O livro VIII trata da unidade do Pai e do Filho. O Espírito Santo é demonstração e manifestação desta unidade.
Capítulo 39.
1. Mostrai
agora vossas línguas que vibram sibilando, ó serpentes heréticas, quer sejais Sabélio,
Fotino, ou os que agora ensinais que o Deus Unigênito é uma criatura.
2. Que aquele
que nega o Filho escute, agora, as palavras um só Deus Pai, e, porque o
Pai não pode ser Pai, a não ser que tenha um Filho, e porque já se menciona o
Filho, quando se diz Pai, saiba, quem nega ao Filho a unidade da
natureza com o Pai, que existe um só Senhor Jesus Cristo, pois, se não há um só
Senhor, pela unidade do Espírito, não se admite que Deus Pai seja Senhor.
3. Aquele
que pensa que o Filho procede do tempo e da carne fique sabendo que é por Ele
que tudo existe e que é por Ele que nós existimos (cf. 1Cor 8,6), e que sua
imensidade atemporal cria todas as coisas, fora do tempo.
4. Lembre-se
de que é uma a esperança da vocação, um o batismo e uma a fé (cf. Ef 4,4-5).
Depois de tudo isso, ao opor-se à pregação do Apóstolo, faz-se, ele mesmo,
anátema, porque, pensando de modo diferente, segundo seu próprio modo de
sentir, não é nem chamado, nem batizado, nem fiel, porque uma só é a fé da
única esperança e um só é o batismo no único Deus Pai e no único Jesus Cristo.
As diferentes doutrinas não poderão gloriar-se de ter seu fundamento nesta
verdade: um só Deus, um só Senhor, uma só esperança, um só batismo e uma só fé.
Capítulo
40.
5. A fé é
uma só e consiste em confessar o Pai no Filho e o Filho no Pai, em virtude da unidade
inseparável da sua natureza inconfusa e indivisa, que não é resultado de uma mistura,
mas é indiferenciada, não por justaposição, mas em virtude de seu ser original,
não inacabada, mas perfeita.
6. Trata-se
de um nascimento, não de uma divisão. O Filho é realmente Filho, não há adoção.
O Filho é Deus, não criatura. Não é um Deus de outro gênero, mas o Pai e o
Filho são Um. A natureza não se modificou no que nasce de modo a adquirir
características diferentes daquelas da sua origem.
7. O
Apóstolo mantém a fé no Filho que permanece no Pai e no Pai que está no Filho,
quando afirma que, para ele, não há senão um só Deus Pai e um só Senhor Jesus
Cristo. No Senhor Jesus Cristo está também Deus e em Deus Pai está também o Senhor,
e um e outro são um só Deus, como um e outro são um só Senhor.
8. Considerar-se-ia
uma imperfeição para Deus não ser Senhor e para o Senhor não ser Deus. Visto
que os dois são Um, a unidade de natureza se expressa nos nomes dos dois, e
nenhum dos dois existe sem a unidade.
9. Em seu
ensinamento, o Apóstolo não vai além da pregação evangélica. Cristo, quando
fala em Paulo, não diz coisas diferentes das que disse quando permanecia no
mundo em forma corporal.
Capítulo
41.
10. Pois o
Senhor havia dito nos Evangelhos: Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas
pelo que perdura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará, pois Deus, o
Pai, o marcou com um selo. A obra de Deus é que acrediteis naquele que Ele
enviou (Jo 6,27.29).
11. O
Senhor, ao explicar o mistério da encarnação e de sua divindade, revelou a
doutrina de nossa fé e de nossa esperança: que não trabalhássemos pelo alimento
que perece, e sim pelo que permanece para sempre, que nos lembrássemos de que o
alimento de eternidade nos é dado pelo Filho do Homem, que soubéssemos que o
Filho do Homem foi assinalado por Deus Pai e que conhecêssemos que a obra de
Deus consiste em acreditar naquele que o Pai enviou.
