sábado, 4 de outubro de 2025

292 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Regra Monástica - Asketikon As Regras Extensas (55 regras) - Questões 8 e 9

 


292

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Regra Monástica - Asketikon

As Regras Extensas (55 regras) 

Questões 8 e 9

 

 

QUESTÃO 8

A RENÚNCIA

Se é preciso, primeiro, renunciar a tudo e depois ingressar na vida conforme Deus determina.

 

Resposta

1.      Como Nosso Senhor Jesus Cristo diz a todos, após muitas e vigorosas manifestações, através de numerosas obras: Se alguém, quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua crus e siga-me (Mt 16,24), e ainda: Assim pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo (Lc 14,33), julgamos abranger esse preceito muitas coisas que é forçoso abandonar.

2.      Renunciamos antes de tudo ao diabo e às paixões carnais, nós que rejeitamos as torpezas ocultas e renunciamos ao parentesco segundo a carne, às amizades humanas e aos costumes contrários à perfeição do Evangelho da salvação.

3.      E uma coisa ainda mais necessária: renuncia-se a si mesmo quem se despojou do velho homem com seus atos (Cl 3,9), o qual é corruptível, devido a desejos ilusórios (Ef 4,26). Renuncia igualmente a todos os afetos mundanos que possam impedir a piedade.

4.      Considerará ele como verdadeiros pais aqueles que o geraram em Cristo Jesus pelo Evangelho (ICor 4,15); como irmãos, os que receberam o mesmo Espírito de adoção. Ainda, terá as riquezas todas, como de fato o são, na conta de estranhas a si mesmo.

5.      Em uma palavra, como ainda partilhará as solicitudes do século aquele para quem o mundo todo está crucificado e ele para o mundo (G1 6,14), por causa de Cristo? Nosso Senhor Jesus Cristo exalta em sumo grau o ódio à própria vida e a renúncia a si mesmo, quando diz: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo e tome sua crus e acrescenta: E siga-me (Mt 16,24). E ainda: Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até sua própria vida, não pode ser meu discípulo (Lc 14,26).

6.      Assim, a perfeita renúncia consiste em não se abalar nem mesmo pelo amor à própria vida e ter em si a sentença da morte a ponto de não confiar em si próprio (2Cor 1,9).

7.      Começa pelo abandono dos bens exteriores, como seriam as riquezas, a vanglória, a vida vulgar, o apego às inutilidades, conforme nos ensinaram os santos discípulos do Senhor, Tiago e João, que deixaram o pai, Zebedeu, e até a barca que lhes fornecia todo o sustento; quanto a Mateus, levantando-se do telônio, seguiu o Senhor, e com isso não só abandonou os lucros do telônio, mas ainda desprezou os perigos decorrentes das contas em desordem, para si e para os seus, diante das autoridades. Para Paulo, enfim, todo o mundo estava crucificado e ele, para o mundo (G1 6,14). 

8.      Deste modo, quem desejar ardentemente seguir a Cristo, a nada mais desta vida pode se prender; nem ao amor dos pais ou parentes, quando este se opõe aos preceitos do Senhor (então aplica-se a palavra: Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, etc. [Lc 14,26]); nem por temor dos homens, de modo a furtar-se a algo de útil, conforme agiram os santos que diziam: Importa obedecer mais a Deus do que aos homens (At 5,29); nem dará importância à zombaria que suas boas obras excitarem nos de fora, de tal sorte que não cederá diante do desprezo.

9.      Se alguém quiser conhecer mais apurada e claramente a força unida ao desejo que existe nos que seguem o Senhor, lembre-se do que refere o Apóstolo de si mesmo, para nosso ensinamento: No entanto eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro julga poder fazê-lo, quanto mais eu que fui circuncidado no oitavo dia, que sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu, filho de hebreus. Quanto à lei, fui fariseu; quanto ao zelo, persegui a Igreja; quanto à justiça da lei, vivi irrepreensivelmente. Mas tudo isso que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo. Na verdade, em tudo isso só vejo dano, comparado com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo (F1 3,4-8).

10.  E se (direi com ousadia, mas com verdade) o Apóstolo comparou com as imundícias repugnantes do corpo das quais depressa fugimos, os próprios privilégios da lei, dados temporariamente por Deus, porque eram impedimento para o conhecimento de Cristo e a justiça que nele se encontra, assim como para nossa conformidade à sua morte, que dizer das determinações dos homens?

11.  E que necessidade há de tornar fidedigna esta palavra com nossos raciocínios, ou com os exemplos dos santos? Pois é possível apresentar palavras do próprio Senhor para convencer a alma temente a Deus. Ele atesta com clareza, de modo incontestável: Assim, pois, qualquer um de vós que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo (Lc 14,33).

12.  E em outra passagem: Se queres ser perfeito, tendo dito primeiro: Vai, vende teus bens, dá-os aos pobres, acrescenta depois: Vem e segue-me! (Mt 19,21).

13.  A parábola do mercador evidentemente refere-se ao mesmo assunto para qualquer um que julga com prudência: O reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui, e a compra (Mt 13,45.46).

14.  Evidencia-se que o reino dos céus é apresentado sob a imagem de uma pérola de grande preço. A palavra do Senhor demonstra ser-nos impossível obtê-la, se para comprá-la não abandonarmos de uma vez tudo o que temos: riquezas, glória, condição de família e tudo o mais a que tantos estão presos.

15.  O Senhor afirmou em seguida ser impossível realizar os maiores desejos se a mente está dividida entre solicitudes diversas: Ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6,24). E ainda: Não podeis servir a Deus e às riquezas (ibid.). Por isso, escolhamos como único tesouro o celeste, para aí fixarmos o nosso coração. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração (ibid. 21).

