segunda-feira, 18 de julho de 2022

206 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Quarto (Capítulos 30-42)

 

206

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Quarto (Capítulos 30-42)

 

Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

 

LIVRO QUARTO

Capítulo 30.

1.     Quanto a ti, que reconheceste o Juiz no Senhor e no Senhor, nele reconhece o consórcio do mesmo nome em Deus e Deus.

2.     Jacó, fugindo por medo do irmão, viu em sonhos uma escada apoiada na terra que atingia o céu. Por ela, anjos de Deus subiam e desciam e o Senhor, nela apoiado, concedia-lhe todas as bênçãos que dera a Abraão e a Isaac (Gn 28,13-15). Depois disto foi-lhe dirigida a palavra de Deus: Disse Deus a Jacó: “Levanta-te, sobe a Betel e fixa ali tua morada. Erguerás um altar a Deus, que te apareceu quando fugias da presença de teu irmão Esaú (Gn 35,1).

3.     Deus pede que dê honra a Deus, e o pede referindo-se a outra pessoa. Disse: Deus, que te apareceu quando fugias, para que não houvesse confusão quanto às pessoas. Portanto, é Deus que fala e é sobre Deus que se fala. O reconhecimento da honra não discerne, pelo nome da natureza, aqueles a quem a denominação pessoal distingue.

 

Capítulo 31.

4.     Nesta altura, lembrei-me de algo necessário para fornecer provas mais completas, mas assim como a ordem das proposições, também a ordem das respostas deve ser conservada.

5.     Por isso, explicaremos aquilo que ainda resta em outro livro, em seu devido lugar. Até agora, somente se demonstrou sobre Deus que pede ser dada honra a Deus, que o anjo de Deus que falou com Agar era Deus e Senhor, visto que, sobre estas coisas, conversou com Abraão, e que o homem visto por Abraão era também Deus e Senhor.

6.     Quanto aos dois anjos, vistos com o Senhor e por Ele enviados a Ló, nada declarou o Profeta, a não ser serem anjos. Deus se apresentou a Abraão como homem, e igualmente a Jacó Deus apareceu como homem. E não só apareceu, mas se mostrou como lutador e, mais ainda, fraco, contra aquele com quem lutava.

7.     Agora, porém, não é próprio nem do tempo, nem do assunto, tratar do mistério da luta. Certamente é Deus, porque Jacó, contra Deus, foi mais forte, e Israel viu a Deus.

 

Capítulo 32.

8.     Vejamos, porém, se também em outro lugar, além daquele em que fala a Agar, este anjo de Deus foi reconhecido como Deus, e conhecido claramente. E não só como Deus, mas como o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Pois o anjo do Senhor apareceu a Moisés na sarça e, da sarça, o Senhor falou; de quem julgas ser esta voz que escutou, de qual dos dois é: do que foi visto, ou de algum outro? Aqui não há escapatória.

9.     Assim diz a Escritura: Apareceu-lhe o anjo do Senhor numa chama de fogo, no meio de uma sarça (Ex 3,2). E de novo: O Senhor o chamou do meio da sarça: “Moisés! Moisés!” Ele respondeu: “Que é?” E disse o Senhor: “Não te aproximes daqui, tira as sandálias de teus pés, pois o lugar em que está é terra santa. E disselhe: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó” (Gn 3,4-6).

10. Quem apareceu na sarça fala na sarça, e o lugar da visão é o mesmo da voz. O que é ouvido não é diferente do que é visto. O mesmo que, ao ser visto, é o anjo de Deus, ao ser ouvido, é o Senhor; porém, o que é ouvido, depois é conhecido como o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó.

11. Quando se diz Anjo de Deus, mostra-se não ser fechado em si mesmo, nem ser solitário, pois é um anjo de Deus; quando se diz Senhor e Deus, é declarado assim pela honra de sua natureza e pelo nome.

12. Tens, portanto, que o anjo que apareceu na sarça também é o Senhor Deus.

 

Capítulo 33.

13. Percorre ainda os testemunhos de Moisés e descobre se negligenciou alguma ocasião de declarar Deus e Senhor. Tens, por exemplo: Ouve, Israel, o Senhor teu Deus é um só (Dt 6,4).

14. Lembra-te agora dos dizeres do seu cântico divino: Vede, vede, que eu sou o Senhor, e não há Deus além de mim (Dt 32,39).

15. E como se todo o discurso fosse pronunciado por Deus em pessoa, até o fim do cântico, diz: Alegrai-vos, ó céus, junto com Ele, e adorem-no todos os filhos de Deus. Alegrai-vos, nações, com seu povo, e honrem-no todos os anjos de Deus (Dt 32,43; LXX).

