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SÃO
BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA
(330-379)
Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 27 - 36)
Solicitação do Tratado: Bispo
Anfilóquio de Icônio
Basílio
escreve: “Há pouco, estava orando com o povo.
Glorificava a Deus Pai com ambas as formas de doxologia: ora com o Filho, com o
Espírito Santo; ora pelo Filho, no Espírito Santo. Alguns dos presentes nos acusaram de
empregar palavras estranhas e até contraditórias entre si. Tu, porém, pensando
antes no bem deles, ou ao menos, se o mal for inteiramente irremediável, para
premunir seus companheiros, pediste um ensinamento bem claro sobre o alcance
destas sílabas”.
Para
os hereges arianos o Filho não era semelhante ao Pai. “Daí vem que eles destinam a Deus Pai a expressão de quem. Determinam
para Deus Filho a expressão por
quem; quanto ao Espírito Santo,
reservam-lhe a expressão em quem”.
11. É uma transgressão renegar o Espírito
Capítulo 27.
1.
Para quem os ais? Para quem a
tribulação? Para quem a angústia e as trevas? Para quem a sentença condenatória
(Pr 23,29)? Não para os transgressores? Não seria para os que negam a fé? Qual
a prova da negação? Não renegaram a própria profissão? Que profissão fizeram e
quando?
2.
Confessaram crer no Pai e no Filho e no
Espírito Santo, quando, tendo renunciado ao diabo e a seus anjos, proferiram
aquela palavra de salvação. Qual então a denominação adequada para lhes ser
aplicada pelos filhos da luz? Não foram denominados transgressores, por
faltarem a seus compromissos salutíferos? Então, como nomearei ao que renega a
Deus? Como haverei de designar a quem renega a Cristo? Que denominação a não
ser a de transgressor? Que nome queres que atribua ao que nega o Espírito? Não
seria o mesmo que o aplicado a quem não cumpriu a aliança feita com Deus?
3.
Por conseguinte, se confessar a fé no
Espírito nos torna felizes pela piedade e, ao invés, renegá-lo acarreta-nos a
sentença condenatória por impiedade, como não seria terrível agora verificar
que existem os que o renegam, não impelidos pelo temor do fogo, nem pelo medo
da espada, da cruz, dos flagelos, da roda, das torturas, mas apenas enganados
pelos sofismas e insinuações dos adversários do Espírito? Atesto a todo aquele
que confessa o Cristo, mas renega a Deus, que Cristo em nada o ajudará.
4.
Dou testemunho ao que invoca a Deus,
mas rejeita o Filho que sua fé é vã, e ao que recusa aceitar o Espírito que a
sua fé no Pai e no Filho cairá num vazio; nem mesmo poderá possuir a fé, se não
tiver o Espírito. Efetivamente, não crê no Filho quem não acredita no Espírito;
nem crê no Pai aquele que não crê no Filho. Com efeito, “ninguém pode dizer:
‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo” (1Cor 12,3). “Ninguém jamais viu
a Deus: o Filho Unigênito, que está no seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo
1,18).
5.
Acha-se também excluído da verdadeira
adoração aquele que renega o Espírito. De fato, é impossível adorar o Filho, a
não ser no Espírito Santo, nem é possível invocar o Pai, a não ser no Espírito
da adoção filial.
12. Contra os que asseguram ser suficiente o batismo em nome do Senhor
Capítulo 28.
6.
Ninguém se iluda com a palavra do
Apóstolo, quando, ao referir-se ao batismo, muitas vezes omite o nome do Pai e
do Espírito Santo, nem creia ser dispensável empregar a invocação desses nomes.
Diz o Apóstolo: “Todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de
Cristo” (Gl 3,27). E ainda: “Todos os que fostes batizados em Cristo, é na sua
morte que fostes batizados” (Rm 6,3).
7.
Ora, nomear a Cristo é confessar a
todos, pois designa a Deus que unge, o Filho que foi ungido, e a unção que é o Espírito.
Assim ensinou Pedro, segundo os Atos: “Jesus de Nazaré, Deus o ungiu com o Espírito
Santo” (At 10,38). E em Isaías : “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele
me ungiu” (Is 61,1; cf. Lc 4,18). E o salmista: “Eis por que Deus, o teu Deus,
te ungiu com o óleo da alegria” (Sl 44,8).
8.
