terça-feira, 19 de agosto de 2025

290 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Regra Monástica - Asketikon - As Regras Extensas (55 regras) - Questões 1 à 4.

 


290

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Regra Monástica - Asketikon

As Regras Extensas (55 regras) 

Questões 1 a 4

 

 

QUESTÃO 1

ORDEM E SEQUÊNCIA DOS MANDAMENTOS DO SENHOR

            Uma vez que a Escritura nos dá o direito de fazermos perguntas, queríamos saber, antes de tudo, se há ordem e sequência nos mandamentos de Deus, havendo primeiro, segundo, etc.; ou se todos estão relacionados e são iguais quanto à precedência, de maneira que sem receio se possa tomar à vontade o ponto de partida como num círculo.

 

Resposta

1.      É uma velha questão. Já fora, outrora, proposta nos Evangelhos, quando um doutor da lei se aproximou do Senhor e disse: Mestre, qual é o maior mandamento da lei? Respondeu o Senhor: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Mt 22,36-39).

2.      O próprio Senhor, portanto, dispôs em ordem os mandamentos. Declarou ser o primeiro e o maior dos  mandamentos o referente ao amor de Deus; o segundo em ordem, semelhante àquele, ou antes complementar e dependente do primeiro, é o do amor ao próximo.

3.      Daí e de passagens semelhantes das Escrituras divinas infere-se a ordem e a sequência de todos os mandamentos do Senhor.

 

QUESTÃO 2

A CARIDADE PARA COM DEUS. HA, POR NATUREZA, NOS HOMENS INCLINAÇÃO E FORÇA PARA A PRATICA DOS MANDAMENTOS DO SENHOR

            Disserta primeiro sobre o amor de Deus. Ouvimos ser preciso amar a Deus. Queremos aprender o modo de consegui-lo bem.

 

Resposta

4.      O amor de Deus não é coisa que se aprenda. Não aprendemos de outrem a alegrar-nos com a luz, a almejar a vida, nem ensinou-nos alguém a amar os progenitores ou nutrícios.

5.      Assim também, ou com maior razão, não provém de uma disciplina externa o amor de Deus. Mal começa a existir este ser vivo, o homem, nele se implanta uma espécie de razão seminal contendo em si a faculdade de amar e a afinidade com o amor. Costuma tomá-la a escola dos mandamentos de Deus, cultivá-la cuidadosamente, nutri-la com a ciência e, pela graça de Deus, levá-la à perfeição.

6.      Por isso, nós, vendo vosso zelo, que aprovamos como necessário à obtenção de nosso escopo, por um dom de Deus e com o auxílio de vossas preces, esforçar-nos-emos, apoiados na força que recebemos do Espírito, por suscitar a centelha do amor divino em vós latente.

7.      Importa saber que uma só é essa virtude; no entanto, por sua eficácia, cumpre-se e abrange-se qualquer mandamento. Se alguém amar, diz o Senhor, guardará os meus mandamentos (Jo 14,23). E ainda: Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas (Mt 22,40).

8.      Não vamos, porém, desenvolver agora um discurso muito acurado  talvez despercebidamente incluiríamos o todo referente aos mandamentos numa parte; mas, na medida do possível e da conveniência do presente propósito, admoestar-vos-emos a respeito do amor devido a Deus.

9.      Digamos, de início, que de Deus recebemos antes a força a fim de cumprirmos todos os seus mandamentos, de modo que não podemos nos insurgir como se nos fossem feitas novas imposições, nem nos orgulhar como se retribuíssemos com mais do que nos foi dado.

10.  E quando, por essa força, agimos bem, de maneira reta, levamos piedosamente uma vida virtuosa; corrompendo-a, caímos nos vícios.

11.  Pois tal é a definição do vício: abuso dos dons de Deus, destinados ao bem, contra os preceitos do Senhor.

12.  Ao invés, a definição da virtude que Deus requer, é a seguinte: o uso dos mesmos, procedente de uma boa consciência, segundo o mandamento do Senhor. Sendo assim, diremos o mesmo da caridade.

