domingo, 24 de setembro de 2023

239 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Décimo (Capítulos 25 - 36).

 

239

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Décimo (Capítulos 25 - 36)

07 de outubro de 2023


 


O livro X apresenta uma interpretação original do problema do sofrimento de Cristo e da morte de Jesus por nós. São 71 capítulos.

 

Capítulo 25.

1.      Teve, pois, um corpo, mas, de acordo com sua origem. Não existindo a partir dos defeitos próprios da concepção humana, subsistia na forma de nosso corpo, em virtude de seu poder, sendo igual a nós pela forma de servo; mas livre dos pecados e dos vícios do corpo humano, quis que estivéssemos nele pela geração da Virgem, mas não quis que nossos vícios, pelo poder de sua origem, estivessem nele.

2.      Nascido como Homem, não nasceu com os vícios da concepção humana.

3.      O Apóstolo faz questão de demonstrar o mistério desta natividade, quando diz: Mas humilhou-se, assumindo a forma de servo, constituído à semelhança do Homem e reconhecido como Homem (Fl 2,7).

4.      Ao dizer que tomou a forma de servo, temos de entender que nasceu na forma de Homem e, visto que se fez semelhante ao Homem e foi reconhecido como Homem, o aspecto e a realidade do corpo atestam a sua humanidade.

5.      Porém, Aquele que foi reconhecido como Homem não conhece os vícios que se encontram no Homem, pois seu nascimento se deu à semelhança da natureza, mas sem os defeitos que lhe são próprios.

6.      Por isso acrescentou o Apóstolo: constituído à semelhança do homem e reconhecido como homem, para que não fôssemos levados a pensar que a realidade do nascimento incluía a possessão da natureza enfraquecida pelo vício, já que se indicava a verdadeira natividade com as palavras a forma de servo, e com as palavras reconhecido como Homem, se indicava a semelhança de natureza, tendo Ele, por si mesmo, nascido Homem por meio da Virgem e sendo reconhecido na semelhança da carne viciosa do pecado.

7.      O mesmo Apóstolo, escrevendo aos Romanos, atesta-o ao dizer: De fato coisa impossível à Lei porque enfraquecida pela carne – Deus, enviando o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado e em vista do pecado, condenou o pecado na carne (Rm 8,3).

8.      Não foi aquela condição unicamente de Homem, mas como de Homem e esta carne não era de pecado, mas semelhante à carne de pecado.

9.      A condição da carne existe pela realidade do nascimento, já que é semelhante à carne de pecado, mas está isento dos vícios da paixão humana.

10.  Assim, o Homem Cristo Jesus também teve um verdadeiro nascimento porque é Homem e não tem pecado porque é Cristo.

11.  Quem é homem não pode deixar de ser homem, porque nasceu. Quem é Cristo, não pode perder a sua condição de Cristo. Assim, já que Cristo Jesus é Homem, tem também o nascimento de homem, porque é Homem, mas não tem a fraqueza humana dos vícios, porque é Cristo.

12.  Cristo foi constituído à semelhança do homem e reconhecido como homem. Foi enviado na semelhança da carne de pecado, sendo reconhecido como homem e está na forma de servo, porém não tem os vícios da natureza.

13.  Por existir à semelhança da carne de pecado, o Verbo certamente é carne, porém sua própria carne não é pecado.

14.  Como Jesus Cristo é Homem (1Tm 2,5), é na verdade Homem, mas o Homem não podia ser diferente do que é Cristo. Pelo nascimento corporal, nasceu como Homem, sem ter os vícios do Homem, que não estão na sua origem.

15.  O Verbo feito carne não poderia deixar de ser carne porque se fez carne, e o Verbo, mesmo que se tenha feito carne, não deixou de ser o Verbo.

16.  E já que o Verbo feito carne não pode deixar de ter a natureza de sua origem, não poderia deixar de permanecer na natureza de sua origem, porque é o Verbo.

17.  Não se pode pensar que o Verbo não seja verdadeiramente carne, porque se fez carne. Contudo, porque habitou entre nós, esta carne não deixa de ser o Verbo, mas é a carne do Verbo que habita na carne.

18.  Sendo assim, vejamos se, consumada a paixão, nos é permitido pensar que existiu no Senhor a fraqueza das dores corporais. Afastadas, por enquanto, aquelas palavras às quais a heresia atribui o medo ao Senhor, confiramos os próprios acontecimentos. Pois não pode acontecer que o temor seja indicado pelas palavras de quem fundamenta sua confiança nos fatos.

