203
Hilário
de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro
Terceiro (Capítulos 15-26)
Divisão do Tratado
O
Tratado está dividido em 12 livros.
O
livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral
do trabalho.
O
livro II é um resumo da doutrina da Trindade.
O
livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.
1. O
Filho glorifica totalmente o Pai no que se segue: Eu te glorifiquei sobre a
terra, terminei a obra que me deste a fazer. Todo o louvor do Pai vem do
Filho, porque quando o Filho for louvado, o Pai será louvado. Levou a termo
tudo o que o Pai quis.
2. O Filho
de Deus nasce como Homem, mas no parto da Virgem está o poder de Deus. O Filho
de Deus se manifesta como Homem, mas Deus está nas obras do Homem. O Filho de
Deus é crucificado, mas, na cruz, Deus vence a morte do Homem. Cristo, o Filho
de Deus, morre, mas toda carne é vivificada em Cristo. O Filho de Deus está no
reino dos mortos, mas o Homem é reconduzido ao céu.
3. Quanto
mais estas coisas forem louvadas em Cristo, tanto maior louvor será dado Àquele
de quem Cristo recebe o ser Deus. Deste modo, o Pai glorifica o Filho na terra
e, diante da ignorância dos povos e da estultice dos séculos, o Filho, pelo
poder de suas obras, glorifica Aquele do qual Ele veio.
4. Esta reciprocidade
na glorificação não aumenta sua divindade, mas diz respeito à honra recebida
pelo conhecimento dos que antes eram ignorantes. Pois o que não possuía em abundância
o Pai, de quem tudo vem? Ou o que faltava ao Filho, em quem se comprazia em
habitar toda a plenitude da divindade?
5. Portanto,
o Pai é glorificado na terra, quando a obra que ordena é realizada.
Capítulo
16.
6. Vejamos
qual é a glória que o Filho espera do Pai. Está absolutamente claro. Pois em seguida
temos: Eu te glorifiquei na terra e concluí a obra que me encarregaste de realizar;
e agora, glorifica-me, Pai, junto de ti, com aquela glória que tinha contigo, antes
que o mundo existisse. Manifestei teu nome aos homens (Jo 17,4). O Pai foi glorificado
pelas obras do Filho, quando foi reconhecido como Deus, quando foi manifestado
como Pai do Unigênito, quando quis que, para nossa salvação, o seu Filho nascesse
da Virgem como Homem.
7. Na
Paixão se cumpriu tudo aquilo que teve início quando nasceu da Virgem. Porque é
Filho de Deus, perfeito em tudo, nascido antes dos tempos na plenitude da
divindade, e agora é Homem, por sua origem na carne, pede para ser glorificado
junto de Deus, assim como Ele mesmo, na terra, glorificou o Pai porque então o
poder de Deus era glorificado, na carne, diante do mundo ignorante.
8. Qual
é, então, a glorificação que espera junto do Pai? Certamente, aquela que
possuía junto dele antes que houvesse mundo. Possuía a plenitude da divindade e
a tem, pois é Filho de Deus. Mas quem era Filho de Deus, também começou a ser
Filho do Homem, pois era o Verbo feito carne.
9. Não
perdeu o que era, mas começou a ser o que não era; não deixou o que era seu,
mas assumiu o que é nosso. Pede, para a natureza humana assumida por Ele, a
glória que não perdera.
10. Portanto,
já que o Verbo é o Filho, e o Verbo se fez carne, e o Verbo era Deus e estava
no princípio junto de Deus, e o Verbo era Filho antes da criação do mundo, o
Filho, agora feito carne, orava para que esta carne começasse a ser para o Pai
o mesmo que era o Verbo; para que o que tinha começado no tempo, recebesse a
glória da claridade daquele que está fora do tempo, para que, transformada no
poder de Deus e na incorrupção do Espírito, a carne fosse libertada da
corrupção.
11. Por conseguinte
é esta a prece a Deus, é isto que o Filho pede ao Pai, é esta a súplica da carne,
desta carne na qual, no dia do juízo, trazendo em si as feridas e as marcas da cruz,
todos o verão, na glória prefigurada no monte, na qual foi elevado aos céus, na
qual se assentou à destra de Deus, na qual foi visto por Paulo, na qual foi
glorificado por Estêvão.
Capítulo
17.
12. O
Senhor pediu estas coisas depois de ter manifestado aos homens o nome do Pai. Qual
é este nome? Acaso se ignorava o nome de Deus? Moisés ouviu-o na sarça, o Gênesis
o anunciou no início do relato da criação do orbe, a Lei o expôs, os profetas o
apresentaram, os homens o entenderam pelas obras deste mundo, os povos o veneravam,
ainda que falsamente. Assim sendo, o nome de Deus não era ignorado.