13.  Tendo recebido o mandamento de amar a Deus, entramos de posse da faculdade de amar, em nós inserta logo que fomos criados. Não é possível demonstrar tal fato com argumentos externos, mas cada um pode percebê-lo por si e em si mesmo.

14.  Desejamos naturalmente o que é bom e belo, embora essa apreciação difira de um a outro. Sem haver aprendido, temos amor aos amigos e parentes, e, de bom grado, cercamos de benevolência aos benfeitores. E o que pode haver de mais admirável do que a beleza divina?

15.  Que pensamento há mais grato do que o da magnificência de Deus? Ou pode haver desejo da alma veemente e irresistível como o que Deus faz nascer na alma purificada de todo o vício, a dizer com verdadeiro afeto: Estou enferma de amor (Ct 2,5)?

16.  São totalmente inefáveis e inenarráveis os fulgores da divina beleza; a palavra não os descobre, não os depreende o ouvido.

17.  Descrevam-se, embora, os esplendores da estrela Dalva, a claridade da lua, a luz do sol, todos desfalecem diante de sua glória, e, comparados à verdadeira luz, mais se distanciam do que uma noite profunda, sombria e sem luar difere do clarão do meio-dia. É invisível essa beleza aos olhos da carne; só a apreendem a alma e a mente.

18.  Quando ilumina os santos, estimula-os com um desejo incontido, levando-os a dizer, entediados, da vida presente: Ai de mim por se ter prolongado o meu exílio (SI 119,5). Quando ir ei contemplar a face de Deus? (SI 41,3). E: Tenho desejo de ir para estar com Cristo, o que é, sem comparação, o melhor (F11,23). E ainda: Minha alma tem sede de Deus, (do Deus) forte e vivo (SI 41,3). E: Agora, Senhor, deixas o teu servo ir em paz (Lc 2,29).

19.  Mal se podia deter o ímpeto daqueles que, atingidos pelo anelo de Deus, suportavam o peso da vida presente, como sendo um cárcere. Com desejo insaciável de contemplar a beleza divina, pediam que a contemplação da alegria do Senhor durasse uma eternidade.

20.  Por natureza, os homens desejam o bem e o belo. Propriamente belo e amável é o bem. Deus é o bem. E todas as coisas apetecem o bem; portanto, todas elas desejam a Deus.

21.  Encontra-se em nós, naturalmente, se a malícia não houver pervertido nossos pensamentos, aquilo que a vontade nos faz realizar de bom.

22.  Por conseguinte, o amor de Deus é reclamado como um dever. Privada dele, sofre a alma o mais insuportável dos males. Pois o afastamento e a aversão de Deus é um mal mais intolerável até do que os ameaçadores suplícios da geena e mais pesado para quem o sofre do que a privação da vista, mesmo se indolor, e a perda da vida para os animais.

23.  Se os filhos, por natureza, amam os pais (demonstra-o o instinto dos animais e o afeto das crianças de tenra idade às suas mães), não nos mostremos mais desarrazoados do que as criancinhas, nem mais selvagens do que as feras, permanecendo estranhos e desafeiçoados em relação a nosso Criador. Ignorássemos embora qual a sua bondade, só pelo fato de nos ter criado, deveríamos querer-lhe bem, amá-lo imensamente e estar continuamente suspensos a sua lembrança, como os pequeninos aos braços de sua mãe.

24.  Entre aqueles que por natureza amamos, ocupam o primeiro lugar os benfeitores. Este afeto aos beneméritos não é exclusivo ao homem, mas é sentimento comum a quase todos os animais. Foi dito: “O boi conhece o seu possuidor, e o asno, o estábulo do seu dono” (Is 1,3). Que não se diga  de nós o que se segue imediatamente: Mas Israel não me conhece e meu povo não tem entendimento (ibid.). Não é ocioso falar da estima que os cães e outros animais demonstram àqueles que lhes dão comida?

25.  Se dedicamos benevolência e amizade naturais aos benfeitores, se nos sujeitamos a qualquer labor para retribuir- lhes os dons com que nos cumularam, como encontrar palavras que expliquem os dons de Deus? A multidão deles é tão grande que escapa a qualquer cálculo.

