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SÃO
BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA
(330-379)
Regra monástica - A Regra mais Extensa
Prólogo
1.
Uma vez que, pela
graça de Deus, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, aqui nos encontramos
reunidos, nós que nos propusemos um só e mesmo escopo de vida, e vós mostrais
evidente desejo de aprender alguma coisa referente à salvação, sinto-me no
dever de anunciar os juízos de Deus, lembrado dia e noite da palavra do
Apóstolo: Por três anos não cessei, noite e dia, de admoestar, com, lágrimas, a
cada um de vós (At 20,31).
2.
A oportunidade é
excelente; o lugar, silencioso, livre de agitações vindas de fora. Façamos,
pois, reciprocamente, um pedido. No tempo devido, distribuamos nós a nossos
companheiros a sua medida de trigo; e vós, acolhendo a palavra, qual terra boa,
produzais, conforme está escrito (Mt 13,23), frutos perfeitos e múltiplos de
justiça. Exorto-vos pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, que se deu a si
mesmo pelos nossos pecados (Tt 2,14).
3.
Sejamos, enfim,
solícitos por nossas almas. Lastimemos a vaidade de nossa vida passada. Lutemos
em vista dos bens vindouros, para a glória de Deus e de seu Cristo e do santo e
adorável Espírito. Não fiquemos na indiferença e no relaxamento.
4.
Não desperdicemos
o tempo em permanente desídia, diferindo sempre o início das boas obras, para
não acontecer que, apanhados desprevenidos de boas obras por quem há de pedir
contas de nossas almas, sejamos excluídos das alegrias das núpcias, e então
inutilmente chorarmos e lamentarmos o tempo mal empregado, quando isto de nada
servirá aos que se arrependerem. Nós estamos agora no tempo favorável, agora é
o dia da salvação (2Cor 6,2).
5.
Agora é o tempo da
penitência, então será o da recompensa; agora, o do labor, então, o da
remuneração; agora, o da paciência, então, o da consolação. Deus é agora o
auxílio dos que se convertem do mau caminho; então, será o examinador temível,
e que se não deixa enganar, das ações, das palavras e dos sentimentos humanos.
Usufruímos, agora, de sua longanimidade, mas conheceremos, então, seu justo
juízo, ao ressuscitarmos uns para o suplício eterno, outros para a vida eterna
e recebermos, cada um de nós, segundo as nossas próprias obras. Até quando
adiaremos a obediência a Cristo, que nos chama a seu reino celeste? Não
despertaremos de nossa embriaguez?
6.
Não nos
converteremos de uma vida vulgar ao rigor do Evangelho? Como não representar,
diante de nossos olhos, o dia do Senhor, terrível e manifesto, no qual obterão
o reino dos céus os que, por meio de suas ações, tiveram acesso à direita do
Senhor, enquanto os que, pela carência de boas obras, tiverem sido rejeitados à
esquerda, serão envolvidos pela geena do fogo e pelas trevas eternas? Ali
haverá choro e ranger de dentes (Mt 25,30).
7.
Dizemos que
desejamos o reino dos céus; contudo, não cuidamos dos meios de obtê-lo. Nenhum
esforço empregamos para cumprir o mandamento do Senhor e supomos, na vaidade de
nosso espírito, que alcançaremos honras iguais às daqueles que resistirem ao
pecado até à morte. Alguém, acaso, ficaria em casa sentado ou dormindo no tempo
da sementeira e por ocasião da messe encheria de feixes a dobra do manto? Quem
colherá uvas de uma vinha que não plantou, nem cultivou? Os frutos correspondem
ao labor. As honras e as coroas são para os vencedores.
8.
Quem haveria de
coroar aquele que nem ao menos se cingiu perante o adversário? Não se trata
apenas de vencer, mas também de lutar segundo as regras, conforme diz o
Apóstolo (2Tm 2,5), isto é, de não negligenciar nem a menor das prescrições,
mas de tudo realizar de acordo com os preceitos. Feliz daquele servo que o
Senhor achar procedendo assim, não ao acaso, quando vier (Lc 12,43). E ainda:
Se ofereceres bem, mas não dividires bem, pecas (Gn 4,7, seg. LXX).
9.
Nós, no entanto,
imaginamos cumprir um mandamento isoladamente e não contamos com a ira por
causa das transgressões, mas esperamos recompensa pelo único manda mento que
praticamos! Entretanto, diria que não o cumprimos. Todos os mandamentos de tal
modo se compenetram, segundo o verdadeiro entendimento da Palavra que,
menosprezado um, transgredem-se necessariamente os demais.
10. Quem sonega um ou dois dos dez talentos sob sua guarda
e devolve os restantes, não será considerado honesto, por causa da devolução da
soma maior, e sim convencido de ser injusto e avaro por ter furtado a quantia
menor. E por que falar de espoliação?
11. Pois, será condenado até aquele a quem fora confiado
um talento e o devolva todo e na íntegra, como recebera, mas sem rendimentos.
