segunda-feira, 5 de setembro de 2022

213 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Sexto (Capítulos 24-33).

 


213

Hilário de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro Sexto (Capítulos 24-33)
 


Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

 

Capítulo 24.

1.      Nesta fé está a vida dos crentes, pois não há outro caminho para a eternidade a não ser o conhecimento de Jesus Cristo, Deus Unigênito, Filho de Deus.

2.      Por isso, a voz do céu foi ouvida outra vez pelos apóstolos afirmando a mesma coisa, para que se cresse mais firmemente naquilo que traz a morte para os que não creem.

3.      Quando o Senhor se apresentou, revestido de toda a sua majestade, sobre o monte, tendo ao lado Moisés e Elias, e, como testemunhas, as três colunas da Igreja, ouviu-se, do céu, a voz do Pai: Este é o meu Filho amado em quem ponho a minha afeição, ouvi-o (Mt 17,5).

4.      Não bastava, para confirmar a sua glória, o brilho que se via; assim, a voz dizia: Este é o meu Filho.

5.      Os apóstolos não suportam a manifestação da glória. Seus olhos mortais são muito fracos para poder contemplá-la; a fé de Pedro, Tiago e João desfalece, consternada, por causa do temor.

6.      A profissão da autoridade paterna, porém, está presente, e o Filho é declarado tal pelas mesmas palavras de quem o diz.

7.      Não só se demonstra a verdade da filiação com as palavras este e meu, como se acrescenta ouvi-o. O testemunho do Pai vem do céu, o do Filho é confirmado na terra, pois dele é dito que deve ser ouvido.

8.      A palavra do Pai não permite que se duvide e, além disso, fica claro que se deve crer na palavra do Filho a respeito de si mesmo.

9.      A verdade da filiação é tão evidente, que o Pai, confirmando-a, pede que o ouçamos e que obedeçamos a Ele. Esta voz manifesta o desejo de Pai de que o Filho seja ouvido. Ouçamos, pois, o testemunho que o Filho dá de si mesmo, dizendo quem é.

 

Capítulo 25.

10.  Não acredito que haja alguém tão destituído de sensatez que não entenda ter Cristo declarado que assumiu nossa humilde condição corporal, conforme atestam todos os livros dos Evangelhos, quando disse: Pai, glorifica-me (Jo 17,5), Vereis o Filho do Homem (Mt 26,64), O Pai é maior que eu (Jo 14,28), Minha alma está muito perturbada (Jo 12,24), Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Mt 27,46) e muitas outras coisas semelhantes, de que falaremos quando for ocasião.

11.  Julgo, porém, que não haverá ninguém que, tendo Ele dado tantas demonstrações de humildade, o acuse de insolência por chamar a Deus de Pai, quando diz : Toda planta que meu Pai não plantou será arrancada pela raiz (Mt 15,13) e Fizestes da casa de meu Pai uma casa de comércio (Jo 2,16).

12.  Quem acreditará que sempre que chama a Deus de Pai demonstra uma presunção temerária e não a confiança natural de quem é consciente de seu nascimento e sabe que pode chamar verdadeiramente a Deus de Pai porque Ele o é?

13.  A frequente confissão de humildade não tem o vício da insolência que exige para si coisas alheias, querendo guardar o que não é seu, e pretende que o que é seu se iguale ao que é de Deus.

14.  Também não se chama de Filho com temeridade igual a que seria chamar a Deus Pai quando diz: Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele (Jo 3,17), e Tu crês no Filho de Deus? (Jo 9,35).

15.  Que fazemos agora se atribuímos a Jesus Cristo só o nome de filho por adoção e o acusamos de presunção por chamar a Deus de Pai? A voz do Pai que vem do céu diz: Ouvi-o. Eu ouço: Pai, eu te dou graças (Jo 11,41); Dizeis que blasfemei porque disse: “Sou Filho de Deus” (Jo 10,36).

16.  Se não dou crédito aos nomes, se não entendo que as palavras indicam a natureza, pergunto então em que devo confiar e o que devo entender e não me resta outra possibilidade.

