sábado, 8 de março de 2025

274 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 06 ao 15).

 



274

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 06 ao 15)

 

IV. O uso dessas partículas na Escritura não acarreta distinções

Capítulo 6.

1.      Confessamos que a Palavra da Verdade emprega com frequência estas expressões. Não quer isso dizer que a liberdade do Espírito esteja totalmente a serviço das mesquinharias dos filósofos “de fora”, mas sempre conforme as circunstâncias e de acordo com a necessidade, muda as expressões.

2.      De que, por exemplo, nem sempre designa a matéria, conforme opinam aqueles filósofos. Ao contrário, é mais usual na Escritura tomar estas palavras para assinalar a causa suprema. Assim, nesse trecho: “Um só Deus, de quem tudo procede” (1Cor 8,6), e em outro lugar: “Tudo vem de Deus” (1Cor 11,12).

3.      A Palavra da Verdade, de fato, emprega tal locução muitas vezes referindo-se à matéria, por exemplo: “Faze uma arca de madeira incorruptível” (Gn 6,14), “Farás um candelabro de ouro puro” (Ex 25,31), “O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre” (1Cor 15,47) e ainda: “Também eu fui modelado de argila” (Jó 33,6).

4.      Mas, os hereges, como dissemos, para marcar uma diferença de natureza, determinaram que esta palavra convém apenas ao Pai. Adotaram os princípios das teses dos filósofos “de fora”, mas não se prenderam a todas as suas minúcias.

5.      Seguiram as normas deles, quando ao Filho atribuíram a função de instrumento, e ao Espírito a de lugar. De fato, eles dizem no Espírito e pelo Filho. Ao designarem para Deus os termos de quem, afirmam eles, já não se acham de acordo com os estranhos, porém se adaptam aos usos “apostólicos”, segundo a palavra: “É dele que vós sois em Cristo Jesus” (1Cor 1,30). E: “Tudo vem de Deus” (1Cor 11,12).

6.      Qual a conclusão a que se chega com toda essa tecnologia? À conclusão de que uma é a natureza da causa, outra a do instrumento, outra a do lugar. Por conseguinte, o Filho seria, segundo a natureza, diferente do Pai, porque o instrumento difere do artífice; diferente também o Espírito, porque espaço e tempo são distintos por natureza dos instrumentos e daqueles que os manipulam.

 

V. Atribui-se também ao Pai a expressão por quem, e ao Filho, de quem. As duas se referem igualmente ao Espírito.

 

Capítulo 7.

7.      Acima encontram-se as teorias deles. Quanto a nós, vamos demonstrar o que acabamos de afirmar, a saber, que nem o Pai toma para si a expressão de quem, atirando para o Filho os termos por quem, nem o Filho, por sua vez, recusa ao Espírito Santo a participação nos termos de quem ou por quem, conforme as normas por eles estabelecidas e a nova distribuição que determinam.

8.      “Existe um só Deus, o Pai, de quem tudo procede, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem são todas as coisas” (1Cor 8,6).

9.      Não se trata de palavras de legislador, mas de alguém que discerne as hipóstases, após exame atento. O Apóstolo não se expressa deste modo, visando a introduzir diferença de natureza, e sim estabelecer com nitidez os conceitos de Pai e de Filho.

10.  Pois esses termos não são opostos entre si, nem se comportam com as naturezas a que se referem, à maneira como na guerra alguns se destacam diante da frente inimiga, a fim de se incitarem mutuamente ao combate.

11.  Evidencia-se isso da seguinte maneira. São Paulo reuniu ambas as noções sob um só e mesmo sujeito, ao dizer: “Tudo é dele, por ele e para ele” (Rm 11,36). Sem dúvida, atribui-se ao Senhor esta passagem, como pode afirmar quem der um pouco de atenção ao sentido da frase.

12.  Efetivamente, depois de ter citado um trecho do profeta Isaías: “Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem se tornou seu conselheiro?” (Rm 11,34. Cf. Is 40,13), o Apóstolo acrescenta: “Porque tudo é dele, por ele e para ele”.

13.  Do contexto se depreende que o profeta trata do Verbo de Deus, o Demiurgo de toda a criação: “Quem pôde medir as águas do mar na cavidade da mão? Quem conseguiu avaliar a extensão dos céus a palmos, medir o pó da terra com o alqueire e pesar os montes na balança e os outeiros nos seus pratos? Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem se tornou seu conselheiro?”. Este pronome interrogativo: “quem” não aponta para uma ação absolutamente impossível, e sim evidentemente rara, como nesse texto: “Quem se levanta por mim contra os maus?” (Sl 93,16).

