Divisão do Tratado
O Tratado está dividido em 12 livros.
O
livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral
do trabalho.
O
livro II é um resumo da doutrina da Trindade.
O
livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.
No
livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e
demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo
Testamento.
O
livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho,
que não é um outro Deus ao lado do Pai.
O
livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo
Testamento.
Capítulo 34.
1. Os apóstolos aqui não entenderam o ter saído de Deus, no
sentido de ter sido enviado por Deus, pois em todo o discurso anterior haviam
ouvido muitas vezes que tinha sido enviado. Mas, ouvindo que de Deus saíra, e
vendo nele, pelas obras, a natureza de Deus, reconhecem a verdade da natureza
divina, pelo fato de ter saído de Deus, e dizem: Agora sim, sabemos que
conheces tudo e não tens necessidade de que alguém te interrogue; nisto cremos
que saíste de Deus (Jo 16,29).
2. Pois crêem que saiu de Deus, porque pode e age em relação ao que
pertence a Deus. Não por ter vindo do Pai, mas por ter saído de Deus, revela
plenamente a natureza de Deus.
3. Finalmente, isto que agora se ouve pela primeira vez vale para
confirmar a fé. Pois, tendo o Senhor dito ambas as palavras: Eu saí de Deus e
do Pai vim a este mundo (Jo 16.27,28), estas não lhes causaram admiração
porque já com freqüência tinham ouvido: e do Pai vim a este mundo.
4. A resposta deles, contudo, confirma a fé e a compreensão do dito: Eu
saí do Pai. Pois a resposta se refere somente a isto, ao dizerem: Nisto
cremos que saíste de Deus, mas não acrescentam: E do Pai vieste a este
mundo.
5. Confessam expressamente uma coisa e calam sobre a outra. A
novidade destas palavras é a causa da confissão; foi, porém, a compreensão da
verdade que suscitou o testemunho dos que confessavam.
6. Na verdade sabiam que Ele, como Deus, podia tudo, mas ainda não
aceitavam a natividade. Aqueles que sabiam ter sido enviado por Deus ignoravam
no entanto que houvesse saído de Deus. Compreendendo, em virtude destas
palavras, a inenarrável e perfeita natividade do Filho, agora declaram que não
fala mais por parábolas.
Capítulo 35.
7. Deus não nasce de Deus conforme o costume do parto humano, nem
segundo os princípios de nossa origem, como sai o homem do homem.
8. A íntegra, perfeita e incontaminada natividade é mais uma saída de
Deus do que um parto. O que é Um procede do que é Um. Não é uma parte, não é
separação, não é diminuição, não é derivação, não é extensão, não é
passibilidade, mas é natividade de natureza viva, vinda daquele que vive.
9. É Deus que procede de Deus, não é criatura eleita com o nome de Deus;
não começou do nada para existir, mas saiu do que sempre permanece.
10. Ter saído significa nascimento, não começo. Pois não é a mesma coisa uma
substância ter um começo, e ter Deus saído de Deus.
11. A certeza desta natividade, embora não possa ser explicada com
palavras, por ser inenarrável, tem no entanto na doutrina do Filho a segurança
da fé, pois Ele revela ter saído de Deus.
Capítulo 36.
12. Não pertence à fé evangélica e apostólica crer que o Filho seja
Deus antes pelo nome que por natureza. Se recebeu este nome por adoção e, por
conseguinte, não é o Filho que nasceu de Deus, pergunto: donde então o
bem-aventurado Simão Bar Jonas teria tirado esta confissão: Tu és o Cristo,
o Filho de Deus vivo? (Mt 16,16).
13. Será porque todos têm o poder de nascer como filhos de Deus, pelo
sacramento da regeneração? Se é nesse sentido que Cristo é Filho de Deus,
indago o que não foi revelado a Pedro, nem pela carne nem pelo sangue, mas pelo
Pai que está nos céus?
14. Que mérito tem a confissão do que é comum a todos? Que glória de
revelação advém a Pedro, desta confissão, se ele atribui ao Filho o que é comum
aos Santos? Mas a fé apostólica ultrapassa a inteligência humana.
15. Certamente ouvira muitas vezes: Quem vos recebe, a mim recebe;
e quem me recebe, recebe aquele que me enviou (Mt 10,10). Portanto não
ignorava ser Ele enviado; não ignorava quem o enviara, pois o ouvira declarar: Tudo
me foi entregue pelo Pai, e ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, nem ao Pai
ninguém conhece a não ser o Filho (Mt 11,25).