17.  Do céu, o Pai dá a garantia: Este é o meu Filho. O que o Filho declara sobre si mesmo é: a casa de meu Pai.

18.  A confissão do nome significa a salvação, já que a pergunta: Tu crês no Filho de Deus? exige fé e quando se diz meu, os nomes que se seguem indicam o que é próprio.

19.  A ti eu pergunto, ó herege, em que fundamentas outra suposição, pois negas a confiança ao Pai, negas ao Filho a confissão e tiras o significado dos nomes. Mudas o significado das palavras de Deus e com a tua impiedade impudente chegas a acusar a Deus de mentir a respeito de si mesmo.

 

Capítulo 26.

20.  O simples enunciado já mostra que os nomes indicam a natureza. Aquele de quem se disse Meu Filho e Aquele de quem se disse Meu Pai são exatamente aquilo de que são chamados. E, a não ser que o nome signifique, no Filho, adoção, e, no Pai, honra, vejamos que características o Filho atribui a seu nome: Tudo me foi entregue pelo Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aquele a quem o Pai quiser revelar (Mt 11,27).

21.  Acaso não estão de acordo: Este é o meu Filho e Meu Pai e Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho?

22.  A não ser pelo testemunho mútuo, ninguém pode conhecer o Filho por meio do Pai nem o Pai por meio do Filho. Há uma voz que vem do céu e há também o testemunho do Filho.

23.  Conhecer o Filho é tão impossível quanto conhecer o Pai. Tudo lhe foi entregue, e, quando se fala de tudo, nada se pode excetuar. O poder é igual, o mistério do conhecimento é igual, a natureza se expressa nos nomes. Assim sendo, pergunto como não poderão ser aquilo que são chamados se não são diferentes pelo poder e pela impossibilidade que temos de conhecê-los.

24.  Deus não engana com suas palavras. O Pai e o Filho não mentem quando falam de si. Aceita a fé que estes nomes merecem.

 

Capítulo 27.

25.  O Senhor diz: As obras que o Pai me encarregou de realizar, tais obras eu as faço e elas dão testemunho de que o Pai me enviou. Também o Pai que me enviou dá testemunho de mim (Jo 5,36-37).

26.  O Deus Unigênito mostra que é Filho, não só pelo testemunho de seu nome, mas também pelo poder de suas obras, que dão testemunho de que foi enviado pelo Pai.

27.  Pergunto: de que dão testemunho as obras? De que foi enviado. Ter sido enviado demonstra a obediência do Filho e autoridade do Pai, pois as obras que faz não podem ser de outro senão do que foi enviado pelo Pai.

28.  Como aos descrentes não basta que as obras demonstrem ter sido enviado pelo Pai, continua: O Pai que me enviou dá testemunho de mim. E não ouvistes sua voz nem vistes seu rosto (Jo 5,37).

29.  Pergunto qual terá sido o testemunho do Pai. Examina os livros do Evangelho e estuda tudo o que contêm. Dá testemunho do Pai, além do que ouvimos: Este é meu Filho amado em quem ponho a minha afeição e Tu és meu Filho (Mc 1,11).

30.  João ouviu estas palavras quando já conhecia a verdade, mas nós recebemos o testemunho da voz do Pai para nosso ensinamento. Isto, porém, não basta. João, no deserto, foi digno de ouvir esta voz e os apóstolos não deveriam ser privados desse testemunho. A eles chega primeiro a voz do céu, mas recebem mais que João.

31.  Este, que já tinha profetizado no seio materno, não precisou dessa palavra Ouvi-o. Hei de ouvi-lo, certamente, e a mais ninguém, a não ser Aquele que Ele escutou para poder ensinar.

32.  Se não se encontra nos livros nenhum outro testemunho do Pai a respeito do Filho, a não ser de que é Filho, a verdade deste testemunho consiste em que as obras que realiza o confirmam. Por que aparecem hoje essas falsidades: que o nome do Filho significa adoção, que Deus mente, que os nomes não significam nada?

33.  O Pai deu testemunho do Filho que, com suas obras, corresponde ao testemunho do Pai. Por que se deve pensar que não possui a realidade da filiação que é afirmada e demonstrada?

