segunda-feira, 20 de junho de 2022

204 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Quarto (Capítulos 1-14).

 


204

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Quarto (Capítulos 1-14)


 

Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

 

LIVRO QUARTO

Capítulo 1.

1.      Embora pelos livros anteriores, que já há algum tempo escrevemos, julguemos absolutamente conhecidas a fé e a confissão do Pai e do Filho e do Espírito Santo a partir das doutrinas evangélicas e apostólicas, não podemos aceitar que algo nos possa ser comum com os hereges, já que, sem moderação nem boas razões e com ousadia, rejeitam a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

2.      Contudo, também em seus livros existe algo que deve ser estudado, para que, por todos os seus sofismas e ditos ímpios, se torne mais perfeito o conhecimento da verdade.

3.      Em primeiro lugar, deve-se conhecer a temeridade de sua doutrina e qual seja o perigo da impiedade, em seguida, quais suas sentenças contra a fé apostólica por nós professada e o que costumam dizer em contrário, qual a ambiguidade das palavras que iludem os simples ouvintes e, finalmente, como, com a arte de suas interpretações, corrompem a verdade e a força das divinas palavras.

 

Capítulo 2.

4.      Não ignoramos que, para explicar o que é de Deus, não pode bastar nem a palavra humana nem a comparação com a natureza. O que é inefável não encontra, de modo algum, palavra que o exprima e o que é espiritual é diferente da imagem e dos exemplos tirados das coisas corpóreas.

5.      Contudo, quando se trata de falar da natureza celeste, deve ser dito o que nossa mente pode compreender por meio das palavras consagradas pelo uso comum, não porque convenham à dignidade de Deus, mas porque são necessárias à fraqueza de nossa inteligência, pois mediante aquilo a que estamos acostumados, temos de falar do que sentimos e compreendemos.

6.      O que atestamos no primeiro livro, agora relembramos por esta razão. Se expressamos algo por meio de comparações humanas, daí não se segue que acreditemos poder pensar sobre Deus como sobre as naturezas corpóreas, nem comparar as coisas espirituais às nossas paixões. Antes, usamos exemplos tirados das coisas visíveis, para poder compreender as invisíveis.

 

Capítulo 3.

7.      Dizem os hereges que Cristo não vem de Deus, isto é, que não é Filho, nascido do Pai, nem é Deus por natureza, mas por criação, e que em seu nome está significada a adoção, porque, assim como são muitos os filhos de Deus, também seria filho, devido à munificência da divindade. Como são muitos os deuses, também Ele seria Deus, sendo maior a indulgência em relação a Ele pelo afeto da adoção e do nome. Seria adotado de preferência a todos os outros e seria maior do que os outros filhos adotivos, tendo sido criado de modo mais excelente que todas as criaturas, ultrapassando todo o criado.

8.      Dizem também alguns deles, que confessam a onipotência de Deus, ter sido criado à semelhança de Deus, a partir do nada, como as outras criaturas, e constituído à imagem do seu eterno Criador. Por uma ordem divina, passou de não existente à existência, porque Deus é poderoso para formar, a partir do nada, alguém semelhante a Ele.

 

Capítulo 4.

9.      Não dizem só isto, mas, ao ouvirem, dito por bispos anteriores, que o Pai e o Filho têm a mesma substância, querem, com sutileza, que se enfraqueça, sob a forma de herética opinião, o significado da palavra consubstancial, que em grego se diz homoousio.

10.  Acrescentam que eles valem-se desta palavra para dizer que o próprio Pai é o mesmo Filho e que, por sua infinidade, Ele se estendeu até a Virgem, assumindo dela um corpo e, neste corpo que assumiu, acrescentou a si mesmo o nome de Filho. É esta a primeira de suas falsidades sobre o homoousio.

11.  A seguinte é a afirmação de que o nome de homoousio significa que os dois têm em comum uma coisa anterior e diferente deles, que já existia antes, como substância ou ousia de uma matéria qualquer, a qual, comunicada aos dois e completamente transformada em um e outro, atesta que um e outro participam da mesma natureza preexistente e da mesma essência. Reprovam por este motivo a profissão de fé do homoousio: porque esta expressão não distingue o Filho do Pai e mostra o Pai como sendo posterior à matéria que é comum a Ele e ao Filho.

