terça-feira, 29 de julho de 2025

287 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 74 - 79)

 


287

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 74 - 79)

 

Solicitação do Tratado: Bispo Anfilóquio de Icônio.

 

Basílio escreve: “Há pouco, estava orando com o povo. Glorificava a Deus Pai com ambas as formas de doxologia: ora com o Filho, com o Espírito Santo; ora pelo Filho, no Espírito Santo. Alguns dos presentes nos acusaram de empregar palavras estranhas e até contraditórias entre si. Tu, porém..., ...pediste um ensinamento bem claro sobre o alcance destas sílabas”.

 

Capítulo 74.

1.     E onde havemos de colocar Gregório, o Grande com suas palavras? (este é o Gregório Nanzianzo (329–390), seu amigo. Não confunda com o Gregório Magno (540–604).

2.     Por que não com os apóstolos e os profetas, se foi um varão com espírito idêntico ao deles, se durante toda a vida seguiu as pegadas dos santos e sempre conservou tão exatamente o modo de viver evangélico?

3.     Quanto a mim, digo que infligiríamos afronta à verdade se não contássemos entre os familiares de Deus esta alma que foi uma tocha a espalhar seu fulgor por toda a Igreja de Deus. Teve contra os demônios terrível poder, por obra do Espírito Santo.

4.     Recebeu a graça de tal eloquência para levar as nações à obediência da fé que, tendo encontrado no começo apenas dezessete cristãos, levou o povo inteiro, citadinos e camponeses, ao conhecimento de Deus. Desviou o leito dos rios, ordenando-lhes no poderoso nome de Cristo e secou um pântano, objeto de litígio entre irmãos ambiciosos. Suas predições foram tais que em nada cede o passo aos grandes profetas.

5.     Em resumo, seria longo demais narrar por extenso seus milagres. Por causa da superabundância dos carismas produzidos nele pelo Espírito, enquanto obras de poder, sinais e prodígios, era proclamado segundo Moisés até pelos inimigos da Igreja.

6.     Assim, em suas palavras e obras, realizadas por meio da graça, resplandecia certa luz, indício do poder celeste que invisivelmente o assistia. A admiração que suscitava nos habitantes da região era grande e dura até hoje. Sua lembrança com viço e sempre vivaz continua firme nas Igrejas. O tempo não a apagou. Nada se acrescentou ao que ele deixou à sua Igreja: nem prática, nem palavra, nem símbolos místicos. Por isso, muitas coisas que ali se fazem parecem inacabadas, por causa da antiguidade de sua instituição. Efetivamente, seus sucessores no governo das Igrejas rejeitaram qualquer fórmula introduzida depois dele.

7.     Ora, entre as fórmulas de Gregório encontra-se a doxologia agora controvertida; transmitida por ele, foi conservada na Igreja. Não se precisará de esforço, ou de muito pouco, para uma certeza sobre a questão.

8.     Tal foi igualmente a fé de nosso Firmiliano, conforme atestam os sermões que ele deixou. O ilustre Melécio também, segundo afirmam seus familiares, era do mesmo parecer. Mas, por que falar do passado? Agora ainda, no Oriente, não são reconhecidos os homens piedosos por este único meio, o uso desta palavra qual sinal distintivo? Como ouvi de um habitante da Mesopotâmia, perito em sua língua e de muito bom senso, não é possível, mesmo querendo, falar de outra maneira na língua da região.

9.     Forçoso é proferir a doxologia com a sílaba e, ou antes, com sinônimos do idioma pátrio. É assim que também nós, capadócios, falamos em nossa língua regional, pois o Espírito já previra, por ocasião da divisão das línguas (Gn 11,1-9), a utilidade desta palavra. Quanto ao Ocidente inteiro, ou quase, da Ilíria até os limites da terra que habitamos, não se prefere este termo?

 

Capítulo 75.

10. Como seria eu um inovador, um criador de neologismos, se apresento como autores e defensores deste termo um costume imemorial, bem como povos inteiros e cidades e homens que foram colunas da Igreja, distintos em ciência e notáveis na força do Espírito?