Quem honrar seu pai por dez anos e depois lhe infligir um só ferimento, não
será honrado como benemérito e sim condenado como parricida. Ide, pois, diz o
Senhor, ensinai a todas as nações. Ensinai a observar não apenas algumas coisas
e a negligenciar outras, mas a observar tudo o que vos mandei (Mt 28,19.20).
12. E o Apóstolo, em consequência, escreve: A ninguém
damos qualquer motivo de escândalo, para que o nosso ministério não seja
criticado. Mas em todas as coisas nos apresentamos como ministros de Deus (2Cor
6,3.4). Se nem tudo fosse necessário ao escopo da salvação, não haveriam sido
escritos todos os mandamentos, nem fora determinado se observassem
obrigatoriamente todos eles.
13. De que me serve o exato cumprimento do dever se, por
ter chamado louco a um irmão, for réu da geena? Que vantagem alcança quem se
liberta de muitos, se um só o sujeita à escravidão? Pois todo o homem que se
entrega ao pecado, é seu escravo (Jo 8,34). De que adianta a alguém a imunidade
de muitas doenças, se uma só já lhe consome o corpo?
14. Então, dirá alguém, será inútil à multidão de
cristãos, que não guarda a totalidade dos mandamentos, a observância apenas de
alguns? Seria oportuno relembrar o que, por um só motivo, foi dito a São Pedro,
após tantas ações perfeitas e depois de ter sido chamado bem-aventurado: Se eu
não te lavar, não terás parte comigo (Jo 13,8).
15. É ocioso asseverar que não denotava com isso
negligência ou desprezo, mas reafirmava, ao invés, honra e reverência. E se
alguém disser estar escrito: Todo o que invocar o nome do Senhor será salvo (J1
2,32), bastando, portanto, a invocação do nome do Senhor para salvar quem o
invoca, ouça o Apóstolo: Como, pois, invocarão aquele em quem não têm fé? (Rm
10,14).
16. Se crês escuta o Senhor: Nem todo aquele que ɬɟ diz:
Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu
Pai que está nos céus (Mt 7,21). Certamente, quem faz a vontade do Senhor, não,
porém, como Deus o quer, nem por amor a Deus, não lhe aproveita o zelo pelas
obras, conforme a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: Fazem para serem vistos
pelos homens. Em verdade, eu vos digo: já receberam sua recompensa (Mt 6,5).
Por esta razão, o Apóstolo Paulo soube dizer: Ainda que distribuísse todos os
meus bens, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade,
isto nada ɬɟ aproveita (ICor 13,3).
17. Em resumo, vejo três atitudes diferentes a nos
impelirem de modo quase inevitável à obediência. Ou desviamo-nos do mal por
temor do castigo: é a atitude servil. Ou cumprimos os preceitos, ambicionando a
recompensa, o proveito próprio, e assemelhamo-nos aos mercenários. Ou, por
causa do bem em si e por amor a nosso legislador, alegramo-nos em servir a um
Deus tão glorioso e tão bom: nossa atitude, então, é a filial. Nem mesmo quem
cumpre os mandamentos só por temor, receando sempre a pena da negligência, ousa
praticar apenas alguns preceitos e descuidar dos outros; mas prevê igualmente
um castigo temível para qualquer desobediência.
18. Por isto, declara-se ser feliz quem vive em temor
reverenciai contínuo (Pr 28,14); ficará firme na verdade, podendo dizer: Ponho
sempre o Senhor diante dos olhos; pois que ele está à minha direita, não
vacilarei (SI 15,8). Nada quer omitir do dever. E feliz o homem que teme o
Senhor. Por que motivo? Porque nos seus mandamentos põe o seu prazer (SI
111,1).
19. Não é próprio de quem teme transgredir as prescrições,
agir com negligência. Nem mesmo o mercenário quer violar alguns preceitos. Como
haver ia de obter salário pelo cultivo da vinha, se não fizer tudo o que
combinou? Se faltar uma só coisa indispensável, tomá-la-á inútil para o seu
proprietário. Quem ainda oferecerá recompensa àquele que agiu mal, em troca do
prejuízo causado?
20. A terceira atitude é a do serviço na caridade. Qual o
filho que, movido pelo desejo de agradar ao pai, procura contrariá-lo nas
coisas pequenas e alegrá-lo nas grandes? Fá-lo-á tanto mais, se estiver
lembrado da palavra do Apóstolo: Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, com
o qual estais selados (Ef 4,30).
21. De que lado querem ser colocados os transgressores da
maior parte dos mandamentos? Não assistem a Deus como Pai, não lhe dão crédito
quando faz promessas tão grandiosas, não o servem como a seu Senhor. Ora, se eu
sou pai, diz ele, on1de estão as honras que lhe são devidas? E se eu sou
Senhor, onde está o temor que se ɬɟ deve? (Ml 1,6). Porque o homem que teme o
Senhor, nos seus mandamentos põe o seu prazer (SI 111,1). Foi dito: Desonras a
Deus pela transgressão da Lei (Rm 2,23).
