Divisão do Tratado
O Tratado está dividido em 12 livros.
O
livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral
do trabalho.
O
livro II é um resumo da doutrina da Trindade.
O
livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.
No
livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e
demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo
Testamento.
O
livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho,
que não é um outro Deus ao lado do Pai.
O
livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo
Testamento.
1.
Nesta fé está a vida dos
crentes, pois não há outro caminho para a eternidade a não ser o conhecimento
de Jesus Cristo, Deus Unigênito, Filho de Deus.
2.
Por isso, a voz do céu foi
ouvida outra vez pelos apóstolos afirmando a mesma coisa, para que se cresse mais
firmemente naquilo que traz a morte para os que não creem.
3.
Quando o Senhor se
apresentou, revestido de toda a sua majestade, sobre o monte, tendo ao lado
Moisés e Elias, e, como testemunhas, as três colunas da Igreja, ouviu-se, do
céu, a voz do Pai: Este é o meu Filho amado em quem ponho a minha afeição,
ouvi-o (Mt 17,5).
4.
Não bastava, para confirmar
a sua glória, o brilho que se via; assim, a voz dizia: Este é o meu Filho.
5.
Os apóstolos não suportam a
manifestação da glória. Seus olhos mortais são muito fracos para poder
contemplá-la; a fé de Pedro, Tiago e João desfalece, consternada, por causa do
temor.
6.
A profissão da autoridade
paterna, porém, está presente, e o Filho é declarado tal pelas mesmas palavras
de quem o diz.
7.
Não só se demonstra a
verdade da filiação com as palavras este e meu, como se
acrescenta ouvi-o. O testemunho do Pai vem do céu, o do Filho é
confirmado na terra, pois dele é dito que deve ser ouvido.
8.
A palavra do Pai não
permite que se duvide e, além disso, fica claro que se deve crer na palavra do
Filho a respeito de si mesmo.
9.
A verdade da filiação é tão
evidente, que o Pai, confirmando-a, pede que o ouçamos e que obedeçamos a Ele.
Esta voz manifesta o desejo de Pai de que o Filho seja ouvido. Ouçamos, pois, o
testemunho que o Filho dá de si mesmo, dizendo quem é.
Capítulo 25.
10.
Não acredito que haja
alguém tão destituído de sensatez que não entenda ter Cristo declarado que
assumiu nossa humilde condição corporal, conforme atestam todos os livros dos
Evangelhos, quando disse: Pai, glorifica-me (Jo 17,5), Vereis o Filho
do Homem (Mt 26,64), O Pai é maior que eu (Jo 14,28), Minha alma
está muito perturbada (Jo 12,24), Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste? (Mt 27,46) e muitas outras coisas semelhantes, de que
falaremos quando for ocasião.
11.
Julgo, porém, que não
haverá ninguém que, tendo Ele dado tantas demonstrações de humildade, o acuse
de insolência por chamar a Deus de Pai, quando diz : Toda planta que meu Pai
não plantou será arrancada pela raiz (Mt 15,13) e Fizestes da casa de
meu Pai uma casa de comércio (Jo 2,16).
12.
Quem acreditará que sempre
que chama a Deus de Pai demonstra uma presunção temerária e não a confiança
natural de quem é consciente de seu nascimento e sabe que pode chamar
verdadeiramente a Deus de Pai porque Ele o é?
13.
A frequente confissão de
humildade não tem o vício da insolência que exige para si coisas alheias,
querendo guardar o que não é seu, e pretende que o que é seu se iguale ao que é
de Deus.
14.
Também não se chama de
Filho com temeridade igual a que seria chamar a Deus Pai quando diz: Deus
não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo
seja salvo por Ele (Jo 3,17), e Tu crês no Filho de Deus? (Jo 9,35).
15.
Que fazemos agora se
atribuímos a Jesus Cristo só o nome de filho por adoção e o acusamos de
presunção por chamar a Deus de Pai? A voz do Pai que vem do céu diz: Ouvi-o.
Eu ouço: Pai, eu te dou graças (Jo 11,41); Dizeis que blasfemei
porque disse: “Sou Filho de Deus” (Jo 10,36).
16.
Se não dou crédito aos
nomes, se não entendo que as palavras indicam a natureza, pergunto então em que
devo confiar e o que devo entender e não me resta outra possibilidade.
