quinta-feira, 16 de junho de 2016

40 - História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia Livro VI – Capítulos 32-41

40
História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia
Livro VI – Capítulos 32-41

XXXII - Que comentários escreveu Orígenes em Cesaréia da Palestina
XXXIII - Sobre o descaminho de Berilo
XXXIV - O ocorrido no tempo de Felipe
XXXV - (De como Dionísio sucedeu Heraclas no episcopado
XXXVI - Que outras obras escreveu Orígenes
XXXVII - Da discórdia dos árabes
XXXVIII - Da heresia dos helcesaítas
XXXIX - Dos tempos de Décio
XL - Do acontecido a Dionísio
XLI - Dos que sofreram martírio na mesma Alexandria

 Texto Bíblico: ISAIÁS 30.6

XXXII - Que comentários escreveu Orígenes em Cesaréia da Palestina
1.     Orígenes, por este tempo, compunha os Comentários a Isaías, como também, pelas mesmas datas, os Comentários a Ezequiel. Deles chegaram a nós trinta tomos do comentário à terceira parte de Isaías, até a visão dos quadrúpedes no deserto[1], e dos Comentários a Ezequiel, vinte e cinco tomos, que são os únicos que já foram feitos sobre o profeta inteiro[2].
2.     Estando por esta época em Atenas, dá o arremate aos Comentários a Ezequiel e começa os do Cantar dos Cantares, continuando-os ali mesmo até o livro quinto. Regressou logo a Cesaréia e os terminou; dez no total.
3. E para que fazer aqui um catálogo das obras deste homem, que necessitaria um estudo especial? Nós já o incluímos na relação da vida do santo mártir de nossos dias Panfilo; ao demonstrar nela como era grande o zelo de Panfilo pelas coisas divinas, citei as listas da biblioteca por ele reunida com base nas obras de Orígenes que chegaram até nós. Mas agora devemos seguir com o fio de nossa história.

XXXIII - Sobre o descaminho de Berilo
1.            Berilo, o bispo de Bostra, mencionado pouco acima, pervertia a regra eclesiástica e tratava de introduzir ensinamentos estranhos à fé, atrevendo-se a dizer que nosso Salvador e Senhor não preexistia com individualidade própria antes de residir entre os homens, e que tampouco possuía divindade própria, mas unicamente a do Pai, que habita nele.
2.            Ante isto, muitos bispos foram interrogar Berilo e dialogar com ele; Orígenes foi chamado e lá foi. Começou conversando com Berilo para saber o quê pensava, e quando também soube o que dizia, comprovou que não opinava corretamente e, persuadindo-o com a razão, colocou-o na verdade acerca da doutrina e o restabeleceu em sua primeira e sã opinião.
3.            E até hoje subsistem escritos de Berilo e do sínodo que houve por sua causa, escritos que contêm, junto com as perguntas que Orígenes lhe fez e os diá­logos havidos em sua própria comunidade, tudo de que se tratou naquela ocasião.
4.     Sobre Orígenes, por fim, os mais velhos de nossa geração transmitiram a memória de outros inumeráveis casos que haveremos de omitir, parece-me, por não caber à presente obra. Mas tudo o que era necessário conhe­cer do que a ele se refere pode-se consultar na Apologia que elaboramos em sua defesa o santo mártir de nosso tempo Panfilo e nós, obra que após penoso esforço realizamos juntos com grande diligencia, por causa dos insistentes.

XXXIV - O ocorrido no tempo de Felipe
1. Ao terminar Gordiano seu reinado de seis anos completos sobre os romanos, sucedeu-o no principado Felipe, junto com seu filho Felipe. Dele conta uma tradição que, como era cristão, quis tomar parte com a multidão nas orações que se faziam na Igreja no dia da última vigília da Páscoa, mas o que presidia naquela ocasião não permitiu que entrasse sem antes fazer a confissão e inscrever-se com os que se classificava como pecadores e ocupavam o lugar da penitência, porque se não fizesse isto nunca o receberia de outra maneira, por causa das muitas tarefas que tinha. E diz-se que ao menos obedeceu com bom ânimo e demonstrou com obras a sinceridade e piedade de sua disposição a respeito do temor a Deus.

