pelo seu nome e sua honra, [é] manifestar a
constância na palavra com que o confessamos; na tortura, [é manifestar] a
firmeza com que combatemos e, na morte, a paciência pela qual somos coroados.
Isso é querer ser co-herdeiro do Cristo; isso é praticar o
preceito de Deus; isso é cumprir a vontade do Pai.
Mas pedimos que seja feita a vontade de Deus, assim na terra
como no céu, porque ambos dizem respeito à nossa segurança e salvação.
Pois, como possuímos um corpo da terra e um espírito do céu,
assim nós somos terra e céu; e oramos para que em ambos, isto é, no corpo e no
espírito, seja feita a vontade de Deus.
Há, na verdade, uma luta entre a carne e o espírito e uma
mútua discórdia diária [entre ambos], de modo que fazemos o que não queremos:
enquanto o espírito procura o que é celeste e divino, a carne deseja o que é
secular e terreno.
Por isso pedimos que, pela intervenção e auxílio de Deus, se
estabeleça a harmonia entre eles, a fim de que, enquanto a vontade de Deus se
realiza na carne e no espírito, a alma por ele renascida [assim] se mantenha.
Isso é o que declara de maneira nítida e precisa a palavra
do apóstolo: “A carne”, diz ele, “tem desejos contrários aos do espírito e o
espírito, contrários aos da carne. São, portanto, adversários um do outro.
Desse modo, não fazeis o que quereis. Mas as obras da carne são evidentes; são
os adultérios, as fornicações, a impureza, a libertinagem, a idolatria, o
malefício, o homicídio, a inimizade, a contenda, a emulação (sentimento que leva o indivíduo a tentar igualar-se a ou
superar outrem), os ciúmes, a ira, a rixa, a
discórdia, o sectarismo, a inveja, a embriaguez, a glutonaria e as coisas como
essas tais. Aqueles que praticam essas coisas não possuirão o Reino de Deus.
Mas os frutos do Espírito são a caridade, a alegria, a paz, a magnanimidade, a
bondade, a fidelidade, a mansidão, a continência, a castidade” (Gl 5.17-23).
Peçamos, pois, isto em orações diárias, mesmo em orações
contínuas: que se faça sobre nós a vontade de Deus, assim na terra como no céu;
e esta é a vontade de Deus: que as coisas terrenas cedam lugar às celestes e
que prevaleça o que é espiritual e divino.
Pode-se ainda, irmãos caríssimos, entender [esta petição]
assim: que – como o Senhor ordena e adverte que amemos também os inimigos e que
oremos também pelos que nos perseguem – supliquemos também por aqueles que
ainda são terra e nem sequer começaram a ser celestes, para que sobre eles se
realize a vontade de Deus, que o Cristo cumpriu conservando e reintegrando o homem.
Com efeito, como os [seus] discípulos não são chamados por
ele de terra, mas de sal da terra, (Mateus 5.13) e como o apóstolo chama o
primeiro homem terrestre e o segundo de celeste, (I Coríntios 15.47) com razão
nós também, que devemos ser semelhantes a Deus Pai – que “faz nascer o seu sol
sobre os bons e os maus, que faz chover sobre os justos e os injustos” (Mateus
5.45) –, assim oramos e pedimos ao Cristo, que nos adverte que façamos [nossa]
prece pela salvação de todos; a fim de que, assim como a vontade de Deus foi
feita no céu, isto é, em nós, que pela nossa fé nos tornamos céu, assim também
ela se faça na terra, isto é, naqueles que ainda não creem; para que eles, que
ainda são terrenos pelo primeiro nascimento, comecem a ser celestes, nascidos
da água e no Espírito.
9.
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.
Seguindo adiante na oração, pedimos, dizendo: “o pão nosso
de cada dia dá-nos hoje”.
[Esse pedido] pode ser entendido tanto no sentido espiritual
como no literal, pois são proveitosos, com utilidade divina, para a nossa
salvação.
Com efeito, o Cristo é o pão da vida, e esse pão não é de
todos, mas é nosso.
Também, como dissemos “Pai nosso”, porque é Pai dos que
entendem e creem, assim dizemos “pão nosso”, porque Cristo é pão para aqueles
que comem o seu corpo.
Mas pedimos que este pão nos seja dado diariamente a fim de
que nós, que estamos no Cristo e recebemos diariamente a Eucaristia como
alimento de salvação, não venhamos a ser – por intervenção de algum pecado mais
grave, enquanto tivermos sido afastados do pão celeste e formos impedidos da
comunhão – separados do Corpo do Cristo.
Ele próprio o adverte, dizendo: “Eu sou o pão vivo que desci
do céu. Se alguém comer do meu pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a
minha carne para a vida do mundo” (João 6.51).
Quando, portanto, ele diz que viverá eternamente quem comer
de seu pão, é evidente que viverão os que pertencem ao seu corpo e recebem a
Eucaristia em direito de comunhão; assim, por outro lado, devemos temer que
alguém que, tendo sido afastado [da comunhão], seja separado do corpo do Cristo
e permaneça afastado da salvação.