22. Se preferimos a vida de prazeres à vida segundo os
mandamentos, como podemos esperar a vida bem-aventurada, a cidadania igual à
dos santos, as alegrias na companhia dos anjos, em presença de Cristo? Seria
pueril imaginar tal coisa. Serei associado a Jó, se não sei suportar a menor
tribulação com ações de graças? A Davi, se não me porto com longanimidade para
com o adversário?
23. A Daniel, se não procuro a Deus em contínua
abstinência e laboriosa prece? A cada um dos santos, se não sigo a suas
pegadas? Haverá em algum certame árbitro tão sem critério que sentencie
merecerem coroas idênticas o vencedor e quem não combateu? Haverá general que
distribua aos vitoriosos e aos que não comparecerem no combate partes iguais
dos despojos?
24. Deus é bom. É justo também. Justo, remunera de acordo
com os merecimentos, conforme está escrito: Sede bom, Senhor, para os que são
bons e para os homens reto coração. Mas aqueles que se desviam por caminhos
tortuosos, que o Senhor os expulse com os malfeitores (SI 124,4.5). É
misericordioso, mas é também juiz. O Senhor ama a misericórdia e a justiça (SI
32,5). Diz-se por isso: Cantarei a bondade e a justiça, a vós, Senhor (SI
100,1).
25. Sabemos quais os que obterão misericórdia:
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (Mt 5,7).
Vês com que discernimento usa de misericórdia? É misericordioso sem prescindir
do julgamento; julga sem prescindir da misericórdia. O Senhor é misericordioso
e justo (SI 114,5). Não encaremos só um dos aspectos. Seu amor ao homem não nos
sirva de pretexto para desleixo. Para que não fosse desprezada a sua bondade é
que houve trovões e relâmpagos.
26. Faz ele nascer o sol (Mt 5,45), mas também castiga com
a cegueira (2Rs 6,18). Dá a chuva (Zc 10,1), mas também faz chover fogo (Gn
19,24). As primeiras coisas indicam a sua bondade, as segundas a sua
severidade. Amemo-lo por causa das primeiras, temamo-lo em consequência das
segundas, a fim de que não nos seja dito, também a nós: Ou desprezas as
riquezas da sua bondade, tolerância e longanimidade, desconhecendo que a
bondade te convida ao arrependimento? Mas, pela tua dureza e coração
impenitente, ajuntas para ti reservas de ira para o dia da cólera (Rm 2,4.5).
27. Não pode salvar-se quem não pratica obras conforme o
mandamento de Deus, e é perigosa a omissão de algumas das prescrições, porque seria
péssima arrogância constituir-se em juiz do legislador, aceitando algumas leis
e rejeitando outras. Nós, portanto, lutadores na arena da piedade ² cuja vida é
silenciosa e afastada dos negócios, o que contribui muito para a observância
dos preceitos evangélicos ² empreguemos conjuntos esforços e conselhos mútuos,
para que nenhuma prescrição nos escape. Se o homem de Deus deve ser perfeito
(como está escrito e as palavras acima demonstram), forçoso é se aperfeiçoe em
cada mandamento até à estatura da maturidade de Cristo (Ef 4,13).
28. Pois, também de acordo com a lei divina, o animal
mutilado, puro embora, não é vítima aceitável a Deus. Assim, se reconhecermos
que nos falta alguma coisa, proponhamos a questão a exame em comum. Uma
pesquisa laboriosa de muitos fará descobrir com maior facilidade a solução
oculta, porque Deus mesmo, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo (Jo
14,26), dar-nos-á achar o que buscamos, pelo ensinamento e pelas inspirações do
Espírito Santo.
29. Do mesmo modo que é uma obrigação que se lhe impõe e
ai de mim se eu não anunciar o Evangelho (ICor 9,16), assim ameaça- vos perigo
semelhante, se procurardes com negligência ou vos portardes com frouxidão e
indolência na observância e execução dos ensinamentos transmitidos.
30. Por isso diz o Senhor: A palavra que anunciei
julgá-lo-á no último dia (Jo 12,48). E o servo que, ignorando a vontade de seu Senhor, fizer coisas repreensíveis,
será açoitado com poucos golpes; mas o que, apesar de conhecer (a vontade de
seu Senhor), nada preparou e lhe desobedeceu, será açoitado com numerosos
golpes (Lc 12,47-48). Oremos, pois, a fim de que eu vos dispense a palavra de
modo irrepreensível e o ensino vos seja frutuoso.
31. Cientes de que as palavras das Escrituras divinas
defrontar-se-vos-ão no tribunal de Cristo ² Vou te repreender e te lançar em
rosto os teus pecados (SI 49,21) atendamos, vigilantes, ao que foi dito e
apliquemo-nos zelosamente à prática das divinas exortações, porque não sabemos
o dia e a hora em que Nosso Senhor há de vir (Mt 24,42).
O
que você destaca neste texto?
Como
serve para sua vida espiritual?
Como
serve para sua comunidade de Fé?
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