16. Pelos anjos de Deus deve ser honrado Deus, que diz: Porque eu sou o Senhor, e não há Deus além de mim. É, portanto, o Deus Unigênito, e o nome de Unigênito não admite consorte (assim como não aceita o Inascível um participante, enquanto é inascível), pois é o Único, nascido do Único.

17. Além do Deus inascível não há outro Deus inascível, e além do Deus unigênito, não há um outro que também seja Deus unigênito. Cada um deles é único no atributo que lhe é próprio, isto é, em ser inascível e em ter no Pai a origem. Assim, um e outro são um só Deus, pois, entre o que é Um e o que é Um, isto é, o Único nascido do Único, não há uma segunda natureza diferente da eterna divindade.

18. Seja, portanto, adorado pelos filhos de Deus e honrado pelos anjos de Deus. Assim se requer a honra e a veneração a Deus pelos filhos de Deus e pelos anjos.

19. Entende quem deve ser honrado e por quem deve ser honrado: Deus, pelos anjos e filhos de Deus. E para que não julgues que se pede que seja honrado um Deus que não o é por natureza, nem penses que, neste lugar, Moisés tenha querido referir-se à honra prestada a Deus Pai, quando na verdade o Pai é honrado no Filho, presta atenção à bênção que, no mesmo discurso, é dada a José: Que a bênção daquele que apareceu na sarça venha sobre a cabeça e a fronte de José (Dt 33,16).

20. Aquele que deve ser adorado pelos filhos de Deus é Deus, mas Deus que é também o Filho de Deus. O que deve ser honrado pelos anjos de Deus é Deus, mas o Deus que é o anjo de Deus é Deus, porque Deus na sarça apareceu como o anjo de Deus, e o que era de seu agrado a José foi desejado, ao ser este abençoado.

21. Não deixa de ser Deus porque é anjo de Deus, nem deixa de ser anjo de Deus por ser Deus; mas, pela indicação das pessoas, e a distinção entre inascibilidade e natividade e pela manifestação da Economia dos celestes sacramentos, ensina a não se ter a idéia de um Deus solitário, já que Deus, como Anjo de Deus e Filho de Deus, deve ser adorado pelos anjos e filhos de Deus.

 

Capítulo 34.

22. Seja esta a nossa resposta a partir dos livros de Moisés, ou melhor, é o próprio Moisés que responde, já que os hereges, afirmando haver um só Deus, pensam poder persuadir-nos de que não pode haver um Deus Filho de Deus.

23. Os ímpios, ao confessarem o único Deus, contra o testemunho daquela autoridade, pretendem ensinar que o Filho de Deus não é Deus. Será, porém, conveniente apresentar muitas sentenças dos profetas sobre o mesmo.

 

Capítulo 35.

24. Conheces as palavras: Ouve, Israel, o Senhor teu Deus é um só (Dt 6,4); mas quem dera que as conhecesses de maneira correta! Pergunto qual pensas ser o sentido da palavra profética, pois diz o Salmo: Deus, o teu Deus te ungiu (Sl 45.7).

25. Distingue, para a compreensão do leitor, o ungido e o que unge; distingue te de teu, demonstra para quem e a respeito de quem é a palavra, pois o sentido da declaração depende do que foi dito acima: Teu trono, ó Deus, pelos séculos dos séculos; o cetro de teu poder é o cetro de teu reino; amaste a justiça e odiaste a iniqüidade (Sl 45.6 / Hb 1.8).

26. Agora acrescenta: Por isso Deus, o teu Deus, te ungiu. Portanto, o Deus do reino eterno, pelo mérito de amar a justiça e odiar a iniqüidade, é ungido por seu Deus. Acaso certa diferença entre os nomes confundirá nossa inteligência? Pois, entre te e teu, somente existe a distinção das pessoas sem que haja, de modo algum, a confissão da distinção da natureza.

27. Teu diz respeito ao que é origem, te indica aquele que recebe dele a existência e que é Deus, que procede de Deus, pela afirmação feita neste mesmo lugar pelo Profeta: Ungiu-te, Deus, o teu Deus.

28. Não há, antes do Deus inascível, qualquer Deus, Ele mesmo afirma: Sede minhas testemunhas, também Eu testemunho, diz o Senhor Deus, e o meu servo a quem escolhi, para que saibais e creiais e compreendais que eu sou. Não há outro Deus antes de mim, e depois de mim não haverá (Is 43,10; LXX).

29. Por conseguinte, está demonstrada a dignidade daquele que é sem início e conservada a honra daquele que vem do inascível: Ungiu-te, Deus, o teu Deus. Por ter dito teu, faz referência à natividade, sem que desapareça a igualdade de natureza.

