
21
História Eclesiástica de Eusébio de
Cesaréia
Livro III
- Capítulos 20 a 23
Texto Bíblico: Marcos 6.3 / Mateus 13.55
XX - Dos parentes de nosso Salvador
XXI - De como o terceiro a
dirigir a Igreja de Alexandria é Cerdon
XXII - De como o segundo a dirigir a igreja de Antioquia é
Inácio
XXIII -
Relato sobre o apóstolo João
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1. "Da família do Senhor viviam ainda os netos[1] de Judas, seu
irmão segundo a carne[2], aos quais
delataram por serem da família de Davi. O evocatus[3]conduziu-os à
presença do césar Domiciano, porque este, assim como Herodes, temia a vinda de
Cristo.
2.
Perguntou-lhes se descendiam de
Davi; eles o admitiram. Perguntou-lhes então quantas propriedades tinham ou de
quanto dinheiro dispunham, e eles disseram que ambos não possuíam mais do que
nove mil denários, metade de cada um, e
ainda assim afirmaram que não o possuíam em metal, mas que era a
avaliação de apenas trinta e nove pletros de terra, cujos impostos pagavam e que eles mesmos cultivavam
para viver."
3.
Então mostraram suas mãos e
juntaram como testemunho de seu trabalho pessoal a dureza de
seus corpos e os calos que haviam se formado em suas próprias mãos pelo
trabalho contínuo.
4. Perguntados acerca
de Cristo e de seu reino: que reino era este e onde e quando se manifestaria, deram como explicação que não era deste mundo nem terreno, mas celeste e angélico e que se dará
no final dos tempos; então Ele virá com toda sua glória e julgará os vivos e os
mortos e dará a cada um segundo suas obras[4].
5. Ante estas
respostas, Domiciano não os condenou a nada, mas inclusive desprezou-os como gente vulgar. Deixou-os livres
e por decreto fez cessar a perseguição contra a Igreja[5].
6.
Os que haviam sido postos em
liberdade estiveram à frente das igrejas tanto por terem
dado testemunho como por serem da família do Senhor, e retornada a paz, viveram até
Trajano.
7. Isto diz Hegesipo.
Mas não só ele. Também Tertuliano faz uma menção semelhante sobre Domiciano:
"Também Domiciano tentou por algum tempo fazer o mesmo que aquele,
ainda que não sendo mais que uma parte da crueldade de Nero. Mas como, segundo creio, tinha algum senso, fez que cessasse rapidamente e chamou novamente os que
havia desterrado."
8. Depois de
Domiciano imperar quinze anos e de sucedê-lo Nerva no governo, o senado
romano decidiu por votação que se anulassem as honras de Domiciano e que
regressassem a suas casas os que haviam sido expulsos injustamente, e que ao
mesmo tempo recuperassem seus bens. Isto é referido pelos que transmitiram por
escrito os acontecimentos daquele tempo.
9. Foi
então que o apóstolo João, voltando de seu desterro na ilha, retirou-se para
viver em Éfeso, segundo relata a tradição de nossos antigos.
XXI - De como o terceiro a dirigir
a Igreja de Alexandria é Cerdon
1. Depois de Nerva imperar pouco mais de um ano, foi sucedido por Trajano. Corria o primeiro
ano deste quando Cerdon sucedeu a Abílio, que havia regido a igreja de Alexandria durante treze anos. Cerdon era o terceiro
dos que ali exerceram a presidência depois do primeiro, Aniano. Neste tempo os romanos eram ainda regidos por Clemente, que
também ocupava o terceiro lugar dos
que ali foram bispos depois de Paulo e Pedro. O primeiro foi Lino, e
depois dele, Anacleto.
XXII - De como o segundo a dirigir a igreja de Antioquia é
Inácio
1. Mas dos de Antioquia, depois de
Evodio, primeiro que foi instituído, no tempo
de que falamos era muito conhecido o segundo: Inácio. Igualmente nestes
mesmos anos, o ministério da igreja de Jerusalém era exercido por Simeão,
segundo depois do irmão de nosso Salvador.
XXIII -
Relato sobre o apóstolo João
1.
Por este tempo vivia ainda na Ásia
o mesmo a quem Jesus amou, o apóstolo e evangelista João,
e ali continuava regendo as igrejas depois de regressar do desterro na
ilha, depois da morte de Domiciano.
2.
Que João permanecia em vida por
este tempo é suficientemente confirmado por duas testemunhas. Estas,
representantes da ortodoxia da Igreja, são bem dignas de fé, tratando-se de
homens como Irineu e Clemente de Alexandria.
3. O primeiro deles, Irineu, escreve textualmente em alguma parte do livro II
de
sua obra Contra as heresias como segue:
"E todos os presbíteros que na Ásia estão relacionados com João, o
discípulo do Senhor, dão testemunho de que João o
transmitiu, porque ainda viveu com eles até os tempos de Trajano."
4. E no livro III da
mesma obra manifesta o mesmo com estas palavras: "Mas também a igreja de
Éfeso, por ter sido fundada por Paulo e porque nela viveu João até os tempos de Trajano, é um testemunho veraz da
tradição dos apóstolos."
5.
