segunda-feira, 17 de abril de 2023

227 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Oitavo (Capítulos 39 - 54).

 


227

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Oitavo (Capítulos 39 - 54)

O livro VIII trata da unidade do Pai e do Filho. O Espírito Santo é demonstração e manifestação desta unidade.

Capítulo 39.

1.      Mostrai agora vossas línguas que vibram sibilando, ó serpentes heréticas, quer sejais Sabélio, Fotino, ou os que agora ensinais que o Deus Unigênito é uma criatura.

2.      Que aquele que nega o Filho escute, agora, as palavras um só Deus Pai, e, porque o Pai não pode ser Pai, a não ser que tenha um Filho, e porque já se menciona o Filho, quando se diz Pai, saiba, quem nega ao Filho a unidade da natureza com o Pai, que existe um só Senhor Jesus Cristo, pois, se não há um só Senhor, pela unidade do Espírito, não se admite que Deus Pai seja Senhor.

3.      Aquele que pensa que o Filho procede do tempo e da carne fique sabendo que é por Ele que tudo existe e que é por Ele que nós existimos (cf. 1Cor 8,6), e que sua imensidade atemporal cria todas as coisas, fora do tempo.

4.      Lembre-se de que é uma a esperança da vocação, um o batismo e uma a fé (cf. Ef 4,4-5). Depois de tudo isso, ao opor-se à pregação do Apóstolo, faz-se, ele mesmo, anátema, porque, pensando de modo diferente, segundo seu próprio modo de sentir, não é nem chamado, nem batizado, nem fiel, porque uma só é a fé da única esperança e um só é o batismo no único Deus Pai e no único Jesus Cristo. As diferentes doutrinas não poderão gloriar-se de ter seu fundamento nesta verdade: um só Deus, um só Senhor, uma só esperança, um só batismo e uma só fé.

 

Capítulo 40.

5.      A fé é uma só e consiste em confessar o Pai no Filho e o Filho no Pai, em virtude da unidade inseparável da sua natureza inconfusa e indivisa, que não é resultado de uma mistura, mas é indiferenciada, não por justaposição, mas em virtude de seu ser original, não inacabada, mas perfeita.

6.      Trata-se de um nascimento, não de uma divisão. O Filho é realmente Filho, não há adoção. O Filho é Deus, não criatura. Não é um Deus de outro gênero, mas o Pai e o Filho são Um. A natureza não se modificou no que nasce de modo a adquirir características diferentes daquelas da sua origem.

7.      O Apóstolo mantém a fé no Filho que permanece no Pai e no Pai que está no Filho, quando afirma que, para ele, não há senão um só Deus Pai e um só Senhor Jesus Cristo. No Senhor Jesus Cristo está também Deus e em Deus Pai está também o Senhor, e um e outro são um só Deus, como um e outro são um só Senhor.

8.      Considerar-se-ia uma imperfeição para Deus não ser Senhor e para o Senhor não ser Deus. Visto que os dois são Um, a unidade de natureza se expressa nos nomes dos dois, e nenhum dos dois existe sem a unidade.

9.      Em seu ensinamento, o Apóstolo não vai além da pregação evangélica. Cristo, quando fala em Paulo, não diz coisas diferentes das que disse quando permanecia no mundo em forma corporal.

 

Capítulo 41.

10.  Pois o Senhor havia dito nos Evangelhos: Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas pelo que perdura até a vida eterna, que o Filho do Homem vos dará, pois Deus, o Pai, o marcou com um selo. A obra de Deus é que acrediteis naquele que Ele enviou (Jo 6,27.29).

11.  O Senhor, ao explicar o mistério da encarnação e de sua divindade, revelou a doutrina de nossa fé e de nossa esperança: que não trabalhássemos pelo alimento que perece, e sim pelo que permanece para sempre, que nos lembrássemos de que o alimento de eternidade nos é dado pelo Filho do Homem, que soubéssemos que o Filho do Homem foi assinalado por Deus Pai e que conhecêssemos que a obra de Deus consiste em acreditar naquele que o Pai enviou.