12. Quem é
Aquele que o Pai enviou? Certamente Aquele a quem Deus assinalou. E que é
Aquele que o Pai assinalou? O Filho do Homem, ou seja, o que dá alimento para a
vida eterna. E quem são aqueles a quem é dado este alimento? São os que
trabalham pelo alimento que não perece. Assim, o trabalho por este alimento é a
mesma obra de Deus, isto é, acreditar naquele que enviou.
13. Porém
isto é o Filho do Homem quem o diz. E como dará o Filho do Homem o alimento da
vida eterna? Ignora o mistério de sua salvação, quem ignora que o Filho do
Homem, que dá o alimento para a vida, foi assinalado por Deus Pai.
14. Pergunto
agora em que sentido se deve entender que o Filho do Homem foi assinalado por
Deus Pai.
Capítulo
42.
15. Antes
de tudo, é preciso saber que Deus, falando, não para si mesmo, mas para nós, em
tudo adaptou suas palavras à nossa compreensão, para que a inteligência própria
de nossa natureza pudesse apreender o que dizia.
16. Tinha
sido censurado antes pelos judeus porque se fazia igual a Deus, ao afirmar que
era Filho de Deus. Respondera então que fazia tudo o que o Pai fazia, tendo
recebido do Pai todo poder para julgar. Afirmara ainda que Ele também devia ser
honrado como o Pai. Em todas essas afirmações, depois de ter dito que era o
Filho, igualara-se ao Pai em honra, poder e natureza e dissera que, como o Pai tinha
a vida em si mesmo, tinha dado ao Filho a capacidade ter a vida em si mesmo.
17. Indicou,
com isso, a natureza que possui pelo mistério de seu nascimento. Ao falar
daquilo que o Pai tem, quis dizer que Ele tem o próprio Pai, porque Deus não
existe como um ser composto, à maneira dos homens, de modo que haja nele
diferença entre o que possui e o que é possuído.
18. Tudo o
que Ele é, é vida, natureza perfeita, completa, infinita, não formada por
coisas díspares, mas vivendo, ela mesma, em todo o seu ser. Esta natureza se dá
tal como é possuída e, embora isto signifique o nascimento daquele ao qual foi
dada, não implica diversidade na substância, já que a natureza é dada tal como
é possuída.
Capítulo
43.
19. Depois
desta explicação tão longa, própria para demonstrar que Ele possui a natureza do
Pai, pronunciou estas palavras: pois Deus, o Pai, o marcou com um selo (Jo
6,27).
20. É próprio
dos selos reproduzir a imagem impressa neles, sem perder nada da figura impressa.
21. Ao
mesmo tempo que recebem o que neles se imprime, imprimem, a partir de si
mesmos, tudo o que neles está gravado.
22. Certamente,
este exemplo não é próprio para explicar o nascimento divino, porque nos selos
há uma matéria prévia, uma diferença de substâncias e um ato de imprimir
mediante os quais as imagens formadas por materiais mais consistentes se
imprimem em outros mais frágeis, porém o Filho Unigênito, que é também Filho do
Homem, pelo mistério de nossa salvação, querendo revelar-nos que possui em si a
imagem da essência do Pai, disse que foi assinalado por Deus.
23. Porque
o Filho do Homem ia dar o alimento da vida eterna, disse isso para que se
pudesse entender que Ele tinha o poder de dar o alimento da eternidade, porque
possuía em si a plenitude da imagem do Deus Pai que o assinalou. Aquele a quem
Deus assinalou com o seu selo não manifestava outra coisa de si mesmo senão a
forma do Deus que o havia assinalado.
24. O
Senhor disse tudo isso aos judeus que, por causa de sua infidelidade, eram incapazes
de compreender suas palavras.
Capítulo
44.
25. O Pregador
do Evangelho explica, pelo Espírito de Cristo que fala por ele, o que Jesus
possui: Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus
como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo e assumiu a
condição de servo (Fl 2,6-7).
26. Aquele
que Deus tinha assinalado não podia ser outra coisa senão forma de Deus, e o
que foi assinalado na forma de Deus deve ter em si, necessariamente, tudo o que
é de Deus. Por isso o Apóstolo proclamou que Aquele que Deus marcou com o seu
selo permanece na forma de Deus. Ao falar do mistério do corpo assumido por
Ele, no qual nasceu, diz: não considerou o ser igual a Deus como algo a que
se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo
(Fl 2,7).