30. É o seu Deus, porque, sendo nascido dele, está em Deus. Contudo, porque o Pai é Deus, o Filho não deixa de ser Deus. Ungiu-te, Deus, o teu Deus: designa o que gerou e o que é nascido dele; por uma e a mesma palavra estabelece-se a designação da mesma natureza e a dignidade de ambos.

 

Capítulo 36.

31. Esta questão deve ser estudada, para que as palavras: Eu sou. Não há outro Deus antes de mim e não haverá depois de mim (Is 43,10) não dêem motivo a uma ímpia afirmação, como se o Filho não fosse Deus, porque não há nenhum Deus depois daquele antes do qual não há Deus, nem haverá depois, em momento algum.

32. O próprio Deus é testemunha de sua palavra; mas também seu servo eleito é testemunha, juntamente com Ele. Antes dele não houve Deus, nem haverá depois. Basta, na verdade, que Ele próprio seja testemunha de si; ajuntou, porém, ao seu testemunho o de seu servo, que escolheu.

33. É um só o testemunho dos dois: não houve antes outro Deus, pois provém dele tudo o que existe e depois dele não haverá Deus. Mas, não afirmam não existir o que provém dele, pois já era o próprio servo que falava, em testemunho do Pai, ele o servo na tribo em que iria nascer o eleito.

34. É o que Ele mesmo demonstra nos Evangelhos: Eis o meu Servo a quem escolhi, o meu dileto, em quem minha alma se compraz (Mt 12,18). Não há outro Deus antes de mim e não haverá depois de mim. Ao dizer isto, mostra a infinidade do eterno e imutável poder, visto que não há outro Deus, nem antes nem depois dele, tendo unido seu servo ao seu testemunho e ao seu nome.

 

Capítulo 37.

35. É fácil saber isso, dito por Ele, pois assim diz ao profeta Oséias: Não mais terei piedade da casa de Israel para perdoar-lhe, mas lhe serei contrário; contudo terei piedade dos filhos de Judá, e os salvarei pelo Senhor Deus deles (Os 1,6-7).

36. O Pai claramente chama de Deus o Filho, no qual também nos escolheu antes de todos os tempos (Ef 1,4). Deles, diz, porque o Deus inascível não provém de ninguém, mas nós fomos dados ao Filho em herança, por Deus Pai.

37. Lemos: Pede-me, e eu te darei os povos por tua herança (Sl 2,8). Assim para Deus, do qual tudo provém, não há Deus, porque é sem início e eterno. Para o Filho, no entanto, o Pai é Deus, pois dele nasceu. Para nós, o Pai é Deus e o Filho é Deus, pois o Pai afirma, a respeito do Filho, que é nosso Deus, e o Filho, ensinando, a respeito do Pai, diz que é Deus para nós; contudo, segundo Oséias, o Filho é chamado Deus, pelo Pai, com o nome de seu inascível poder.

 

Capítulo 38.

38. Em Isaías aparece claramente a afirmação de Deus Pai sobre nosso Senhor, quando diz: Porque assim diz o Senhor Deus, o santo de Israel, que fez aquilo que há de vir. Interrogai-me a respeito de vossos filhos e filhas, quereis dar-me ordens a respeito da obra de minhas mãos. Eu fiz a terra, e o homem sobre ela, eu dei ordens a todos os astros, eu suscitei um rei com justiça, e todos os seus caminhos são retos. Ele edificará minha cidade e destruirá o cativeiro de meu povo, não com dinheiro nem com dádivas, diz o Senhor dos exércitos. O Egito trabalhará, virão a ti o comércio dos etíopes e de Sabá e homens de grande estatura e passarão para o teu domínio, serão teus servos, irão atrás de ti, presos em cadeias, e te adorarão, e te suplicarão, porque em ti Deus está, e não há Deus além de ti. Tu és Deus e o não sabíamos, Deus de Israel, salvador. Hão de enrubescer e envergonhar-se todos os que o combatem, e sairão cheios de confusão (Is 45,11-16).

39. Haverá ainda algum lugar para a presunção ou ensejo para a ignorância, sem que com isso se manifeste a impiedade? Deus, de quem tudo procede e que, com uma simples ordem, tudo fez, assumindo para si as obras já feitas, pois, na verdade, as que ainda não estavam feitas não existiriam se não ordenasse que fossem feitas, dá testemunho do rei justo, por Ele suscitado para edificar a cidade para Deus, destruindo o cativeiro do povo, não por dinheiro nem por dádivas, pois de graça somos salvos todos.