XXXV - (De como Dionísio sucedeu Heraclas no episcopado
1. Era o terceiro ano deste[3], quando morreu Heraclas, depois de presidir durante uns dezesseis anos as igrejas de Alexandria, recebeu o episcopado Dionísio.

XXXVI - Que outras obras escreveu Orígenes
1.            Foi então, como também era natural, enquanto a fé se multiplicava e nossa doutrina se expressava com liberdade por todas as partes, quando Orígenes, segundo dizem, tendo passado dos sessenta anos e tendo já reunido uma grande experiência com sua longa preparação, permitiu aos taquígrafos transcrever as conferências tidas por ele em público, sendo que nunca antes tinha consentido que isto se fizesse.
2.            Também compôs neste tempo os oito livros contra a obra do epicúreo Celso[4] contra nós, intitulada Doutrina verdadeira, assim como os vinte e cinco tomos Sobre o Evangelho de Mateus e os tomos Sobre os doze profetas, dos quais encontramos apenas vinte e cinco[5].
3.            Conserva-se dele ainda uma carta ao próprio imperador Felipe e outra a sua mulher Severa, assim como muitas outras a diferentes pessoas. Delas temos recolhido em volumes próprios, para que não andem mais espalhadas, todas que pudemos reunir, conservadas aqui e acolá entre diferentes pessoas. Ultrapassam o número de cem.
4.            Escreveu também a Fabiano, o bispo de Roma, e a muitos outros chefes de igrejas, sobre sua própria ortodoxia. Tens provas disso no livro sexto da Apologia que escrevemos sobre este homem.

XXXVII - Da discórdia dos árabes
1. Pela mesma época de que falamos surgiram novamente na Arábia outros introdutores de uma doutrina alheia à verdade, os quais diziam que a alma humana, enquanto durar o tempo presente, morre no transe derradeiro juntamente com os corpos e com eles se corrompe, mas que um dia reviverá novamente com eles no momento da ressurreição. Pois bem, também então reuniu-se um concilio de bom tamanho e novamente chamou-se a Orígenes, que teve alguns discursos em público sobre o assunto debatido, e de tal for­ma se conduziu que aqueles que primeiro haviam sido enganados mudaram suas opiniões.

XXXVIII - Da heresia dos helcesaítas
1. Também então deu início a uma nova perversão a heresia chamada dos hel­cesaítas, que se extinguiu logo depois de nascida. E mencionada por Orígenes em uma homilia sobre o salmo 82, que pronunciou em público, e diz assim: "Veio recentemente um que se gloria de poder ser embaixador de uma doutrina atéia e ímpia por demais, chamada dos helcesaítas, que se levantou recentemente contra as igrejas. Quais são as maldades que profere esta doutrina, vou expô-las, para que não vos capture. Rechaça algumas coisas de toda a Escritura; utiliza no entanto passagens tomadas de todo o Antigo Testamento e dos Evangelhos; rechaça por inteiro o Apóstolo. Diz que renegar a fé é coisa indiferente, e que o homem atento, em caso de necessi­dade, renegará com a boca, ainda que não com o coração. E possuem um livro do qual dizem que caiu do céu e que quem o ouça e tenha fé receberá perdão de seus pecados, um perdão diferente do que Cristo Jesus deu."