12.  Quem é Aquele que o Pai enviou? Certamente Aquele a quem Deus assinalou. E que é Aquele que o Pai assinalou? O Filho do Homem, ou seja, o que dá alimento para a vida eterna. E quem são aqueles a quem é dado este alimento? São os que trabalham pelo alimento que não perece. Assim, o trabalho por este alimento é a mesma obra de Deus, isto é, acreditar naquele que enviou.

13.  Porém isto é o Filho do Homem quem o diz. E como dará o Filho do Homem o alimento da vida eterna? Ignora o mistério de sua salvação, quem ignora que o Filho do Homem, que dá o alimento para a vida, foi assinalado por Deus Pai.

14.  Pergunto agora em que sentido se deve entender que o Filho do Homem foi assinalado por Deus Pai.

 

Capítulo 42.

15.  Antes de tudo, é preciso saber que Deus, falando, não para si mesmo, mas para nós, em tudo adaptou suas palavras à nossa compreensão, para que a inteligência própria de nossa natureza pudesse apreender o que dizia.

16.  Tinha sido censurado antes pelos judeus porque se fazia igual a Deus, ao afirmar que era Filho de Deus. Respondera então que fazia tudo o que o Pai fazia, tendo recebido do Pai todo poder para julgar. Afirmara ainda que Ele também devia ser honrado como o Pai. Em todas essas afirmações, depois de ter dito que era o Filho, igualara-se ao Pai em honra, poder e natureza e dissera que, como o Pai tinha a vida em si mesmo, tinha dado ao Filho a capacidade ter a vida em si mesmo.

17.  Indicou, com isso, a natureza que possui pelo mistério de seu nascimento. Ao falar daquilo que o Pai tem, quis dizer que Ele tem o próprio Pai, porque Deus não existe como um ser composto, à maneira dos homens, de modo que haja nele diferença entre o que possui e o que é possuído.

18.  Tudo o que Ele é, é vida, natureza perfeita, completa, infinita, não formada por coisas díspares, mas vivendo, ela mesma, em todo o seu ser. Esta natureza se dá tal como é possuída e, embora isto signifique o nascimento daquele ao qual foi dada, não implica diversidade na substância, já que a natureza é dada tal como é possuída.

 

Capítulo 43.

19.  Depois desta explicação tão longa, própria para demonstrar que Ele possui a natureza do Pai, pronunciou estas palavras: pois Deus, o Pai, o marcou com um selo (Jo 6,27).

20.  É próprio dos selos reproduzir a imagem impressa neles, sem perder nada da figura impressa.

21.  Ao mesmo tempo que recebem o que neles se imprime, imprimem, a partir de si mesmos, tudo o que neles está gravado.

22.  Certamente, este exemplo não é próprio para explicar o nascimento divino, porque nos selos há uma matéria prévia, uma diferença de substâncias e um ato de imprimir mediante os quais as imagens formadas por materiais mais consistentes se imprimem em outros mais frágeis, porém o Filho Unigênito, que é também Filho do Homem, pelo mistério de nossa salvação, querendo revelar-nos que possui em si a imagem da essência do Pai, disse que foi assinalado por Deus.

23.  Porque o Filho do Homem ia dar o alimento da vida eterna, disse isso para que se pudesse entender que Ele tinha o poder de dar o alimento da eternidade, porque possuía em si a plenitude da imagem do Deus Pai que o assinalou. Aquele a quem Deus assinalou com o seu selo não manifestava outra coisa de si mesmo senão a forma do Deus que o havia assinalado.

24.  O Senhor disse tudo isso aos judeus que, por causa de sua infidelidade, eram incapazes de compreender suas palavras.

 

Capítulo 44.

25.  O Pregador do Evangelho explica, pelo Espírito de Cristo que fala por ele, o que Jesus possui: Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo (Fl 2,6-7).

