292
SÃO
BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA
(330-379)
Regra Monástica - Asketikon
As
Regras Extensas (55 regras)
Questões
8 e 9
QUESTÃO 8
A RENÚNCIA
Se é preciso,
primeiro, renunciar a tudo e depois ingressar na vida conforme Deus determina.
Resposta
1.
Como
Nosso Senhor Jesus Cristo diz a todos, após muitas e vigorosas manifestações,
através de numerosas obras: Se alguém, quiser vir após mim, renuncie-se a
si mesmo, tome sua crus e siga-me (Mt 16,24), e ainda: Assim
pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu
discípulo (Lc 14,33), julgamos abranger esse preceito muitas coisas que
é forçoso abandonar.
2.
Renunciamos
antes de tudo ao diabo e às paixões carnais, nós que rejeitamos as torpezas
ocultas e renunciamos ao parentesco segundo a carne, às amizades humanas e aos
costumes contrários à perfeição do Evangelho da salvação.
3.
E
uma coisa ainda mais necessária: renuncia-se a si mesmo quem se despojou do
velho homem com seus atos (Cl 3,9), o qual é corruptível, devido a desejos ilusórios
(Ef 4,26). Renuncia igualmente a todos os afetos mundanos que possam impedir a
piedade.
4.
Considerará
ele como verdadeiros pais aqueles que o geraram em Cristo Jesus pelo Evangelho
(ICor 4,15); como irmãos, os que receberam o mesmo Espírito de adoção. Ainda,
terá as riquezas todas, como de fato o são, na conta de estranhas a si mesmo.
5.
Em
uma palavra, como ainda partilhará as solicitudes do século aquele para quem o
mundo todo está crucificado e ele para o mundo (G1 6,14), por causa de Cristo?
Nosso Senhor Jesus Cristo exalta em sumo grau o ódio à própria vida e a
renúncia a si mesmo, quando diz: Se alguém quiser vir após mim,
renuncie-se a si mesmo e tome sua crus e acrescenta: E siga-me (Mt
16,24). E ainda: Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, sua
mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até sua própria vida, não pode
ser meu discípulo (Lc 14,26).
6.
Assim,
a perfeita renúncia consiste em não se abalar nem mesmo pelo amor à própria
vida e ter em si a sentença da morte a ponto de não confiar em si próprio (2Cor
1,9).
7.
Começa
pelo abandono dos bens exteriores, como seriam as riquezas, a vanglória, a vida
vulgar, o apego às inutilidades, conforme nos ensinaram os santos discípulos do
Senhor, Tiago e João, que deixaram o pai, Zebedeu, e até a barca que lhes
fornecia todo o sustento; quanto a Mateus, levantando-se do telônio, seguiu o
Senhor, e com isso não só abandonou os lucros do telônio, mas ainda desprezou
os perigos decorrentes das contas em desordem, para si e para os seus, diante
das autoridades. Para Paulo, enfim, todo o mundo estava crucificado e ele, para
o mundo (G1 6,14).
8.
Deste
modo, quem desejar ardentemente seguir a Cristo, a nada mais desta vida pode se
prender; nem ao amor dos pais ou parentes, quando este se opõe aos preceitos do
Senhor (então aplica-se a palavra: Se alguém vem a mim, e não odeia seu
pai, sua mãe, etc. [Lc 14,26]); nem por temor dos homens, de modo a
furtar-se a algo de útil, conforme agiram os santos que diziam: Importa
obedecer mais a Deus do que aos homens (At 5,29); nem dará importância
à zombaria que suas boas obras excitarem nos de fora, de tal sorte que não
cederá diante do desprezo.
9.
Se
alguém quiser conhecer mais apurada e claramente a força unida ao desejo que
existe nos que seguem o Senhor, lembre-se do que refere o Apóstolo de si mesmo,
para nosso ensinamento: No entanto eu poderia confiar também na carne. Se
qualquer outro julga poder fazê-lo, quanto mais eu que fui circuncidado no
oitavo dia, que sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu, filho de
hebreus. Quanto à lei, fui fariseu; quanto ao zelo, persegui a Igreja; quanto à
justiça da lei, vivi irrepreensivelmente. Mas tudo isso que para mim eram
vantagens, considerei perda por Cristo. Na verdade, em tudo isso só vejo dano,
comparado com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por
ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo (F1
3,4-8).
