terça-feira, 31 de maio de 2022

202 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Terceiro (Capítulos 7 - 14)

 

202

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Terceiro (Capítulos 7 - 14)

  Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros. O livro I começa com alguns traços biográficos, falando de sua busca de Deus e conversão. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho. No livro II encontra-se um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

 

Capítulo 7.

1.     O que é divino não precisa da lisonja. Deus não se abaixa para agradar ou enganar. Estas obras do Filho de Deus não brotam do desejo de adulação, pois Aquele a quem inumeráveis milhões de anjos servem não precisa da lisonja do homem.

2.     Que falta pode fazer o que é nosso a Ele, de quem vem tudo o que é nosso? Será que solicita de nós a honra, de nós que estamos ora embrutecidos pelo sono, ora cansados pelas festas noturnas, ora sentindo-nos culpados depois das rixas e lutas do dia, ora embriagados depois de banquetes, Ele a quem os Arcanjos e as Dominações, os Principados e as Potestades, sem sono, sem preocupação, sem crime, com eternas e incansáveis vozes, louvam no céu?

3.     Louvam-no porque Ele, imagem do Deus invisível, a todos criou em si, fez os tempos, firmou o céu, distinguiu os astros, fundou a terra, cavou os profundos abismos e, depois de ter nascido Homem, venceu a morte, quebrou as portas do inferno, adquiriu para si um povo co-herdeiro, transportou, tendo vencido a corrupção, a carne para a glória da eternidade.

4.     De nada necessita, portanto, para que o louvemos pelas ações inenarráveis e estupendas realizadas entre nós, como se lhe fizessem falta os louvores.

5.     O Deus providente conhece nossa maldade e estultice, cuja infidelidade chega ao ponto de reclamar para si o juízo sobre as ações de Deus, e vence, por meio de exemplos, nossa audácia a respeito de coisas que não sabemos.

 

Capítulo 8.

6.     Existem muitos prudentes segundo o mundo, cuja prudência diante de Deus é estultice.

7.     Ao ouvirem que Deus vem de Deus, o Verdadeiro do Verdadeiro, o Perfeito do Perfeito, o Único do Único, contradizem o que pregamos, como se fosse impossível, apoiando-se em certas coleções de sentenças, que dizem: Nada pode nascer de um só, porque todo nascimento vem de dois. Se o Filho nasceu de um só, recebeu uma parte daquele que gerou. Se é parte, nenhum dos dois é perfeito, pois falta uma parte àquele do qual se separou. Não haverá nele plenitude, já que consiste em uma porção. Nenhum dos dois é perfeito, pois o que gerou perde sua plenitude, sem que o que nasceu a obtenha.

8.     Esta é a sabedoria do mundo, condenada pelo Deus providente, mediante o Profeta, que diz: Perderei a sabedoria dos sábios e reprovarei a inteligência dos prudentes (Is 29,14).

9.     Também diz o Apóstolo: Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde o argumentador deste século? Deus não tornou louca a sabedoria deste século? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus, pela loucura da pregação, salvar aqueles que crêem. Os judeus pedem sinais, e os gregos buscam a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo Crucificado, escândalo para os judeus, para os gentios loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (1Cor 1,20-25).

 

Capítulo 9.

10. Com grande solicitude pelo gênero humano, o Filho de Deus fez-se Homem, primeiramente para que crêssemos nele, para dar-nos testemunho das coisas divinas.

11. Assumiu aquilo que é nosso para pregar a Deus a nós, carnais e fracos, por meio da fraqueza da carne, realizando em si mesmo a vontade de Deus Pai, conforme disse: Não vim fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou (Jo 6,38).

12. Isto não significa que Ele não quisesse fazer a vontade do Pai, mas revela estar sua obediência dirigida à vontade paterna, querendo Ele mesmo realizar a vontade do Pai.

13. Testifica sua vontade de cumprir a vontade do Pai ao dizer: Pai, chegou a hora, glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique; e que pelo poder que lhe deste sobre toda carne, Ele dê a vida eterna a todos os que lhe deste. Pois a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo. Eu te glorifiquei na terra, concluí a obra que me encarregaste de realizar. Agora, glorifica-me, Pai, junto de ti, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse. Manifestei o teu nome aos homens que me deste (Jo 17,1-6).