26.  A magnitude é de tal qualidade e extensão que mesmo um só deles já exige graças infindas a seu doador. Omitirei os que, embora em si mesmo sejam excelentes em grandeza e graça, comparados aos maiores brilham menos, como as estrelas diante dos raios do sol têm fulgor menor e mais impreciso.

27.  Falta-nos vagar para medirmos a bondade de nosso benfeitor pelos dons menores, deixando de lado os maiores.

28.  Calem-se, pois, o nascimento do sol, as fases da lua, a temperatura da atmosfera, as vicissitudes das horas, as águas que caem das nuvens e as que brotam da terra, o próprio mar, a terra toda, tudo o que nasce da terra, o que vive nas águas, as espécies que cortam o ar, as inumeráveis diferenças dos animais, tudo enfim que se destina a serviço da vida humana.

29.  Propositadamente, porém, não é lícito preterir, nem pode quem é razoável e de mente sã calar um grande benefício, embora menos ainda possa exprimi-lo dignamente. É o seguinte: Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Honrou-o com o conhecimento de si mesmo. Dotou-o, excluindo todos os outros animais, com o uso da razão.

30.  Deu-lhe a possibilidade de deleitar-se com a incrível beleza do paraíso e estabeleceu-o príncipe de tudo o que há na terra. Enganado pela serpente, tendo caído pelo pecado e pelo pecado ficando sujeito à morte e às tribulações dele decorrentes, nem por isso Deus o abandonou.

31.  Primeiramente, deu-lhe a lei em auxílio. Destinou anjos para sua guarda e cuidado. Enviou profetas para repreenderem os vícios e ensinarem as virtudes. Reprimiu o incitamento ao mal com ameaças, despertou o desejo do bem com promessas.

32.  Mostrou, de antemão, as consequências de um e outro, muitas vezes, em diversas pessoas, para advertência dos demais. Depois de tantos e de tais benefícios, apesar de permanecermos na desobediência, não se apartou de nós.

33.   Não nos abandonou a bondade de Nosso Senhor. Não abolimos o amor para conosco pela insensibilidade com que ofendemos o benfeitor que nos cumulava de honras, mas fomos de novo chamados da morte e restituídos à vida por Nosso Senhor Jesus Cristo.

34.   No seguinte ponto é mais admirável ainda sua bondade e benevolência: Sendo ele de condição divina, não considerou a sua igualdade com Deus como uma presa, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo (F1 2,6-7).

35.  Ele tomou sobre si nossas enfermidades e encarregou- se de nossos sofrimentos... e foi ferido por nossa causa... para que fôssemos curados graças a seus padecimentos; e remiu-nos da maldição da Lei, fazendo-se por nós Maldição (Is 53,4; G1 3,13).

36.   Submeteu-se à morte mais ignominiosa para nos reconduzir à vida gloriosa. Não lhe bastou vivificar os que estavam mortos, mas dignou-se ainda conceder-lhes a dignidade da divinização e preparou-lhes um eterno repouso, cheio de alegrias tão grandes que superam todas as cogitações humanas.

37.  Que podemos retribuir ao Senhor por tudo o que nos tem dado? (SI 115,12). É tão bom que não exige remuneração. Contenta-se com ser amado por causa dos bens que concedeu.

38.  Quando tudo isso me vem à mente (confesso meus sentimentos), invade-me certo arrepio e perturbação, receando que, por falta de ponderação ou por ocupação com coisas vãs, perca o amor de Deus e me tome motivo de opróbrio para Cristo.

39.  O atual sedutor que se esforça com todos os artifícios, por meio de atrativos mundanos, para nos induzir ao esquecimento de nosso benfeitor, e que nos injuria e nos pisa, visando a perdição de nossas almas, então, diante do Senhor, converterá em insulto o nosso desprezo e gloriar-se-á de nossa desobediência e defecção.

