domingo, 15 de maio de 2022

201 Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Segundo (Capítulos 34-35). Livro Terceiro (Capítulos 1-6)

 

201

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Segundo (Capítulos 34-35). Livro Terceiro (Capítulos 1-6)

  

 

Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros, subdivididos em capítulos. O livro I começa com alguns traços biográficos, falando de sua busca de Deus e conversão. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho. No livro II encontra-se um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

 

Capítulo 34.

1.     Devemos agora escutar o Apóstolo explicar o poder e a função deste Dom.

2.     Todos que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Com efeito, não recebestes um espírito de escravidão para recair no temor, mas recebestes o Espírito de adoção no qual clamamos: Abba, Pai (Rm 8,14-15). Diz ainda: Eu vos declaro que ninguém falando com o Espírito de Deus diz: “anátema seja Jesus”, e ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor” a não ser no Espírito Santo (1Cor 12,3). E ainda: Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para utilidade de todos. A um o Espírito dá a mensagem da sabedoria; a outro, a palavra da ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda o único e mesmo Espírito concede o dom da cura; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de interpretá-las. Mas, isso tudo é o único e mesmo Espírito que o realiza (1Cor 12,4-11).

3.     Temos, portanto, a origem desses dons, temos seus efeitos e não sei que dúvida pode haver a respeito dele, estando clara sua origem, sua realidade, seu poder.

 

Capítulo 35.

4.     Usemos os dons a nós oferecidos tão generosamente e peçamos para aproveitar o mais possível estes dons necessários.

5.     O Apóstolo, como mostramos acima, diz: Quanto a nós, não recebemos o espírito deste mundo, mas o Espírito que vem de Deus, a fim de conhecermos os dons da graça de Deus (1Cor 2,12).

6.     O Espírito é recebido para o conhecimento. O corpo humano seria inútil se faltasse o que o faz funcionar, pois os olhos não serviriam para nada se não houvesse luz ou dia, os ouvidos de nada serviriam se não fossem emitidos sons e ruídos, o nariz, também não, se não sentisse os odores. Isto não seria uma deficiência da sua natureza, porque os sentidos têm necessidade de ser estimulados por aquilo em vista do que existem.

7.     Também a alma humana, se não receber o Dom do Espírito pela fé, terá a possibilidade de conhecer a Deus, mas não terá a luz do conhecimento.

8.     O Dom, que está em Cristo, sendo um, é inteiramente disponível para todos. E, como está em toda parte, se dá a cada um na medida em que queira recebê-lo, habita em nós na medida em que cada um queira merecê-lo.

9.     Ele estará conosco até o fim do mundo; Ele nos consola na nossa espera; Ele é o penhor da esperança futura. Pela ação de seus dons, Ele é a luz das mentes e o esplendor das almas. Este Espírito Santo deve ser pedido, deve ser merecido e depois deve ser conservado pela fé e observância dos preceitos.

LIVRO TERCEIRO

Capítulo 1.

10. Parece obscura, para muitos, a palavra do Senhor: Eu estou no Pai, e o Pai em mim (Jo 14,11), pois a inteligência humana, por sua própria natureza, não é capaz de entender o seu significado. Parece impossível que aquele que está em outro seja ele mesmo, fora do outro.

11. É necessário que aqueles de que se trata não existam como solitários, pois, pela conservação de seu número e do estado em que existem, não poderiam conter um ao outro.

12. Aquele que tem o outro dentro de si e continua sendo exterior em relação ao que tem no seu interior, não pode estar no interior dele. O bom senso não o aceita, e comparações humanas não podem servir de exemplo quando se trata das coisas divinas.

13. O que é ininteligível para o homem é, porém, possível para Deus. Isto não é dito por mim como se bastasse a autoridade, isto é, o fato de ter Deus afirmado tais coisas, para fazer-nos entender estas palavras. Devemos entender o: Eu estou no Pai, e o Pai em mim, se tivermos a capacidade de compreendê-lo, como é na verdade, de modo tal que, ao raciocinar com base na verdade divina, consigamos atingir aquilo que não pertence à natureza das coisas.

Capítulo 2.

14. Para podermos alcançar mais facilmente a compreensão desta questão dificílima, é preciso conhecer antes o Pai e o Filho, segundo a doutrina das divinas Escrituras.

15. A demonstração se tornará mais simples, por referir-se a nomes conhecidos e familiares. A eternidade do Pai, como mostramos no livro anterior, transcende lugares, tempos, forma e tudo quanto o intelecto humano possa conceber.

16. Ele está fora de tudo e em tudo; abrangendo tudo, nada o pode abranger. Não muda, por crescimento ou decréscimo. É invisível, incompreensível, pleno, perfeito, eterno, não recebe de fora o que é e se basta a si mesmo, para assim permanecer.

Capítulo 3.

17. Este Pai Ingênito, existindo antes de todo tempo, de si mesmo gerou o Filho, não a partir de alguma matéria preexistente, pois tudo existe por meio do Filho, não do nada, porque gerou o Filho de si mesmo, não por um parto, porque em Deus nada é sujeito à mudança nem é vazio, não como uma parte de si, dividida, partida, ou estendida, porque Deus é impassível e incorpóreo e estas coisas pertencem à paixão e à carne, e, segundo o Apóstolo, em Cristo habita toda a plenitude da divindade corporalmente (Cl 2,9).