12.  Em terceiro lugar, também inventam outro motivo para rejeitarem o termo, pois, de acordo com o significado da palavra, julgam ter vindo o Filho da divisão da substância paterna, como se houvesse um corte, como uma coisa é dividida em duas partes. Dizem ser da mesma natureza porque a parte separada do todo tem a mesma natureza daquilo de que foi separada.

13.  Mas em Deus não pode haver divisão, e, se assim fosse, se tornaria imperfeito, já que sua substância, pelo corte de outra porção, perderia sua perfeição.

 

Capítulo 5.

14.  Julgam poder opor-se com razão à doutrina profética, como também à evangélica e apostólica, ao pregarem a natividade do Filho no tempo.

15.  Por afirmarem que dizemos erroneamente que o Filho sempre existiu, forçoso é que, excluindo que tenha existido sempre, confessem sua natividade a partir do tempo, pois, se houve tempo em que não foi, terá existido um tempo anterior a Ele; porque quem não é sempre, começou a ser no tempo.

16.  O que é livre do tempo não precisa de tempo porque existe sempre. Afirmam então rejeitar que o Filho tenha sido sempre, para que não se acredite que, por ter sempre existido, não tenha nascido; como se, pela afirmação de ter sido sempre, fosse declarado inascível.

 

Capítulo 6.

17.  Que ímpios e estultos temores e que irreligiosa solicitude por Deus! Aquilo que denunciam na significação da palavra homoousion e na afirmação de que o Filho sempre existiu, a Igreja abomina, rejeita, condena.

18.  Reconhece um só Deus, de quem tudo vem, e conhece também um só Senhor nosso, Jesus Cristo, por meio de quem tudo vem. Um de quem tudo procede, Um por meio de quem tudo foi feito; a origem de todas as coisas, que está em um só, e a criação de tudo, por meio de um só.

19.  Naquele que é Um, de quem tudo procede, reconhece o poder da inascibilidade; no que é Um, por meio de quem tudo foi feito, venera o poder, em nada diferente do Criador, pois em relação àquilo que é criado, é comum a autoridade daquele do qual tudo é criado e daquele pelo qual tudo é criado.

20.  Conhece (a Igreja), no Espírito, o Deus Espírito impassível e indivisível, pois aprendeu do Senhor que o Espírito não tem ossos nem carne (cf. Lc 24,39); não se creia, talvez, que possa ser afetado pelos defeitos das paixões corporais.

21.  Conhece o único Deus inascível; conhece também o único Unigênito Filho de Deus. Confessa o Pai eterno e sem origem, confessa a origem do Filho desde a eternidade, não a partir de um início, mas a partir do que não pode ter início. Ele não é por si mesmo, mas procede daquele que sempre existiu sem proceder de ninguém, nascido do Eterno, recebendo da paterna eternidade a natividade.

22.  Portanto nossa fé nada tem a ver com a opinião da herética maldade. Eis a profissão de nossa fé, embora ainda não tenha sido exposta a razão desta profissão.

23.  Contudo, para que não subsista suspeita alguma acerca do emprego desta palavra homoousion pelos Padres, nem a respeito daquilo que sempre foi professado, relembramos que se reconhece subsistir o Filho na substância em que foi gerado pelo Pai e que, da substância do Pai em que permanece, pela natividade do Filho nada foi tirado.

24.  O Filho não é dito homoousion do Pai, por causa dos citados vícios e motivos, pelos santos homens, fervorosos na doutrina de Deus, não fosse alguém julgar que se exclui, com a palavra ousia, o nascimento do Filho unigênito, ao dizer que é homoousion ao Pai.

 

Capítulo 7.

25.  Entendamos o motivo pelo qual se fez necessário empregar tais palavras com vistas à máxima segurança da fé, também contra os hereges que então se agitavam. Julgo que, para responder à perversidade dos hereges, devemos refutar todas as suas estultas e mortíferas instituições que contradizem os testemunhos evangélicos e apostólicos.

26.  Vejamos por que eles pensam poder provar cada uma de suas afirmações, que foram tiradas dos testemunhos dos livros sagrados, mas foram falseadas e, por seu sentido corrompido, somente podem agradar aos ignorantes, pois podem parecer verdadeiras conforme a perversidade dos intérpretes.

 

Capítulo 8.