Evidencia-se, porém, que às vezes o
Apóstolo relembra apenas o Espírito relativamente ao batismo. “Todos, diz ele,
fomos batizados num só Espírito para ser um só corpo” (1Cor 12,13). Concorda com
esta passagem os dizeres: “Vós fostes batizados no Espírito Santo” (At 1,5).
Igualmente: “Ele vos batizará no
Espírito Santo” (Lc 3,16).
9.
Mas, nem por isso se deve afirmar que é
perfeito o batismo em que somente o nome do Espírito foi invocado. Importa seja
conservada sempre íntegra a Tradição transmitida pela graça vivificante.
Efetivamente, aquele que redimiu da corrupção a nossa vida, outorgou-nos uma
força renovadora, cuja causa inefável encontra-se oculta no mistério, e que
traz às almas sublime salvação. Assim, sem dúvida, acrescentar ou tirar algo
daí, seria perder a vida eterna. Entretanto, se do Pai e do Filho separar o
Espírito no batismo é perigoso para quem batiza, e prejudicial ao batizado,
como seria seguro arrancar o Espírito de junto do Pai e do Filho?
10. Ora, a fé e o batismo são dois meios de salvação,
estreitamente unidos e inseparáveis, pois se a fé se consuma no batismo, o
batismo, contudo, baseia-se na fé; ambos se realizam através dos mesmos nomes.
Como acreditamos no Pai e no Filho e no Espírito Santo, assim também somos
batizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Precede, de fato, a confissão
que nos conduz à salvação; mas segue-se logo o batismo, selo de nossa adesão.
13. Qual o motivo por que Paulo trata conjuntamente dos anjos, do Pai e
do Filho.
Capítulo 29.
11. Mas, replicam eles, existem outros seres enumerados com o
Pai e o Filho, e que de forma alguma são glorificados com eles. Assim o
Apóstolo pôs junto deles os anjos, ao conjurar a Timóteo: “Conjuro-te diante de
Deus e de Cristo Jesus, e dos seus anjos eleitos” (1Tm 5,21).
12. No entanto, não os isolamos das outras criaturas, nem
aceitamos enumerá-los com o Pai e o Filho. Embora tais objeções não mereçam
resposta alguma, por se tratar de absurdo evidente, todavia digo o seguinte:
pode acontecer que alguém encontre por testemunha um companheiro de servidão,
perante um juiz manso e indulgente, e principalmente se este demonstra para com
os acusados, por equidade, indiscutível justiça em seus julgamentos.
13. Mas, de escravo passar a liberto, receber o nome de filho de
Deus, de morto recuperar a vida, só é realizável por aquele que, naturalmente
fruindo da intimidade com Deus, foge da condição servil. E como um estranho
introduzirá na intimidade com Deus? Como libertará, se ele mesmo se acha sob o
jugo da escravidão? Por conseguinte, não se faz memória do Espírito e dos anjos
como se fossem iguais, mas considera-se o Espírito como Senhor da vida,
enquanto se mencionam os anjos como amparo aos companheiros de servidão e fiéis
testemunhas da verdade.
14. Os santos, efetivamente, costumam transmitir os preceitos de
Deus, apoiados em testemunhas, conforme fez o próprio Paulo, escrevendo a
Timóteo: “O que de mim ouviste na presença de muitas testemunhas, confia-o a
homens fiéis” (2Tm 2,2). Toma os anjos agora por testemunhas; com efeito ele
sabe que os anjos assistirão o juiz, quando ele vier na glória do Pai a julgar
com justiça a terra inteira. Diz a Escritura: “Todo aquele que se declarar por
mim diante dos homens, o Filho do homem também se declarará por ele diante dos
anjos de Deus; aquele, porém, que me houver renegado diante dos homens, será
renegado diante dos anjos de Deus” (Lc 12,8-9).
15. Por sua vez, diz Paulo: “Quando se revelar o Senhor Jesus,
vindo do céu, com os anjos” (2Ts 1,7). Por esta razão, já daqui ele atesta
diante dos anjos, no intuito de preparar provas convincentes a serem
apresentadas quando comparecer perante o grande tribunal.
Capítulo 30.
16. Mas, não somente ele. Certamente, também todos aqueles aos
quais foi confiado o ministério da palavra, não cessam em ocasião alguma de
empregar os testemunhos, clamando diante do céu e da terra; com efeito, agora
todas as ações se realizam no céu e na terra. No julgamento das obras
praticadas durante a vida, esses testemunhos acompanharão os que são julgados.