27. Existindo
na forma de Deus porque Deus o tinha assinalado com o seu selo, permanecia Deus.
Como tinha de assumir a forma de servo e ser obediente até a morte, sem se apegar
ciosamente a ser igual a Deus, despojou-se de si mesmo para assumir forma de servo,
por sua obediência. Despojou-se da forma de Deus, isto é, de sua igualdade com Deus,
pensando que não tinha de reter para si o ser igual a Deus, mesmo existindo na forma
de Deus e sendo igual a Deus, selado como Deus, por Deus.
Capítulo
45.
28. Pergunto
se o que permanece como Deus, na forma de Deus, é um Deus de outro gênero, como
vemos nos selos, quer se trate das imagens que são gravadas, quer se trate das
que resultam da gravação, como acontece com o ferro aplicado sobre o chumbo, a pedra
preciosa sobre a cera modelando a forma da imagem impressa ou reproduzindo o que
está em relevo.
29. Haverá
alguém tão insensato e estulto a ponto de acreditar que Deus modela a partir de
si mesmo algo distinto de Deus, para que seja Deus, e o que existe na forma de
Deus seja algo totalmente distinto de Deus, depois dos mistérios da assunção da
humanidade e da humildade consumada pela obediência até a morte de cruz?
30. Ouça, então,
tudo o que há nos céus, na terra e nos infernos e toda língua confessar que
Jesus Cristo está na glória de Deus Pai. (Cf. Fl 2,11.) Se vai
permanecer nesta glória, depois de sua forma ter sido a de servo, pergunto que
condição tinha quando estava na forma de Deus. Acaso Cristo Espírito não
existia na natureza de Deus, se Jesus Cristo, nascido como Homem, permanecerá na
glória de Deus Pai?
Capítulo
46.
31. O
bem-aventurado Apóstolo mantém em tudo a pregação imutável da fé evangélica e confessa
que o Senhor Jesus Cristo é Deus de tal maneira que nem se elimina a fé apostólica,
a ponto de confessar dois deuses, nem se considera Jesus Cristo como um Deus de
outro gênero.
32. A
existência de Deus Filho, inseparável do Pai, não dá ocasião à impiedade, para
que anuncie um Deus único e solitário, pois ao dizer na forma de Deus (Fl
2,6) e na glória de Deus Pai (Fl 2,11), Paulo ensina que não há
diferença entre o Pai e o Filho e, ao mesmo tempo, impede que se julgue não ter
o Filho existência pessoal, já que o que existe na forma de Deus não se
converte em outro Deus nem deixa de ser Deus, porque não pode separar-se da
forma de Deus, pois está nela.
33. Não é
possível que quem existe na forma de Deus não seja Deus. Aquele que está na
glória de Deus não pode ser outra coisa senão Deus. Sendo Deus na glória de
Deus, não pode ser confessado como outro Deus ou como diferente de Deus,
pois, pelo fato de estar na glória de Deus, tem, por natureza, a divindade
daquele em cuja glória está.
Capítulo
47.
34. A
unidade da fé não corre perigo pelo fato de haver muitas pregações. O
Evangelista tinha ensinado esta palavra do Senhor: Quem me vê, vê também o
Pai (Jo 14,9), e Paulo, doutor das gentes, acaso ignorou ou silenciou a
força da palavra do Senhor quando disse: Ele é a imagem do Deus invisível (Cl
1,15)? Pergunto se há uma imagem visível do Deus invisível e se o Deus
invisível se pode fazer visível mediante a imagem de uma forma determinada,
pois é preciso que a imagem reproduza a forma daquele de quem é imagem.
35. Os que
pretendem que o Filho tenha uma natureza de outro gênero devem determinar de
que maneira desejam que o Filho seja imagem do Deus invisível. Será acaso como
uma imagem corpórea e visível, que vai de um lugar para outro, movendo-se continuamente?