Por sua parte, Clemente assinala o
mesmo tempo, e em sua obra que intitulou Quem é o rico que se salvai Acrescenta uma
narrativa valiosíssima para os que gostam
de escutar coisas belas e proveitosas. Toma pois, e lê o que ali
escreveu:
6. "Escuta uma historieta, que não é uma historieta, mas uma tradição
existente sobre o apóstolo João,
transmitida e guardada na memória. Efetivamente, depois que morreu o
tirano, João mudou-se da ilha de Patmos a Éfeso. Daqui costumava partir, quando o chamavam, até as regiões pagãs
vizinhas, com o fim de, em alguns lugares, estabelecer bispos; em
outros, erguer igrejas inteiras, e em outros ainda, ordenar a algum dos que
haviam sido designados pelo Espírito.
7.
Veio pois a uma cidade não muito
distante e cujo nome alguns inclusive mencionam. Depois de
consolar os irmãos em tudo o mais, tendo visto um jovem de grande
estatura, de aspecto elegante e de alma vivaz, fixou seu olhar no rosto do bispo instituído sobre a
comunidade e disse: 'Eu te confio este com toda a atenção, na presença
da igreja e com Cristo como testemunha.' O
bispo aceitou o jovem, prometendo-lhe tudo, mas João insistia no mesmo e
apelando para as mesmas testemunhas.
8.
Logo regressou a Éfeso, e o
presbítero[6] levou para casa
o jovem que lhe havia sido confiado e ali o manteve,
rodeou-o de afeto e por fim batizou-o. Depois disto
afrouxou um pouco sua grande solicitude e vigilância, pensando que havia imposto a salvaguarda perfeita: o selo do Senhor.
9.
Mas certos rapazes de sua idade,
malandros, dissolutos e tendentes ao mal, perverteram-no. Sua liberdade era
prematura. Primeiramente atraíram-no por
meio de suntuosos banquetes; depois levaram-no consigo, inclusive de noite,
quando saíam para o roubo, e por fim exigiram-lhe participar com eles de
maldades maiores.
10.
O jovem foi se acostumando a isto
sem perceber, e desviando-se do caminho reto, como cavalo de
boca dura, brioso e que rejeita o freio, por seu vigor natural foi-se
precipitando com mais força ao abismo.
11.
Acabou perdendo a esperança na
salvação divina. Desde então não planejava coisas pequenas, mas, tendo já cometido
grandes crimes, já que estava perdido de
uma vez por todas, considerava justo correr o mesmo risco dos demais. Assim foi
que, juntando-se aos mesmos e formando um bando de salteadores, era ele seu
líder resoluto, o mais violento, o mais homicida, o mais temível de
todos.
12. Depois de algum tempo surgiu certa necessidade e voltaram a chamar João. Este, depois de
ter resolvido os assuntos pelos quais tinha vindo, disse: 'Bem, bispo, devolve-me o depósito que eu e
Cristo te confiamos na presença da igreja que presides e que é
testemunha.'
13.
O bispo a princípio ficou
estupefato, acreditando ser vítima de calúnia sobre algum dinheiro que ele não havia recebido: não podia crer no que não tinha
nem podia deixar de crer em João. Quando este lhe disse: 'O
jovem é o que te peço, e a alma do irmão', o ancião
prorrompeu em profundos soluços e, marejado de lágrimas, disse: 'este está
morto'. Como? Morto de quê? 'Está morto para Deus - disse -, pois afastou-se
transformado num perverso, um perdido, e para o cúmulo, um salteador, e agora ocupa
o monte que está frente à igreja, com uma quadrilha de sua mesma índole.'
14. Rasgou o apóstolo sua roupa e, golpeando a cabeça, com grande lamento
exclamou: 'Bom guardião deixei para a alma do irmão! Mas tragam já um cavalo e
alguém que me guie no caminho.' E dali, tal como estava, saiu da igreja e foi-se.
15. Chegou ao lugar. Os sentinelas dos bandidos deitaram-lhe as mãos, mas ele não fugia nem suplicava, mas aos gritos dizia: 'Para isso vim, levem-me ao
vosso
chefe.'
16. Este, entretanto,
aguardava armado como estava, mas ao reconhecer João naquele que se aproximava, fugiu cheio de vergonha. João o perseguia
com todas suas forças, esquecido de sua idade e gritando:
17. 'Por que foges de mim, filho, de mim, teu pai, desarmado e velho? Tem piedade de mim,
filho, não tema. Ainda tens esperança de vida. Darei conta por ti a Cristo, e se for necessário, com gosto
sofrerei por ti a morte, como o Senhor a sofreu por nós. Por tua vida eu darei
em troca a minha própria. Pára! Tenha fé! Foi Cristo que me
enviou!'"
18. O jovem, ao
ouvi-lo, primeiramente deteve-se, com os olhos baixos; em seguida largou as armas, e tremendo, abraçou-se a ele.
Seus lamentos eram já um discurso de defesa, e suas lágrimas serviam-lhe de
segundo batismo. Apenas ocultava a mão direita.
19. Mas João foi-lhe fiador, jurando que havia alcançado o perdão para ele por
parte do Salvador, caiu de joelhos, suplicante, e beijou a
mesma mão direita considerando-a já purificada pelo
arrependimento. Reconduziu-o à igreja, orou com súplicas abundantes, acompanhou-o
em sua luta com jejuns prolongados e foi cativando seu espírito com os variados
atrativos de sua palavra, e segundo dizem, não saiu dali até tê-lo consolidado
na igreja, depois de ter dado grande
exemplo de verdadeiro arrependimento e grandes sinais de regeneração,
como troféu de uma ressurreição visível.
O que mais te chamou a
atenção neste texto?
O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
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