sábado, 4 de abril de 2020

129 - Cipriano de Cartago (210-258) A Oração do Senhor (Partes 5-7)

JESUS O HOMEM CONTEMPLATIVO | O CAMINHO DO CORAÇÃO

Ministração do Estudo 129

129
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Oração do Senhor (5-7)



O Pai-Nosso

5. Pai nosso, que estás nos céus.
Quais são, porém, irmãos diletíssimos, os mistérios da oração do Senhor? Quantos e quão grandes são eles, condensados em palavras breves, mas cheias de força espiritual, a tal ponto que absolutamente nada é omitido e que a nossa prece e oração sejam um compêndio completo da doutrina celeste?
Diz [o Senhor]: “Assim deveis orar: Pai nosso que estás nos céus”. O homem novo, renascido e restituído a Deus pela sua graça, diz, logo de início, Pai, porque já começou a ser filho.
“Veio ao que era seu e os seus não o receberam. A todos, porém, que o receberam, deu o poder de tornarem-se filhos de Deus, a eles que creem no seu nome”.
Portanto, aquele que crê no seu nome e torna-se filho de Deus deve começar imediatamente a dar graças e a confessar-se filho de Deus. E ao dirigir-se a Deus, chamando-o de Pai que está no céu, indica também, pelas primeiras palavras da vida nova, que renunciou ao pai terreno e carnal e que conhece o Pai que começou a ter no céu.
Assim está escrito: “Quem diz a seu pai e a sua mãe ‘não os conheço’, e a seus filhos ‘não sei quem sois’, este guardou os teus preceitos e conservou o teu testamento”.
Igualmente o Senhor ensinou em seu evangelho que não devemos reconhecer pai na terra porque um só é nosso Pai que está nos céus. Por isso responde ao discípulo que fizera menção do pai falecido: “Deixa aos mortos que sepultem os seus mortos”.
Ele havia dito que o seu pai estava morto; contudo, o Pai dos crentes é vivo. Devemos, irmãos diletíssimos, considerar e entender que não só chamamos de Pai aquele que está nos céus, mas que apontamos e dizemos Pai nosso, isto é, [Pai]
daqueles que creem, daqueles que foram santificados por ele [mesmo] e que, reparados pelo nascimento da graça espiritual, começaram a ser filhos de Deus.
Mas também essa expressão censura e fere os judeus, pois o Cristo fora anunciado a eles pelos profetas e a eles primeiramente enviado, e eles não só o desprezaram com infidelidade, mas também o mataram cruelmente; por isso já não podem mais chamar a Deus de Pai, já que o Senhor os confunde e responde, dizendo: “Vós nascestes do diabo e quereis praticar as concupiscências do vosso pai. Ele foi, de fato, homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade”.
Do mesmo modo, Deus exclama indignado pelo profeta Isaías: “Gerei filhos e os engrandeci; eles, porém, me desprezaram. O boi conhece o seu dono e o asno a manjedoura do seu Senhor. Israel, porém, não me conhece, o meu povo não me entende. Ai da nação pecadora, ai do povo cheio de pecado, raça perversa e filhos iníquos; abandonastes o Senhor e lançastes no opróbrio o Santo Israel”.
É para imputar-lhes os crimes que, ao rezarmos nós cristãos, dizemos “Pai nosso”, pois começou a ser nosso e deixou de ser dos judeus, que o abandonaram. Um povo pecador não pode ser filho; esse nome é dado aos que receberam a remissão dos pecados.
A estes igualmente foi prometida a eternidade, conforme ele próprio diz: “Todo aquele que pratica o pecado é escravo do pecado. O escravo não permanece em casa eternamente, mas é o filho que permanece”.
Como é grande, portanto, a indulgência do Senhor! Ele nos envolve com a abundância do seu favor e da sua bondade, a ponto de querer que, ao elevarmos a Deus a nossa oração, chamemos Deus de Pai; de modo que, assim como o Cristo é filho, nós também sejamos chamados filhos de Deus.
Se o próprio Cristo não nos tivesse permitido orar dessa maneira, nenhum de nós ousaria pronunciar o nome de Pai. Por isso devemos saber e lembrar que, se dizemos que Deus é Pai, precisamos agir como filhos de Deus, para que, do mesmo modo que nos alegramos de Deus Pai, ele também se alegre de nós.
Vivamos, pois, como templos de Deus, para que se note que ele habita em nós. Que nossa ação não seja indigna do Espírito, para que nós, que começamos a ser celestes e espirituais, não pensemos e pratiquemos o que não é celeste, nem espiritual, pois o Senhor Deus mesmo disse: “Eu glorificarei os que me glorificam e desprezarei os que me desprezam”.
O bem-aventurado apóstolo também na sua epístola: “Não sois vossos. Fostes comprados por um grande preço. Glorificai a Deus e levai-o no vosso corpo”.

