Sermão
de Santo Agostinho de Hipona
sobre
a Ressurreição do Senhor
1. A ressurreição de
nosso Senhor Jesus Cristo lê-se estes dias, como é costume, segundo cada um dos
livros do santo Evangelho.
2. Na leitura de hoje
ouvimos Jesus Cristo censurando os discípulos, primeiros membros seus,
companheiros seus, porque não criam estar vivo aquele mesmo por cuja morte
choravam.
3. Pais da fé, mas
ainda não fiéis; mestres - e a terra inteira haveria de crer no que pregariam,
pelo que, aliás, morreriam - mas ainda não criam.
4. Não acreditavam
ter ressuscitado aquele que haviam visto ressuscitando os mortos.
5. Com razão,
censurados: ficavam patenteados a si mesmos, para saberem o que seriam por si
mesmos os que muito seriam graças a ele.
6. E foi deste modo
que Pedro se mostrou quem era: quando iminente a Paixão do Senhor, muito
presumiu; chegada a Paixão, titubeou. Mas caiu em si, condoeu-se, chorou,
convertendo-se a seu Criador.
7. Eis quem eram os
que ainda não criam, apesar de já verem.
8. Grande, pois, foi
a honra a nós concedida por aquele que permitiu crêssemos no que não vemos!
9. Nós cremos pelas
palavras deles, ao passo que eles não criam em seus próprios olhos.
10. A ressurreição de
nosso Senhor Jesus Cristo é a vida nova dos que crêem em Jesus, e este é o
mistério da sua Paixão e Ressurreição, que muito devíeis conhecer e celebrar.
11. Porque não sem
motivo desceu a Vida até a morte. Não foi sem motivo que a fonte da vida, de
onde se bebe para viver, bebeu desse cálice que não lhe convinha. Por que a
Cristo não convinha a morte.
12. De onde veio a
morte? Vamos investigar a origem da morte. O pai da morte é o pecado. Se nunca
houvesse pecado ninguém morreria.
13. O primeiro homem
recebeu a lei de Deus, isto é, um preceito de Deus, com a condição de que se o
observasse viveria e se o violasse morreria.
14. Não crendo que
morreria, fez o que o faria morrer; e verificou a verdade do que dissera quem
lhe dera a lei. Desde então, a morte.
15. Desde então,
ainda, a segunda morte, após a primeira, isto é, após a morte temporal a eterna
morte.
16. Sujeito a essa
condição de morte, a essas leis do inferno, nasce todo homem; mas por causa
desse mesmo homem, Deus se fez homem, para que não perecesse o homem.
17. Não veio, pois,
ligado às leis da morte, e por isso diz o Salmo: “Livre entre os mortos”
18. Concebeu-o, sem
concupiscência, uma Virgem; como Virgem deu-lhe à luz, Virgem permaneceu. Ele
viveu sem culpa, não morreu por motivo de culpa, comungava conosco no castigo,
mas não na culpa.
19. O castigo da culpa
é a morte. Nosso Senhor Jesus Cristo veio morrer, mas não veio pecar;
comungando conosco no castigo sem a culpa, aboliu tanto a culpa como a castigo.
20. Que castigo
aboliu? O que nos cabia após esta vida. Foi assim crucificado para mostrar na
cruz o fim do nosso homem velho; e ressuscitou, para mostrar em sua vida, como
é a nossa vida nova. Ensina-o o Apóstolo: “Foi entregue por causa dos
nossos pecados, ressurgiu por causa da nossa justificação” [Rm
4,25].
21. Como sinal disto,
fora dada outrora a circuncisão aos patriarcas: no oitavo dia todo indivíduo do
sexo masculino devia ser circuncidado. A circuncisão fazia-se com cutelos de
pedra: porque Cristo era a pedra.
22. Nessa circuncisão
significava-se a espoliação da vida carnal a ser realizada no oitavo dia pela
Ressurreição de Cristo.
23. Pois o sétimo dia
da semana é o sábado; no sábado o Senhor jazia no sepulcro, sétimo dia da
semana. Ressuscitou no oitavo. A sua Ressurreição nos renova. Eis por que,
ressuscitando no oitavo dia, nos circuncidou.
24. É nessa esperança
que vivemos. Ouçamos o Apóstolo dizer. “Se ressuscitasses com Cristo…” [Cl
3,1] Como ressuscitamos, se ainda morremos? Que quer dizer o Apóstolo: “Se ressuscitasses com Cristo?” Acaso
ressuscitariam os que não tivessem antes morrido? Mas falava aos vivos, aos que
ainda não morreram … os quais, contudo, ressuscitaram: que quer dizer?
25. Vede o que ele
afirma: “Se ressuscitasses com Cristo, procurai as coisas que são do alto,
onde Cristo está assentado à direita de Deus, saboreai o que é do alto, não o
que está sobre a terra. Porque estais mortos!”
26. É o próprio
Apóstolo quem está falando, não eu. Ora, ele diz a verdade, e, portanto, digo-a
também eu… E por que também a digo? “Acreditei e por causa disto
falei”.
27. Se vivemos bem, é
que morremos e ressuscitamos. Quem, porém, ainda não morreu, também não
ressuscitou, vive mal ainda; e se vive mal, não vive: morra para que não morra.
Que quer dizer: morra para que não morra? Converta-se, para não ser condenado.