27.  Celebrando somente a divindade de Deus Pai, esforçam-se por negar que o Filho seja Deus, porque está escrito: Ouve, Israel, o Senhor teu Deus é um só (Dt 6,4), porque, ao doutor da Lei, que o interrogava sobre o maior dos preceitos da Lei, disse o Senhor: Ouve, Israel, o Senhor teu Deus é um só (Mc 12,29) e porque Paulo prega: Pois há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,3).

28.  Depois, para provar ser somente Ele o sábio e para não deixar nenhuma sabedoria ao Filho, citam o Apóstolo, que diz: Aquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, segundo a revelação do mistério escondido desde os séculos eternos, agora, porém, manifestado e, pelas Escrituras proféticas, por disposição do Deus eterno, dado a conhecer a todos os Gentios para levá-los à obediência da fé, a Deus, o único sábio, por meio de Jesus Cristo; a Ele seja dada a glória pelos séculos dos séculos (Rm 16,25-27).

29.  Dizem ainda que é o único inascível e único verdadeiro, porque Isaías disse: Bendigam-te, Deus verdadeiro (65,16), e o mesmo é afirmado nos Evangelhos pelo Senhor, que diz: Esta é a vida eterna, que te conheçam a ti, único e verdadeiro Deus, e a quem enviaste, Jesus Cristo (Jo 17,18).

30.  Dizem que é o único bom, de tal modo que não haja bondade no Filho, pois por Ele foi dito: Ninguém é bom, a não ser o único Deus (Mc 10,18). Dizem, ainda, que é o único poderoso, porque Paulo disse: A quem mostrará nos tempos estabelecidos o Bendito e único Poderoso, o Rei dos reis e Senhor dos senhores (1Tm 6,15).

31.  Em seguida só a Ele reconhecem como inconversível e imutável, pois, pelo Profeta, dissera: Eu sou o Senhor vosso Deus, e não mudo (Ml 3,6), e o apóstolo Tiago escrevera: Em quem não há mudança (Tg 1,17).

32.  A Ele reconhecem como justo Juiz, porque está escrito: Deus justo juiz, forte e paciente (Sl 7,12), a Ele, que de tudo cuida, porque o Senhor disse, ao falar de aves: E vosso Pai celeste as alimenta (Mt 6,26), e ainda: Não se compram dois pardais por um asse? E nenhum deles cai por terra sem o consentimento de vosso Pai. Mas também vossos cabelos estão todos contados (Mt 10,29).

33.  A Ele, que a tudo providencia, como a santa Suzana diz: Deus eterno, conhecedor das coisas ocultas, que sabes todas as coisas antes que aconteçam (Dn 13,42).

34.  A Ele reconhecem também como impossível de ser contido, segundo o que é dito: O céu é o meu trono, e a terra o escabelo de meus pés. Que casa me haveis de edificar, que lugar para meu repouso? Tudo isto foi a minha mão que fez, tudo isto me pertence (Is 66,1).

35.  Dele também afirmam que tudo contém, no dizer de Paulo: Porque nele vivemos e nos movemos e somos (At 17,28), e do Salmista: Para onde ir, longe do teu espírito? Para onde fugir longe de tua face? Se subo aos céus, lá estás, se mergulho no abismo, aí te encontro. Se tomo as asas da aurora para habitar nos limites do mar, mesmo lá é tua mão que me conduz, e tua destra me sustenta (Sl 139.7-10).

36.  A Ele também reconhecem como incorpóreo, porque foi dito: Deus é Espírito, e os que o adoram, em Espírito e verdade devem adorá-lo (Jo 4,24). Reconhecem-no com imortal e invisível, no testemunho de Paulo: Aquele que é o único a possuir a imortalidade, que habita numa luz inacessível, a quem nenhum homem viu nem pode ver (1Tm 6,16), e conforme o Evangelho: Ninguém jamais viu a Deus, a não ser o Filho Unigênito, que está no seio do Pai (Jo 1,18).

37.  Reconhecem-no também como único permanente e inascível, porque foi dito: Eu sou o que sou (Ex 3,14), e: Enviou-me a vós aquele que é, e porque disse Jeremias: Que és o Senhor, ó Senhor (Jr 1,6).

 

Capítulo 9.

38.  Quem não vê que estas citações estão cheias de fraude e de enganos? Embora estejam sutilmente confundidas e misturadas, atestam, no entanto, o artifício malicioso e a astúcia e inépcia da estultice.