40. Diz em seguida que, depois dos trabalhos do Egito, isto é, as calamidades do mundo e as negociações dos Etíopes e de Sabá, homens de grande estatura virão a Ele. E por que dá tanto valor ao Egito, e aos negócios dos etíopes e de Sabá? Recordemos que os Magos do Oriente foram adorar o Senhor e trazer-lhe presentes. Pensemos no trabalho que representou virem até Belém de Judéia. Como foi grande esse trabalho! Pelo esforço dos Reis, se indica o trabalho do Egito. Aos Magos, iludidos pela falsa aparência das coisas relacionadas às operações do poder divino, era prestada, pelo mundo, a grande honra de uma ímpia religião.

41. Aos mesmos Magos, que traziam como dons ouro, incenso e mirra, negociados pelos sabeus e etíopes, anunciava outro profeta ao dizer: Diante dele se prostrarão os etíopes, e seus inimigos porão a boca no pó; os Reis de Társis oferecerão dons, os Reis da Arábia e de Sabá trarão presentes, e serlhe-á dado o ouro da Arábia (Sl 72.9-10).

42. Nos Magos e nos dons estão representados os trabalhos do Egito e a negociação dos etíopes e de Sabá. Nos Magos que adoram se mostra o erro do mundo e se mostram também os dons preciosos das gentes, oferecidos ao Senhor por eles adorado.

 

Capítulo 39.

43. Quanto aos homens de grande estatura, que irão a Ele e o seguirão como vencidos, não é muito difícil descobrir quem serão eles. Olha para o Evangelho: Pedro, para seguir seu Senhor, se cinge (cf. Jo 21,7).

44. Repara nos Apóstolos: o servo de Cristo, Paulo, nas cadeias se gloria (cf. Fl 1,1; 2Cor 11,30). Vejamos se o prisioneiro de Cristo Jesus realiza aquilo que dissera Deus sobre seu Filho Deus: Suplicarão, porque em ti está Deus (Is 45,14).

45. Reconhece a palavra do Apóstolo, e entende o que reconheces: Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo (2Cor 5,19). Segue-se depois: não há Deus fora de ti (Is 45,14). Logo, o mesmo Apóstolo acrescenta, pois um é o nosso Senhor Jesus Cristo, por quem tudo foi feito (1Cor 8,6); e não parece haver outro, porque é Um.

46. Pela terceira vez diz: Tu és Deus, e não o sabíamos. Pelo antigo perseguidor da Igreja é dito: Aos quais pertencem os patriarcas, e dos quais descende Cristo, que é Deus acima de todas as coisas (Rm 9,5). Isto proclamavam os que estavam algemados, isto é, os homens de grande estatura, que, em doze tronos, iriam julgar as tribos de Israel e seguiriam o seu Senhor pelo martírio da sua doutrina e de sua paixão.

 

Capítulo 40.

47. Deus está em Deus e Aquele no qual está Deus também é Deus. E como não há Deus além de ti, se nele Deus está? Tu te vales erradamente, ó herege, da declaração de Deus Pai como se fosse solitário: Não há Deus além de mim.

48. Como interpretarás esta palavra, de Deus Pai: Não há Deus além de ti, se pelo fato de haver dito Não há Deus além de mim (Dt 32,39), insistes em afirmar que o Filho de Deus não é Deus? A quem, então, Deus Pai teria dito: Não há Deus além de ti?

49. Não é possível atribuir isto à pessoa do solitário. O Senhor disse ao rei que suscitara, por intermédio dos homens de grande estatura, que adoravam e suplicavam: Porque em ti está Deus (Is 45,14). Isto não admite que se pense num solitário. Em ti, se refere a alguém a quem se dirige a palavra. Em ti está Deus demonstra não apenas o que está presente, mas Aquele que nele está presente; distinguindo o que habita daquele em quem habita, distinção que se aplica somente às pessoas, não à natureza, pois Deus está nele, e Aquele em quem Deus está é Deus.

50. Deus não habita uma natureza diferente e alheia à sua, mas permanece no seu Filho de si gerado. Deus está em Deus porque o que é nascido de Deus é Deus. Tu és Deus, e não sabíamos, Deus de Israel salvador (Is 45,15).

 

Capítulo 41.

51. A palavra seguinte te contradiz, a ti, que negas que Deus esteja em Deus: Hão de enrubescer e envergonhar-se todos os que o combatem e sairão cheios de confusão (Is 45,16).

52. Este é o decreto de Deus para tua impiedade. Combates Cristo, a respeito de quem a declaração paterna te repreende. Pois é Deus Aquele que tu negas ser Deus. Certamente negas, sob a aparência de honrar a Deus (Pai), que diz: Não há outro Deus além de mim. Mas enrubesce, enche-te de confusão.