16. Que será o que agora o Pai revela a Pedro, e que lhe dá a glória
de uma confissão bem-aventurada? Acaso desconhecia os nomes de Pai e de Filho?
No entanto, com freqüência os ouvira. Mas fala o que ainda nenhuma voz humana
proferira: Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo.
17. Pois, embora estivesse no corpo, confessou ser Filho de Deus; agora,
pela primeira vez, a fé apostólica reconhece nele a natureza da divindade. O
louvor foi dado a Pedro, não tanto pela confissão da honra quanto pelo reconhecimento
do mistério; porque confessou não apenas o Cristo, mas o Cristo Filho de Deus.
Dizendo: Tu és, expôs a força e a propriedade da verdadeira natureza. E
ao dizer o Pai: Este é o meu Filho (Mt 17,5), revelou a Pedro o: Tu
és o Filho de Deus, porque dizer: Este é é uma revelação do que
revela, e a resposta: Tu és é o reconhecimento do que confessa.
18. Portanto, sobre esta pedra da confissão está edificada a Igreja.
19. A carne e o sangue não revelam o sentido do que é confessado. O
mistério da divina revelação não está só em proclamar Cristo Filho de Deus, mas
em crer.
20. Acaso foi revelado a Pedro antes o nome do que a natureza? Se já
ouvira o nome, várias vezes, do Senhor, que se confessava Filho de Deus, em que
consiste então a glória da revelação?
21. Na proclamação da natureza, sem dúvida, não do nome, já que a
declaração do nome era freqüente.
Capítulo 37.
22. Esta fé é o fundamento da Igreja; por esta fé, são fracas as
portas do inferno contra ela. Esta fé tem as chaves do reino celeste. O que
esta fé ligar ou desligar na terra será ligado ou desligado nos céus (cf. Mt
16,18 e 19). Esta fé é dom da paterna revelação: não imaginar de modo algum
Cristo como criatura, mas confessar o Filho de Deus, segundo a sua natureza.
23. Ó infeliz e ímpio furor da estultice, que não entendes o testemunho
da bem-aventurada senectude (velhice, idade) e da fé do mártir Pedro, por quem
se rogou ao Pai para que não deixasse sucumbir sua fé pela tentação, que,
depois da reiterada profissão de seu amor a Deus, diante da pergunta, como se
fosse considerado ainda duvidoso e indeciso, gemeu à terceira interrogação (cf.
Jo 23,17) e por isso, depois da terceira purificação da fraqueza, mereceu ouvir
do Senhor por três vezes: Apascenta minhas ovelhas.
24. Em meio ao silêncio de todos os apóstolos, reconheceu o Filho de
Deus, pela revelação do Pai, e mereceu supereminente glória que supera toda a
fraqueza humana por feliz confissão de sua fé!
25. Interpretando agora sua palavra, a que conclusão somos levados?
Ele confessou a Cristo Filho de Deus, e tu, hoje, falso e mentiroso sacerdote
de recente apostolado, vens obrigar-me a considerá-lo criatura vinda do nada.
26. Que força atribuis aos gloriosos ditos? Pedro confessou o Filho de
Deus, por isso é bemaventurado. Esta é a revelação do Pai, este é o fundamento
da Igreja, esta, a certeza da eternidade.
27. Por isso existem as chaves do reino dos céus. Por isso seus juízos
terrenos são juízos celestes. Aprendeu pela revelação o mistério oculto desde
séculos, expressou a fé, declarou a natureza, confessou o Filho de Deus.
28. Por isso, quem nega e prefere confessar a criatura será o primeiro
a negar a Pedro o apostolado, a fé, a bemaventurança, o sacerdócio, o martírio;
e depois de tudo, saiba estar longe de Cristo, porque Pedro, ao confessar o
Filho, mereceu tudo isso.
Capítulo 38.
29. E tu, quem quer que sejas, infeliz herege, julgas, hoje, que Pedro
teria sido mais feliz se dissesse: Tu és Cristo, perfeita criatura de Deus,
criação supereminente a todas as outras, que começaste do nada e, por bondade
de Deus, o único bom, mereceste o nome de filho por adoção e não nasceste de
Deus?
30. Pergunto a ti o que teria ele escutado se dissesse essas palavras,
ele que, tendo ouvido o anúncio da paixão, e respondido: Deus tal não
permita, Senhor, não te sucederá isto (Mt 16,22), ouviu-o dizer: Retira-te
de mim, Satanás, tu és para mim uma pedra de escândalo (Mt 16,23)?