17.
Do céu, o Pai dá a
garantia: Este é o meu Filho. O que o Filho declara sobre si mesmo é: a
casa de meu Pai.
18.
A confissão do nome
significa a salvação, já que a pergunta: Tu crês no Filho de Deus? exige
fé e quando se diz meu, os nomes que se seguem indicam o que é próprio.
19.
A ti eu pergunto, ó herege,
em que fundamentas outra suposição, pois negas a confiança ao Pai, negas ao
Filho a confissão e tiras o significado dos nomes. Mudas o significado das
palavras de Deus e com a tua impiedade impudente chegas a acusar a Deus de
mentir a respeito de si mesmo.
Capítulo 26.
20.
O simples enunciado já
mostra que os nomes indicam a natureza. Aquele de quem se disse Meu Filho e
Aquele de quem se disse Meu Pai são exatamente aquilo de que são
chamados. E, a não ser que o nome signifique, no Filho, adoção, e, no Pai,
honra, vejamos que características o Filho atribui a seu nome: Tudo me foi
entregue pelo Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai e ninguém
conhece o Pai a não ser o Filho e aquele a quem o Pai quiser revelar (Mt
11,27).
21.
Acaso não estão de acordo: Este
é o meu Filho e Meu Pai e Ninguém conhece o Filho a não
ser o Pai e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho?
22.
A não ser pelo testemunho
mútuo, ninguém pode conhecer o Filho por meio do Pai nem o Pai por meio do
Filho. Há uma voz que vem do céu e há também o testemunho do Filho.
23.
Conhecer o Filho é tão
impossível quanto conhecer o Pai. Tudo lhe foi entregue, e, quando se fala de
tudo, nada se pode excetuar. O poder é igual, o mistério do conhecimento é
igual, a natureza se expressa nos nomes. Assim sendo, pergunto como não poderão
ser aquilo que são chamados se não são diferentes pelo poder e pela impossibilidade
que temos de conhecê-los.
24.
Deus não engana com suas
palavras. O Pai e o Filho não mentem quando falam de si. Aceita a fé que estes
nomes merecem.
Capítulo 27.
25.
O Senhor diz: As obras
que o Pai me encarregou de realizar, tais obras eu as faço e elas dão
testemunho de que o Pai me enviou. Também o Pai que me enviou dá testemunho
de mim (Jo 5,36-37).
26.
O Deus Unigênito mostra que
é Filho, não só pelo testemunho de seu nome, mas também pelo poder de suas
obras, que dão testemunho de que foi enviado pelo Pai.
27.
Pergunto: de que dão
testemunho as obras? De que foi enviado. Ter sido enviado demonstra a
obediência do Filho e autoridade do Pai, pois as obras que faz não podem ser de
outro senão do que foi enviado pelo Pai.
28.
Como aos descrentes não
basta que as obras demonstrem ter sido enviado pelo Pai, continua: O Pai que
me enviou dá testemunho de mim. E não ouvistes sua voz nem vistes seu rosto (Jo
5,37).
29.
Pergunto qual terá sido o
testemunho do Pai. Examina os livros do Evangelho e estuda tudo o que contêm.
Dá testemunho do Pai, além do que ouvimos: Este é meu Filho amado em quem
ponho a minha afeição e Tu és meu Filho (Mc 1,11).
30.
João ouviu estas palavras
quando já conhecia a verdade, mas nós recebemos o testemunho da voz do Pai para
nosso ensinamento. Isto, porém, não basta. João, no deserto, foi digno de ouvir
esta voz e os apóstolos não deveriam ser privados desse testemunho. A eles
chega primeiro a voz do céu, mas recebem mais que João.
31.
Este, que já tinha
profetizado no seio materno, não precisou dessa palavra Ouvi-o. Hei de
ouvi-lo, certamente, e a mais ninguém, a não ser Aquele que Ele escutou para
poder ensinar.
32.
Se não se encontra nos livros
nenhum outro testemunho do Pai a respeito do Filho, a não ser de que é Filho, a
verdade deste testemunho consiste em que as obras que realiza o confirmam. Por
que aparecem hoje essas falsidades: que o nome do Filho significa adoção, que
Deus mente, que os nomes não significam nada?
33.