53. O Deus inascível não precisa receber de ti esta honra, não solicita de ti a glória da solidão, não deseja a opinião de tua inteligência, porque, por ter Ele dito: Não há Deus além de mim, renegas o Deus que Ele gerou de si mesmo. Querendo destruir a divindade do Filho, nada de especial lhe conferirás. Ao dizer: E não há Deus além de mim, cobriu o seu Unigênito de glória pela honra da perfeita divindade.

54. Por que separas os iguais? Por que distingues o que está unido? É próprio do Filho de Deus que não haja outro Deus além dele; e é próprio de Deus Pai que não haja outro Deus além dele. Emprega as palavras de Deus sobre Deus.

55. Confessa deste modo e roga ao rei: Porque em ti está Deus, e não há Deus além de ti. Tu és Deus, e não o sabíamos, Deus de Israel salvador. Não há vergonha nenhuma em prestar honra, não há ofensa na confissão, principalmente quando a negação está plena de confusão e de vergonha. Detém-te nas palavras de Deus, confessa com as palavras de Deus e foge da indignidade da denúncia.

56. Por negares ser Deus o Filho de Deus, não veneras a Deus com a honra de solitário, mas desprezas o Pai por desonrar o Filho. Com a homenagem da fé, confessa o Deus inascível, declara que além dele não há nenhum Deus e proclama o Deus unigênito, porque não há Deus separado dele.

 

Capítulo 42.

57. Depois de Moisés e de Isaías, escuta, em terceiro lugar, a Jeremias, que ensina o mesmo: Este é o nosso Deus, e a seu lado não se contará nenhum outro. Encontrou todo o caminho da ciência, e a deu a Jacó, seu servo, e a Israel, seu dileto. Depois foi visto na terra, e conviveu com os homens (Br 3,36-38). Já dissera acima: É um homem, e quem o conhecerá? (Jr 17,9; LXX).

58. Tens, portanto, um Deus visto na terra, morando entre os homens. Pergunto então como pensas que se deve compreender esta palavra: Ninguém jamais viu a Deus, a não ser o Filho unigênito que está no seio do Pai (Jo 1,18), quando Jeremias fala de um Deus que foi visto na terra e conviveu com os homens. Certamente o Pai é visível somente para o Filho.

59.   Quem é, então, Aquele que foi visto e conviveu com os homens? É, sem dúvida, o nosso Deus, visível como homem e Deus palpável. Escuta o Profeta: Ao seu lado não se contará nenhum outro. Se perguntas como, ouve o que se segue, sem que por isto julgues que, por causa destas palavras, não se refere ao Pai o que foi dito: Ouve, Israel, o Senhor teu Deus é um só (Dt 6,4), pois em seguida vem: Ao seu lado não se contará nenhum outro. Encontrou todo o caminho da ciência e a deu a Jacó, seu servo, e a Israel, seu dileto. Depois foi visto na terra e conviveu com os homens.

60.   Um só é o Mediador entre Deus e o homem (cf. 1Tm 2,5), o Deus e Homem, mediador na doação da Lei e na assunção do corpo. Por conseguinte, nenhum outro se contará ao lado dele. É Um só, nascido de Deus para ser Deus, por quem tudo foi criado no céu e na terra, por quem foram feitos os tempos e os séculos. Tudo o que existe subsiste por sua operação. É o único, determinando a Abraão, falando a Moisés, entregando a Aliança a Israel, presente nos Profetas, nascido do Espírito Santo pela Virgem.

61.   Ele pregou no lenho da cruz todas as potências inimigas que nos combatem, destruindo a morte no inferno, confirmando, pela ressurreição, a fé de nossa esperança. Ele destruiu a corrupção da carne humana pela glória de seu corpo. Nenhum outro se contará a seu lado. Estas coisas são próprias do Deus Unigênito.

62.   Só Ele, na privilegiada felicidade de seu poder, nasceu de Deus. A Ele nenhum outro Deus se equipara, pois não é de outra substância, mas é Deus que procede de Deus. Nele, nada há de novo, nada de estranho, nada de recente.

63.   Quando Israel ouve que, para si, Deus é um só e que não se põe a nenhum outro Deus no lugar do Filho de Deus para que seja Deus, o Pai Deus e o Filho Deus são Um, de modo absoluto, não pela unicidade de pessoas, mas pela unidade de substância, porque o profeta não permite que se considere o Deus Filho de Deus, como outro Deus, porque é Deus.

 

O que você destaca no texto e colo ele serve para sua espiritualidade?

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