34.  Cristo não tem o nome de Filho por ter sido adotado pelo Pai por benevolência. Não mereceu esse nome por sua santidade, como muitos que são filhos de Deus por terem confessado a fé. Nestes últimos, o nome não indica nada que lhes seja próprio. Foi concedido por Deus, como Ele pode fazê-lo. Mas é diferente dizer: este é, este é meu, ouvi-o, pois aqui se trata da verdadeira filiação por natureza, na qual devemos crer.

 

Capítulo 28.

35.  O Filho dá testemunho de si mesmo com tanta clareza quanto o Pai, com a declaração sobre a verdadeira filiação. A palavra Este é o meu Filho constitui uma prova de sua natureza divina, à qual se acrescenta: Ouvi-o, como um convite a escutá-lo para confessar a doutrina que conduz à salvação, pois estas palavras dizem qual é o mistério e qual a fé, pelos quais veio do céu.

36.  O Filho ensinou a verdade de seu nascimento e sua vinda quando disse: Vós me conheceis e sabeis de onde sou; no entanto, não vim por minha própria vontade, mas é verdadeiro aquele que me enviou e que não conheceis. Eu, porém, o conheço porque dele procedo e foi Ele que me enviou (Jo 7,28-29).

37.  O Filho afirma repetidamente que ninguém conhece o Pai, que é conhecido somente pelo único que dele procede. A exclusividade do conhecimento deriva da exclusividade da geração. Proceder não significa que nele esteja a força da criatura, pois todas as coisas receberam de Deus o seu ser pela criação. Significa, sim, a realidade do seu nascimento, pelo qual só Ele conhece o Pai, enquanto as outras coisas que dele procedem não o conhecem.

 

Capítulo 29.

38.  Para que a heresia não viesse a situar seu nascimento, de Deus, no momento de sua vinda a este mundo, acrescentou: Procedo dele e Ele me enviou. Manteve a ordem do mistério ao afirmar que nasceu e que foi enviado para dar a conhecer quem é e de onde é, em relação com o que vem antes, pois não é a mesma coisa dizer: procedo dele e Ele me enviou, como não é o mesmo dizer não me conheceis e não sabeis de onde sou.

39.  Acaso todo homem, mesmo tendo nascido da carne, não procede de Deus? Não é esta a opinião geral? Como nega que saibam quem é Ele e de onde é, a não ser que, com sua origem, faça referência ao princípio de sua natureza, que podem ignorar precisamente porque ignoram que Ele é Filho de Deus?

40.  Reflete, ó insensato, sobre o significado de não me conheceis nem sabeis de onde sou. Tudo vem do nada e tanto é assim que tu ousas afirmar, mentindo, que o Deus Unigênito recebeu seu ser a partir do nada.

41.  Que significa que os ímpios não saibam quem é Cristo nem de onde é? O fato de não saberem de onde é demonstra a natureza da qual procede, pois não se pode ignorar a natureza da qual procede tudo o que vem do nada.

42.  O fato de não se ignorar que vem do nada exclui a ignorância sobre sua procedência. Aquele que veio não tem a existência de si mesmo, porém o que o enviou, que os ímpios não conhecem, é verdadeiro.

43.  O que o enviou é o mesmo que se ignora tê-lo enviado. O que foi enviado procede, portanto, do que o enviou e procede daquele de quem se ignora que Ele procede. Porque se ignora de quem Ele procede, não se sabe quem Ele é.

44.  Quem não sabe de onde é Cristo, não sabe quem é Cristo. Não o confessa como Filho quem ignora que tenha nascido e não entende que tenha nascido o que acredita que veio do nada. Porém não veio do nada, porque os ímpios não sabem de onde Ele é.

 

Capítulo 30.

45.  Não sabem, realmente, os que ligam a natureza ao nome e, sendo ignorantes, não querem saber.

46.  Escutem o Filho censurar a ignorância daqueles ímpios, quando até os judeus chamam a Deus de Pai: Se Deus fosse vosso Pai, sem dúvida me amaríeis, pois eu saí de Deus e vim. Não vim por mim mesmo, mas Ele me enviou (Jo 8,42).