Que estes se lembrem de que, segundo os Evangelhos e os Profetas, Cristo é
Espírito e Deus é Espírito. Se pretendem limitar num corpo bem determinado Cristo,
que é Espírito, o que é corpóreo não será imagem do Deus invisível, pois o que
é infinito não pode ser expresso pelo que é finito e limitado.
Capítulo
48.
36. O
Senhor não deixa dúvida quando diz: Quem me vê, vê também o Pai (Jo
14,9). O Apóstolo também não calou a respeito de quem é imagem do Deus
invisível. O Senhor disse: Se não faço as obras de meu Pai, não
acrediteis em mim (Jo 10,37). Ensinava, com estas palavras, que nele se via
o Pai porque Ele fazia as obras do Pai, para que o conhecimento do poder de sua
natureza mostrasse a natureza do poder conhecido.
37. Por isso
o Apóstolo, ao explicar o que significa ser Cristo a imagem de Deus, diz: Ele
é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram
criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis:
Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por ele e para
ele. Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste. Ele é a Cabeça da Igreja, que é
o seu Corpo: ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos, tendo em tudo a
primazia, pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e reconciliar
por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz
pelo sangue da sua cruz (Cl 1,15-20).
38. Portanto,
é imagem de Deus pelo poder dessas obras, pois certamente o Criador das coisas
invisíveis não precisa, por sua natureza, ser imagem visível do Deus invisível.
Ele é dito imagem do Deus invisível para que não se pense que é imagem
de sua forma, mais que de sua natureza, pois deve-se reconhecer que possui a
natureza divina pelo poder de sua natureza, não pela sua condição invisível.
Capítulo
49.
39. Ele é
o Primogênito de toda criatura porque nele todas as coisas foram criadas. E para
que ninguém se atrevesse a dizer que não foi em Cristo que tudo foi criado,
temos o dito do Apóstolo: porque nele foram criadas todas as coisas, nos
céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados,
Autoridades, tudo foi criado por Ele e para Ele.
40. Tudo
tem consistência nele, que existe antes de tudo. Nele tudo existe, e essas
coisas se referem ao começo da criação. O que vem depois, diz respeito à Economia
da assunção do nosso corpo: Ele é a Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo: ele
é o Princípio, o Primogênito dos mortos (tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve
a Deus fazer habitar toda a plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os
seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz.
41. O Apóstolo
mostra a correspondência entre os mistérios espirituais e as operações
corporais. O que é a imagem do Deus invisível é a cabeça do corpo da Igreja. O
que é o Primogênito de toda criatura é também o Primogênito dentre os mortos,
para que o que se fez corpo e é imagem de Deus tenha em tudo a primazia.
42. O
Primogênito de toda criatura é também Primogênito para a eternidade. Os seres
humanos deverão seu renascimento eterno no Primogênito entre os mortos, Àquele
no qual os seres espirituais criados no Primogênito devem sua subsistência,
pois Ele é o princípio.
43. Por
ser Filho, é imagem e, sendo imagem de Deus, é também o Primogênito de toda
criatura e contém em si o princípio de todo o universo. É também a cabeça do
corpo da Igreja e o Primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a
primazia; e, porque tudo tem consistência para Ele, desejou habitar nele toda a
plenitude, pois nele, por Ele e para Ele são reconciliadas todas as coisas, como
nele, por Ele e para Ele foram criadas todas as coisas.
Capítulo
50.
44. Entendes
agora o que significa imagem de Deus e o que significa que nele e por
meio dele foram criadas todas as coisas? Se tudo é criado nele, deves
perceber que Aquele de quem Ele é imagem cria nele todas as coisas e, como
aquilo que é criado nele é criado também por meio dele, reconhece, no que é
imagem, a natureza daquele de quem Ele é imagem, pois cria por meio dele mesmo
o que é criado nele mesmo, assim como, por meio dele, todas as coisas são
reconciliadas nele.
45. Porque
são reconciliadas nele, deves reconhecer que Ele é, por sua natureza, Um com o
Pai, que nele reconcilia consigo todas as coisas. E como nele são reconciliadas
todas as coisas por meio dele, reconhece que Ele reconcilia em si, com o Pai, o
que reconcilia por meio dele, pois o mesmo Apóstolo diz: Tudo isto vem de
Deus, que nos reconciliou consigo por Cristo e nos confiou o ministério da
reconciliação (2Cor 5,18).