26.  Aquele que Deus tinha assinalado não podia ser outra coisa senão forma de Deus, e o que foi assinalado na forma de Deus deve ter em si, necessariamente, tudo o que é de Deus. Por isso o Apóstolo proclamou que Aquele que Deus marcou com o seu selo permanece na forma de Deus. Ao falar do mistério do corpo assumido por Ele, no qual nasceu, diz: não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo (Fl 2,7).

27.  Existindo na forma de Deus porque Deus o tinha assinalado com o seu selo, permanecia Deus. Como tinha de assumir a forma de servo e ser obediente até a morte, sem se apegar ciosamente a ser igual a Deus, despojou-se de si mesmo para assumir forma de servo, por sua obediência. Despojou-se da forma de Deus, isto é, de sua igualdade com Deus, pensando que não tinha de reter para si o ser igual a Deus, mesmo existindo na forma de Deus e sendo igual a Deus, selado como Deus, por Deus.

 

Capítulo 45.

28.  Pergunto se o que permanece como Deus, na forma de Deus, é um Deus de outro gênero, como vemos nos selos, quer se trate das imagens que são gravadas, quer se trate das que resultam da gravação, como acontece com o ferro aplicado sobre o chumbo, a pedra preciosa sobre a cera modelando a forma da imagem impressa ou reproduzindo o que está em relevo.

29.  Haverá alguém tão insensato e estulto a ponto de acreditar que Deus modela a partir de si mesmo algo distinto de Deus, para que seja Deus, e o que existe na forma de Deus seja algo totalmente distinto de Deus, depois dos mistérios da assunção da humanidade e da humildade consumada pela obediência até a morte de cruz?

30.  Ouça, então, tudo o que há nos céus, na terra e nos infernos e toda língua confessar que Jesus Cristo está na glória de Deus Pai. (Cf. Fl 2,11.) Se vai permanecer nesta glória, depois de sua forma ter sido a de servo, pergunto que condição tinha quando estava na forma de Deus. Acaso Cristo Espírito não existia na natureza de Deus, se Jesus Cristo, nascido como Homem, permanecerá na glória de Deus Pai?

 

Capítulo 46.

31.  O bem-aventurado Apóstolo mantém em tudo a pregação imutável da fé evangélica e confessa que o Senhor Jesus Cristo é Deus de tal maneira que nem se elimina a fé apostólica, a ponto de confessar dois deuses, nem se considera Jesus Cristo como um Deus de outro gênero.

32.  A existência de Deus Filho, inseparável do Pai, não dá ocasião à impiedade, para que anuncie um Deus único e solitário, pois ao dizer na forma de Deus (Fl 2,6) e na glória de Deus Pai (Fl 2,11), Paulo ensina que não há diferença entre o Pai e o Filho e, ao mesmo tempo, impede que se julgue não ter o Filho existência pessoal, já que o que existe na forma de Deus não se converte em outro Deus nem deixa de ser Deus, porque não pode separar-se da forma de Deus, pois está nela.

33.  Não é possível que quem existe na forma de Deus não seja Deus. Aquele que está na glória de Deus não pode ser outra coisa senão Deus. Sendo Deus na glória de Deus, não pode ser confessado como outro Deus ou como diferente de Deus, pois, pelo fato de estar na glória de Deus, tem, por natureza, a divindade daquele em cuja glória está.

 

Capítulo 47.

34.  A unidade da fé não corre perigo pelo fato de haver muitas pregações. O Evangelista tinha ensinado esta palavra do Senhor: Quem me vê, vê também o Pai (Jo 14,9), e Paulo, doutor das gentes, acaso ignorou ou silenciou a força da palavra do Senhor quando disse: Ele é a imagem do Deus invisível (Cl 1,15)? Pergunto se há uma imagem visível do Deus invisível e se o Deus invisível se pode fazer visível mediante a imagem de uma forma determinada, pois é preciso que a imagem reproduza a forma daquele de quem é imagem.