40.  Ele que não nos criou, nem morreu por nós, tem-nos por companheiros de sua obstinação e negligência em relação aos mandamentos de Deus.

41.  O Senhor ofendido e a jactância do inimigo parecem-me mais graves do que os suplícios da geena, porque dão matéria ao inimigo de Cristo de se vangloriar e de se orgulhar contra aquele que por nós morreu e ressuscitou. A este, por tal razão, como está escrito, somos mais devedores.

42.  Até aqui, acerca do amor de Deus. Não pretendo, como disse, esgotar o assunto. Seria impossível. É apenas uma lembrança sumária para suscitar sempre em nossas almas o desejo de Deus.

 

QUESTÃO 3

A CARIDADE PARA COM O PRÓXIMO

Seria lógico dissertar agora sobre o segundo mandamento, em ordem e valor.

 

Resposta

43.  Dissemos mais acima ser a lei agricultora e nutrícia daquelas forças implantadas seminalmente em nós. Tendo sido ordenado amarmos o próximo como a nós mesmos, consideremos se Deus nos deu força para praticarmos esse mandamento.

44.  Quem não sabe que o homem é um ser social e manso, e não isolado e fero? Nada é tão peculiar a nossa natureza como vivermos em comum, necessitarmos uns dos outros, amarmos os semelhantes. O próprio Senhor, que antes espargiu em nós essas sementes, reclama frutos adequados, dizendo: Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros (Jo 13,34).

45.  Querendo estimular-nos à prática deste mandamento, não apresentou como características de seus discípulos sinais e milagres estupendos (embora lhes houvesse concedido no Espírito Santo também tal poder), mas disse: Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vós amardes uns aos outros (Jo 13,35).

46.  E assim, sempre correlaciona esses preceitos, transferindo para si mesmo os benefícios feitos ao próximo. Diz: Porque tive fome e me destes de comer, etc. (Mt 25,35). E acrescenta: Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes (ibid. 40).

47.  É possível, portanto, por meio do primeiro praticar bem o segundo, e novamente, pelo segundo voltar ao primeiro. Quem ama o Senhor, amará, em consequência, o próximo: Se alguém ama, diz o Senhor, guardará os meus mandamentos (Jo 14,23). Este é o meu mandamento: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei (Jo 15,12). E reciprocamente, quem ama o próximo, satisfaz o preceito de amar a Deus, que recebe essa boa ação como feita a si mesmo.

48.  Por isso, Moisés, o fiel servo de Deus, demonstrou tanto amor a seus irmãos que desejou ser riscado do livro de Deus, no qual fora inscrito, se não fosse perdoado o pecado do povo (Ex 32,32).

49.  E Paulo ousou pedir ser separado de Cristo por amor de seus irmãos, de sua raça, segundo a carne (Rm 9,3), porque à imitação do Senhor, queria fazer-se o preço da salvação de todos; mas estava bem cônscio de ser impossível afastar-se de Deus quem, por caridade, a fim de observar o maior mandamento, rejeitasse a graça de Deus. Ao contrário, receberia muito mais do que havia dado.

50.  Aliás, o que foi dito mais acima demonstra suficientemente haver chegado a esta medida, a caridade dos santos para com o próximo.

 

QUESTÃO 4

O TEMOR DE DEUS

 

Resposta

51.  O sábio Salomão adverte ser mais útil para os principiantes na piedade a formação baseada no temor, ao dizer: O temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Pr 1,7).

52.  Vós, porém, que em Cristo já ultrapassastes a infância, não precisais mais de leite e podeis ser levados à perfeição segundo o homem interior por meio do sólido alimento dos dogmas; necessários se tomam, portanto, preceitos mais sublimes, nos quais se consuma, em toda verdade, a caridade em Cristo.

53.  Acautelai-vos, para que a superabundância dos dons de Deus não se torne causa de condenação maior, se fordes ingratos para com o benéfico doador. Quanto mais se confiar a alguém, dele mais se há de exigir (Lc 12,48).

 

 

O que você destaca neste texto?

Como serve para sua vida espiritual?

Como serve para sua comunidade de Fé?

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