terça-feira, 21 de abril de 2020

131 - Cipriano de Cartago (210-258) A Oração do Senhor (8-9)

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A luta contra as tentações | Secretariado Nacional da Pastoral da ...

131

Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Oração do Senhor (8-9)


8. Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores.
Depois disso, pedimos pelos nossos pecados, dizendo: “perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”.         
Depois do socorro do alimento, pedimos o perdão do pecado, a fim de que aquele que é alimentado por Deus viva em Deus; cuide não somente da vida presente e temporal, mas da eterna, à qual se pode chegar quando os pecados são perdoados; pecados que o Senhor chama de dívida: “Perdoei-te toda a tua dívida, porque me pediste”.
Mas, quão necessária, quão salutar e previdentemente se nos adverte que somos pecadores e que devemos rogar pelos nossos pecados, para que, ao pedirmos a misericórdia de Deus, tomemos consciência de nós mesmos.
Para que ninguém se contente de si mesmo, presumindo-se inocente, nem avance mais para a morte, exaltando-se, ao recebermos a ordem de orar cada dia pelos nossos pecados, somos ensinados e instruídos que pecamos diariamente.
Por isso, assim adverte João, na sua epístola, dizendo: “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. Se, porém, confessarmos os nossos pecados, fiel e justo é o Senhor para perdoá-los (I Jo 1.8).
Em sua epístola, [João] compreendeu tanto que devemos rogar pelos nossos pecados quanto que conseguiremos a indulgência (misericórdia) quando rogarmos.
Por isso, disse que o Senhor é fiel no cumprimento da fé de sua promessa de perdoar os pecados.
Pois aquele que nos ensinou a orar pelos [próprios] pecados e dívidas prometeu a misericórdia paterna e o perdão que a esta se seguiria.
E acrescentou claramente, ao adicionar como condição segura e como garantia do nosso pedido, o modo [de fazê-lo]: que peçamos que nos sejam perdoadas as dívidas na medida em que perdoamos aos nossos devedores.
Assim sabemos que não podemos conseguir o que pedimos para os nossos pecados, se não fizermos o mesmo em relação aos nossos devedores.
Pois, diz o Senhor, em outro lugar: “Na medida com que medirdes, sereis medidos” (Mt 7.2).
Assim, aquele servo que, depois de receber do Senhor o perdão de toda a sua dívida, não quis fazer o mesmo para o seu companheiro, foi confinado no cárcere (Mt 18.31-34).
Porque não quis ser indulgente com o companheiro, perdeu a indulgência que recebera do Senhor. Ainda outra vez, mais fortemente e com sua advertência mais enérgica, o Cristo propõe com vitalidade este entre os seus preceitos: “Quando fordes orar, perdoai se tendes alguma coisa contra alguém, para que o vosso Pai celeste vos perdoe os pecados. Se, porém, não perdoardes, nem o vosso Pai do céu perdoará os vossos pecados” (Mc 11.25).
Não te restará, pois, escusa alguma no dia do juízo, quando fores julgado conforme a tua sentença: como fizeste, assim te será feito.
Deus, então, preceituou que sejamos pacíficos, concordes e unânimes em sua casa. Ele quer que perseveremos tal como nos fez pelo renascimento da segunda natividade, a fim de que nós que começamos a ser filhos de Deus permaneçamos na sua paz e nós que temos um só Espírito tenhamos uma só alma e um só sentir (I Co 1.10).
Assim, Deus não aceita o sacrifício do dissidente, mas manda que volte do altar e reconcilie antes com o irmão, para que também Deus possa ser benigno com as preces pacíficas (Mt 5.24).
O maior sacrifício a Deus é a nossa paz, a concórdia fraterna e a união do povo na unidade que vem do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Por isso, tampouco nos sacrifícios que Caim e Abel, como os primeiros, ofereceram a Deus, ele não olhou para as dádivas, mas para os corações (Hb 11.4).
Agradou-lhe pela dádiva o que agradava-o pelo coração. Abel, pacífico e justo, oferecendo o seu sacrifício com inocência, ensinou os outros que viessem ao altar trazer a sua oferenda a vir, assim, com temor de Deus, com simplicidade de coração, com a lei da justiça, com a concórdia da paz.
Com razão, portanto, tendo sido assim no sacrifício a Deus, tornou-se ele próprio um sacrifício a Deus, para que ele, que possuía a justiça e a paz do Senhor, iniciasse, pela manifestação do primeiro martírio na glória do seu sangue, a paixão do Cristo.
Tais serão coroados pelo Senhor, tais serão julgados com o Senhor no dia do juízo.
Os outros, os discordantes e dissidentes, os que não estão em paz com os irmãos, segundo o testemunho do apóstolo e da escritura santa, ainda que morram pelo nome [do Cristo], não poderão apagar seu crime de discórdia fraterna.
Porque está escrito: “Quem odeia o seu irmão é homicida, e o homicida nem chega ao Reino, nem vive com Deus” (I Jo 3.15).
Não pode estar com Cristo quem é imitador de Judas, em vez de Cristo.
Quão grande é essa falta, que nem o batismo de sangue pode apagar! Quão grande é esse crime, que nem o martírio pode expiar!

9. E não nos deixes cair em tentação
O Senhor também instrui que é necessário que digamos na oração: “E não nos deixes cair em tentação”.
Isso mostra que o adversário nada pode contra nós sem que Deus o permita, a fim de que se volte para Deus todo o nosso temor, zelo e devoção; pois nada é possível ao mal no sentido de tentar-nos sem que lhe seja dado o poder.
Prova-o a Escritura, que diz: “Veio Nabucodonosor, rei da Babilônia, a Jerusalém e atacou-a; o Senhor entregou-a em suas mãos” (Ed 5.12).
Mas o poder contra nós é dado ao mal segundo os nossos pecados, conforme está escrito: “Quem entregou Jacó ao massacre e Israel aos espoliadores? Não foi Deus, contra quem pecaram, cujas vias não quiseram seguir e cuja lei não quiseram ouvir que converteu para eles a ira do seu ânimo”? (Is 42.24).
E novamente, [está escrito] a respeito de Salomão, quando este pecou e se afastou dos preceitos e dos caminhos do Senhor: “O Senhor excitou Satanás contra Salomão”.
De duas maneiras é dado poder contra nós: para castigo, quando pecamos; para glória, quando somos provados.
Vemos, por clara manifestação de Deus, que assim aconteceu com Jó. Diz Deus: “Eis que tudo o que é dele coloco em teu poder: atento, porém, a não tocares nele” (Jó 1.12).
E o Senhor, no seu evangelho, no tempo da paixão, diz: “Nenhum poder terias contra mim, se te não fosse dado do alto” (Jo 19.11).
Ao rogar para não cairmos em tentação, somos lembrados da nossa fraqueza e miséria; e rogamos assim para que ninguém se exalte insolentemente, nem tome orgulhosa e arrogantemente algo como seu, nem ainda considere como sua a glória da confissão ou do martírio.
Pois, ensinando-nos a humildade, diz o Senhor: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26.41).
Antepõe, assim, uma confissão humilde e submissa ao pedido, atribui tudo a dádiva divina, a fim de que se obtenha da sua misericórdia aquilo que se pede com temor e reverência.

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