35.  Os que pretendem que o Filho tenha uma natureza de outro gênero devem determinar de que maneira desejam que o Filho seja imagem do Deus invisível. Será acaso como uma imagem corpórea e visível, que vai de um lugar para outro, movendo-se continuamente? Que estes se lembrem de que, segundo os Evangelhos e os Profetas, Cristo é Espírito e Deus é Espírito. Se pretendem limitar num corpo bem determinado Cristo, que é Espírito, o que é corpóreo não será imagem do Deus invisível, pois o que é infinito não pode ser expresso pelo que é finito e limitado.

 

Capítulo 48.

36.  O Senhor não deixa dúvida quando diz: Quem me vê, vê também o Pai (Jo 14,9). O Apóstolo também não calou a respeito de quem é imagem do Deus invisível. O Senhor disse: Se não faço as obras de meu Pai, não acrediteis em mim (Jo 10,37). Ensinava, com estas palavras, que nele se via o Pai porque Ele fazia as obras do Pai, para que o conhecimento do poder de sua natureza mostrasse a natureza do poder conhecido.

37.  Por isso o Apóstolo, ao explicar o que significa ser Cristo a imagem de Deus, diz: Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste. Ele é a Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo: ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos, tendo em tudo a primazia, pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz (Cl 1,15-20).

38.  Portanto, é imagem de Deus pelo poder dessas obras, pois certamente o Criador das coisas invisíveis não precisa, por sua natureza, ser imagem visível do Deus invisível. Ele é dito imagem do Deus invisível para que não se pense que é imagem de sua forma, mais que de sua natureza, pois deve-se reconhecer que possui a natureza divina pelo poder de sua natureza, não pela sua condição invisível.

 

Capítulo 49.

39.  Ele é o Primogênito de toda criatura porque nele todas as coisas foram criadas. E para que ninguém se atrevesse a dizer que não foi em Cristo que tudo foi criado, temos o dito do Apóstolo: porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por Ele e para Ele.

40.  Tudo tem consistência nele, que existe antes de tudo. Nele tudo existe, e essas coisas se referem ao começo da criação. O que vem depois, diz respeito à Economia da assunção do nosso corpo: Ele é a Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo: ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos (tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz.

41.  O Apóstolo mostra a correspondência entre os mistérios espirituais e as operações corporais. O que é a imagem do Deus invisível é a cabeça do corpo da Igreja. O que é o Primogênito de toda criatura é também o Primogênito dentre os mortos, para que o que se fez corpo e é imagem de Deus tenha em tudo a primazia.

42.  O Primogênito de toda criatura é também Primogênito para a eternidade. Os seres humanos deverão seu renascimento eterno no Primogênito entre os mortos, Àquele no qual os seres espirituais criados no Primogênito devem sua subsistência, pois Ele é o princípio.

43.  Por ser Filho, é imagem e, sendo imagem de Deus, é também o Primogênito de toda criatura e contém em si o princípio de todo o universo. É também a cabeça do corpo da Igreja e o Primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a primazia; e, porque tudo tem consistência para Ele, desejou habitar nele toda a plenitude, pois nele, por Ele e para Ele são reconciliadas todas as coisas, como nele, por Ele e para Ele foram criadas todas as coisas.

 

Capítulo 50.

44.  Entendes agora o que significa imagem de Deus e o que significa que nele e por meio dele foram criadas todas as coisas? Se tudo é criado nele, deves perceber que Aquele de quem Ele é imagem cria nele todas as coisas e, como aquilo que é criado nele é criado também por meio dele, reconhece, no que é imagem, a natureza daquele de quem Ele é imagem, pois cria por meio dele mesmo o que é criado nele mesmo, assim como, por meio dele, todas as coisas são reconciliadas nele.

45.  Porque são reconciliadas nele, deves reconhecer que Ele é, por sua natureza, Um com o Pai, que nele reconcilia consigo todas as coisas. E como nele são reconciliadas todas as coisas por meio dele, reconhece que Ele reconcilia em si, com o Pai, o que reconcilia por meio dele, pois o mesmo Apóstolo diz: Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação (2Cor 5,18).