18. Gerou o Unigênito, de modo incompreensível e inenarrável, antes de todos os tempos e séculos, daquilo que em si era ingênito, dando-lhe, pelo amor e poder do nascimento, tudo o que Deus é.

19.  Vindo do Pai ingênito, perfeito e eterno, o Filho é unigênito, perfeito e eterno.

20. Tudo o que é dele, segundo o corpo que assumiu, é consequência de sua benevolência, para nossa salvação.

21. Sendo invisível, incorpóreo e incompreensível, já que gerado por Deus, recebeu em si a nossa humilde matéria, para permitir à nossa fraqueza compreendê-lo, senti-lo e enxergá-lo, por condescender com nossa debilidade, mas sem perder aquilo que era.

Capítulo 4.

22. Por conseguinte, o Filho perfeito do Pai perfeito, unigênita progênie do Deus ingênito, que recebe tudo daquele que tudo tem, Deus de Deus, Espírito do Espírito, luz da luz, com toda confiança diz: O Pai está em mim, e eu no Pai.

23.  Porque, como o Pai é Espírito, assim também o Filho é Espírito, como o Pai é Deus, o Filho é Deus, como o Pai é luz, o Filho é luz.

24. O que o Filho tem, provém do que é do Pai, isto é, de todo o Pai, nasceu todo o Filho; não de outra parte, porque nada existiu antes do Filho, não do nada, porque é Filho; não em parte, porque a plenitude da divindade está no Filho, não em alguns aspectos, mas em tudo, como quis quem pôde, como sabe quem gerou.

25.  O que há no Pai, o mesmo há no Filho; o que há no Ingênito, o mesmo há no Unigênito; um procede do outro e ambos são Um.

26. Os dois não são o mesmo, mas um está no outro, porque não há outra coisa diferente em um e outro. O Pai está no Filho, porque o Filho nasceu dele, o Filho está no Pai, porque não lhe vem de outra parte o ser Filho, o Unigênito está no Ingênito, porque o Unigênito vem do Ingênito.

27.  Estão um no outro porque, como tudo no Pai ingênito é perfeito, tudo no Filho unigênito é perfeito. É esta a unidade no Filho e no Pai, é esta a força, este o amor, esta a esperança, esta a fé, esta a verdade, o caminho, a vida: não diminuir Deus em seus poderes, nem, pela secreta e poderosa natividade, inferiorizar o Filho, nada comparar ao Pai ingênito, não separar do Pai, nem pelo tempo nem pelo poder, o Unigênito, professar que o Filho é Deus porque vem de Deus.

Capítulo 5.

28. Existem em Deus tais poderes, que são incompreensíveis para a nossa inteligência racional.

29. A fé, porém, é assegurada pela realidade dos seus efeitos.

30. Nós o notamos, não apenas no que é espiritual, mas também em coisas corporais. Tais coisas não foram mostradas como exemplo do que é a natividade, mas para que possamos admirar um fato inteligível.

31. No dia das núpcias, na Galileia a água se tornou vinho (cf. Jo 2,9). Será que nossa palavra ou nossos sentidos alcançarão o modo pelo qual a natureza foi mudada, a simplicidade da água desapareceu e nasceu o sabor do vinho?

32. Não foi mistura, mas criação, uma criação que não consistiu em fazer que alguma coisa começasse a existir, mas em transformar uma coisa em outra. Não foi obtida pela transfusão do mais forte no mais fraco, mas, tendo anulado o que era, fez começar a ser o que não era. O noivo está triste, perturbada a família, posta em risco a solenidade do banquete nupcial. Roga-se a Jesus; não se levanta, não se apressa, realiza sua obra enquanto permanece tranquilo. Põe-se água nas ânforas, com os cálices tira-se o vinho. Não coincidem os pensamentos dos que põem a água e dos que tiram o vinho. Os que derramam água acreditam que se tira água, os que tiram vinho pensam que se pôs vinho.

33. O tempo entre uma coisa e outra não permite que a natureza de um líquido nasça e pereça a de outro.

34. O modo como acontece engana a vista e a inteligência, mas no que foi feito experimenta-se a força de Deus.

Capítulo 6.

35.   Em relação aos cinco pães, o que se deu não foi menos admirável (cf. Mt 14,17). Por sua multiplicação, cinco mil homens e inúmeras mulheres e meninos mataram a fome.

36.   Escapa ao nosso olhar e entendimento a compreensão do fato. Cinco pães são oferecidos e partidos. Vão nascendo, nas mãos do que parte, mais pedaços; não diminui o pão de onde são partidos, no entanto, os pedaços enchem sempre a mão do que parte. Os movimentos enganam a vista. Enquanto segues uma das mãos cheia de pedaços, enxergas a outra com a porção sem diminuição. Entre elas, o monte dos pedaços cresce. Os que partem estão em seu trabalho, os que comem, na sua ocupação, os famintos são saciados, as sobras enchem doze cestos.

37.   O pensamento e a vista não conseguem acompanhar o progresso de uma operação tão visível. Há o que não havia, vê-se o que não se entende, só resta crer que Deus pode tudo.

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

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