10.
E
se (direi com ousadia, mas com verdade) o Apóstolo comparou com as imundícias
repugnantes do corpo das quais depressa fugimos, os próprios privilégios da
lei, dados temporariamente por Deus, porque eram impedimento para o
conhecimento de Cristo e a justiça que nele se encontra, assim como para nossa
conformidade à sua morte, que dizer das determinações dos homens?
11.
E
que necessidade há de tornar fidedigna esta palavra com nossos raciocínios, ou
com os exemplos dos santos? Pois é possível apresentar palavras do próprio
Senhor para convencer a alma temente a Deus. Ele atesta com clareza, de modo
incontestável: Assim, pois, qualquer um de vós que não renunciar a tudo o
que possui não pode ser meu discípulo (Lc 14,33).
12.
E
em outra passagem: Se queres ser perfeito, tendo dito primeiro: Vai,
vende teus bens, dá-os aos pobres, acrescenta depois: Vem e
segue-me! (Mt 19,21).
13.
A
parábola do mercador evidentemente refere-se ao mesmo assunto para qualquer um
que julga com prudência: O reino dos céus é ainda semelhante a um
negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai,
vende tudo o que possui, e a compra (Mt 13,45.46).
14.
Evidencia-se
que o reino dos céus é apresentado sob a imagem de uma pérola de grande preço.
A palavra do Senhor demonstra ser-nos impossível obtê-la, se para comprá-la não
abandonarmos de uma vez tudo o que temos: riquezas, glória, condição de família
e tudo o mais a que tantos estão presos.
15.
O
Senhor afirmou em seguida ser impossível realizar os maiores desejos se a mente
está dividida entre solicitudes diversas: Ninguém pode servir a dois
senhores (Mt 6,24). E ainda: Não podeis servir a Deus e às
riquezas (ibid.). Por isso, escolhamos como único tesouro o celeste,
para aí fixarmos o nosso coração. Porque onde está o teu tesouro, lá
também está teu coração (ibid. 21).
16.
Se
restar em nosso poder alguma posse terrena ou bens corruptíveis, forçosamente
mergulhará a mente nesse lodo e a alma jamais atingirá a contemplação de Deus,
nem será movida pelo desejo das belezas celestes e dos bens prometidos. Não os
poderemos obter se um desejo assíduo e veemente não nos impelir a impetrá-los e
não tornar leve o labor assumido por causa deles.
17.
A
renúncia é, portanto, conforme ficou demonstrado, libertação dos vínculos da
vida material e temporal, libertação de compromissos humanos, tomando-nos mais
idôneos a empreender a caminhada para Deus. Dá também oportunidade desimpedida
de posse e uso de bens valiosos, mais desejáveis que o ouro, que muita
pedra preciosa (SI 18,11).
18.
Em
suma, é a transladação do coração humano à cidadania dos céus, de modo a
podermos afirmar: Mas nós somos cidadãos dos céus (F1 3,20). Mais
ainda. É o início da semelhança com Cristo que, sendo rico, se fez pobre por
nós (2Cor 8,9).
19.
Se
não o conseguirmos, não nos será possível atingir a forma de vida consentânea
com o Evangelho. Como se poderá obter a contrição do coração, a humildade do
espírito, a libertação da ira, da tristeza, das preocupações, em resumo, das
outras más paixões da alma, em meio às riquezas e aos cuidados dessa vida e a
outras tendências e hábitos?
20.
Em
uma palavra, se não é permissível nem mesmo a inquietação por causa do
necessário, como o sustento e o vestuário, seriam lícitas as más preocupações
com as riquezas, que retêm quais espinhos, a impedirem dê fruto a semente
lançada pelo
agricultor em
nossas almas? Diz Nosso Senhor: A que caiu entre os espinhos, estes são
os que... são sufocados pelos cuidados, riquezas e prazeres da vida, e assim
não dão fruto (Lc 8,14).