O Pai deu testemunho do
Filho que, com suas obras, corresponde ao testemunho do Pai. Por que se deve
pensar que não possui a realidade da filiação que é afirmada e demonstrada?
34.
Cristo não tem o nome de
Filho por ter sido adotado pelo Pai por benevolência. Não mereceu esse nome por
sua santidade, como muitos que são filhos de Deus por terem confessado a fé.
Nestes últimos, o nome não indica nada que lhes seja próprio. Foi concedido por
Deus, como Ele pode fazê-lo. Mas é diferente dizer: este é, este é
meu, ouvi-o, pois aqui se trata da verdadeira filiação por natureza,
na qual devemos crer.
Capítulo 28.
35.
O Filho dá testemunho de si
mesmo com tanta clareza quanto o Pai, com a declaração sobre a verdadeira
filiação. A palavra Este é o meu Filho constitui uma prova de sua
natureza divina, à qual se acrescenta: Ouvi-o, como um convite a
escutá-lo para confessar a doutrina que conduz à salvação, pois estas palavras
dizem qual é o mistério e qual a fé, pelos quais veio do céu.
36.
O Filho ensinou a verdade
de seu nascimento e sua vinda quando disse: Vós me conheceis e sabeis de
onde sou; no entanto, não vim por minha própria vontade, mas é verdadeiro
aquele que me enviou e que não conheceis. Eu, porém, o conheço porque dele
procedo e foi Ele que me enviou (Jo 7,28-29).
37.
O Filho afirma
repetidamente que ninguém conhece o Pai, que é conhecido somente pelo único que
dele procede. A exclusividade do conhecimento deriva da exclusividade da geração.
Proceder não significa que nele esteja a força da criatura, pois todas as
coisas receberam de Deus o seu ser pela criação. Significa, sim, a realidade do
seu nascimento, pelo qual só Ele conhece o Pai, enquanto as outras coisas que
dele procedem não o conhecem.
Capítulo 29.
38.
Para que a heresia não
viesse a situar seu nascimento, de Deus, no momento de sua vinda a este mundo,
acrescentou: Procedo dele e Ele me enviou. Manteve a ordem do mistério
ao afirmar que nasceu e que foi enviado para dar a conhecer quem é e de onde é,
em relação com o que vem antes, pois não é a mesma coisa dizer: procedo dele
e Ele me enviou, como não é o mesmo dizer não me conheceis e não
sabeis de onde sou.
39.
Acaso todo homem, mesmo
tendo nascido da carne, não procede de Deus? Não é esta a opinião geral? Como
nega que saibam quem é Ele e de onde é, a não ser que, com sua origem, faça referência
ao princípio de sua natureza, que podem ignorar precisamente porque ignoram que
Ele é Filho de Deus?
40.
Reflete, ó insensato, sobre
o significado de não me conheceis nem sabeis de onde sou. Tudo vem do
nada e tanto é assim que tu ousas afirmar, mentindo, que o Deus Unigênito
recebeu seu ser a partir do nada.
41.
Que significa que os ímpios
não saibam quem é Cristo nem de onde é? O fato de não saberem de onde é
demonstra a natureza da qual procede, pois não se pode ignorar a natureza da
qual procede tudo o que vem do nada.
42.
O fato de não se ignorar
que vem do nada exclui a ignorância sobre sua procedência. Aquele que veio não
tem a existência de si mesmo, porém o que o enviou, que os ímpios não conhecem,
é verdadeiro.
43.
O que o enviou é o mesmo
que se ignora tê-lo enviado. O que foi enviado procede, portanto, do que o
enviou e procede daquele de quem se ignora que Ele procede. Porque se ignora de
quem Ele procede, não se sabe quem Ele é.
44.
Quem não sabe de onde é
Cristo, não sabe quem é Cristo. Não o confessa como Filho quem ignora que tenha
nascido e não entende que tenha nascido o que acredita que veio do nada. Porém
não veio do nada, porque os ímpios não sabem de onde Ele é.
Capítulo 30.
45. Não sabem, realmente, os que ligam a natureza ao nome e, sendo ignorantes,
não querem saber.
46. Escutem o Filho censurar a ignorância daqueles ímpios, quando até
os judeus chamam a Deus de Pai: Se Deus fosse vosso Pai, sem dúvida me
amaríeis, pois eu saí de Deus e vim. Não vim por mim mesmo, mas Ele me enviou (Jo
8,42).