39.  Entre outras falsidades, acrescentam que somente ao Pai reconhecem como inascível, como se alguém pudesse duvidar de que Aquele de quem foi gerado Aquele por quem tudo existe, exista sem ter recebido de ninguém aquilo que é. Ele, porque é dito Pai, se mostra como sendo a origem daquele a quem gerou, tendo um nome pelo qual se entende que não provém de outro e que indica de quem o que é gerado recebe a existência.

40.  Portanto, o que é próprio a Deus Pai, deixemo-lhe como próprio, confessando haver nele o inascível poder da eterna virtude.

41.  Julgo que ninguém tem dúvidas acerca do motivo pelo qual, na confissão de Deus Pai, eles mencionam algo como peculiar e próprio, de modo a não ser possível a outro ser participante do que lhe é exclusivo. Pois, quando dizem: único verdadeiro, único sábio, único invisível, único bom, único poderoso, único a possuir a imortalidade, por dizerem que tudo isto só a Ele pertence, separam o Filho da comunhão com os mesmos atributos, pois, segundo dizem, o que é próprio a um só não é partilhado por outro.

42.  Se tudo está somente no Pai e não também no Filho, afirmam que é forçoso que se acredite ser o Filho um Deus falso, ignorante, feito de matérias visíveis e corpóreas, malévolo, fraco e privado da imortalidade. Por tudo isso, já que o Pai é único, deve ser posto de parte.

 

Capítulo 10.

43.  Não julgamos que o que vamos dizer sobre a majestade perfeitíssima e a plena divindade do Filho unigênito de Deus possa levar alguém a considerar que estas palavras tenham por finalidade algum ultraje a Deus Pai, como se o que é dito sobre o Filho diminuísse algo da dignidade do Pai.

44.  Pelo contrário, a honra do Filho é a dignidade paterna e por ela é glorificado Aquele de quem nasce quem é digno de tal glória, pois o Filho nada tem que não lhe advenha do nascimento, e a admiração pela honra do que é gerado resulta em honra para o Genitor.

45.  Afaste-se toda a ideia de ultraje, pois o que se ensina haver na majestade do Filho terá por resultado ampliar o poder daquele que o gerou assim.

 

Capítulo 11.

46. Conhecidas as ideias apresentadas, com o objetivo de inferiorizar o Filho em relação ao Pai, convém ouvir o que sobre o mesmo Filho professam. A fim de responder a cada proposição e demonstrar ser irreligiosa sua doutrina, a partir das palavras divinas, devemos acrescentar ao que foi dito sobre o Pai o que é afirmado sobre o Filho, para que comparando entre si suas afirmações, mantenhamos a mesma ordem na solução de cada proposição.

47. Dizem que: “o Filho de Deus não foi gerado de nenhuma matéria subjacente, porque por Ele tudo foi criado, nem provém de Deus, porque de Deus nada pode ser tirado. Existe a partir do que não existia; é uma perfeita criatura de Deus. Embora não seja criatura como todas as outras, no entanto, é criatura, pois está escrito: O Senhor me criou para o início de seus caminhos (Pr 8,22). É criatura perfeita, mas não é semelhante às outras obras, como diz Paulo: Feito tanto superior aos anjos quanto mais excelente o nome que herdou excede o deles (Hb 1,4), e também: Assim, irmãos santos, participantes da vocação celeste, considerai atentamente a Jesus Cristo, o apóstolo e sumo sacerdote de nossa profissão de fé. É fiel a quem o fez (Hb 3,1).

48.  A fim de diminuir a força, o poder e a divindade do Filho, citam principalmente esta palavra: O Pai é maior do que eu (Jo 14,28). Mesmo assim concedem que não seja uma dentre todas as criaturas, porque está escrito: Tudo foi feito por Ele (Jo 1,3). Concluem então toda a impiedade de sua doutrina com estas palavras (exemplo de sua blasfêmia, que diz ser criatura o filho de Deus):

Capítulo12.

49. Conhecemos um só Deus, único incriado, único eterno, único sem princípio, único verdadeiro, único imortal, único verdadeiramente bom, único poderoso, que cria, ordena e dispõe todas as coisas, inalterável, imutável, justo e inteiramente bom.