46. Compara
com estas palavras todo o mistério da fé evangélica. Aquele que é visto quando
Ele é visto, opera quando Ele opera, fala quando Ele fala, é o mesmo que
reconcilia consigo quando Ele reconcilia.
47. A
reconciliação se produz nele e por meio dele porque o Pai, que permanece nele
pela identidade de natureza, por meio dele e nele, restituiu o mundo a si
mesmo, por meio dele e nele, pela reconciliação.
Capítulo
51.
48. Em
consideração à fraqueza humana, Deus não ensinou esta mensagem da fé com poucas
palavras, que poderiam causar dúvidas. A própria autoridade da palavra do Senhor
torna necessário que se acredite nela, contudo Ele quis instruir nossa
inteligência, dando-nos a conhecer os motivos daquilo que diz. Quando diz: Eu
e o Pai somos Um (Jo 10,30), conhecemos a razão da unidade que é revelada.
49. Quando
diz que o Pai fala por meio das palavras do Filho, opera por meio de suas
obras, julga por seus juízos, é visto quando Ele é visto, reconcilia mediante
sua obra de reconciliação, permanece naquele que habita nele, eu pergunto que
outra linguagem mais adequada à nossa compreensão poderia usar, visto que
ensinou que, pela realidade do nascimento e unidade de natureza, tudo o que o
Filho fazia e dizia, o Pai fazia e dizia no Filho.
50. Isso
não poderia acontecer se uma natureza alheia a Deus houvesse sido equiparada a
Ele por criação ou se tivesse nascido para ser Deus de uma parte de Deus. É
próprio somente do ser divino, gerado por um perfeito nascimento para ser Deus
perfeito. Está tão seguro de sua natureza que diz: Eu estou no Pai e o Pai
em mim (Jo 14,11) e também: Tudo o que o Pai tem é meu (Jo 16,15).
51. Nada
do que é de Deus falta a Ele, em quem Deus opera, fala e é visto, quando Ele
opera, fala e é visto. Não são dois diferentes, na ação, palavra ou aparência de
um só, nem se trata de um Deus solitário, que agiu, falou e foi visto como
Deus, no Deus que age, fala e é visto. Isto é o que a Igreja compreende, a
sinagoga não acredita, a filosofia não entende: que o que é Um proceda do que é
Um, que o que é inteiramente Deus proceda do que é inteiramente Deus, que o que
é Filho também seja Deus, e, por seu nascimento, não retire do Pai a sua
plenitude e Ele próprio não deixe de ter consigo a plenitude, pelo fato de
nascer. Quanto ao que se deixa iludir por tamanha estultice e incredulidade, é
seguidor dos judeus e dos gentios.
Capítulo
52.
52. Para
poderes entender a palavra do Senhor: tudo o que o Pai tem é meu (Jo
16,15), escuta o ensinamento do Apóstolo que diz: tomai cuidado para que
ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da “filosofia”, segundo
a tradição dos homens, segundo os elemento do mundo, e não segundo Cristo,
porque nele habita a plenitude da divindade corporalmente.
53. Pertence
ao mundo, pensa segundo a tradição dos homens e é prisioneiro da filosofia todo
aquele que ignora a Cristo como Deus verdadeiro e desconhece que nele está a
plenitude da divindade.
54. A
mente humana só aprecia o que entende, e o mundo somente crê naquilo que pode
apreender, julgando que, pela natureza das coisas, só é possível aquilo que vê
ou faz.
55. Os
elementos do mundo vieram à existência do nada, porém Cristo não existe a
partir do não existente nem, para ter origem, começou a existir. Recebeu uma
origem eterna daquele que é seu Princípio. Os elementos do mundo ou carecem de
vida ou começam a existir. Cristo é a vida, nasceu do Deus vivo como Deus vivo.
Os elementos do mundo foram estabelecidos por Deus, porém não são Deus; Cristo
é Deus de Deus e é inteiramente o que Deus é.