14. Com breves palavras expôs todo o seu ministério e a ação salvífica, fortalecendo a verdade da fé contra toda inspiração da fraudulência diabólica. Examinemos agora a força de cada palavra sua.

 

Capítulo 10.

15. Disse Ele: Pai, chegou a hora, glorifica teu Filho para que teu Filho também te glorifique. Não diz ter chegado o dia, nem o tempo, mas a hora. Hora é uma parte do dia. Qual será esta hora? Na verdade, aquela da qual disse, no momento da paixão, para confirmar os discípulos: Eis que vem a hora em que será glorificado o Filho do Homem (Jo 12,23).

16. Esta é, portanto, a Hora, em que roga para ser glorificado pelo Pai, a fim de que o Pai seja glorificado por Ele.

17. Mas que significa isto? Aquele que há de ser glorificado espera ser glorificado, o que há de prestar honra pede a honra. Falta-lhe aquilo que, por sua vez, concederá? Acorram os sofistas do mundo e os sábios da Grécia! Enredem a verdade com seus silogismos. Indaguem como, donde, quando, por que motivo. E, na dúvida, escutem: O que é loucura no mundo Deus o escolheu (1Cor 1,27).

18. Portanto, em nossa loucura, entendamos o que é ininteligível para os sábios do mundo. Disse o Senhor: Pai, chegou a hora; mostrou a hora da paixão, pois falou disso no mesmo momento e acrescentou: Glorifica teu Filho. Como iria ser glorificado o Filho? Nascido da Virgem, desde o berço e a infância chegara a homem feito; pelo sono, fome, sede, cansaço, lágrimas, vivera como homem; também agora iria ser cuspido, flagelado, crucificado. Que quer dizer isto?

19. Estas coisas atestavam para nós que era Homem. Mas não somos confundidos pela cruz, não somos condenados pelos flagelos, não nos sujamos com os escarros. O Pai glorifica o Filho. De que modo? Na verdade,  pregado na cruz.

20. O que acontece depois? O sol não se põe, mas esconde-se. Por que te digo ter-se escondido? Não foi envolvido por nuvem, mas saiu de seu curso. E, com ele, todos os outros elementos do mundo sentiram sua morte e, para que neste crime não houvesse nenhuma participação dos corpos celestes, fugiram da necessidade de estar presentes, quase diríamos que se apagando.

21. Mas a terra, o que fez? Ao peso do Senhor pendente no lenho tremeu, dentro de si, mostrando que Aquele que estava morrendo não cabia no seu seio. Será que as rochas e penhascos vão conceder-lhe um lugar? As rochas se fendem, perdem sua natureza, declaram não poder o sepulcro fendido por si mesmo conter o corpo que devia ser enterrado.

 

Capítulo 11.

22. E que mais? O centurião da coorte e guarda da cruz também proclama: Verdadeiramente este era Filho de Deus (Mt 27,54).

23. A criatura é libertada da participação neste pecado, as pedras não conservam sua firmeza e força, aqueles que o pregaram na cruz proclamam que é o verdadeiro Filho de Deus.

24. O que aconteceu depois concorda com o louvor. O Senhor dissera: Glorifica teu Filho. Declarara ser Filho, não só pelo nome, mas também pela natureza, ao dizer teu, pois nós, que somos muitos, somos filhos de Deus, mas não como este Filho.

25. Este é o verdadeiro e próprio Filho, pela origem, não por adoção nem pelo nome; pela natividade, não por criação.

26. Portanto, depois de sua glorificação, seguiu-se a profissão da verdade. O centurião confessa o verdadeiro Filho de Deus, não acontecesse duvidar algum dos crentes daquilo que um dos perseguidores não negou.

 

 

Capítulo 12.

27. Talvez se creia que o Filho carecesse da glorificação que pedia e se mostrasse fraco, por esperar, de alguém mais forte, a glorificação.

28. E quem não confessará ser o Pai superior, como o ingênito ao gerado, como pai ao filho, como o que enviou ao que foi enviado, como o que tem vontade ao que obedece?

29. Ele dará seu testemunho: O Pai é maior do que eu (Jo 14,28). Estas coisas devem ser entendidas como são, mas com cuidado, a fim de que, para os ignorantes, a honra do Pai não diminua a glória do Filho.