13. Contudo,
ignoravam-no completamente, pois ninguém conhece a Deus, a menos que confesse
também o Pai do Filho Unigênito, que não é parte, dilatação ou emanação, mas é
nascido dele de modo inenarrável e incompreensível, como Filho que procede do
Pai, possuindo a plenitude da divindade, pela qual e na qual nasceu,
verdadeiro, infinito e perfeito Deus.
14. Esta é
a plenitude de Deus. Pois se algo lhe faltasse, já não haveria a plenitude que
aprouve a Deus que nele habitasse (cf. Cl 1,19). Isto foi declarado pelo Filho
e manifestado aos ignorantes.
15. O Pai
é glorificado pelo Filho, quando é reconhecido como o Pai de tal Filho.
Capítulo 18
16. Desejando
suscitar em nós a fé em sua natividade, o Filho deu-nos o exemplo de suas
obras, para que, pela eficácia inenarrável de suas inenarráveis ações,
aprendêssemos qual é o poder inenarrável do seu nascimento.
17. Quando
a água foi transformada em vinho, quando, com cinco pães, foram saciados cinco
mil homens, sem contar as mulheres e crianças, e as sobras encheram doze
cestos, vê-se, mas não se entende o fato, acontece, mas não se compreende o
motivo pelo qual acontece. O resultado, no entanto, se impõe.
18. É
estultice procurar compreender por meio de falsas indagações aquilo que, por
sua natureza, não pode ser compreendido. Assim como o Pai é indescritível por ser
ingênito, também não se pode falar do Filho que é unigênito, porque o que foi
gerado é imagem do Ingênito.
19. É
necessário compreender a imagem, com a inteligência e as palavras, para poder
alcançar Aquele de quem é imagem. Nós, porém, vamos atrás de coisas invisíveis,
buscamos o incompreensível, com nossa inteligência limitada por coisas visíveis
e corpóreas.
20. Não
nos envergonhamos da estultice, não nos acusamos de impiedade, ao usar da má-fé
em relação aos arcanos de Deus e seus poderes.
21. Indagamos:
como é o Filho? De onde provém o Filho? Com que prejuízo para o Pai, ou de que
parte nasceu? Terás o exemplo dos milagres para acreditar que Deus pode
realizar o que não podes compreender.
Capítulo
19.
22. Perguntas
como o Filho nasceu segundo o Espírito, e eu te interrogo sobre coisas corpóreas.
Não indago como nasceu da Virgem nem se sua carne sofreu detrimento, gerando
uma carne perfeita.
23. Certamente
não recebeu o que deu à luz, mas sua carne, sem aquilo que envergonha a nossa
natureza, gerou Aquele que é perfeito e não sofreu
24. diminuição
no seu ser. Por conseguinte, sabemos que é justo julgar não ser impossível em
Deus o que, pelo poder divino, foi possível no homem.
Capítulo
20.
25. Consulto
a ti, quem quer que sejas, que procuras investigar o que não pode ser investigado,
grave árbitro dos segredos e dos poderes divinos, para que a mim, ignorante, que
apenas creio que todas as coisas são como Deus as disse, talvez me apresentes o
motivo destes fatos.
26. Escuto
o Senhor e, porque creio naquilo que está escrito, sei que, depois da
ressurreição, com frequência se deixou ver no corpo, por muitos descrentes.
27. Certamente
deixou-se ver por Tomé, que, se não tocasse em suas chagas, não acreditaria,
como disse: A não ser que eu veja em suas mãos o lugar dos cravos, e ponha a
mão em seu lado, não acreditarei (Jo 20,25).
28. O
Senhor se acomoda totalmente à fraqueza de nossa inteligência e, para
satisfazer as dúvidas dos infiéis, faz atuar o segredo do poder invisível.
29. Expõe
a razão deste fato, perscrutador das coisas celestes, quem quer que sejas.
30. Estavam
os discípulos fechados em casa, depois da paixão do Senhor, assentados em
segredo. O Senhor aparece para confirmar a fé de Tomé e, nas mesmas condições
por este impostas, oferece a possibilidade de apalpar o corpo e de tocar as
chagas. Na verdade, Aquele que fora ferido devia ser reconhecido por suas feridas.
Precisava mostrar seu corpo ferido.
31. Pergunto
então: por que parte da casa fechada entrou com o seu corpo? Com todo o cuidado
expressou-se o Evangelista: Chegou Jesus, estando fechadas as portas, e
pôs-se no meio deles (Jo 20,26).