Devemos orar para que isso não aconteça, pois é ele próprio
que adverte, dizendo: “Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes
o seu sangue, não tereis a vida em vós” (João 6.53).
Por isso pedimos que o pão nosso, isto é, o Cristo, nos seja
dado diariamente, para que nós que estamos e vivemos em Cristo não nos
afastemos do seu corpo e de sua santificação.
Mas também se pode interpretar assim, de modo que nós, que
renunciamos ao século e rejeitamos as suas riquezas e suas pompas pela fé da
graça espiritual, peçamos somente o alimento para o nosso sustento, conforme o
Senhor instrui, dizendo: “Quem não renunciar a tudo que possui, não pode ser meu
discípulo” (Lucas 14.33).
Quem, porém, começou a ser discípulo do Cristo, renunciando
a tudo, segundo a palavra do seu Mestre, deve pedir o alimento quotidiano, não
estender os seus desejos em pedidos de longa duração.
Assim ele preceituou, dizendo: “Não penseis no dia de
amanhã. O dia de amanhã cogitará em si mesmo. Basta para cada dia as suas
próprias penas” (Mateus 6.34).
Com razão, portanto, o discípulo do Cristo, proibido de
preocupar-se com o dia de amanhã, pede para si o alimento de cada dia.
Pois é estranho e contraditório que nós que pedimos que o
Reino de Deus venha rapidamente, busquemos viver mais longamente no século.
Assim também o bem-aventurado Apóstolo adverte, fortalecendo
e consolidando a firmeza de nossa fé e nossa esperança: “Nada”, diz ele,
“trouxemos para este mundo; nada, verdadeiramente, podemos levar. Se temos,
portanto, o que comer e vestir, estejamos contentes. Os que querem enriquecer
caem na tentação, enredados em muitos desejos nocivos que lançam o homem na
perdição e na morte. Com efeito, a raiz de todos os males é a cupidez, pela
qual alguns, concupiscentes, naufragaram da fé e se meteram em muitas dores” (I
Timóteo 6.7-10).
Ele ensina não apenas que as riquezas devem ser desprezadas,
mas também que são perigosas; nelas está a raiz dos males que afagam e enganam,
com oculta decepção, a cegueira da mente humana.
Daí Deus ter respondido ao rico insensato, que pensava nos
seus bens terrenos e vangloriava-se da abundância dos [seus] frutos, dizendo:
“Insensato, esta noite entregarás a tua alma. Para quem, então, ficará o que
preparaste”? (Lucas 12.20).
Alegrava-se com os [seus] frutos na noite em que estava por
morrer e pensava na abundância de alimento o insensato, cuja vida já se
afastava.
Por outro lado, porém, o Senhor ensina que se torna perfeito
e completo aquele que vende tudo que possui e o dá para uso dos pobres,
preparando para si um tesouro no céu (Mateus 19.21).
O Senhor lhe diz que pode segui-lo e imitar a glória de sua
paixão aquele que não está envolvido em interesses particulares, mas que,
prontamente e sem outro compromisso, livre e desembaraçado, acompanha com sua
própria pessoa as faculdades antes postas à disposição do Senhor.
Para que cada um de nós possa preparar-se para isso, [cada
um] aprende a orar dessa maneira e a descobrir, a partir dos princípios da
oração, como deve ser.
Ao justo, com efeito, não pode faltar o alimento de cada
dia, porque está escrito: “O Senhor não mata pela fome a alma justa” (Pv 10.3).
E novamente: “Fui jovem e envelheci; não vi justo
abandonado, nem sua posteridade mendigando o pão” (Salmo 37.25).
Igualmente, ainda promete o Senhor: “Não vos preocupeis,
dizendo: que comeremos ou que beberemos, ou que vestiremos? Pois isso procuram
os gentios. Mas vosso Pai sabe bem de tudo que careceis. Procurai em primeiro
lugar o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por
acréscimo” (Mateus 6.31-33).
Ele promete tudo por acréscimo aos que procuram o Reino de
Deus e a sua justiça. Pois, como todas as coisas são de Deus, nada faltará a
quem tem Deus, desde que não se afaste de Deus.
Assim [foi] com Daniel: lançado na cova dos leões por ordem
do rei, recebeu milagrosamente o alimento, e o homem de Deus foi nutrido entre
feras famintas que o poupavam (Dn 14.34-37 um texto apócrifo na Septuaginta).
Assim foi sustentado Elias em fuga; durante a perseguição
também foi nutrido no deserto por corvos que o serviram e por aves que lhe
traziam alimento (I Reis 17.4).
Igualmente – ó detestável crueldade da malícia humana! – as
feras poupam, as aves proporcionam alimento, mas os homens armam ciladas e se
enfurecem.
O que você deseja destacar no texto?
Como o texto serviu para sua espiritualidade?
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