47.
Não censurou aqueles que
assumiam um nome sagrado e, confessando-o Filho de Deus, diziam ter a Deus por
pai. Interpela, porém, a usurpação temerária dos judeus, que presumiam ter Deus
como pai e não o amavam. Se Deus fosse vosso Pai, certamente me amaríeis,
pois eu saí de Deus.
48.
Para todos os que, pela fé,
têm a Deus por pai, Deus é Pai pela mesma fé, pela qual confessamos que Jesus
Cristo é o Filho de Deus.
49.
Mas confessar que é Filho
no mesmo sentido em que são em geral os santos, será isso a fé, se dizemos que
é um dentre os filhos? Acaso os outros, que existem na fraqueza da criatura,
também não são filhos? Em que, então, a confissão de fé no Filho de Deus, Jesus
Cristo, é mais excelente se Ele, como os outros filhos, não tem esse nome por
natureza?
50.
Esta falta de fé não ama a
Cristo e esta ímpia profissão não aceita para si a Deus Pai, porque, se para
eles Deus fosse Pai, amariam a Cristo por ter vindo de Deus. Procuro saber o
que seja ter saído de Deus. Não se pode dizer que ter saído de
Deus seja a mesma coisa que ter vindo, pois ambas as expressões aqui
estão: saí de Deus e vim.
51.
E para mostrar o que seja saí
de Deus e vim, o Senhor logo acrescenta: Não vim por mim mesmo,
mas Ele me enviou. Ensina não ser origem de si mesmo, ao dizer: Não vim
de mim mesmo, e, de novo, atesta ter saído de Deus e ter sido por Ele
enviado.
52.
Dizendo que aqueles que
chamam a Deus de pai devem amá-lo, porque saiu de Deus, ensina ser o seu
nascimento a causa da dileção. Pois ter saído se refere ao nascimento
incorpóreo, e a graça, que permite declarar ser Deus seu Pai, deve ser merecida
pela dileção de Cristo que por Ele foi gerado.
53.
Ao dizer: Quem me odeia,
odeia também meu Pai (Jo 15,23), dizendo meu, excluiu a comunhão no
nome de filho pela indicação da natureza que lhe é própria. Condena, por outro
lado, a usurpação do nome do Pai por parte de quem pretende ter a Deus por pai,
mas não ama o Filho, porque quem o odeia, odiará também o Pai, e não honrará a
Deus Pai quem não ama o Filho, porque o motivo de amar o Filho não é outro a
não ser ter nascido de Deus.
54.
Portanto, o Filho procede
de Deus, não por ter vindo ao mundo, mas por seu nascimento, e a dileção pelo
Pai será perfeita se acreditarmos que o Filho procede dele.
Capítulo 31.
55.
O Senhor no-lo atesta ao
dizer: Não vos digo que hei de rogar ao Pai por vós, porque o mesmo Pai vos
ama, porque vós me amais e credes que eu vim de Deus. Saí do Pai e vim a este
mundo (Jo 16,27-28).
56.
A perfeita fé no Filho não
tem necessidade de intercessão junto ao Pai, para crer nele e amá-lo por ter
saído de Deus. Esta fé, por si mesma, já merece ser ouvida e amada, porque
confessa que o Filho nasceu de Deus e foi por Ele enviado.
57.
A sua natividade e vinda de
Deus se mostram como absolutíssima verdade em suas características próprias.
Diz: Saí de Deus, para que não se julgue haver nele uma natureza
diferente da que lhe corresponde pela natividade.
58.
Acaso sair de Deus, isto é,
subsistir pela natividade, poderia ser próprio de outro a não ser de Deus? E
do Pai, diz, vim a este mundo. Para que esta saída de Deus fosse
entendida como natividade vinda do Pai, declarou ter vindo a este mundo da
parte do Pai.
59.
Uma coisa se refere à
Economia, outra à natureza. Não se pode considerar a vinda a este mundo como sair
do Pai, já que, depois de dizer que saiu de Deus diz ter vindo do Pai. Ter
vindo do Pai e ter saído de Deus não têm a mesma significação.
60.
Na medida em que nascer e
estar presente são diferentes, na mesma medida se distinguem ambas as palavras.