14.  E nesse outro: “Qual o homem que deseja a vida?” (Sl 33,13). E ainda: “Quem pode subir à montanha do Senhor?” (Sl 23,3). De igual modo, acontece na mencionada passagem: “Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem se tornou seu conselheiro?” “Porque o Pai ama o Filho e lhe revela tudo o que faz” (Jo 5,20).

15.  Ele é que sustenta a terra e a mantém firmemente nas mãos. Ele tudo organizou e dispôs em bela ordem o universo; equilibrou os montes, estabeleceu medida para as águas, pôs no devido lugar tudo o que o cosmo contém. Bastou-lhe pequena parte de seu poder, que o profeta simbolicamente chama de “palmo”, para abranger o céu inteiro.

16.  Consequentemente, foi com exatidão que o Apóstolo empregou as expressões: “Tudo é dele, por ele e para ele”. Dele, porque segundo a vontade de Deus Pai, dele provém para os seres a razão de existirem. Por ele, porque dele se originam para todos a permanência e a estabilidade. Ele tudo criou e concede a cada criatura em larga medida aquilo de que necessita para a salvação.

17.  Por isso, também, para ele tendem os seres todos. Com desejo irreprimível e inefável amor, dirigem o olhar para o chefe e doador da vida, conforme está escrito: “Em ti esperam os olhos de todos” (Sl 144,15), “abres a mão” e cumulas todo ser vivo com tua benevolência (Sl 144,16).

 

Capítulo 8.

18.  Se os adversários se erguem contra a nossa interpretação, que raciocínio os livrará de cair abertamente em contradição, contra si mesmos? Pois se não concedem que as três expressões, dele, por ele e para ele, se aplicam ao Senhor, necessariamente terão de atribuí-las a Deus Pai.

19.  Daí resulta claramente que sua tese cairá por si. Efetivamente, seria atribuível ao Pai não somente de quem, mas ainda por quem. Se, porém, essas últimas partículas nada incluem de humilhante, como reservá-las ao Filho, assinalando inferioridade?

20.  Se, contudo, designam em geral um serviço, que eles nos respondam: De que chefe (archonte) seria servo o Deus da glória, pai de Cristo? Assim, eles se voltam contra si mesmos, enquanto nós, de ambos os lados, mantemo-nos em posição melhor.

21.  Se eles, porém, tiverem de se convencer de que a passagem trata do Filho, terão de aceitar igual mente que de quem adapta-se ao Filho. Mas, se alguém se empenha por atribuir a Deus a palavra do profeta, terá de conceder que convém a Deus a locução de quem e os dois termos serão igualmente dignos, porque também se aplicam a Deus.

22.  Assim comparados, ambos se mostram de igual dignidade, uma vez que atribuí dos a uma só e mesma pessoa. Mas, retomemos a exposição que nos propusemos fazer.

 

Capítulo 9.

23.  O Apóstolo se dirige aos efésios nestes termos: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresceremos em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo; é dele que o corpo, em sua inteireza, bem ajustado e unido por meio de toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de cada uma das suas partes, realiza o seu crescimento” (Ef 4,15-16).

24.  Novamente, na carta aos Colossenses diz aos que não possuem o conhecimento do Filho Unigênito: “O que apreende a Cabeça, de quem todo o corpo, alimentado e coeso pelas juntas e ligamentos, realiza o seu crescimento em Deus” (Cl 2,19).

25.  Aprendemos noutro lugar ser Cristo Cabeça da Igreja, segundo as palavras do Apóstolo: “E ele o pôs acima de tudo, como Cabeça da Igreja” (Ef 1,22), e ainda: “Pois de sua plenitude todos nós recebemos” (Jo 1,16). Afirma também o próprio Senhor: “Receberá do que é meu e vos anunciará” (Jo 16,14). E de modo geral, se alguém quiser se dar ao trabalho de recolher os textos onde se utiliza a locução de quem, verificará como são numerosos.

26.  Ora, o próprio Senhor diz: “Eu senti que uma força saía de mim” (Lc 8,46). Observamos também que em muitas passagens de quem se aplica ao Espírito. “Quem semear no Espírito, do Espírito colherá a vida eterna” (Gl 6,8). E João: “Nisto reconhecemos que ele permanece em nós, por causa do Espírito que nos deu” (1Jo 3,24). Também disse o anjo: “Pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo” (Mt 1,20). Igualmente afirma o Senhor: “O que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3,6). Efetivamente, assim é.