31. Mas a humana ignorância não foi o que levou Pedro à culpa, pois o
Pai ainda não lhe revelara todo o mistério da paixão; mas sua pouca fé recebeu
a sentença de condenação.
32. Por que então o Pai não revelou a Pedro esta fé de tua confissão,
de que Ele é criatura, Filho por adoção? Penso que aqui Deus tenha recusado a
Pedro esta revelação, porque, ocultando-a para tempos futuros, reservaria para
vós, agora, esta nova pregação.
33. Haja outra fé, se são outras as chaves do reino dos céus. Haja
outra fé, se houver outra Igreja, contra a qual as portas do inferno não
prevalecerão. Haja outra fé, se houver outro apostolado, ligando e desligando
no céu o que ligou e desligou na terra. Haja outra fé, se Cristo for pregado como
outro filho de Deus, diferente do que é.
34. Mas, se, ao contrário, somente esta fé, que confessa a Cristo
Filho de Deus, mereceu para Pedro a glória de todas as bemaventuranças, é
forçoso que aquela Igreja que prefere confessar a criatura vinda do nada não
consiga as chaves do reino dos céus e, estabelecida fora da fé e da virtude
apostólicas, nem seja Igreja, nem de Cristo.
Capítulo 39.
35. Citemos então todas as profissões de fé apostólicas que,
confessando o Filho de Deus, não lhe atribuem um nome de adoção, mas afirmam a
propriedade da natureza; não afirmam a ignomínia da criação, mas a glória do nascimento.
36. Fale-nos João, que permanece assim até o advento do Senhor e, pelo
mistério da divina vontade, foi deixado e designado, quando não foi dito: não
morrerá, mas: há de permanecer.
37. Fale-nos, portanto, sua voz, como de costume: Jamais ninguém
viu a Deus a não ser o Filho Unigênito que está no seio do Pai (Jo 1,18). A
fé na natureza não estará bastante explicada, ao que parece, pelo nome de
Filho, se não se acrescentar o poder que lhe é próprio, mencionando sua
singularidade.
38. Pois, designando-o, além de Filho, Unigênito, afastou
totalmente toda suspeita de adoção; com a verdade do nome, concorda a natureza
do Unigênito.
Capítulo 40.
39. Ainda não pergunto o que seja: Que está no seio do Pai; esta
pergunta virá em sua ordem; pergunto o que exige a significação de Unigênito.
E vejamos se é assim como defendes, isto é, criatura de Deus perfeita, de modo
que perfeita pertença ao Unigênito, e criatura se refira ao
Filho.
40. Mas João disse: Unigênito Deus Filho, e não criatura perfeita.
Não ignorava estes nomes de blasfêmia ao dizer: Que está no seio do Pai e
ouvindo de seu Senhor: Deus tanto amou o mundo, que lhe entregou seu Filho Unigênito,
a fim de que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo
3,16).
41. Amando Deus ao mundo, assim testemunhou sua dileção: doando seu
Filho Unigênito. Se dá testemunho deste amor, conceder a criatura às criaturas
e dar, pelo mundo, o que é do mundo e ser remido o que vem do nada pela
criatura vinda do nada, não merecem muita confiança estas vis e desprezíveis
mercadorias.
42. Pelo contrário, tem grande valor o que mostra a caridade, e o que
é grande só se pode medir pelo que é grande. Deus, amando o mundo, não
deu o Filho adotivo, mas o seu, o Unigênito.
43. Aqui há a natureza, o nascimento, a verdade, não a criação, não a
adoção, não a falsidade. Daí a fé na dileção e na caridade, que dá ao mundo a
salvação, dando o Filho, o seu Filho, o Unigênito.
Capítulo 41.
44. Deixo de mencionar todas as denominações do Filho. Não há culpada
dissimulação, onde, pela grande quantidade, se faz necessária uma escolha.
45. O progresso de algo sempre vem de uma causa, e toda obra manifesta
o motivo pelo qual foi empreendida. Ao escrever os Evangelhos, devia o Autor
apresentar os seus motivos, e vejamos o que quis demonstrar: Tudo isto foi
escrito para que creiais que Jesus é o Cristo, Filho de Deus (Jo 20,31).
46. Ao escrever o Evangelho, não apresentou outro motivo a não ser que
todos cressem ser Jesus o Cristo, Filho de Deus. Se, para a salvação, basta
crer em Cristo, por que acrescentou Filho de Deus? Se crer em Cristo é
suficiente para a fé, mas não apenas em Cristo, em Cristo, Filho de Deus, o
nome de Filho dado ao Cristo Deus Unigênito não vem da adoção comum, porque é
próprio para a salvação.