32. Porventura
foi penetrando a solidez das paredes e a espessura da madeira que atravessou o
que por natureza é impenetrável? Pois achou-se de pé, com seu próprio corpo,
não com um corpo fictício ou enganoso.
33. Sigam,
portanto, os olhos de tua mente o ingresso de Cristo que entra e, com Ele,
entre na casa fechada o olhar de tua mente.
34. Tudo
está completamente fechado, mas aparece, no meio deles, Aquele por cujo poder
todas as coisas estão abertas. Inventas coisas falsas sobre o que é invisível.
Eu te peço com instância a razão das visíveis. Nada do que é sólido cede, nem,
por sua natureza, a madeira e as pedras deixam passar algo, como por uma
abertura invisível.
35. O
corpo do Senhor não desaparece para logo retornar do nada; então de onde vem o
que está de pé no meio deles? Diante disto, calam-se o pensamento e a palavra.
36. A
verdade do acontecido supera a razão humana. Portanto, se nos enganamos ao
falar de natividade, também podemos mentir acerca da entrada do Senhor.
37. Digamos
que não aconteceu este fato, porque não compreendemos o seu sentido. Se nossa
compreensão falha, deixará também de existir o acontecido. Mas a confiança na
autenticidade do que aconteceu vence nossa mentira.
38. O
Senhor, na casa fechada, achou-se no meio dos discípulos; também o Filho nasceu
do Pai. Não negues que Ele ali estivesse, porque, devido à fraqueza da
inteligência, não consegues entender a sua entrada através das paredes.
39. Não queiras
ignorar que, do ingênito e perfeito Deus Pai, nasceu o unigênito e perfeito
Deus Filho, porque o poder pelo qual se deu esse nascimento excede o
entendimento e a palavra.
Capítulo
21.
40. Todas
as obras que estão no mundo poderiam servir de testemunha, para que nós crêssemos,
sem duvidar, no poder de Deus. Mas nossa infidelidade opõe-se à verdade, e arremessamo-nos
contra ela, com violência, querendo opor-nos ao poder de Deus. Se nos fosse
possível, elevaríamos ao céu os corpos e as mãos, perturbaríamos os limites anuais
do curso do sol e dos outros astros, misturaríamos o fluxo e o refluxo do
oceano, impediríamos as fontes de fluir, alteraríamos a natureza dos rios,
abalaríamos os fundamentos da terra, e, com furor mortal, nos revoltaríamos
contra as obras de Deus.
41. Felizmente,
a natureza dos corpos nos retém pela necessidade de moderação.
42. Certamente
não nos enganamos. Se pudéssemos, iríamos fazer tudo isso, pois, já que nos é
possível, arruinamos a natureza da verdade e fazemos guerra às palavras de
Deus, pela audácia da vontade profana.
Capítulo 22.
43. Disse
o Filho: Pai, manifestei teu nome aos homens (Jo 17,6). Que inventaremos
contra isto? Por que nos indignamos? Tu negas o Pai? Mas se foi esta a máxima
obra do Filho, que conhecêssemos o Pai! Tu o negas totalmente quando dizes que
o Filho não nasceu dele. E por que é dito Filho, se foi feito por um ato de
vontade como todo o resto?
44. Posso
admirar o Deus criador do Cristo que cria o mundo. É poder digno de Deus ter
criado o criador dos arcanjos e dos anjos, das coisas visíveis e invisíveis, do
céu e da terra, de tudo o que pertence a esta criação.
45. Que tu
percebas que Deus tem o poder de criar todas as coisas não é a obra do Senhor,
mas sim, que tu saibas ser Deus o Pai deste Filho que fala.
46. São
muitas as eternas e eficientes virtudes do céu, mas é um só o Filho Unigênito,
que não difere dos outros apenas pelo poder, porque por Ele tudo foi feito, mas
porque é o verdadeiro Filho Unigênito, que não pode ser rebaixado, como se
tivesse nascido do nada.
47. Ouves
o Filho; acredita que é verdadeiramente Filho. Ouves a palavra Pai; lembra-te
de que é Pai. Para que entremeias estes nomes com suspeitas, malícia, ousadia?
Segundo a compreensão natural, são nomes adaptados ao que é divino.
48. Por
que forças a significação das palavras? Ouves Pai e Filho; não
duvides de que eles são o que estas palavras significam.
49. O
essencial da obra de salvação do Filho é que tu conheças o Pai. Por que anulas
a obra dos Profetas, a encarnação do Verbo, o parto da Virgem, o poder dos
milagres, a cruz de Cristo? Foi em teu favor que tudo isso custou trabalho.