 

Capítulo 10.

27.  Relativamente aos termos por quem, a Escritura o adota de igual modo para o Pai, e o Filho e o Espírito Santo. Vamos comprová-lo. Quanto à sua atribuição ao Filho, ocioso seria apresentar provas, pois é fato por demais conhecido e também os adversários as utilizam.

28.  Nós, porém, queremos mostrar que a expressão é também usada em relação ao Pai. Diz o Apóstolo: “É fiel o Deus por quem fostes chamados à comunhão com o seu Filho” (1Cor 1,9). E: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus” (2Cor 1,1). E ainda: “De modo que já não és es cravo, mas filho. E se és filho, és também herdeiro, por graça de Deus” (Gl 4,7). Igualmente: “como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai” (Rm 6,4).

29.  Isaías também declara: “Ai dos que elaboram seus planos profundamente, mas não por meio do Senhor” (Is 29,15). É possível mencionar muitos testemunhos do emprego desta preposição relativamente ao Espírito. “A nós, porém, Deus o revelou pelo Espírito” (1Cor 2,10). E em outra passagem: “Guarda o bom depósito, por meio do Espírito Santo” (2Tm 1,14). E ainda: “A um pelo Espírito é dada a mensagem da sabedoria” (1Cor 12,8).

 

Capítulo 11.

30.  Podemos dizer o mesmo da sílaba em, que a Escritura utiliza em referência a Deus Pai. No Antigo Testamento, encontram-se, por exemplo: “Em Deus nós faremos proezas” (Sl 107,14), diz o salmista; “Em ti está continuamente o meu louvor” (Sl 71,6); e ainda: “Em teu nome exultarei de alegria”. Em São Paulo, porém: “Em Deus, criador de todas as coisas” (Ef 3,9); “Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja de Tessalônica, em Deus Pai” (2Ts 1,1); “pedindo que, de algum modo, no beneplácito de Deus, se me apresente uma oportunidade de ir ter convosco” (Rm 1,10); “tu te glorias em Deus” (Rm 2,17). E tantas outras passagens que seria difícil enumerar.

31.  Não temos o propósito de exibir uma multidão de testemunhos, mas de denunciar que sadias não se mostram as teses deles.

32.  Omitirei, como bem conhecida, a demonstração de que a expressão assinala o Senhor ou o Espírito Santo. O ouvinte inteligente, porém, não é ocioso afirmá-lo, julgará refutação suficiente das proposições deles, o argumento a que se chegou por contraste.

33.  Com efeito, se diferença de expressão assinala mudança de natureza, segundo opinam, devem agora eles conceder, cheios de confusão, que identidade de termos designa imutabilidade de essência.

 

Capítulo 12.

34.  Não é apenas ao se referir a Deus que se usam tais palavras umas pelas outras, mas ainda em coisas cujo significado se relacionam mutuamente, quando uma toma o sentido da outra, frequentemente essas palavras são permutáveis.

35.  Assim: “Adquiri um homem, por intermédio de Deus” (Gn 4,1), disse Adão, isto é, recebi de Deus. E em outro trecho: “Todas as coisas que Moisés ordenou ao povo de Israel por ordem do Senhor”. E em outra passagem: “Não é por Deus que vem a interpretação?” (Gn 40,8). José, ao tratar de sonhos com os cativos, afirma claramente que a interpretação vem por Deus, em vez de dizer: de Deus.

36.  Ao invés, Paulo emprega de em lugar de por, como no seguinte texto: “Nascido de mulher” (Gl 4,4), em lugar de por mulher. Ora, ele o explica com clareza em outro lugar, quando diz que a mulher é que nasce do homem e que ao homem cabe, por sua vez, nascer pela mulher, ao afirmar: “Pois, se a mulher foi tirada do homem, o homem nasce por meio da mulher” (1Cor 11,12).

37.  Mas igualmente aqui Paulo revela a diferença no uso desta expressão e ao mesmo tempo corrige de passagem o erro dos que julgam que o corpo do Senhor era um corpo espiritual. Quer mostrar que a carne deificada provém da massa humana, e por isso preferiu o termo mais expressivo.

38.  A locução por uma mulher podia dar a impressão de uma geração transitória; ao contrário, dizendo “de uma mulher”, assinala convenientemente a comunhão de natureza entre o filho e a genitora. Não há contradição.

39.  O Apóstolo mostra que as partículas podem com facilidade substituir-se mutuamente. Se, de fato, diante de nomes que normalmente tomam a preposição por pode-se empregar em seu lugar de, que razão teríamos para modificar a exposição da fé, distinguindo inteiramente essas palavras, uma da outra?