28. “Se ressuscitasses
com Cristo”, repito as palavras do Apóstolo, “procurai o que é do alto, onde
Cristo está assentado à direita de Deus, saboreai o que é do alto, não o que é
da terra. Pois morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
Quando Cristo, que é a vossa vida, aparecer, então também aparecereis com ele
na glória”. São palavras do Apóstolo.
29. A quem ainda não
morreu, digo-lhe que morra; a quem ainda vive mal, digo-lhe que se converta. Se
vivia mal, mas já não vive assim, morreu; se vive bem, ressuscitou.
30. Mas, que é viver
bem? Saborear o que está no alto, não o que sobre a terra. Até quando és terra
e à terra tornarás? Até quando lambes a terra? Lambes a terra, amando-a, e te
tornas inimigo daquele de quem diz o Salmo: “os inimigos dele lamberão a
terra”
31. Que éreis vós?
Filhos de homens. Que sois vós? Filhos de Deus. Ó filhos dos homens, até quando
tereis o coração pesado? Por que amais a vaidade e buscais a mentira? Que
mentira buscais? O mundo.
32. Quereis ser
felizes, sei disto. Dai-me um homem que seja ladrão, criminoso, fornicador,
malfeitor, sacrílego, manchado por todos os vícios, soterrado por todas as
torpezas e maldades, mas não queira ser feliz.
33. Sei que todos vós
quereis viver felizes, mas o que faz o homem viver feliz, isso não quereis procurar.
34. Tu, aqui, buscas o
ouro, pensando que com o ouro serás feliz; mas o ouro não te faz feliz. Por que
buscas a ilusão? E com tudo o que aqui procuras, quando procuras mundanamente,
quando o fazes amando a terra, quando o fazes lambendo a terra, sempre visas
isto: ser feliz.
35. Ora, coisa alguma
da terra te faz feliz. Por que não cessas de buscar a mentira? Como, pois,
haverás de ser feliz? “Ó filhos dos homens, até
quando sereis pesados de coração, vós que onerais com as coisas da terra o
vosso coração?” [Sl 4,3]
36. Até quando foram
os homens pesados de coração? Foram-no antes da vinda de Cristo, antes que
ressuscitasse o Cristo. Até quando tereis o coração pesado? E por que amais a
vaidade e procurais a mentira? Querendo tornar-vos felizes, procurais as coisas
que vos tornam míseros! Engana-vos o que descaiais, é ilusão o que buscais.
37. Queres ser feliz?
Mostro-te, se te agrada, como o serás. Continuemos ali adiante (no versículo do
Salmo): “Até quando sereis pesados de coração? Por que amais a vaidade e
buscais a mentira?” “Sabei” - o
quê? “que o Senhor engrandeceu o seu Santo” [Sl 4,3].
39. Eia, tende lá os
vossos olhos na ressurreição de Cristo; porque tanto quis o Pai engrandecer o
seu Santo, que o ressuscitou dos mortos e lhe deu a honra de se assentar no Céu
à sua direita.
40. Mostrou-te o que
deves saborear se queres ser feliz, pois aqui não o poderás ser. Nesta vida não
podes ser feliz, ninguém o pode.
41. Boa coisa a que
desejas, mas não nesta terra se encontra o que desejas. Que desejas? A vida
bem-aventurada. Mas aqui não reside ela.
42. Se procurasses
ouro num lugar onde não houvesse, alguém, sabendo da sua não existência,
haveria de te dizer: “Por que estás a cavar? Que
pedes à terra? Fazes uma fossa na qual hás de apenas descer, na qual nada
encontrarás!”
43. Que responderias a
tal conselheiro? “Procuro ouro”. Ele te diria: “Não nego que exista o que descias, mas não existe onde o
procuras”.
44. Assim também,
quando dizes: “Quero ser feliz”. Boa coisa
queres, mas aqui não se encontra.
45. Se aqui a tivesse
tido o Cristo, igualmente a teria eu. Vê o que ele encontrou nesta região da
tua morte: vindo de outros paramos, que achou aqui senão o que existe em
abundância? Sofrimentos, dores, morte. Comeu contigo do que havia na cela de
tua miséria. Aqui bebeu vinagre, aqui teve fel. Eis o que encontrou em tua
morada.
46. Contudo,
convidou-te à sua grande mesa, à mesa do Céu, à mesa dos anjos, onde ele é o
pão. Descendo até cá, e tantos males recebendo de tua cela, não só não rejeitou
a tua mesa, mas prometeu-te a sua.
47. E que nos diz ele?
“Crede, crede que chegareis aos bens da minha mesa, pois não
recusei os males da vossa”.
48. Tirou-te o mal e
não te dará o seu bem? Sim, da-lo-á. Prometeu-nos sua vida, mas é ainda mais
incrível o que fez: ofereceu-nos a sua morte.
49. Como se
dissesse: “À minha mesa vos convido. Nela ninguém morre,
nela está a vida verdadeiramente feliz, nela o alimento não se corrompe, mas
refaz e não se acaba. Eia para onde vos convido, para a morada dos anjos, para
a amizade do Pai e do Espírito Santo, para a ceia eterna, para a fraternidade
comigo; enfim, a mim mesmo, à minha vida eu vos conclamo! Não quereis crer que
vos darei a minha vida? Retende, como penhor a minha morte”.
50. Agora, pois,
enquanto vivemos nesta carne corruptível, morramos com Cristo pela conversão
dos costumes, vivamos com Cristo pelo amor da justiça.
O que você destaca no texto?
Como serve para sua espiritualidade?
Nenhum comentário:
Postar um comentário