11. Tal é o motivo da movimentação desta tropa combatente contra nós. Cada cidade, cada aldeia e o país inteiro até os confins estão cheios dos que nos caluniam. Como é triste e doloroso para corações que buscam a paz! Mas, como são grandes as recompensas da paciência nos sofrimentos suportados pela fé! Além de tudo isso, brilhe a espada, afie-se o machado, acenda-se um fogo mais ardente do que o da fornalha de Babilônia, movimente-se contra nós todos os aparelhos de tortura.

12. Nada me é mais terrível do que não temer as ameaças do Senhor contra os blasfemadores do Espírito! Constitui suficiente defesa para homens prudentes o que foi dito. Muito apreciada e familiar entre os santos é a palavra, firmada em antigo costume, que empregamos. Efetivamente, desde os inícios da pregação evangélica até hoje teve direito de cidade nas Igrejas, e o que é mais, goza de alto conceito, sagrado e piedoso.

13. Mas que defesa preparamos para nosso comparecimento diante do grande tribunal? Consiste em que fomos induzidos a dar glória ao Espírito, primeiro pela honra que o Senhor lhe presta, associado a si mesmo e ao Pai no batismo; depois, cada um de nós é introduzido no conhecimento de Deus por idêntica iniciação (Mt 28,19); sobretudo, o temor das ameaças divinas retira de nossa mente qualquer noção indigna do Espírito ou qualquer conceito mais humilhante.

14. Mas, o que dizem os adversários? Como defendem sua blasfêmia? Não respeitam nem as honras prestadas pelo Senhor, nem têm medo de suas ameaças. Compete-lhes agora decidir o que preferem, ou mudar de opinião desde agora.

15. Quanto a mim, desejo, antes de tudo, que o Deus bondoso nos dê sua paz, a fim de que ela reine no coração de todos. Assim, nossos adversários, que com ardor e violência se congregam contra nós, ficariam apaziguados pelo Espírito de mansidão e de amor.

16. Mas, se estão inteiramente excitados e for impossível acalmá-los, que Deus nos dê suportarmos pacientemente o que nos infligirem.

17. Seja como for, quando se tem em si uma sentença de morte, não é penoso sofrer pela fé; ao contrário, não ter combatido por ela é que seria intolerável. Para atletas, não é tão pesado receber ferimentos na luta, e sim nem ao menos ter sido admitido no estádio! Mas, talvez seja “tempo de calar” (Ecl,7), conforme diz o sábio Salomão.

18. De que adianta, de fato, gritar contra o vento, quando uma tempestade tão violenta impede de viver? Então, a mente dos catequizandos assemelha-se a olhos cheios de poeira, repleta como está de raciocínios falsos, de erros. Os ouvidos se enchem de sons ensurdecedores e inusitados. Todas as coisas são sacudidas e acham-se periclitantes.

 

 

30. Descrição do estado atual das Igrejas

 

Capítulo 76.

19. A que se assemelha a situação atual? Assemelha-se um pouco a um combate naval que, devido a antigos conflitos, travaram povos belicosos, e amantes da luta, veementemente encolerizados uns contra os outros. Peço-te que olhes o seguinte quadro: de cada lado a frota avança terrível para atacar; depois, com incontido clamor de cólera, lançam-se uns sobre os outros em enérgica luta. Imagine que um violento turbilhão dispersa as naves, e densa escuridão, proveniente das nuvens, encobre a visão, de forma que não se distinguem mais amigos e inimigos, tornando-se irreconhecíveis nesta confusão as insígnias das duas partes.

20. Acrescentemos ainda ao quadro, para fazê-lo mais vivo, o mar encapelado e revolto, chuva impetuosa caindo das nuvens, espantosa borrasca, provocada por enormes vagalhões. Em seguida, os ventos de todos os pontos concentrados num só lugar, fazem com que toda a esquadra entre em colisão.

21. Dentre os combatentes, uns atraiçoam e passam para o campo do adversário mesmo durante o prélio; outros se veem forçados simultaneamente a repelir os barcos, arrastados contra eles pelos ventos, e a marchar contra os assaltantes e se massacrarem uns aos outros na sedição proveniente da malevolência contra os superiores e da ambição de cada qual de tomar o poder.