 

VI.  Réplica àqueles que afirmam não ser o Filho com o Pai, mas depois do Pai. Opinião a respeito da igualdade em honra (homótimos)

 

Capítulo 13.

40.  Efetivamente, não se podem refugiar sob um pretexto de ignorância aqueles que tomam a palavra com tanta arte e malícia. Atacam-nos abertamente por louvarmos o Unigênito com o Pai, sem do Filho separarmos o Espírito Santo. Que nomes injuriosos não nos dão esses fautores de novidades, inovadores, inventores de palavras? Bem longe de me encolerizar por essas injúrias, se não fosse a tristeza e a dor incessantes causadas pelo mal com que se prejudicam a si mesmos, quase diria ser-lhes grato pela calúnia, enquanto nos proporcionam realizar a bem-aventurança: “Bem-aventurados sois, diz o Senhor, quando vos injuriarem por causa de mim” (Mt 5,11).

41.  É o seguinte que excita sua cólera: Dizem eles não ser o Filho com o Pai, e sim depois do Pai. Por conseguinte, deve-se glorificar o Pai por ele, e não com ele. A expressão com ele, evidentemente, assinala honra igual; quanto à locução por ele, ao invés, introduz a noção de serviço. Não se deve, portanto, dizem eles, pôr o Espírito Santo na mesma linha com o Pai e o Filho, mas sob o Filho e o Pai, não em coordenação, mas em subordinação; nem enumerá-lo com eles, e sim abaixo deles. Por meio de tais tecnologias de palavras, eles falsificam a simplicidade e espontaneidade da fé. Como, então, poderiam defender-se sob pretexto de ignorância, se eles, em litígio, recusam aos outros desculparem-se por inexperiência?

 

Capítulo 14.

42.  Quanto a nós, interroguemo-los em que sentido afirmam que o Filho vem depois do Pai. Seria posterior relativamente ao tempo, ou pela posição que ocupa, ou em dignidade? Mas, quanto ao tempo, quem será tão estulto que afirme ser posterior temporalmente aquele que fez os séculos?

43.  Intervalo algum interrompe a continuidade natural entre o Pai e o Filho. Ora, o conceito comum de paternidade entre os homens não implica que o Filho seja mais jovem que o Pai, não somente porque são conhecidos pela relação mútua, mas porque se chama “segundo” cronologicamente o que está mais próximo do presente, e ainda “primeiro” o que se acha mais distante.

44.  A história de Noé, por exemplo, é anterior à de Sodoma, por ser mais distante do tempo atual, e esta é posterior, por parecer mais próxima. Não seria impiedade e o cúmulo da loucura querer medir a existência e a vida que ultrapassam todos os tempos e todos os séculos pela distância que as separam do presente? Também se Deus Pai, comparado a Deus Filho, que existe antes de todos os séculos, o superasse, de igual maneira que os seres sujeitos ao nascimento e à corrupção são denominados “anteriores” uns aos outros.

45.  Além disso, é impensável a superioridade do Pai, visto que a geração do Senhor não se abrange, nem por pensamentos, nem por conceitos. João, em duas palavras delimitou perfeitamente o âmbito do entendimento, dizendo: “No princípio era o Verbo” (Jo 1,1). A inteligência, efetivamente, não pode ir além deste “era”; menos ainda a imaginação ultrapassar este “princípio”. De fato, por mais que subas com o pensamento, não superas este “era”. E por mais que te esforces por ver o que está além do Filho, não ultrapassarás o “princípio”. De acordo com esta exposição, seria conforme à piedade pensar no Filho simultaneamente com o Pai.

 

Capítulo 15.

46.  Mas se eles pensam numa espécie de rebaixamento em lugar inferior, do Filho relativamente ao Pai, de sorte que o Pai estaria sentado nas alturas, enquanto o Filho seria posto mais abaixo, que o declarem e nós nos calaremos, pois o absurdo seria evidente por si mesmo. Ora, eles não chegam à conclusão lógica de seus raciocínios, pois não podem conceder ao Pai estender-se por toda a parte, enquanto as mentes sadias acreditam que Deus tudo enche.