46.  Compara com estas palavras todo o mistério da fé evangélica. Aquele que é visto quando Ele é visto, opera quando Ele opera, fala quando Ele fala, é o mesmo que reconcilia consigo quando Ele reconcilia.

47.  A reconciliação se produz nele e por meio dele porque o Pai, que permanece nele pela identidade de natureza, por meio dele e nele, restituiu o mundo a si mesmo, por meio dele e nele, pela reconciliação.

 

Capítulo 51.

48.  Em consideração à fraqueza humana, Deus não ensinou esta mensagem da fé com poucas palavras, que poderiam causar dúvidas. A própria autoridade da palavra do Senhor torna necessário que se acredite nela, contudo Ele quis instruir nossa inteligência, dando-nos a conhecer os motivos daquilo que diz. Quando diz: Eu e o Pai somos Um (Jo 10,30), conhecemos a razão da unidade que é revelada.

49.  Quando diz que o Pai fala por meio das palavras do Filho, opera por meio de suas obras, julga por seus juízos, é visto quando Ele é visto, reconcilia mediante sua obra de reconciliação, permanece naquele que habita nele, eu pergunto que outra linguagem mais adequada à nossa compreensão poderia usar, visto que ensinou que, pela realidade do nascimento e unidade de natureza, tudo o que o Filho fazia e dizia, o Pai fazia e dizia no Filho.

50.  Isso não poderia acontecer se uma natureza alheia a Deus houvesse sido equiparada a Ele por criação ou se tivesse nascido para ser Deus de uma parte de Deus. É próprio somente do ser divino, gerado por um perfeito nascimento para ser Deus perfeito. Está tão seguro de sua natureza que diz: Eu estou no Pai e o Pai em mim (Jo 14,11) e também: Tudo o que o Pai tem é meu (Jo 16,15).

51.  Nada do que é de Deus falta a Ele, em quem Deus opera, fala e é visto, quando Ele opera, fala e é visto. Não são dois diferentes, na ação, palavra ou aparência de um só, nem se trata de um Deus solitário, que agiu, falou e foi visto como Deus, no Deus que age, fala e é visto. Isto é o que a Igreja compreende, a sinagoga não acredita, a filosofia não entende: que o que é Um proceda do que é Um, que o que é inteiramente Deus proceda do que é inteiramente Deus, que o que é Filho também seja Deus, e, por seu nascimento, não retire do Pai a sua plenitude e Ele próprio não deixe de ter consigo a plenitude, pelo fato de nascer. Quanto ao que se deixa iludir por tamanha estultice e incredulidade, é seguidor dos judeus e dos gentios.

 

Capítulo 52.

52.  Para poderes entender a palavra do Senhor: tudo o que o Pai tem é meu (Jo 16,15), escuta o ensinamento do Apóstolo que diz: tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da “filosofia”, segundo a tradição dos homens, segundo os elemento do mundo, e não segundo Cristo, porque nele habita a plenitude da divindade corporalmente.

53.  Pertence ao mundo, pensa segundo a tradição dos homens e é prisioneiro da filosofia todo aquele que ignora a Cristo como Deus verdadeiro e desconhece que nele está a plenitude da divindade.

54.  A mente humana só aprecia o que entende, e o mundo somente crê naquilo que pode apreender, julgando que, pela natureza das coisas, só é possível aquilo que vê ou faz.

55.  Os elementos do mundo vieram à existência do nada, porém Cristo não existe a partir do não existente nem, para ter origem, começou a existir. Recebeu uma origem eterna daquele que é seu Princípio. Os elementos do mundo ou carecem de vida ou começam a existir. Cristo é a vida, nasceu do Deus vivo como Deus vivo. Os elementos do mundo foram estabelecidos por Deus, porém não são Deus; Cristo é Deus de Deus e é inteiramente o que Deus é.