6. Santificado seja o teu nome.
Depois disso dizemos: “Santificado seja o teu nome”. Não porque pretendamos que Deus seja santificado por nossa oração, mas lhe pedimos que o seu nome seja santificado em nós.
De resto, por quem poderia ser santificado aquele que é o santificador? Mas como ele disse: “sede santos, porque eu também sou santo”, pedimos e rogamos perseverar naquilo que começamos a ser pela santificação do batismo.
E o pedimos diariamente. Pois nos é necessária uma santificação quotidiana, a fim de purificar-nos continuamente dos pecados em que diariamente incidimos.
O apóstolo nos indica qual é essa santificação que nos é conferida pela misericórdia
de Deus: “Nem os fornicadores, nem os adoradores de ídolos, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pervertidos, nem os avaros, nem os fraudulentos, nem os ébrios, nem os maldizentes, nem os ladrões possuirão o Reino de Deus. Na verdade, fostes isso tudo, mas fostes lavados, justificados e santificados em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus”.
Diz que estamos santificados em nome do
Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. Oramos para que esta santificação permaneça em nós. E – visto que o nosso Senhor e juiz previne aquele que foi por ele curado e vivificado para não reincidir em pecado, a fim de que não lhe aconteça algo de pior – fazemos esta prece em orações contínuas, suplicamos dia e noite que a santificação e a vivificação que recebemos de sua graça se conservem em nós com a Sua proteção.

7. Venha o teu Reino.
Segue na oração: “venha o teu Reino”. Pedimos também que o Reino de Deus se torne presente a nós, como havíamos pedido que o seu nome fosse santificado em nós.
De fato, quando é que Deus não reina, ou quando começou para ele o [Reino] que sempre existiu e nunca deixa de existir?
Pedimos que venha a nós o nosso Reino, isto é, o Reino que nos foi prometido por Deus [e] obtido pelo sangue e paixão do Cristo; a fim de que, os que servimos no século como servos, venhamos a reinar com o Cristo vitorioso, conforme ele promete, dizendo: “Vinde, benditos do meu Pai, apossai-vos do Reino que para vós está preparado desde o começo do mundo”.
É verdadeiramente possível, irmãos caríssimos, que o próprio Cristo seja o Reino de Deus ao qual queremos chegar, cada dia, e cujo advento pedimos que se abrevie.
Pois como ele é a ressurreição, porque nele ressuscitamos, podemos igualmente conceber que
ele seja também o Reino de Deus, uma vez que nele havemos de reinar.
E com razão pedimos o Reino de Deus, isto é, o Reino celeste, pois há também um reino terrestre.
Quem, contudo, já renunciou ao século está acima do seu reino e das suas honras. Por isso aquele que se consagra a Deus e ao Cristo não deseja reinos terrestres, mas celestes.
É preciso, porém, que sejamos contínuos na prece e na oração para que não nos desviemos do reino celeste, como fizeram os judeus, aos quais isto primeiramente fora prometido pelo Senhor, que indica e prova: “Muitos virão do oriente e do ocidente e terão lugar com Abraão, Isaac e Jacob no Reino dos céus. Porém, os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores onde haverá choro e ranger de dentes”.
[Assim,] Ele mostra que antes os judeus, enquanto perseveravam como filhos de Deus, eram também os filhos do Reino. Depois, quando o nome paterno deixou de existir para eles, cessou também o reino.
E, por isso, os cristãos, nós que começamos a chamar a Deus de Pai na oração, pedimos que venha o Reino de Deus.


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