 

Capítulo 26.

19.  A fé apostólica nos instrui para a compreensão deste mistério, demonstrando que o Homem Jesus Cristo foi constituído à semelhança do homem e reconhecido como homem.

20.  Foi enviado na semelhança da carne de pecado, sendo reconhecido como homem, e está na forma de servo, porém não tem os vícios da natureza. Por existir à semelhança da carne do pecado, o Verbo certamente é carne, porém sua própria carne não é pecado.

21.  Como Jesus Cristo é Homem (1Tm 2,5), é na verdade Homem, mas o Homem não podia ser diferente do que é Cristo. Pelo nascimento corporal, nasceu como Homem, que estão na sua origem. O Verbo feito carne não poderia deixar de ser carne porque se fez carne, e o Verbo, mesmo que se tenha feito carne, não deixou de ser o Verbo.

22.  E já que o Verbo feito carne não pode deixar de ter a sua natureza de sua origem, não poderia deixar de permanecer na natureza de sua origem, porque é o Verbo.

23.  Não se pode pensar que o Verbo não seja verdadeiramente carne, porque se fez carne. Contudo, porque habitou entre nós, esta carne não deixa de ser o Verbo, mas é a carne no Verbo que habita na carne; sendo assim, vejamos se, consumada a paixão, nos é permitido pensar que existiu no Senhor a fraqueza das dores corporais.

24.  Afastadas, por enquanto, aquelas palavras às quais a heresia atribui o medo ao Senhor, confirmamos os próprios sentimentos, pois não pode acontecer que o temor seja indicado pelas palavras de quem fundamenta sua confiança nos fatos.

 

Capítulo 27.

25.  A ti parece, ó herege, que tivesse medo da paixão o Senhor da glória? Mas, se pelo erro desta ignorância, Pedro é Satanás e escândalo (cf. Mt 16,23), por amor a Cristo, que não lhe fora revelado nem pela carne nem pelo sangue, mas pelo Pai que está nos céus, Pedro teve horror ao mistério da paixão e, por esta sentença severa, foi confirmado na fé.

26.  Quanto a ti, por que te separarias da esperança, negando Cristo Deus e acrescentando ainda que teve medo da paixão? Acaso teve medo dos que vieram armados para prendê-lo, quando foi ao seu encontro? (Cf. Jo 18,6.) Havia em seu corpo tal fraqueza, que os bandos de perseguidores caíram, e, sem suportar a majestade daquele que iam prender, recuaram? Que fraqueza crês existir no corpo, que tem por natureza o poder?

 

Capítulo 28.

27.  Talvez tenha temido a dor das feridas, mas pergunto se teve horror dos pregos que penetravam na carne, quem, só ao tocar, restituiu a carne da orelha cortada (cf. Lc 22,31).

28.  Mostra-nos tu, que afirmas a fraqueza do Senhor, como, justamente no tempo da paixão, o poder da carne o enfraqueceu. Pois, tendo Pedro desembainhando a espada, ficou o servo do sacerdote sem a orelha. Como, ao tocar na ferida causada pelo corte da orelha, Cristo curou sua carne? Donde, em meio ao sangue que escorre do lugar cortado pela espada afiada, enquanto o corpo sofre, mutilado, aparece o que não existia, surge o que não estava ali, volta ao seu lugar o que faltava?

29.  Então, esta mão que reconstitui a orelha, sofrerá com o cravo? Sentirá em si mesmo a ferida, quem não permitiu que outro sofresse com a dor da ferida? Fica triste pelo medo de que sua carne seja machucada, Aquele para quem foi fácil reconstituir a carne amputada só ao tocá-la?

30.  Se este poder existia no corpo de Cristo, em nome de que fé, indago, se afirma que tenha sido fraco por natureza Aquele para quem foi natural inibir a natureza de todas as enfermidades humanas?

 

Capítulo 29.