“Do alto ele convoca, diz o salmo, o céu e a terra, para julgar o seu povo” (Sl
49,4). Moisés também exclama, estando prestes a dar os preceitos ao povo: “Eu
tomo hoje o céu e a terra como testemunhas contra vós” (Dt 4,2). E ainda, no
cântico: “Dá ouvidos, ó céu, que eu vou falar; ouve, ó terra” (Dt 32,1).
17. Igualmente Isaías: “Ouve, ó céus, presta atenção, ó terra”
(Is 1,2). Jeremias, porém, narra certo espanto do céu pelo que ouve das obras
ímpias do povo: “Espantou-se disso o céu, horrorizou-se profundamente, porque
meu povo cometeu dois crimes” (Jr 2,12- 13). Por isso, o Apóstolo, ciente de
que os anjos são para os homens pedagogos ou educadores, invoca-os como
testemunhas. Josué, filho de Nun, porém, ergueu em testemunho uma pedra
(outrora, parece, Jacó deu o nome de testemunho a um montão de pedras) (Gn
31,47). “Eis que esta pedra, disse ele, será testemunho contra vós, nos últimos
dias, para vos impedir de mentir ao Senhor, nosso Deus” (Js 24,27).
18. Talvez ele acreditasse que, pelo poder de Deus, até as
pedras pudessem falar, a fim de confundir os transgressores; no mínimo, para
que a consciência de cada um fosse atingida pelo vigor da advertência. Desta
forma, todos aqueles aos quais foi confiada a direção das almas, previamente
preparam testemunhas, seja como for, para mais tarde estarem a seu lado. O
Espírito, porém, está junto de Deus, não para atender a uma necessidade momentânea,
mas por comunhão de natureza. Não somos nós que o puxamos para lá, mas foi o
Senhor quem aí o pôs.
14. Objeção: Em Moisés alguns também foram batizados e nele creram.
Resposta: Acerca dos “tipos”
Capítulo 31.
19. Mas, replicam eles, ainda que sejamos batizados no Espírito,
não é justo pô-lo com Deus, pois também alguns foram batizados em Moisés, na
nuvem e no mar (1Cor 10,2). Entretanto, devemos confessar que tiveram fé num
homem. Efetivamente, o povo acreditou “em Deus e em Moisés, seu servo” (Ex
14,31).
20. Por que motivo, então, objetam eles, a propósito da fé e do
batismo, exaltar e engrandecer tanto o Espírito Santo acima das criaturas,
quando se atesta haver a mesma fé e o mesmo batismo em nome de homens? Que
responderemos? Que se tem fé no Espírito, da mesma forma que no Pai e no Filho.
Igualmente sucede no batismo.
21. Quanto a Moisés, batiza-se nele e na nuvem, enquanto são
sombra e tipo. No entanto, se as realidades divinas são prefiguradas por pequenos
sinais humanos, nem por isso é insignificante a natureza divina, que os tipos frequentemente
de antemão desenharam com luzes e sombras. De fato, o tipo revela através de
uma imitação o que se espera; deixando entrever o futuro, com propriedade o indica.
Assim, Adão é tipo do Cristo que há de vir; o rochedo simbolicamente é Cristo
(Ex 17,6).
22. A água que brota da pedra (Ex 17,6) é tipo do poder
vivificador do Verbo. Ora, diz o Senhor: “Se alguém tem sede, venha a mim e
beba” (Jo 7,37). O maná também é tipo do pão vivo que desceu do céu. A serpente
suspensa num poste é tipo da paixão do Salvador, consumada na cruz; os que nela
fixavam o olhar, eram salvos.
23. De igual modo, é também típico o êxodo de Israel, designando
os que foram salvos através do batismo. Pois foram salvos os primogênitos dos
israelitas, da mesma forma que os corpos dos batizados, pois a preservação foi
concedida aos marcados com o sangue do cordeiro. Este sangue era tipo do sangue
de Cristo; os primogênitos eram tipo do primeiro homem. Quanto a este, existe
necessariamente em nós, acompanhando-nos em consequência da propagação do
gênero humano até o fim. Por esta razão, em Adão todos morremos (1Cor 15,22) e
a morte reinou até a consumação da Lei, e a vinda de Cristo.