22. Pensa ainda no ruído impreciso e confuso do mar, no barulho do turbilhão dos ventos, no entrechoque dos navios, no embate das ondas, nos gritos dos combatentes, clamando contra os acidentes que os afligem, de sorte que nem se ouve a voz do comandante, nem a do piloto e instalam-se terrível desordem e confusão.

23. Os males excessivos acarretam, com a desesperança de viver, desenfreada liberdade de pecar. Acrescenta a tudo isso uma inacreditável mania de glória, a tal ponto que já o navio naufraga e a equipagem não renuncia à disputa pelo primeiro lugar.

 

Capítulo 77.

24. Passa, então, da imagem ao mal que lhe serve de modelo. Não parece haver já há algum tempo que o cisma ariano, surgindo como partido contrário à Igreja de Deus, postou-se sozinho, como fileira inimiga diante dela?

25. Quando, após longa e penosa disputa, os arianos se nos contrapuseram em luta aberta, a guerra se estendeu por muitas partes e de mil maneiras, de tal sorte que a comum hostilidade e particularmente as suspeitas suscitaram em todos implacável ódio.

26. Essa agitação nas Igrejas não tem aspecto um tanto mais feroz do que a tempestade no mar? Por ela todos os limites dos Pais foram deslocados, todos os fundamentos, os sustentáculos da doutrina foram sacudidos. Tudo o que estava com a base corrupta foi arrebatado, revirado à menor sacudidela.

27. Caindo uns sobre os outros, mutuamente fomos abatidos. Se o primeiro combatente não pôde ferir, seu ajudante fere; se, ferido, ele caiu, seu companheiro de armas passa por cima dele. Une-nos fortemente o ódio comum contra o adversário. Mal se afastaram os inimigos, tratamo-nos uns aos outros como inimigos.

28. Em vista disso, quem pode contar a multidão de náufragos? Uns submergiram pelo ataque dos inimigos, outros pela traição secreta de seus aliados, outros pela inexperiência dos comandantes, porque Igrejas inteiras esbarraram contra ciladas de hereges, quais escolhos, e pereceram, enquanto outros ainda, entre os inimigos da Paixão salutífera que se haviam apossado do leme, naufragaram na fé.

29. E as perturbações causadas pelos príncipes deste mundo não derrubam os povos de maneira mais violenta que qualquer procela? Estende-se sobre as Igrejas noite realmente sombria, escura e tenebrosa, pois as luzes do mundo, colocadas por Deus, para iluminar a alma do povo, foram exiladas.

30. O excesso de inveja tirou aos príncipes toda sensibilidade, enquanto o temor de uma dissolução universal é ameaçadora. A animosidade dos particulares prevalece sobre a guerra comum do povo inteiro, pois a glória de ter esmagado os próprios adversários fica acima do bem comum, quando se preferem os atrativos das honras imediatas às recompensas reservadas para o fim.

31. Por isso, levantam todos igualmente as mãos homicidas, uns contra os outros, conforme é possível a cada um. O som rouco daqueles que a contenda levanta um contra o outro e o barulho confuso e indistinto formado por clamores contínuos, e que falseiam por excesso ou por falta da reta doutrina da piedade, enchem quase toda a Igreja.

32. Com efeito, uns aderem ao judaísmo, confundindo as Pessoas, outros ao paganismo, contrapondo entre si as naturezas. A Escritura, inspirada por Deus, não consegue apaziguá-los, nem a Tradição apostólica os induz a reconciliarem-se.

33. Uma só coisa define a amizade: permitir que se fale a seu bel-prazer, enquanto uma divergência de opinião basta como pretexto de inimizade.

34. Maior garantia de comunhão nas diversas situações constitui a aceitação dos mesmos erros do que qualquer juramento de conjurados. Como todos falam de Deus, até mesmo aquele que tem a alma marcada por mil manchas, aos inovadores não faltam partidários.

35. Também os intrigantes, eleitos por si mesmos, disputam a presidência das igrejas, pouco se importando com as disposições (oiconomía) do Espírito Santo.