47.  Não censurou aqueles que assumiam um nome sagrado e, confessando-o Filho de Deus, diziam ter a Deus por pai. Interpela, porém, a usurpação temerária dos judeus, que presumiam ter Deus como pai e não o amavam. Se Deus fosse vosso Pai, certamente me amaríeis, pois eu saí de Deus.

48.  Para todos os que, pela fé, têm a Deus por pai, Deus é Pai pela mesma fé, pela qual confessamos que Jesus Cristo é o Filho de Deus.

49.  Mas confessar que é Filho no mesmo sentido em que são em geral os santos, será isso a fé, se dizemos que é um dentre os filhos? Acaso os outros, que existem na fraqueza da criatura, também não são filhos? Em que, então, a confissão de fé no Filho de Deus, Jesus Cristo, é mais excelente se Ele, como os outros filhos, não tem esse nome por natureza?

50.  Esta falta de fé não ama a Cristo e esta ímpia profissão não aceita para si a Deus Pai, porque, se para eles Deus fosse Pai, amariam a Cristo por ter vindo de Deus. Procuro saber o que seja ter saído de Deus. Não se pode dizer que ter saído de Deus seja a mesma coisa que ter vindo, pois ambas as expressões aqui estão: saí de Deus e vim.

51.  E para mostrar o que seja saí de Deus e vim, o Senhor logo acrescenta: Não vim por mim mesmo, mas Ele me enviou. Ensina não ser origem de si mesmo, ao dizer: Não vim de mim mesmo, e, de novo, atesta ter saído de Deus e ter sido por Ele enviado.

52.  Dizendo que aqueles que chamam a Deus de pai devem amá-lo, porque saiu de Deus, ensina ser o seu nascimento a causa da dileção. Pois ter saído se refere ao nascimento incorpóreo, e a graça, que permite declarar ser Deus seu Pai, deve ser merecida pela dileção de Cristo que por Ele foi gerado.

53.  Ao dizer: Quem me odeia, odeia também meu Pai (Jo 15,23), dizendo meu, excluiu a comunhão no nome de filho pela indicação da natureza que lhe é própria. Condena, por outro lado, a usurpação do nome do Pai por parte de quem pretende ter a Deus por pai, mas não ama o Filho, porque quem o odeia, odiará também o Pai, e não honrará a Deus Pai quem não ama o Filho, porque o motivo de amar o Filho não é outro a não ser ter nascido de Deus.

54.  Portanto, o Filho procede de Deus, não por ter vindo ao mundo, mas por seu nascimento, e a dileção pelo Pai será perfeita se acreditarmos que o Filho procede dele.

 

Capítulo 31.

55.  O Senhor no-lo atesta ao dizer: Não vos digo que hei de rogar ao Pai por vós, porque o mesmo Pai vos ama, porque vós me amais e credes que eu vim de Deus. Saí do Pai e vim a este mundo (Jo 16,27-28).

56.  A perfeita fé no Filho não tem necessidade de intercessão junto ao Pai, para crer nele e amá-lo por ter saído de Deus. Esta fé, por si mesma, já merece ser ouvida e amada, porque confessa que o Filho nasceu de Deus e foi por Ele enviado.

57.  A sua natividade e vinda de Deus se mostram como absolutíssima verdade em suas características próprias. Diz: Saí de Deus, para que não se julgue haver nele uma natureza diferente da que lhe corresponde pela natividade.

58.  Acaso sair de Deus, isto é, subsistir pela natividade, poderia ser próprio de outro a não ser de Deus? E do Pai, diz, vim a este mundo. Para que esta saída de Deus fosse entendida como natividade vinda do Pai, declarou ter vindo a este mundo da parte do Pai.

59.  Uma coisa se refere à Economia, outra à natureza. Não se pode considerar a vinda a este mundo como sair do Pai, já que, depois de dizer que saiu de Deus diz ter vindo do Pai. Ter vindo do Pai e ter saído de Deus não têm a mesma significação.

60.  Na medida em que nascer e estar presente são diferentes, na mesma medida se distinguem ambas as palavras. Uma coisa é sair de Deus para ter um ser pessoal próprio, em virtude do nascimento, outra coisa é vir, do Pai, a este mundo para realizar o mistério de nossa salvação.