16.  Se restar em nosso poder alguma posse terrena ou bens corruptíveis, forçosamente mergulhará a mente nesse lodo e a alma jamais atingirá a contemplação de Deus, nem será movida pelo desejo das belezas celestes e dos bens prometidos. Não os poderemos obter se um desejo assíduo e veemente não nos impelir a impetrá-los e não tornar leve o labor assumido por causa deles.

17.  A renúncia é, portanto, conforme ficou demonstrado, libertação dos vínculos da vida material e temporal, libertação de compromissos humanos, tomando-nos mais idôneos a empreender a caminhada para Deus. Dá também oportunidade desimpedida de posse e uso de bens valiosos, mais desejáveis que o ouro, que muita pedra preciosa (SI 18,11).

18.  Em suma, é a transladação do coração humano à cidadania dos céus, de modo a podermos afirmar: Mas nós somos cidadãos dos céus (F1 3,20). Mais ainda. É o início da semelhança com Cristo que, sendo rico, se fez pobre por nós (2Cor 8,9).

19.  Se não o conseguirmos, não nos será possível atingir a forma de vida consentânea com o Evangelho. Como se poderá obter a contrição do coração, a humildade do espírito, a libertação da ira, da tristeza, das preocupações, em resumo, das outras más paixões da alma, em meio às riquezas e aos cuidados dessa vida e a outras tendências e hábitos?

20.  Em uma palavra, se não é permissível nem mesmo a inquietação por causa do necessário, como o sustento e o vestuário, seriam lícitas as más preocupações com as riquezas, que retêm quais espinhos, a impedirem dê fruto a semente lançada pelo

agricultor em nossas almas? Diz Nosso Senhor: A que caiu entre os espinhos, estes são os que... são sufocados pelos cuidados, riquezas e prazeres da vida, e assim não dão fruto (Lc 8,14).

 

 

 

 

 

 

 

 

QUESTÃO 9

SE CONVÉM AQUELE QUE SE UNE AOS QUE SE DEDICAM AO SENHOR CONFIAR SEUS BENS DE MANEIRA INDISCRIMINADA A PARENTES ÍMPROBOS

 

Resposta

21.   Como o Senhor diz: Vende os teus bens, dá-os aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me! (Mt 19,21), e ainda: Vendei o que possuís e dai esmola (Lc 12,33), julgo não dever quem se desfaz de seus bens, em vista deste objetivo, descuidar-se deles, mas procurar que seja administrado tudo o que recebeu por justiça, com toda a piedade, como já tendo sido oferecido a Deus.

22.  Faça-o por si, se for capaz e experiente, ou por outros escolhidos após sério exame e provas suficientes de que sabem administrar com fidelidade e prudência. Esteja certo de que é perigoso cedê-los aos parentes, ou distribuí-los por um intermediário qualquer.

23.  Se aquele a quem foram confiados os bens régios nada roubar do que já foi acumulado, no entanto não lucrar, por certa negligência, o que podia, não é absolvido do crime, a que juízo pensamos serem submetidos os que dispensarem os bens já dedicados ao Senhor com descuido e displicência? Acaso não sofrerão o castigo dos negligentes? Está escrito: Maldito aquele que faz com negligência a obra do Senhor (Jr 48,10).

24.  Tenhamos sempre a precaução de não darmos mostras de menosprezar um mandamento, sob pretexto de cumprir um outro. Não é decoroso disputarmos ou entrar em luta com os iníquos (pois não convém a um servo do Senhor altercar, 2Tm 2,24), mas recordemo-nos a respeito dos parentes carnais que agirem injustamente contra nós, da palavra do Senhor: Ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, não simplesmente, mas por causa de mim e por causa do Evangelho, que não receba já neste mundo cem vezes mais e no mundo vindouro a vida eterna (Mc 10,29.30).

25.  Convém declarar a esses ímprobos que pecam por sacrilégio, conforme o preceito do Senhor, que disse: Se teu irmão tiver pecado, vai e repreende-o, etc. (Mt 18,15).

26.  A piedade nos impede um litígio contra eles diante do tribunal civil, de acordo com a palavra: Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe  também a capa (Mt 5,40). E: Quando algum de vós tem litígio contra outro, como se atreveria ele ir a juízo perante os injustos, em lugar de recorrer aos santos? (ICor 6,1).

27.  Chamemo-los a juízo perante estes, dando importância maior à salvação de um irmão do que à abundância das riquezas. Tendo dito o Senhor: Se te ouvir, acrescentou: terás ganho, não riquezas, mas teu irmão (Mt 18,15).

28.  Acontece que, a fim de se manifestar a verdade, quando aquele que nos ataca injustamente apela não raro a um tribunal ordinário, temos de nos submeter juntos a um mesmo processo, sem que tenhamos agredido, mas apenas seguindo os que nos citaram.

29.  Não atendemos a sentimentos próprios de ira ou de disputa, mas simplesmente declaramos a verdade. Assim, arrancá-lo-emos, também a ele, do mal, mesmo contra a sua vontade, e não transgrediremos os mandamentos, como ministros de Deus que não procuram litígios, não são avaros, porém insistem, constantes, na manifestação da verdade, sem jamais ultrapassarem a medida permitida do zelo.

 

1.      O que você destaca no texto?

2.      Como este texto é útil para sua vida espiritual?

3.      Pergunta: De que forma o apego ao conforto, à segurança financeira ou à reputação ainda escraviza o coração dos discípulos de Cristo? Como viver a liberdade do Reino em meio às necessidades do cotidiano?

4.      “A renúncia é a transladação do coração humano à cidadania dos céus.” Pergunta:
Como podemos cultivar, no dia a dia, um coração “cidadão dos céus” — livre, desapegado e voltado para Deus — mesmo vivendo entre as responsabilidades e pressões deste mundo?