36. E como as instituições evangélicas estão inteiramente confusas devido à desordem, são incríveis as contendas pelos primeiros lugares, e cada um dos que ambicionam aparecer usa de violência para tomar a presidência. Uma terrível anarquia, por causa desta ambição, apossou-se do povo, de sorte que as exortações dos chefes ficam inteiramente ineficazes e vãs.

37. Cada qual julga, na vaidade de sua ignorância, que, ao invés de obedecer, deve antes dominar os outros.

 

Capítulo 78.

38. Por tal motivo, determinei que era melhor calar-me do que falar, pois não consegue uma só voz ser ouvida, no meio deste tumulto.

39. Se são verdadeiras as palavras do Eclesiastes: “Escutam-se antes na calma as palavras dos sábios”  não é oportuno atualmente tratar deste assunto. Retém-me igualmente a palavra do profeta: “Por isso, o sábio se cala neste tempo, porque é um tempo de desgraça” (Sm 5,13), tempo em que uns caem, outros injuriam o que caiu, e outros aplaudem.

40. Ninguém estende mão compassiva àquele que está vacilante. Entretanto, segundo a Lei antiga, aquele que passava indiferente ao lado do jumento do inimigo, caído debaixo da carga, era condenável (Ex 23,5); agora, não é mais assim.

41. Por quê? Porque a caridade em toda a parte se esfriou, desapareceu a concórdia entre os irmãos. Até mesmo seu nome é ignorado. Já não há admoestações caridosas, nem misericórdia cristã, nem lágrimas de compaixão.

42. Ninguém que venha em socorro do fraco na fé; ao contrário, inflamou-se tal ódio entre os compatriotas, que há maior regozijo pelas infelicidades do próximo do que pela própria felicidade.

43. Numa epidemia de peste, até os que se sujeitam aos mais minuciosos cuidados são atingidos como os outros, por causa do contágio proveniente do contato com os doentes; assim também agora todos nós nos assemelhamos uns aos outros, levados a um zelo maligno pela rivalidade de que nossas almas estão repletas.

44. Além disso, assentam-se os examinadores rígidos e implacáveis de causas falidas, juízes injustos e desfavoráveis de causas em si justas.

45. O mal parece tão arraigado em nós, que somos mais desarrazoados que os irracionais, pois se os compatriotas se congregam entre si, quanto a nós, é aos nossos que fazemos a guerra mais hostil.

 

Capítulo 79.

46. Tais os motivos convenientes de calar; a caridade, contudo, se inclina noutra direção, pois não busca os próprios interesses (1Cor 13,5), mas procura vencer todas as dificuldades de circunstâncias e de tempo.

47. Efetivamente, os jovens de Babilônia (Dn 3,12ss) nos ensinaram que, mesmo se não houver quem se ponha do lado da piedade, devemos até o fim cumprir por nós mesmos a tarefa de que fomos incumbidos.

48. Eles, de fato, no meio da fornalha, louvavam a Deus, sem considerar a multidão dos que desprezavam a verdade, mas sustentavam-se mutuamente, embora fossem somente três. Por isso, a nuvem de inimigos não nos incute temor; mas proclamamos a verdade com ousadia, depositando nossa esperança no auxílio do Espírito.

49. Não seria em extremo lamentável que nós, enquanto os blasfemadores do Espírito se exaltam tão facilmente contra a doutrina verdadeira, apesar de termos um amparo e defensor tão poderoso, tenhamos medo de servir a doutrina proveniente da Tradição dos Pais, que chegou até nós, conservada fielmente?

50. Ainda mais, nosso ardor se inflamou novamente ao fogo de tua caridade sincera; e teu modo de ser ponderado e calmo nos assegura que não haverá divulgação inoportuna do que dissemos.

51. Não digo que seja preciso escondê-lo, e sim que não se lancem pérolas aos porcos (Mt 7,6). Tenho dito. Se te basta o que eu disse, termine aqui o discurso. Se te parece incompleto, nada impede de te entregares com diligência à pesquisa, e aumentar teus conhecimentos apresentando novas perguntas, sem contestação.

52. O Senhor certamente suprirá, por intermédio de nós ou de outros, o que faltar, conforme o conhecimento concedido aos que são dignos pelo Espírito!

 

 

O que você destaca neste texto?

Como serve para a sua espiritualidade?

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