 

Capítulo 32.

61.  Pela ordem escolhida para nossa resposta, é aqui o lugar oportuno para, pela terceira vez, ensinarmos que Jesus Cristo, Nosso Senhor, é Filho de Deus, não pelo nome, mas pela natureza, não por adoção, mas pelo nascimento, como crêem os apóstolos.

62.  Embora ainda existam muitas e excelentes confissões do Unigênito de Deus sobre si mesmo, que atestam, sem a menor sombra de erro mentiroso, a verdade de sua geração, para que não seja onerosa para o leitor a quantidade das citações, e como muito já se disse sobre a natureza da natividade, outras questões ficam para depois.

63.  Agora, como foi estabelecida pela ordem de nosso discurso, convém que, depois da atestação do Pai e da profissão do Filho, também aprendamos, pela fé dos Apóstolos, a confessar o verdadeiro Filho de Deus pelo nascimento. Vejamos se, pelo que o Senhor diz: Saí de Deus, pode-se entender outra coisa a não ser a natureza da natividade.

 

Capítulo 33.

64.  Depois de muitas analogias obscuras nas parábolas com que falou, Aquele que, já anteriormente, conheciam como Cristo, anunciado por Moisés e os Profetas, que também fora confessado por Natanael como Filho de Deus e rei de Israel (cf. Jo 1,49), censurou Filipe por perguntar pelo Pai, porque, apesar das obras, desconhecia a existência do Pai nele e dele no Pai, embora já tivesse afirmado muitas vezes ter sido enviado pelo Pai (cf. Jo 14,9-12).

65.  Contudo, ao ouvi-lo declarar ter saído do Pai, esta foi a resposta deles (já que estas palavras vêm logo em seguida): Disseram-lhe os discípulos: Agora falas claramente, e não dizes nenhuma parábola. Agora, portanto, sabemos que conheces tudo e não tens necessidade de que alguém te interrogue; nisto cremos que saíste de Deus (Jo 16,29).

66.  Que admiração é esta, pergunto, pelas palavras? Por ter declarado ter saído de Deus? Ó santos e bem-aventurados varões, por causa de vossa fé, agraciados merecidamente com as chaves do reino dos céus e com o poder de ligar e de desligar no céu e na terra, que vistes serem realizadas por nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, obras tão grandes e tão próprias de Deus!

67.  Quando disse ter saído de Deus, afirmais ter chegado pela primeira vez a sua verdadeira compreensão? Vistes, na verdade, as águas nupciais e, nas mesmas, o vinho nupcial e a mudança de natureza em natureza, seja por transformação, seja por criação (cf. Jo 2,1-11).

68.  Cinco pães também partistes para alimentar uma grande multidão, e, saciados todos, os pedaços de pão ainda encheram doze cestos, de tal modo que ficaram saciados com um pouco de alimento como teriam ficado com grande quantidade de pães (cf. Mt 14).

69.  Contemplastes como as mãos secas recuperaram os movimentos e a língua dos mudos soltar-se para falar e vistes, em alegre corrida, os pés dos coxos, vistes os olhos dos cegos enxergarem, e a vida voltar aos mortos. Pusera-se de pé Lázaro, já fétido, à sua voz, e chamado do sepulcro, sem nenhum intervalo entre a voz e a vida, saíra imediatamente. Ainda com o odor da morte na respiração, ele mesmo, já vivo, ali estava presente (cf. Jo 11,44).

70.  Deixo passar as outras grandes virtudes e operações divinas. Só agora entendeis pela primeira vez o que seja ser enviado pelos céus, depois de terdes ouvido saí do Pai?

71.  E isto vos é dito pela primeira vez, já sem parábola, e entendestes pela força da natureza ser verdade que de Deus tenha saído, quando, calado, vê os pensamentos de vossas vontades, quando não interroga sobre algo, como se não soubesse, sendo o conhecedor de tudo?

72.  Por tudo isso que, pelo poder e natureza de Deus, realiza, temos de crer ter saído de Deus.

 

O que você destaca no texto e colo ele serve para sua espiritualidade?

 

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