50. Tudo
foi concedido para que, por essas coisas, te fosse manifestado o Pai e também o
Filho. Agora inventas vontade, criação, adoção. Observa a
missão e o serviço de Cristo. Pois Ele exclama: Pai, manifestei teu nome aos
homens (Jo 17,6); não ouves: criaste o criador dos seres celestes; não
ouves: fizeste o que fez as coisas terrestres; mas ouves: Pai,
manifestei teu nome aos homens. Usa do dom de teu Salvador.
51. Fica
sabendo que é Pai Aquele que gerou, é Filho o que nasceu daquele que é Pai na
verdade da natureza. Lembra-te de que não te foi manifestado que o Pai é Deus,
mas sim que Deus é Pai.
52. Ouves:
Eu e o Pai somos Um (Jo 14,30); por que divides e separas o Filho do
Pai? São uma só coisa, o que quer dizer que são Aquele que é e Aquele que
nasceu dele e que nada tem que não esteja também naquele de quem recebe o ser.
Quando ouves o Filho dizer: Eu e o Pai somos Um, ajusta a realidade às
pessoas, permite ao que gera e ao que é gerado declarar a sua condição. Que
sejam Um, como o que gera e o que é gerado.
53. Por que
repeles a unidade da natureza? Por que destróis a verdade? Escutas: O Pai
está em mim e eu no Pai (Jo 14,38); e as obras do Filho atestam isto a
respeito do Pai e do Filho. Não vamos introduzir, com nosso modo de raciocinar,
um corpo dentro de outro corpo. Não o derramaremos como água no vinho, mas em
ambos confessaremos a mesma semelhança no poder e a mesma plenitude da
divindade.
54. Pois o
Filho tudo recebe do Pai e é a forma de Deus e a imagem de sua substância (cf.
Hb 1,3). A expressão imagem da substância distingue o que recebe seu ser
daquele que é, no que diz respeito à fé na sua subsistência pessoal, mas
não deve dar a entender uma diversidade de natureza.
55. Que o Pai
esteja no Filho, e o Filho no Pai, significa que em ambos a plenitude da
divindade é perfeita. O Filho não causa uma diminuição no Pai, o Filho não
nasceu imperfeito do Pai.
56. A
imagem não existe sozinha, e a semelhança não se refere a si mesma. Nada pode
ser semelhante a Deus, a não ser Aquele que provém dele mesmo. Não provém de
outra parte o que em tudo é semelhante a Ele, e a semelhança não permite que se
admita nenhuma diversidade entre os dois.
57. Não
mistures os semelhantes nem separes os que estão verdadeiramente unidos, porque
Aquele que disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança (Gn 1,26)
mostra serem semelhantes um ao outro, por ter dito nossa semelhança. Não
pegues, não toques, não corrompas. Mantém os nomes da natureza, mantém a
profissão de fé no Filho.
58. Não
quero que te entregues à adulação, louvando o Filho com tuas próprias palavras.
Basta que te contentes com as que foram escritas.
Capítulo 24.
59. Ninguém
deve confiar tanto na prudência humana a ponto de julgar perfeito aquilo que
pensa e estar convencido de que contém em si o supra-sumo de toda razão,
porque, refletindo consigo mesmo, está certo de possuir sempre a justa opinião
sobre a verdade.
60. O que
é imperfeito não concebe o perfeito, e o que subsiste por outro não pode absolutamente
alcançar a compreensão de seu Criador ou de si mesmo. A respeito de si mesmo,
só percebe que existe.
61. Quanto
ao mais, a natureza que o constitui não lhe permite ir além dos limites de sua
mente, pois não deve seu movimento a si mesmo, mas ao seu Autor. Por isso,
aquele que recebe sua existência do seu Autor é imperfeito em si mesmo,
enquanto recebe do exterior sua existência e é forçoso que, na medida em que se
julga perfeito no saber, se engane.
62. Não
governando a indigência de sua natureza e julgando que tudo está contido nos
limites de sua fragilidade, se enche de soberba, com o falso nome da sabedoria.