56. Os
elementos do mundo existem dentro de limites e não podem estar fora de si
mesmos, saindo de si; Cristo está em Deus e tem em si a Deus de modo
misterioso. Os elementos do mundo quando engendram de si a vida para os seus
semelhantes oferecem de si mesmos, por meio dos instintos corporais, os
princípios do nascimento, porém não estão eles mesmos como seres vivos naqueles
que nascem; em Cristo, porém, está a plenitude da divindade.
Capítulo
53.
57. Pergunto
de quem é a divindade que está na plenitude, se não é a divindade do Pai, ó falso
pregador de um só Deus. Que outro Deus me apresentarás, cuja divindade habite em
Cristo em plenitude? Porém, se é a divindade do Pai, explica de que maneira
habita nele corporalmente esta plenitude, porque, se acreditas que o Pai está
no Filho de modo corporal, o Pai que habita no Filho não existirá em si mesmo.
58. Porém,
se a divindade que nele habita corporalmente significa a realidade da natureza
de Deus naquele que procede de Deus, pois Deus está nele, não por graça ou por
sua vontade, mas por verdadeira geração, já que o que Ele é nasceu para ser
Deus, mediante o nascimento de Deus, e também não há em Deus nada diverso ou
diferente do que habita corporalmente em Cristo, se aquilo que habita nele
corporalmente está nele segundo a plenitude de sua divindade.
59. Por
que vais procurar doutrinas humanas? Por que aderes a doutrinas enganosas? Por
que me falas de unanimidade, de concórdia, de vontade, de criatura, se a plenitude
de sua divindade habita em Cristo corporalmente?
Capítulo
54.
60. Também
nisto o Apóstolo foi fiel à regra de sua fé. Ao ensinar que em Cristo habita corporalmente
a plenitude da divindade, quis evitar a confissão ímpia da unicidade pessoal e
desejou impedir que a loucura infiel chegasse até a afirmar uma natureza distinta,
pois, ao dizer que a plenitude da divindade habita em Cristo corporalmente, mostra
que esta não é nem singular nem separável, já que não é possível que a
plenitude corporal seja separada da plenitude corporal, e a divindade que
habita não pode ser considerada como sendo a mesma coisa que a habitação da
divindade.
61. E
Cristo é de tal modo que a plenitude da divindade está nele corporalmente,
porém a plenitude da divindade está em Cristo corporalmente de tal maneira que
a plenitude que nele habita não pode ser considerada como outra coisa diferente
de Cristo.
62.
Aproveita todas as ocasiões que quiseres para mudar as palavras e
aguça as sutilezas de teu engenho ímpio. Inventa, porém, pelo menos, uma
mentira para dizer-nos de quem é a plenitude da divindade que habita em Cristo
corporalmente, pois existe Cristo e existe também a plenitude da divindade que
habita nele corporalmente.
63.
E se perguntas de que inabitação corporal se trata, entende o que
é falar no que fala, ser visto no que é visto, operar no que opera. Entende o
que significa que Deus esteja em Deus, que o que é inteiramente tenha nascido
do que é inteiramente, que o que é Um tenha nascido do que é Um e assim poderás
entender a plenitude da divindade corporal e lembrar-te de que o Apóstolo não
deixa de declarar de quem é a plenitude da divindade que habita corporalmente quando
diz: Sua realidade invisível – seu eterno poder e sua divindade – tornou-se inteligível,
desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa (Rm
1,20).
64.
Sua divindade corporal está em Cristo, não em parte, mas inteiramente.
Não se trata de uma parte, mas da plenitude que permanece nele corporalmente,
de tal maneira que são nele uma só coisa e são de tal modo uma só coisa que
Deus não é diferente de Deus. Deus não difere de Deus, de tal maneira que o perfeito
nascimento dá lugar a Deus perfeito. O que nasceu perfeitamente tem sua própria
subsistência, porque no Deus nascido de Deus habita corporalmente a plenitude da
divindade.
O
que destaquei neste texto?:
Como
ele serve para a minha espiritualidade?