24. Preservou Deus os primogênitos dos ataques do destruidor,
para demonstrar que de forma alguma morrem em Adão os que foram vivificados em
Cristo. O mar, contudo, e a nuvem, relativamente ao presente, despertavam a fé,
por causa do espanto que causavam; quanto ao futuro, prefiguravam, enquanto
constituíam um tipo, a graça futura. “Quem é sábio e observa estas coisas?” (Sl
106,43; cf. Os 14,10) para entender por que o mar é tipicamente o batismo, que
separava de tal modo de Faraó como este banho livra da tirania do diabo.
25. O mar matava o inimigo; aqui morre também nossa inimizade
com Deus. O povo saiu do mar indene; quanto a nós, subimos da água, quais vivos
dentre os mortos, salvos pela graça daquele que nos chamou. A nuvem, porém, era
sombra do dom que provém do Espírito, e resfria a chama das paixões pela
mortificação de nossos membros.
Capítulo 32.
26. E então? Se Moisés batizava tipicamente, por isso a graça do
batismo seria insignificante? Mas, nada haveria de grande para nós se
depreciarmos por causa dos tipos o que há de honroso em cada coisa. Ficaria,
então desprovido de grandeza sobrenatural o grande amor que aos homens devota
Deus, ele que por nós entregou seu Filho Unigênito por nossos pecados, pois
Abraão também não poupou o próprio filho.
27. Nem a paixão do Senhor seria mais gloriosa, considerando-se
que em lugar de Isaac (Gn 22,1-14) um cordeiro foi tipo de oferenda para um
sacrifício. A descida aos Hades deixaria de ter aspecto terrível, uma vez que
Jonas em três dias e outras tantas noites (Jn 2,1ss), havia de antemão
apresentado o tipo da morte.
28. O mesmo acontece com o batismo. Se alguém julga a verdade
pela sombra, comparando as realidades significadas com os correspondentes
tipos, e tentando utilizar a figura de Moisés e do mar para despedaçar com um
só golpe toda a economia evangélica. Qual o perdão dos erros? Qual a renovação
da vida através do mar? Qual o carisma espiritual por meio de Moisés? Que morte
aos pecados ali existe?
29. Eles não padeceram com Cristo, portanto, também não ressuscitarão
com ele. Não trouxeram a imagem do homem celeste, nem foram portadores da
mortificação de Jesus no seu corpo; não se despojaram do velho homem, nem
revestiram o novo, renovados para o conhecimento, à imagem de seu criador. Por que,
então, comparar os batismos, que de comum têm apenas o nome, e que de fato diferenciam-se
tanto como um sonho difere da realidade, ou uma sombra, uma imagem da
substância dos seres?
Capítulo 33.
30. Mas, crer em Moisés não significa que seja de pouca valia a
fé no Espírito. Antes, segundo a doutrina deles, diminuiria a profissão de fé
no Deus do universo, pois diz a Escritura que o povo acreditou em Deus e em seu
servo, Moisés. A Escritura alia Moisés a Deus, e não ao Espírito; ele, com
efeito, não era tipo do Espírito, e sim de Cristo.
31. Ele prenunciava, no ministério da Lei, o mediador entre Deus
e os homens (1Tm 2,5). Moisés não era tipo do Espírito, quando servia de
intermediário para o povo, junto de Deus. Efetivamente, a Lei tinha sido
promulgada por anjos, pela mão de um mediador (Gl 3,19), isto é, Moisés,
conforme o pedido do povo, que dizia: “Fala-nos tu, e não nos fale Deus” (Ex
20,19). A fé depositada nele refere-se, portanto, ao Senhor, ao mediador entre
Deus e os homens, que disse: “Se crêsseis em Moisés, haveríeis de crer em
mim”(Jo 5,46).
32. Seria, pois, coisa pequena a fé no Senhor, pelo fato de ter
sido prefigurada por Moisés? De igual modo, se houve um batismo em Moisés, nem
por isso é sem valor a graça proveniente do Espírito no batismo. Entretanto,
devo observar que a Escritura costuma mencionar Moisés em lugar da Lei, como,
por exemplo, na passagem: “Eles têm Moisés e os profetas” (Lc 16,29).
Pertenceria ao batismo sob a Lei a referência: “Foram batizados em Moisés”
(1Cor 10,2).