XXXIX - Dos tempos de Décio
1.            Agora pois, a Felipe, que havia imperado por sete anos, sucede Décio, que por ódio a Felipe suscitou uma perseguição contra as igrejas. Nela Fabiano consumou seu martírio em Roma e Cornélio o sucedeu no episcopado.
2.            E na Palestina, Alexandre, bispo da igreja de Jerusalém, novamente com­parece por Cristo ante os tribunais do governador em Cesaréia, e depois de distinguir-se nesta segunda confissão de fé, experimenta o cárcere apesar de estar já coroado com os veneráveis cabelos brancos de sua esplêndida velhice.
3.            Morto na prisão, depois de dar brilhante e claríssimo testemunho ante os tribunais do governador, proclama-se Mazabanes seu sucessor no episcopado de Jerusalém.
4.            De modo semelhante a Alexandre morreu Babilas na prisão em Antioquia depois de sua confissão de fé, e Fábio pôs-se à frente daquela igreja.
5.     Quanto a Orígenes, quantas e quais coisas lhe aconteceram na perseguição e o fim que tiveram, sendo que assim o malvado demônio havia posto contra ele todo seu exército e lutava contra ele com todos seus meios, e todo seu poder, e se abatia sobre ele de modo distinto do que sobre os demais a quem fazia então a guerra; e logo quantos e quais sofrimentos teve que suportar aquele homem pela doutrina de Cristo: correntes e torturas, os suplícios físicos, os suplícios pelo ferro e os suplícios na escuridão do cárcere; e como tendo seus pés durante muitos dias estendidos no cepo até o quarto furo e depois de ser ameaçado com o fogo, suportou ainda com integridade muitos outros tormentos que seus inimigos lhe infligiam; e em que deu tudo isto, já que o juiz se esforçava com todas suas forças para que não se lhe tirassem a vida; e depois de tudo isto, que classe de sentenças deixou atrás de si, cheias também elas de proveito para os que necessitam recuperar-se: tudo isto está contido nas numerosas cartas deste homem, com tanta verdade quanto exatidão[6].

XL - Do acontecido a Dionísio
1.            O que se refere a Dionísio vou apresentar tomando-o de sua Carta contra Germano, onde, falando de si mesmo, conta o que segue: "Eu, de minha parte, também estou falando diante de Deus e ele sabe se estou mentindo. Não empreendi a fuga baseado em mim mesmo e sem ajuda de Deus,
2.            "mas antes, declarada a perseguição de Décio, na mesma hora Sabino[7] enviou um frumentário[8] em busca de mim. Eu permaneci quatro dias em minha casa esperando a chegada do frumentário, mas ele andou dando voltas esquadrinhando tudo, os caminhos, os rios, os campos, onde ele suspeitava que eu me ocultava ou andava; mas estava afetado de cegueira e não encon­trava a casa, pois não acreditava que eu, sendo perseguido, permanecesse em casa.
3.            E somente depois do quarto dia, porque Deus me ordenava trasladar-me e milagrosamente nos abria caminho, saímos juntos eu e meus filhos[9] e muitos irmãos. E que isto foi obra da providência de Deus é provado pelos aconteci­mentos exteriores em que por acaso fomos de proveito para alguns".
4.            Logo, depois de interpor alguma outra coisa, manifesta o que lhe aconteceu depois de sua fuga, acrescentando o que segue:
"Eu, de minha parte, até o pôr-do-sol, caí efetivamente nas mãos dos soldados, junto com meus acompanhantes, e fui conduzido a Taposiris, enquanto que Timóteo[10], pela providência de Deus, por acaso não se achava presente e não foi detido. Quando regressou mais tarde, encontrou a casa deserta e alguns servidores guardando-a, e quanto a nós, soube que nos tinham capturado."
5.   E depois de outras coisas diz:
"E qual foi a forma de sua admirável disposição providencial? Porque há que se dizer a verdade. Um camponês saiu ao encontro de Timóteo, que fugia perturbado, e perguntou-lhe a causa daquela precipitação.
6.            Este lhe disse a verdade, e aquele, quando o ouviu (ia a um banquete de bodas, pois têm o costume de passar toda a noite em semelhantes ocasiões), não fez mais que entrar e contá-lo aos que estavam à mesa. Todos eles, como a um sinal convencionado e por impulso unânime, puseram-se em pé e a toda pressa logo chegaram; caíram sobre nós com grande gritaria e, tendo fugido os soldados que nos guardavam, acercaram-se de nós como estávamos, largados sobre uns estrados sem cobertores.
7.            Eu então - sabe Deus que na hora os tomei por salteadores vindos para roubar e pilhar - permaneci no leito, desnudo como estava, com a simples camisa de linho, e as demais roupas que estavam junto de mim eu lhas oferecia. Mas eles nos ordenaram levantar-nos e sair a toda pressa.
8.     Então compreendi por que estavam ali e comecei a gritar pedindo-lhes e suplicando-lhes que fossem e nos deixassem e, se queriam fazer algo proveitoso, eu lhes rogava que se antecipassem aos que me conduziam e que eles mesmos me cortassem a cabeça. E enquanto eu dizia isto a gritos, como sabem meus companheiros e co-partícipes de toda esta peripécia, levantaram-nos à força. Eu então me joguei de costas ao chão, mas eles, agarrando-me pelas mãos e pelos pés tiraram-me arrastado.
9.   Seguiam-me as testemunhas de tudo isto: Caio, Fausto, Pedro, Paulo, os quais puxando-me às pressas, tiraram-me do povoado, e fazendo-me montar em pelo sobre um asno, levaram-me."
Isto conta Dionísio sobre si mesmo.