47.  Aqueles que distribuem o “alto” e o “baixo” entre o Pai e o Filho, não se lembram da palavra do profeta: “Se subo aos céus, tu lá estás; se desço ao Hades, aí te encontro” (Sl 139,8). Ora, mesmo passando em silêncio a prova de sua imperícia, ao destinarem um lugar aos seres incorpóreos, como apaziguar a guerra que fazem às Escrituras, eliminar a contradição tão impudente que opõem a esses trechos: “Senta-te à minha direita” (Sl 110,1), e ainda: “Sentou-se à direita da Majestade de Deus” (Hb 1,3)? “Direita” não significa um lugar abaixo (conforme eles asseguram), mas uma relação de igualdade.

48.  Não deve ser entendida materialmente, porque então Deus teria também uma esquerda, mas no sentido da honra de sentar-se ao lado de alguém. É deste modo que a Escritura se refere à grandeza da majestade do Filho. Resta ainda, na opinião deles, que esta palavra indicaria uma dignidade inferior. Aprendam, então, que Cristo é o Poder de Deus, a Sabedoria de Deus, a Imagem do Deus invisível, a irradiação de sua glória e que Deus Pai o marcou com seu selo, gravando-se por inteiro nele.

49.  Sobre esses testemunhos, e tantos outros da mesma espécie, encontrados na Escritura inteira, diremos que são humilhantes, ou ao invés que anunciam, como que oficialmente, o esplendor do Filho Unigênito e sua igualdade na glória com o Pai? Ouçam como o próprio Senhor apresenta claramente a identidade de sua glória com a do Pai, quando afirma: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). E ainda: “Quando o Filho vier na glória do seu Pai” (Mc 8,38). E: “A fim de que todos honrem o Filho, como honram o Pai” (Jo 5,23). Ainda: “Vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai” (Jo 1,14). “O Filho Unigênito, que está no seio do Pai” (Jo 1,18). Sem levar em consideração qualquer desses trechos, eles impõem ao Filho o lugar destinado aos inimigos.

50.  Efetivamente, o seio paterno é conveniente cátedra para o Filho, enquanto o lugar do escabelo pertence aos que hão de ser subjugados. Quanto a nós, tendo em vista outras metas, tocamos ligeiramente em alguns testemunhos; tu, porém, conforme o tempo de que dispões, poderás reunir provas, a fim de ter uma noção clara da grandeza da glória e da superabundância do poder do Unigênito. Um ouvinte prudente logo percebe não estarmos tratando de coisas pequenas.

51.  Contanto que não se entenda de modo carnal e humilhante os termos “direita”e “seio”, a ponto de circunscrever a Deus num só lugar e imaginar que ele tem forma, figura e posição corporal. Seria distanciar-se muito da noção de um ser simples, infinito e incorpóreo. Aliás, tal noção humilhante atingiria tanto o Pai quanto o Filho. Por isso, quem assim opina, ao invés de diminuir a dignidade do Filho, é incriminado de blasfêmia contra Deus.

52.  É forçado a transferir para o Pai o que ousou lançar contra o filho. De fato, quem atribui ao Pai um trono na região do “alto”, assegurando que o Filho Unigênito está sentado “abaixo”, terá de aceitar uma série de consequências corporais de suas ficções. E se estas são ilusões de beberrões e de loucos, como poderia ser segundo a piedade, não adorar e glorificar com o Pai aquele que lhe está unido pela natureza, pela glória e pela dignidade, se ele mesmo nos ensina: “Quem não honra o Filho não honra o Pai?” (Jo 5,23).

53.  Mas, que diremos? Que defesa adequada teremos perante o temível e comum tribunal onde comparecerão todas as criaturas, se apesar de ter o Senhor manifestamente prometido vir na glória do Pai, e de Estêvão ter visto Jesus de pé à direita de Deus, e de Paulo ter atestado no Espírito acerca de Cristo, que ele está à direita de Deus, e embora tenha dito o Pai: “Senta-te à minha direita” (Sl 110,1), e o Espírito Santo ter testemunhado que ele está sentado à direita da majestade de Deus, procuremos colocar numa posição inferior aquele que possui igual trono, igual honra, devido à igualdade com o Pai e o Filho?

54.  A meu ver, as posições de pé e sentado demonstram a firmeza e a perfeita estabilidade da natureza, como também diz Baruc, acentuando a imobilidade e a imutabilidade da vida divina: “Tu, sim, permaneces eternamente em teu trono; enquanto nós, para sempre estamos perdidos” (Br 3,3).

55.  Quanto à expressão “à direita”, evidentemente indica igual honra e dignidade. Como, então, não seria ousado excluir o Filho da participação no louvor, como sendo merecedor de lugar menos honroso?

 

O que você destaca neste texto?

Como serve para a sua espiritualidade?

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