31.  Mas talvez, com estulta e ímpia perversidade, alguém afirme haver nele uma natureza fraca, porque sua alma estava triste até a morte (Mt 26,38). Não te censuro ainda, ó herege, por não entenderes a força da palavra. Antes indago por que não te lembras de ter Ele dito quando Judas saía para a traição: Agora é glorificado o Filho do Homem (Jo 13,31). Pois, se a paixão o iria glorificar, como o medo da paixão o tornaria triste? A não ser, talvez, que fosse tão insensato a ponto de temer aquilo que, ao fazê-lo sofrer, iria glorificá-lo.

 

Capítulo 30.

32.  Mas talvez se julgue ter ele temido a ponto de rogar para que o cálice fosse afastado, ao dizer: Abba, Pai, a ti tudo é possível: afasta de mim este cálice (Mc 14,36). Para que eu não te acuse por outras coisas, pergunto se não serás acusado pela própria tolice de tua impiedade, porque leste: Guarda tua espada na bainha; deixarei eu de beber o cálice, que o Pai me deu? (Jo 18,11.)

33.  Como, pelo medo de sofrer, iria pedir que se afastasse dele o que, pelo desejo de cumprir o desígnio da salvação, deveria realizar com entusiasmo? Não é coerente que não quisesse padecer, quem queria padecer. E se sabias que Ele queria padecer, seria mais piedoso confessar que não entendes a palavra, do que atrever-te, com furor de ímpia estultice, a afirmar que pedia para não padecer Aquele que sabes que queria padecer.

 

Capítulo 31.

34.  Creio que te armarás para a luta de tua impiedade também com o dito do Senhor: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Mc 15,34). Depois da ignomínia da cruz, talvez julgues ter-se afastado dele o favor do auxílio paterno, e brotando daí a queixa pelo seu abandono na desolada fraqueza.

35.  Se, em teu parecer, o abandono e a fraqueza da Cruz são ignomínia, seria preciso que não te lembrasses dessas palavras: Eu vos digo que de ora em diante vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poder e vindo sobre as nuvens do céu (Mt 26,64).

 

Capítulo 32.

36.  Onde, pergunto, o temor da paixão? Onde a fraqueza? Onde a dor? Onde a ignomínia? Dizem os ímpios que ele teme, mas Ele mesmo declara querer padecer. É acusado de fraco? Ele se mostra poderoso, quando vai ao encontro dos perseguidores que, aterrorizados, não podem resistir-lhe. É acusado de sofrer com chagas da carne? Quando reconstituiu a carne da orelha ferida, mostrou que, sendo Ele mesmo carne, está fora da natureza carnal que sofre com as chagas, porque, quando toca com sua mão a orelha cortada, esta mão pertence ao corpo e se a mão reconstitui a orelha no lugar da chaga, isto significa que esta mão não pertence a um corpo fraco.

 

Capítulo 33.

37.  Dizem, porém, que a cruz lhe foi ultrajante. No entanto, por ela, deve-se ver o Filho do Homem assentar-se à direita do Poder, e depois de ter nascido como Homem pelo parto da Virgem, voltar em majestade sobre as nuvens do céu.

38.  Não percebes, com teu modo de pensar irreligioso, as causas do que é natural. Com o espírito cheio de impiedade e de erro, não entendes o mistério da fé, e te afastas, pela estupidez herética, do próprio senso comum do mundo.

39.  Pois tudo o que é de temer deve ser evitado enquanto se teme. O fraco teme por causa de sua fraqueza, e o que sofre a dor tem em si uma natureza invariavelmente sujeita a dor. Tudo o que é ultrajante é sempre desonroso. Tu, porém, por meio de que raciocínios pensas poder entender que Nosso Senhor Jesus Cristo se apressa para o que teme e que, por fraqueza, treme com aquilo que faz tremer os fortes?

40.  O que não permite sofrer com as chagas, sofre ao ser ferido? Pode ser desonrado pela contumélia da cruz, Aquele para quem a cruz significa que estará sentado junto de Deus, e que voltará ao reino?

 

Capítulo 34.

41.  Talvez penses que te foi oferecida uma ocasião para a impiedade e que temeu a descida aos infernos e a própria necessidade de morrer, o que parece ser atestado pela palavra: Pai, em tuas mãos entrego meu espírito (Lc 23,46).

42.  Lendo isto sem compreender, ou bem, respeitosamente, o passarias em silêncio, ou bem terias de entendê-lo de acordo com a fé, para que não te transviasses ainda mais com afirmações atrevidas, sendo incapaz da verdade, por causa do teu ímpio furor.