Uma coisa é sair de Deus para ter um ser pessoal próprio, em virtude do
nascimento, outra coisa é vir, do Pai, a este mundo para realizar o mistério de
nossa salvação.
Capítulo 32.
61.
Pela ordem escolhida para
nossa resposta, é aqui o lugar oportuno para, pela terceira vez, ensinarmos que
Jesus Cristo, Nosso Senhor, é Filho de Deus, não pelo nome, mas pela natureza,
não por adoção, mas pelo nascimento, como crêem os apóstolos.
62.
Embora ainda existam muitas
e excelentes confissões do Unigênito de Deus sobre si mesmo, que atestam, sem a
menor sombra de erro mentiroso, a verdade de sua geração, para que não seja
onerosa para o leitor a quantidade das citações, e como muito já se disse sobre
a natureza da natividade, outras questões ficam para depois.
63.
Agora, como foi
estabelecida pela ordem de nosso discurso, convém que, depois da atestação do
Pai e da profissão do Filho, também aprendamos, pela fé dos Apóstolos, a
confessar o verdadeiro Filho de Deus pelo nascimento. Vejamos se, pelo que o
Senhor diz: Saí de Deus, pode-se entender outra coisa a não ser a natureza
da natividade.
Capítulo 33.
64.
Depois de muitas analogias
obscuras nas parábolas com que falou, Aquele que, já anteriormente, conheciam
como Cristo, anunciado por Moisés e os Profetas, que também fora confessado por
Natanael como Filho de Deus e rei de Israel (cf. Jo 1,49), censurou Filipe por
perguntar pelo Pai, porque, apesar das obras, desconhecia a existência do Pai
nele e dele no Pai, embora já tivesse afirmado muitas vezes ter sido enviado
pelo Pai (cf. Jo 14,9-12).
65.
Contudo, ao ouvi-lo
declarar ter saído do Pai, esta foi a resposta deles (já que estas palavras vêm
logo em seguida): Disseram-lhe os discípulos: Agora falas claramente, e não
dizes nenhuma parábola. Agora, portanto, sabemos que conheces tudo e não tens
necessidade de que alguém te interrogue; nisto cremos que saíste de Deus (Jo
16,29).
66.
Que admiração é esta,
pergunto, pelas palavras? Por ter declarado ter saído de Deus? Ó santos e
bem-aventurados varões, por causa de vossa fé, agraciados merecidamente com as
chaves do reino dos céus e com o poder de ligar e de desligar no céu e na
terra, que vistes serem realizadas por nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de
Deus, obras tão grandes e tão próprias de Deus!
67.
Quando disse ter saído de
Deus, afirmais ter chegado pela primeira vez a sua verdadeira compreensão? Vistes,
na verdade, as águas nupciais e, nas mesmas, o vinho nupcial e a mudança de natureza
em natureza, seja por transformação, seja por criação (cf. Jo 2,1-11).
68.
Cinco pães também partistes
para alimentar uma grande multidão, e, saciados todos, os pedaços de pão ainda
encheram doze cestos, de tal modo que ficaram saciados com um pouco de alimento
como teriam ficado com grande quantidade de pães (cf. Mt 14).
69.
Contemplastes como as mãos
secas recuperaram os movimentos e a língua dos mudos soltar-se para falar e
vistes, em alegre corrida, os pés dos coxos, vistes os olhos dos cegos
enxergarem, e a vida voltar aos mortos. Pusera-se de pé Lázaro, já fétido, à
sua voz, e chamado do sepulcro, sem nenhum intervalo entre a voz e a vida,
saíra imediatamente. Ainda com o odor da morte na respiração, ele mesmo, já
vivo, ali estava presente (cf. Jo 11,44).
70.
Deixo passar as outras
grandes virtudes e operações divinas. Só agora entendeis pela primeira vez o
que seja ser enviado pelos céus, depois de terdes ouvido saí do Pai?
71.
E isto vos é dito pela
primeira vez, já sem parábola, e entendestes pela força da natureza ser verdade
que de Deus tenha saído, quando, calado, vê os pensamentos de vossas vontades, quando
não interroga sobre algo, como se não soubesse, sendo o conhecedor de tudo?
72.
Por tudo isso que, pelo
poder e natureza de Deus, realiza, temos de crer ter saído de Deus.
O que você destaca no texto e
colo ele serve para sua espiritualidade?
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