QUESTÃO 9
SE CONVÉM AQUELE QUE SE UNE AOS QUE SE DEDICAM AO
SENHOR CONFIAR SEUS BENS DE MANEIRA INDISCRIMINADA A PARENTES ÍMPROBOS
Resposta
21.
Como o Senhor diz: Vende os teus bens,
dá-os aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me! (Mt
19,21), e ainda: Vendei o que possuís e dai esmola (Lc 12,33),
julgo não dever quem se desfaz de seus bens, em vista deste objetivo,
descuidar-se deles, mas procurar que seja administrado tudo o que recebeu por
justiça, com toda a piedade, como já tendo sido oferecido a Deus.
22.
Faça-o
por si, se for capaz e experiente, ou por outros escolhidos após sério exame e
provas suficientes de que sabem administrar com fidelidade e prudência. Esteja
certo de que é perigoso cedê-los aos parentes, ou distribuí-los por um
intermediário qualquer.
23.
Se
aquele a quem foram confiados os bens régios nada roubar do que já foi
acumulado, no entanto não lucrar, por certa negligência, o que podia, não é
absolvido do crime, a que juízo pensamos serem submetidos os que dispensarem os
bens já dedicados ao Senhor com descuido e displicência? Acaso não sofrerão o
castigo dos negligentes? Está escrito: Maldito aquele que faz com
negligência a obra do Senhor (Jr 48,10).
24.
Tenhamos
sempre a precaução de não darmos mostras de menosprezar um mandamento, sob
pretexto de cumprir um outro. Não é decoroso disputarmos ou entrar em luta com
os iníquos (pois não convém a um servo do Senhor altercar, 2Tm 2,24), mas
recordemo-nos a respeito dos parentes carnais que agirem injustamente contra
nós, da palavra do Senhor: Ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos,
ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, não simplesmente,
mas por causa de mim e por causa do Evangelho, que não receba já neste mundo
cem vezes mais e no mundo vindouro a vida eterna (Mc 10,29.30).
25.
Convém
declarar a esses ímprobos que pecam por sacrilégio, conforme o preceito do
Senhor, que disse: Se teu irmão tiver pecado, vai e repreende-o, etc. (Mt
18,15).
26.
A
piedade nos impede um litígio contra eles diante do tribunal civil, de acordo
com a palavra: Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa (Mt 5,40). E: Quando
algum de vós tem litígio contra outro, como se atreveria ele ir a juízo perante
os injustos, em lugar de recorrer aos santos? (ICor 6,1).
27.
Chamemo-los
a juízo perante estes, dando importância maior à salvação de um irmão do que à
abundância das riquezas. Tendo dito o Senhor: Se te ouvir, acrescentou:
terás ganho, não riquezas, mas teu irmão (Mt 18,15).
28.
Acontece
que, a fim de se manifestar a verdade, quando aquele que nos ataca injustamente
apela não raro a um tribunal ordinário, temos de nos submeter juntos a um mesmo
processo, sem que tenhamos agredido, mas apenas seguindo os que nos citaram.
29.
Não
atendemos a sentimentos próprios de ira ou de disputa, mas simplesmente
declaramos a verdade. Assim, arrancá-lo-emos, também a ele, do mal, mesmo
contra a sua vontade, e não transgrediremos os mandamentos, como ministros de
Deus que não procuram litígios, não são avaros, porém insistem, constantes, na
manifestação da verdade, sem jamais ultrapassarem a medida permitida do zelo.
1.
O
que você destaca no texto?
2.
Como
este texto é útil para sua vida espiritual?
3. Pergunta: De que forma o apego ao conforto,
à segurança financeira ou à reputação ainda escraviza o coração dos discípulos
de Cristo? Como viver a liberdade do Reino em meio às necessidades do
cotidiano?
4.
“A
renúncia é a transladação do coração humano à cidadania dos céus.” Pergunta:
Como podemos cultivar, no dia a dia, um coração “cidadão dos céus” — livre,
desapegado e voltado para Deus — mesmo vivendo entre as responsabilidades e
pressões deste mundo?