50.  Deus da Lei e dos Profetas e do Novo Testamento. Este Deus gerou um Filho unigênito antes de todos os séculos, por meio do qual criou os séculos e todas as coisas, nascido, não em aparência, mas em verdade, obediente à sua vontade, imutável e inalterável, criatura perfeita de Deus, porém não como uma das criaturas, feito por Deus, porém não como as demais obras. O Filho não é, como Valentino pensou, uma prolação do Pai, nem é uma parte da única substância do Pai, como explicou Maniqueu, nem como interpreta Sabélio, que separa a união, que diz que o Filho é o mesmo que o Pai, nem, como quer Hieracas, é luz de luz, ou uma lâmpada dividida em duas partes. Aquele que existia antes não nasceu depois e foi recriado como Filho, como tu mesmo, beatíssimo Pai, no meio da Igreja e na assembleia contradisseste com frequência os que introduzem tais ensinamentos. Mas é, como dissemos, criado pela vontade do Pai antes dos tempos e dos séculos, recebe do Pai a vida e o ser, e o Pai o glorifica ao fazê-lo participar de seu ser. O Pai, ao dar-lhe em herança todas as coisas, não se despojou dos atributos incriados que possui, pois é fonte de todas as coisas.

 

Capítulo 13.

51. Por isso são três as Pessoas (hypostaseis): Pai, Filho e Espírito Santo. Certamente Deus é causa de todas as coisas, absolutamente único e sem começo. O Filho saiu do Pai, fora do tempo, criado e constituído antes dos séculos, não existia antes de nascer, mas nasceu antes de todas as coisas, fora do tempo. Recebe o ser, Ele só, do Pai só. Não é nem eterno, nem coeterno, nem incriado junto com o Pai, nem tem seu ser junto com o Pai, como alguns dizem a respeito de outro, introduzindo dois princípios não nascidos, senão, assim como Deus é a união e princípio de tudo, assim existe anteriormente a tudo. Por isso existe também antes do Filho, como aprendemos de tua pregação no meio da Igreja. Por isso tem de Deus a glória e a vida e tudo lhe foi entregue segundo isto: Deus é seu princípio. E Deus lhe é superior como seu Deus, pois existe antes dele. Se as palavras “dele” (Rm 11,36), “do seio(Sl, 109,3) e “saí do Pai e vim(Jo 16,28) se entendem como se fosse parte de sua única substância ou como uma prolação que se estende, o Pai, segundo eles, seria composto, divisível, mutável e corpóreo e segundo suas próprias palavras, o Deus incorpóreo suportaria as consequências de sua corporeidade”.

 

Capítulo 14.

52. É este o seu erro, é esta a doutrina mortífera. Para confirmar o seu sentido corrompido, usurpando o testemunho das palavras divinas, tecem mentiras sobre elas, graças à humana ignorância.

53. É preciso que ninguém duvide de que, para o conhecimento das coisas divinas, devem ser empregadas as doutrinas divinas.

54. Pois a humana fraqueza não obterá por si mesma a ciência das coisas celestes, e a inteligência das coisas corpóreas não poderá adquirir o conhecimento do que é invisível. Aquilo que foi criado em nós e é carnal e o que por Deus nos foi dado para vivermos nossa vida não poderá, com seu próprio juízo, discernir a natureza do Criador e de sua obra.

55. Nossas inteligências não comportam a ciência celeste, e nossa pequenez não pode conceber, de maneira alguma, o incompreensível poder.

56. Deve-se crer no que Deus diz de si mesmo e aceitar aquilo que nos concede conhecer. Pois, ou, como os gentios, devemos rejeitá-lo, se não são aprovados seus testemunhos, ou, se cremos que é Deus (como realmente é), não podemos entender outra coisa, a não ser o que afirmou a respeito de si mesmo.

57. Cessem, portanto, as opiniões particulares dos homens, e não se estendam para além das divinas disposições os juízos humanos.

58. Seguimos, contra as afirmações irreligiosas e ímpias sobre Deus, o próprio sentido das palavras divinas. Falaremos, valendo-nos da autoridade daquele sobre quem se procura saber, sem enganar e instruir falsamente a ignorância dos ouvintes.

59.  Não uniremos sem razão as palavras, excetuando as causas pelas quais foram enunciadas, visto que se deve apreender o sentido do que é dito a partir das causas pelas quais é dito e não se deve subordinar o sentido à palavra, mas a palavra ao sentido.

60.  Estudaremos tanto as palavras ditas como sua causa e seu sentido e tornaremos a tratar de cada uma segundo a ordem determinada.

 

O que você destaca no texto e colo ele serve para sua espiritualidade?

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