XLI - Dos que sofreram martírio na mesma Alexandria
1.            E ele mesmo, em sua carta a Fábio, bispo de Antioquia, narra como segue os combates dos que sofreram martírio em Alexandria sob Décio: "Entre nós a perseguição não começou pelo edito imperial, mas antecipou-se um ano inteiro. Tomando a dianteira nesta cidade o adivinho e autor de males, quem quer este fosse, agitou e excitou contra nós as turbas de pagãos reavivando seu zelo pela superstição do país.
2.            Excitados por ele e tomando toda liberdade para sua ímpia obra, começa­ram a pensar que somente era religião este ato de culto demoníaco: assas­sinar-nos.
3.            O primeiro a quem lançaram mão foi um velho chamado Metras; intimaram-no a dizer palavras ímpias, e como ele não obedecia, bateram-no por todo o corpo e espetaram seu rosto e seus olhos com varas pontiagudas; levaram-no ao arraial e ali o apedrejaram.
4.             Depois foi uma mulher crente, chamada Quinta; conduziram-na ao templo dos ídolos e queriam forçá-la a adorar, mas como ela se virou horrorizada, ataram-lhe os pés e a arrastaram por toda a cidade sobre o áspero calçamento, batendo contra as lajes enquanto a açoitavam, e voltando ao mesmo lugar, apedrejaram-na.
5.             Em seguida todos de uma vez lançaram-se contra as casas dos fiéis, e caindo sobre os que cada um conhecia, seus vizinhos, levavam-nos e se entregavam ao saque e à pilhagem. Separando para si os objetos mais valiosos e jogando os mais vulgares e feitos de madeira para queimá-los nas ruas, ofereciam o espetáculo de uma cidade tomada por inimigos.
6.             Quanto aos irmãos, deixavam-nos fazer, retiravam-se às escondidas e aceitavam com alegria o roubo de seus bens, assim como aqueles de quem Paulo deu testemunho[11]. E não sei de nenhum até agora que tenha renegado o Senhor, a não ser, talvez, um que caiu em suas mãos.
7.             Mas ainda há mais; prenderam também então a anciã Apolonia, virgem admirável. Ao golpeá-la nas faces fizeram saltar-lhe todos os dentes, e erguendo uma fogueira diante da cidade, ameaçaram queimá-la viva se não proferisse, junto com eles, os votos da impiedade. Ela então pediu um pequeno espaço e, uma vez solta, lançou-se de um forte salto ao fogo e ficou completamente queimada.
8.             Serapion foi preso em casa, e depois de maltratá-lo com duros tormentos e torcer-lhe todos os membros, lançaram-no de cabeça do andar superior. Nem por caminhos, nem por trilhas, nem pelas ruas podíamos transitar, nem de noite nem de dia, sem que a toda hora e em toda parte gritassem que quem não cantasse as palavras blasfemas devia ser arrastado e queimado.
9.            Este estado de coisa se manteve assim por muito tempo, mas depois que a revolta se apoderou dos miseráveis e a guerra civil[12] voltou contra eles mesmos a crueldade que antes empregavam contra nós, pudemos por fim respirar um pouco aproveitando sua falta de tempo para se irritarem contra nós. Mas em seguida anunciou-se a troca daquele reinado, tão favorável para nós, e espalhou-se um grande temor pelo que nos ameaçava.