33. Por que, então, aqueles que, por causa das sombras e dos
tipos, têm aversão à verdade, declaram desprezíveis o motivo de altivez de
nossa esperança (Hb 3,6) e o precioso dom de Deus, nosso Salvador, que renova a
nossa juventude como a da águia por meio da restauração de todas as coisas? Sem
dúvida, é peculiar a quem é muito jovem, ou a uma criança ainda bem precisada
de leite, ignorar o grande mistério de nossa salvação.
34. Com efeito, segundo a iniciação ministrada nas escolas,
somos exercitados na piedade em vista da perfeição, aprendendo primeiro as coisas
elementares, cujo conhecimento está a nosso alcance. A providência de Deus nos conduz
até a plena luz da verdade, habituando aos poucos os nossos olhos, como se
tivéssemos sido criados em meio a trevas.
35. No intuito de poupar a nossa fraqueza, na profundidade da
riqueza de sua sabedoria, e nos julgamentos imperscrutáveis de seu intelecto,
proporciona-nos esta orientação suave e harmoniosa, fazendo-nos primeiro ver as
sombras dos corpos e fitar o sol dentro da água, a fim de evitar a cegueira,
que pode suceder se precipitadamente contemplarmos a luz intensa.
36. De igual maneira, a Lei, sombra dos bens futuros (Hb 10,1),
esboço traçado pelos profetas, enigma da verdade, é tida como exercício dos
olhos do coração. Assim, destas sombras nos seja fácil a passagem para a
sabedoria escondida no mistério. A respeito dos tipos, isso basta. Não é possível
determo-nos por mais tempo. Seria dar ao acessório importância maior do que ao
principal.
15. Resposta à réplica: “Somos também batizados na água”. O batismo
Capítulo 34.
37. O que, porém, eles ainda podem acrescentar? Eles são
peritos, de fato, em refutar. Somos também, dizem eles, batizados na água, mas
nem por isso honraremos a água mais do que as outras criaturas, nem vamos
torná-la partícipe do culto que prestamos ao Pai e ao Filho.
38. Tais expressões são próprias de homens irritados, os quais,
por causa do obscurecimento apaixonado da razão, nada poupam para se defenderem
daqueles que os afligem. Quanto a nós, de forma alguma hesitamos em discutir
sobre este assunto. Efetivamente, ou instruiremos os ignorantes, ou não
cederemos diante dos malfeitores. Mas, retornemos a um trecho mais acima.
Capítulo 35.
39. Consiste a economia de Deus, nosso Salvador, em soerguer o
homem após a queda, e fazer com que recupere a amizade com Deus, escapando da
condição de inimizade em que se encontrava, devido a sua desobediência. Daí
origina-se a vinda de Cristo na carne, o exemplo de sua vida de acordo com o
evangelho, a paixão, a cruz, o sepultamento, a ressurreição. Assim, o homem
salvo, através da imitação de Cristo, recupera a primitiva adoção filial.
40. É indispensável para uma vida perfeita a imitação de Cristo
não somente nos exemplos de mansidão, humildade e paciência que deu durante a
vida, mas ainda na morte, conforme diz Paulo, o “imitador de Cristo” (1Cor
11,1; Fl 3,17): “Conformando-me com ele na sua morte, para ver se eu alcanço a
ressurreição de entre os mortos” (Fl 2,10-11).
41. Como nos conformaremos com Cristo na morte? Por nosso
sepultamento com ele pelo batismo. Mas, como ser sepultado? Qual o proveito de
tal imitação? Em primeiro lugar, faz-se mister romper com a vida anterior.
Isso, porém, é impossível se não nascermos do alto, segundo a palavra do Senhor
(Jo 3,3), porque a regeneração, conforme indica a palavra, é o começo de
segunda vida. Mas, no intuito de começar esta segunda vida, será necessário pôr
termo à vida anterior.
42. Assim como em dupla corrida, uma parada, um momento de
repouso separa a ida da volta, igualmente em mudança de vida parece necessária
uma espécie de morte entre as duas vidas, para terminar a anterior e iniciar a
seguinte. Mas, que fazer para descer ao Hades? Imitar o sepultamento de Cristo,
por meio do batismo. O corpo dos batizados é de certo modo sepultado na água. O
batismo simboliza, pois, o despojamento de obras carnais, segundo a palavra do Apóstolo:
“Nele fostes circuncidados, por uma circuncisão não feita por mão de homem, mas
pelo despojamento do corpo carnal: essa é a circuncisão de Cristo.