43.  Segundo o teu modo de pensar, acaso se deve crer que temia o inferno, o caos, as chamas tórridas, o abismo e toda a espécie de castigos vingadores, quem disse ao ladrão na cruz: Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no paraíso (Lc 23,42)?

44.  Não poderás submeter o poder desta natureza, já não ao medo, mas até mesmo aos limites das regiões infernais, pois, se Ele desceu aos infernos, não deixou o paraíso (assim como o Filho do Homem, falando na terra, permanece também no céu) e prometeu a seu Mártir o paraíso, oferecendo-lhe as delícias da perfeita beatitude.

45.  Não é possuído pelo medo corporal quem penetra nos infernos e em toda a parte se faz presente pelo poder de sua natureza. O caos não pode exigir para si, pelo terror da morte da geena, esta natureza, senhora do mundo, e imensa na liberdade do poder espiritual, que não pode carecer das delícias do paraíso, pois o Senhor estará nos infernos, mas também estará no paraíso.

46.  Reserva para o medo do sofrimento uma porção da natureza indivisível, para que possa temer a dor e põe nos infernos esta parte de Cristo que deve sentir dor e, no paraíso, deixa a que deve reinar.

47.  O ladrão pede que se lembre dele em seu reino. Creio que foi movido a fazer esta sincera confissão de fé, ao ouvir o gemido, quando o cravo atravessava a palma da mão e que, pela dor do corpo enfraquecido de Cristo, aprendeu o que seja o reino de Cristo.

48.  Aquele pede para ser lembrado no seu reino, tu o entregas ao medo da morte na cruz. O Senhor promete-lhe participar em breve da comunhão no paraíso, tu encerras a Cristo nos infernos, sob o terror do castigo.

49.  Tua fé e a dele significam esperanças diferentes. Na cruz, o ladrão mereceu o paraíso, confessando estar no reino o Cristo ainda pendente da cruz. Tu, que, ao contrário, entregas o Cristo à dor do castigo e ao medo da morte, é forçoso que sejas privado do paraíso e do reino.

 

Capítulo 35.

50.  Examinando, em seu conjunto, o valor dos seus ditos e gestos, não temos dificuldade em demonstrar que a natureza de seu corpo não possui a fraqueza da natureza corpórea, porque, em virtude desta sua natureza, podia eliminar toda fraqueza dos corpos.

51.  Sua paixão, embora se tenha dado no corpo, não acarretou ao corpo uma natureza que sofre. Mesmo estando o Senhor na forma de nosso corpo, não se tratava, no entanto, do corpo de nossa natureza viciada, já que não teve a mesma origem, porque, tendo sido concebido pelo poder do Espírito Santo, a Virgem o deu à luz.

52.  Mesmo tendo-o gerado de acordo com a função própria do seu sexo, não recebeu os elementos da concepção terrena. Gerou de si mesma o corpo que fora concebido por obra do Espírito e que tinha em si, certamente, a realidade do corpo humano, mas sem fraqueza da sua natureza.

53.  O seu corpo é na verdade um corpo porque foi gerado pela Virgem, mas não tem a fraqueza do nosso corpo, porque deve seu princípio à concepção espiritual.

 

Capítulo 36.

54.  Os hereges parecem apoiar-se, para lutar contra a fé apostólica, neste dito: Minha alma está triste até a morte (Mt 26,38). A afirmação está triste atesta, segundo eles, a fraqueza da natureza, pois, ao tomar consciência da morte começou a estar triste.

55.  Em primeiro lugar, interrogo o bom senso da inteligência humana sobre o que seja estar triste até a morte. Não significa o mesmo estar triste por causa da morte e estar triste até a morte. Quando a tristeza é causada pela morte, a própria morte é o motivo da tristeza, mas onde há tristeza até a morte, a morte já não é o motivo da tristeza, mas o seu fim.

56.  Deve-se, portanto, perguntar de onde vem a tristeza ao que está triste, não por causa da morte, mas até a morte, pois está triste, não por um tempo incerto e indefinido para a humana ignorância, mas até a morte.

57.  Portanto, a tristeza não é sentida por causa da morte, já que deve ter o seu fim com a morte.

 

 

 

1.      O que você destaca na fala do seu irmão/ã?

2.      O que você destaca no texto?

3.      Como ele é útil para sua espiritualidade?

 

 

 

 

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