30. A glorificação pedida não admite diminuição, por isso, tendo dito: Pai, glorifica teu Filho, acrescenta: para que teu Filho te glorifique.

31. Portanto, o Filho não é fraco, visto que, ao ser glorificado, por sua vez, glorificará. Mas, se não é fraco, por que pede? Quem pede, pede aquilo de que carece. Acaso também será fraco o Pai? Ou, aquilo que tem de tal forma prodigalizou que lhe deve ser dada de novo a glória pelo Filho?

32. Nem Este carece, nem Aquele deseja; no entanto, um dará glória ao outro.

33. Por conseguinte, o pedido de glorificação a ser dada e retribuída não priva o Pai de nada nem enfraquece o Filho; mostra a força da mesma divindade em ambos, quando não só o Filho pede ao Pai para ser glorificado, mas também ao Pai não é recusada a glória pelo Filho.

34. A unidade do poder no Pai e no Filho se mostra pela reciprocidade da glória a ser dada e retribuída.

 

Capítulo 13.

35. É preciso que se saiba o que é esta glória, e de quem procede. Na minha opinião, Deus não é mutável e, na eternidade, não existe carência, necessidade de emenda, progresso ou dano. É peculiar a Deus ser sempre aquilo que é.

36. Aquele que sempre é não pode, por natureza, em tempo algum, deixar de ser.

37. Como, então, será glorificado, já que não carece do que é seu nem diminui, se não existe nada de que precise, ou possa perder para retomar? Pensemos, paremos um pouco. O Evangelista não deixa desamparada nossa fraca inteligência e mostra a glória que o Filho retribuirá ao Pai, dizendo: Que pelo poder que lhe deste sobre toda a carne, Ele dê a vida eterna a todos os que lhe deste. Ora, a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo (Jo 17,2-3).

38. O Pai é glorificado pelo Filho, ao ser conhecido por nós. É esta a glória: que dele o Filho tenha recebido o poder sobre toda a carne, Ele próprio, feito carne, iria tornar a dar a eternidade da vida aos que são caducos, mortais e corpóreos. A eternidade da vida não é consequência de uma obra, mas do poder, pois a glória da eternidade não é dada por uma nova criação, mas unicamente pelo conhecimento de Deus a ser recebido.

39. A glória não é acrescentada a Deus, porque não se afastara para ser de novo dada, mas, pelo Filho, é glorificado em nós, ignorantes, fugitivos, sórdidos, mortos, sem esperança, tenebrosos, sem lei.

40. É glorificado pelo Filho porque este recebeu o poder sobre toda a carne, para lhe dar a vida eterna. Por esta obra do Filho, é glorificado o Pai. Quando o Filho tudo recebe, é glorificado pelo Pai, e o Pai é glorificado, quando todas as coisas são feitas pelo Filho.

41. A glória recebida é retribuída, e a glória que está no Filho é totalmente glória do Pai, porque recebeu tudo do Pai; a honra do que recebeu uma missão reverte em honra do que o enviou, como a honra do que gera é a honra do que nasce.

 

 

Capítulo 14.

42. Em que consiste a vida eterna? Ele o diz: Que te conheçam a ti, único verdadeiro Deus, e a quem enviaste, Jesus Cristo. Que perguntas sobre dificuldades e contradições de palavras são estas? A vida consiste em conhecer o verdadeiro Deus, mas só isto não produz vida. Que irá então acrescentar? E a quem enviaste, Jesus Cristo.

43. O Filho presta ao Pai a honra devida, quando diz: a ti, único verdadeiro Deus. O Filho não se separa da verdade de Deus ao acrescentar: A quem enviaste, Jesus Cristo.

44. Não há intervalo na confissão dos fiéis, porque em ambos está a esperança da vida. O Deus verdadeiro não se separa do que é mencionado logo após. Portanto, ao dizer: que te conheçam a ti, único verdadeiro Deus, e a quem enviaste, Jesus Cristo, com estas duas indicações, isto é, do que envia e do enviado, a verdade e a divindade do Pai e do Filho não são separadas por uma diversidade de significação ou por uma diferença, mas a fé se corrobora para a confissão do genitor e do gerado.

 

O que você destaca no texto e colo ele serve para sua espiritualidade?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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