43. Fostes sepultados com ele no batismo” (Cl 2,11-12). O
batismo é para a alma ablução da mancha contraída por causa de pensamentos
carnais, conforme está escrito: “Lava-me, ficarei mais branco do que a neve”
(Sl 50,9). Por isso, não usamos purificarmo-nos depois de cada mancha como os
judeus, mas conhecemos apenas um batismo salutífero; pois uma só é a morte relativamente
ao mundo e uma só a ressurreição dos mortos, das quais o batismo é tipo. Assim
se entende por que razão o Senhor, que nos concede a vida, estabeleceu conosco esta
aliança no batismo, tipo da morte e da vida.
44. A água é imagem da morte, e o Espírito nos dá o penhor, as
primícias da vida. Assim evidencia-se para nós o que procurávamos saber: Por
que a água se acha ligada ao Espírito? Porque o batismo tem dupla finalidade: eliminar
o corpo de pecado (Rm 6,6), a fim de não produzir mais frutos de morte (Rm 7,5),
e fazer viver do Espírito, frutificar para a santidade (Rm 6,22).
45. A água, com efeito, apresenta a imagem da morte, pois acolhe
o corpo, à guisa de uma sepultura, enquanto o Espírito infunde a força
vivificadora, renovando nossas almas, que retira da morte no pecado e transfere
para a vida dos primórdios. É isto o que se chama nascer do alto, na água e no
Espírito. A morte se realiza na água, mas o Espírito nos transmite a vida.
46. Em três imersões, e em igual número de invocações, cumpre-se
o grande mistério do batismo, para figurar o tipo da morte e iluminar os
batizandos pela transmissão da ciência de Deus. De fato, se existe na água uma
graça, esta não provém da natureza da água, mas origina-se da presença do
Espírito. Com efeito, o batismo não consiste em lavar-se para tirar manchas
carnais, mas em suplicar a Deus uma boa consciência.
47. O Senhor, querendo preparar-nos para a vida de
ressuscitados, apresenta-nos o modo de viver evangélico, preceituando sermos
mansos, resignados, livres do amor do prazer, desprendidos das riquezas, de
forma que voluntariamente realizemos desde agora o que o século futuro contém
como que naturalmente. Se alguém, contudo, irritado, dissesse que o evangelho
já é uma prefiguração da vida da ressurreição, a meu ver, ele não estaria errado.
Mas, voltemos ao nosso assunto.
Capítulo 36.
48. Por meio do Espírito Santo realiza-se a restauração do
paraíso, a subida ao reino dos céus, o retorno à adoção filial. É ele quem nos
dá a ousadia de chamar a Deus de Pai, possibilita-nos participar da graça de
Cristo, ter o nome de filhos da luz, partilhar a glória eterna, em uma palavra,
recebermos a plenitude da bênção, neste século e no século futuro, e como em
espelho contemplar, desde já presente, a graça dos bens que nos estão reservados,
conforme as promessas, e cuja fruição aguardamos pela fé.
49. Se, porém, as arras são tais, o que será o dom completo? E
se as primícias são tão grandes, que será a plenitude integral? Assim se torna
cognoscível a diferença entre a graça do Espírito e o batismo na água. Pois
João batizou na água; nosso Senhor Jesus Cristo batizou no Espírito Santo. “Eu
vos batizo com água para a conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais
forte do que eu.
50. De fato, eu não sou digno nem ao menos de carregar-lhe as
sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11). João,
aqui, à prova do juízo dá o nome de batismo com fogo, conforme diz também o
Apóstolo: “O fogo provará o que vale a obra de cada um”, e ainda: “O Dia a
tornará conhecida, pois ele se manifestará pelo fogo” (1Cor 3,13).
51. Mas, houve alguns que, combatendo em prol da piedade, em todo
realismo e não apenas em imitação, suportaram a morte por Cristo. Eles não
precisaram, para se salvar, do símbolo da água, uma vez que foram batizados no
seu próprio sangue.
52. Não falo desta maneira para excluir o batismo na água, mas a
fim de derrubar os raciocínios desses homens exaltados que se opõem ao
Espírito, misturam coisas que não se misturam, e igualam outras que não são
comparáveis entre si.
O
que você destaca neste texto?
Como
serve para a sua espiritualidade?
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