47. Portanto, se a salvação está na confissão deste nome, então, por
que não é verdadeiro este nome? Se no nome está a realidade, com que autoridade
se pode dizer criação, já que professar a criação não basta para a
salvação, mas é preciso proclamar que é Filho?
Capítulo 42.
48. É esta a verdadeira salvação, é este o mérito da perfeita fé: crer
em Jesus Cristo, Filho de Deus. Em nós não há dileção de Deus Pai a não ser
pela fé no Filho. E ouçamos o que diz João na Epístola: Todo aquele que ama
o Pai, ama o que dele nasceu (1Jo 5,1).
49. Que quer dizer, indago, nascer dele? Acaso será o mesmo que ser
criado por Ele? Por que o evangelista iria mentir ao dizer nascido dele, daquele
que os hereges ensinam ser antes criado por Ele? Ouçamos todos o que este
doutor tem a dizer: É o anticristo aquele que nega o Pai e o Filho (1Jo
2,22).
50. Que pretendes tu, defensor da criatura e novo criador de Cristo a
partir de não existentes? Se manténs a tua afirmação, reconhece o nome do que a
faz.
51. Quando pregas serem criador e criatura, o Pai e o Filho, pensas
ser excluído, de forma a não ser tido como anticristo, simulando outras
significações dos nomes? Se, em tua fé, o Pai o é por natureza, também por
natureza é o Filho.
52. Caluniador serei eu, por atribuir-te o opróbrio de um nome falso.
Mas, se tudo é simulado e trata-se, antes, de um nome do que da realidade, aprende
do Apóstolo qual seja o cognome de tua fé, e escuta a fé no Filho que te foi
transmitida: O que nega o Filho, também não tem o Pai; quem confessa o
Filho, tem o Filho e o Pai (1Jo 2,23).
53. Quem nega o Filho não tem o Pai. Quem confessa o Filho e o tem, tem
também o Pai. Pergunto que lugar há aqui para nomes de adoção. Acaso tudo isto
não pertence à natureza? Aceita o que pertence à natureza.
Capítulo 43.
54. Diz ainda o Apóstolo: Porque sabemos que o Filho de Deus veio (1Jo
5,20), e se encarnou por nossa causa e sofreu e, ressurgindo dos mortos, nos
assumiu e nos deu o entendimento, para que conheçamos o verdadeiro Deus e
estejamos no seu verdadeiro Filho Jesus Cristo. Ele é o verdadeiro Deus e a
vida eterna, e nossa ressurreição (cf. 1Jo 5,20-21).
55. Ó miserável inteligência, carente do espírito de Deus, que te
aproprias do espírito e do nome do anticristo. Desconheces o mistério de nossa
salvação, pelo qual o Filho de Deus veio e, por isso, indigno desta compreensão
sublime, afirmas que Jesus Cristo é criatura, pelo nome de adoção, e não o
verdadeiro Filho de Deus. Por quem foste instruído nestes segredos dos ocultos
mistérios? Quem é, hoje, o novo autor desta tua ciência? Não seria, por teres
reclinado no peito, pela familiaridade do amor, que o Senhor te mostrou este
segredo? (Cf. Jo 19,27.) Ou foste o único que o seguiu até a cruz e, tendo
recebido Maria como Mãe, também recebeste isto, além de outras coisas, como prova
de seu amor por ti? Ou por teres corrido mais do que Pedro, chegando primeiro
ao sepulcro, recebeste isto? (Cf. Jo 20,4.) Ou, no meio dos coros angélicos,
dos indissolúveis selos dos livros assinalados, das multiformes potestades, dos
sinais celestes dos novos e incompreensíveis cânticos dos hinos sempiternos,
foi-te revelada, pelo Cordeiro que te conduzia, esta tão piedosa doutrina: que
o Pai não é Pai, o Filho não é Filho, a natureza não é natureza, nem a verdade
é verdade? (Cf. Ap 5,1-4.)
56. Tudo isto é transformado por ti em falsidade. O Apóstolo, devido à
inteligência a ele concedida, declara ser verdadeiro o Filho de Deus; tu
afirmas a criação, pregas a adoção, negas a natividade.
57. E, como o verdadeiro Filho de Deus é, para nós, a vida eterna e a ressurreição,
não é, nem vida eterna nem ressurreição, para quem nega que seja verdadeiro. E
é isso o que diz João, o dileto discípulo do Senhor.
O que você destaca no texto e
colo ele serve para sua espiritualidade?
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