Porque não lhe é permitido saber aquilo que ultrapassa sua inteligência, é tão
fraco no seu entendimento quanto na sua capacidade de subsistir. Por causa
deste modo falso de entender, gloriando-se de obter pela natureza imperfeita a sabedoria
da inteligência perfeita, torna-se ridículo pelo opróbrio que corresponde à estulta
sabedoria, como diz o Apóstolo: Não foi para batizar que Cristo me enviou,
mas para anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de
que não se torne inútil a cruz de Cristo. Com efeito, a linguagem da cruz é loucura
para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder
de Deus. Pois está escrito: destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a
inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde
está o argumentador deste século? Deus não tornou louca a sabedoria deste
século? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a
Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da pregação salvar
aqueles que crêem. Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca da
sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus,
loucura para os gentios, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como
gregos, é Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de
Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do
que os homens (1Cor 1,17-25).
63. Portanto,
toda falta de fé é insensatez, porque emprega a sabedoria de sua mente
imperfeita e, enquanto mede tudo pela fraqueza de sua opinião, julga não poder
existir o que não entende. A causa da falta de fé na palavra vem da fraqueza de quem não
crê que possa ser feito aquilo que decreta não poder ser feito.
Capítulo 25.
64. Por
este motivo, o Apóstolo, conhecendo a imperfeição do pensamento, própria da natureza
humana, que somente julga ser verdade aquilo que entende, diz não pregar com palavras
de sabedoria, para que não se torne vã a pregação. Mas, para que não fosse tido
como pregador da loucura, acrescentou que a palavra da cruz é loucura para os que
perecem, porque os infiéis pensavam existir somente aquela sabedoria que podiam
entender. Porque não entendiam senão o que permanecia dentro dos limites de sua
frágil natureza, julgavam ser insensatez a única e perfeita sabedoria de Deus.
65. Com
isto se enganavam, ao fundamentar-se na opinião de sua fraca sabedoria. Por
isso mesmo, o que é loucura para os que se perdem é, para os que se salvam,
poder de Deus, pois estes nada avaliam segundo a fraqueza natural de sua
inteligência, mas avaliam a força do poder divino segundo a infinidade de sua
força celeste.
66. Deus
reprova a sabedoria dos sapientes e a inteligência dos inteligentes, porque a
salvação é dada aos fiéis por aquilo que a opinião humana julga ser insensatez.
67. Os
infiéis pensam que é estulto o que excede o seu entendimento, já os fiéis
confiam no poder de Deus que lhes concederá com abundância os mistérios da
salvação. Não são estultas as coisas de Deus. Tola é a prudência da natureza
humana, que pede sinais ou sabedoria a seu Deus para ter fé.
68. Aos judeus
é próprio pedir sinais, porque, pela familiaridade com a Lei, não são
totalmente ignorantes no que se refere a Deus e estão abalados pelo escândalo
da cruz.
69. É
próprio aos gregos pedir a sabedoria, porque, pela sua inépcia de gentios e
prudência humana, querem saber a razão de ter sido Deus elevado na cruz.
70. Estas
coisas estão ocultas no mistério, por causa de nosso fraco entendimento. A
insensatez torna-se incredulidade porque o que a mente, imperfeita por
natureza, não pode conceber, ela mesma declara estranho à sabedoria.
71. Por
causa desta imprudente sabedoria, que não reverenciou a sabedoria de seu
Criador na magnificência do mundo, tão sabiamente ornado pelo plano do Autor,
foi do agrado de Deus salvar, pela loucura da pregação, os crentes, isto é, pela
fé na cruz, conduzir até a imortalidade os mortais, para que, confundido o modo
de pensar humano, se encontrasse a salvação no que se pensava ser loucura.
72. Cristo,
que é loucura para os gentios e escândalo para os judeus, é poder de Deus e
sabedoria de Deus, porque o que pelo julgamento humano é considerado fraqueza e
loucura, no que se refere a Deus, sobrepuja a prudência e a força terrenas com
a sabedoria e o poder da verdade.
Capítulo 26.
73. No que
se refere à ação divina, nada deve ser tratado segundo a opinião da mente humana,
e a criatura, que é sua obra, não deve julgar o Criador. Temos de assumir a loucura
para receber a sabedoria, não com juízo imprudente, mas com o reconhecimento de
nossa natureza, de modo que aquilo que o pensamento terreno não concebe, a razão
do divino poder faça penetrar em nós.
74. Quando,
depois de termos reconhecido a estultice de nosso entendimento, sentirmos em
nós a inexperiência e a ignorância próprias de nossa natureza, seremos
impregnados com a sabedoria de Deus pela prudência da divina sabedoria.
75. Quando
não mais medirmos a força e o poder de Deus e não encerrarmos dentro das leis
naturais o Senhor da natureza, então compreenderemos que só devemos crer, a
respeito de Deus, aquilo que Ele mesmo testemunhou e ensinou que devemos crer.
O que você destaca no texto e colo ele serve para sua
espiritualidade?
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