56.  Os elementos do mundo existem dentro de limites e não podem estar fora de si mesmos, saindo de si; Cristo está em Deus e tem em si a Deus de modo misterioso. Os elementos do mundo quando engendram de si a vida para os seus semelhantes oferecem de si mesmos, por meio dos instintos corporais, os princípios do nascimento, porém não estão eles mesmos como seres vivos naqueles que nascem; em Cristo, porém, está a plenitude da divindade.

 

Capítulo 53.

57.  Pergunto de quem é a divindade que está na plenitude, se não é a divindade do Pai, ó falso pregador de um só Deus. Que outro Deus me apresentarás, cuja divindade habite em Cristo em plenitude? Porém, se é a divindade do Pai, explica de que maneira habita nele corporalmente esta plenitude, porque, se acreditas que o Pai está no Filho de modo corporal, o Pai que habita no Filho não existirá em si mesmo.

58.  Porém, se a divindade que nele habita corporalmente significa a realidade da natureza de Deus naquele que procede de Deus, pois Deus está nele, não por graça ou por sua vontade, mas por verdadeira geração, já que o que Ele é nasceu para ser Deus, mediante o nascimento de Deus, e também não há em Deus nada diverso ou diferente do que habita corporalmente em Cristo, se aquilo que habita nele corporalmente está nele segundo a plenitude de sua divindade.

59.  Por que vais procurar doutrinas humanas? Por que aderes a doutrinas enganosas? Por que me falas de unanimidade, de concórdia, de vontade, de criatura, se a plenitude de sua divindade habita em Cristo corporalmente?

 

Capítulo 54.

60.  Também nisto o Apóstolo foi fiel à regra de sua fé. Ao ensinar que em Cristo habita corporalmente a plenitude da divindade, quis evitar a confissão ímpia da unicidade pessoal e desejou impedir que a loucura infiel chegasse até a afirmar uma natureza distinta, pois, ao dizer que a plenitude da divindade habita em Cristo corporalmente, mostra que esta não é nem singular nem separável, já que não é possível que a plenitude corporal seja separada da plenitude corporal, e a divindade que habita não pode ser considerada como sendo a mesma coisa que a habitação da divindade.

61.  E Cristo é de tal modo que a plenitude da divindade está nele corporalmente, porém a plenitude da divindade está em Cristo corporalmente de tal maneira que a plenitude que nele habita não pode ser considerada como outra coisa diferente de Cristo.

62.  Aproveita todas as ocasiões que quiseres para mudar as palavras e aguça as sutilezas de teu engenho ímpio. Inventa, porém, pelo menos, uma mentira para dizer-nos de quem é a plenitude da divindade que habita em Cristo corporalmente, pois existe Cristo e existe também a plenitude da divindade que habita nele corporalmente.

63.  E se perguntas de que inabitação corporal se trata, entende o que é falar no que fala, ser visto no que é visto, operar no que opera. Entende o que significa que Deus esteja em Deus, que o que é inteiramente tenha nascido do que é inteiramente, que o que é Um tenha nascido do que é Um e assim poderás entender a plenitude da divindade corporal e lembrar-te de que o Apóstolo não deixa de declarar de quem é a plenitude da divindade que habita corporalmente quando diz: Sua realidade invisível – seu eterno poder e sua divindade – tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa (Rm 1,20).

64.  Sua divindade corporal está em Cristo, não em parte, mas inteiramente. Não se trata de uma parte, mas da plenitude que permanece nele corporalmente, de tal maneira que são nele uma só coisa e são de tal modo uma só coisa que Deus não é diferente de Deus. Deus não difere de Deus, de tal maneira que o perfeito nascimento dá lugar a Deus perfeito. O que nasceu perfeitamente tem sua própria subsistência, porque no Deus nascido de Deus habita corporalmente a plenitude da divindade.

 

 

O que destaquei neste texto?:

Como ele serve para a minha espiritualidade?

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