10.     E assim é que ali estava o edito, quase idêntico ao previsto por nosso Senhor, o mais terrível ou pouco menos, tanto que, sendo possível, até os próprios eleitos tropeçariam[13].
11. Certo é que estavam todos aterrados, e muitos dos mais conspícuos, uns compareciam logo, mortos de medo; outros, com cargos públicos, viam-se levados por suas próprias funções, e outros eram arrastados pelos amigos. Chamados pelo nome, aproximavam-se dos impuros e profanos sacrifícios, pálidos e trêmulos, como se não fossem sacrificar, mas serem eles mesmos sacrifícios e vítimas para os ídolos, tanto que o numeroso público que os rodeava zombava deles, pois era evidente que para tudo eram uns covardes, para morrer e para sacrificar;
12.     Alguns outros, por outro lado, corriam mais resolutos aos altares e levavam sua audácia ao ponto de sustentar que jamais anteriormente tinham sido cristãos. A eles se refere a muito verdadeira pregação do Senhor: que dificil­mente se salvarão[14]. Dos restantes, uns seguiam a um ou outro dos grupos mencionados, e os outros fugiam.
13.     Quanto aos que foram presos, alguns, depois de terem chegado até as cor­rentes e ao cárcere - alguns inclusive estiveram encerrados vários dias -, logo renegaram, ainda antes de chegar ao tribunal, e outros, depois de se manterem firmes algum tempo nos tormentos, negaram-se a seguir adiante.
14.     Mas os sólidos e abençoados pilares do Senhor, fortalecidos por ele e com uma força e constância adequadas e dignas de sua fé robusta, converteram-se em testemunhos admiráveis de seu reino.
15.     O primeiro deles, Juliano, um homem sofrendo de gota, incapaz de ficar em pé ou de caminhar, que foi conduzido junto com outros dois que o levavam; um destes renegou em seguida, enquanto que o outro, chamado Cronion e apelidado Eunus, assim como o próprio ancião Juliano, confessaram o Senhor, e depois de serem levados sobre camelos por toda a cidade, que eram enorme, como sabeis, enquanto os açoitavam lá em cima, por último, com todo o povo acotovelando-se em torno, queimaram-nos com cal viva.
16.     E um soldado que os escoltava quando eram conduzidos ao suplício enfrentou-se com os que lançavam seus insultos, mas eles puseram-se a gritar, e o valentíssimo campeão de Deus, Besas, foi conduzido ao tribunal, de depois de sobressair no grande combate pela religião, foi decapitado.
17.     E outro ainda, de nacionalidade líbia, e verdadeiro Mácar por seu nome e por bênção divina[15], como o juiz insistisse em exortá-lo a renegar, não se deixou seduzir, e o queimaram vivo. E depois destes, Epímaco e Alexandre, que depois de ficarem presos longo tempo sofrendo incontáveis sofrimentos de ganchos e açoites, foram também metidos em cal viva.
18. E com estes, quatro mulheres. A Ammonaria, uma santa virgem, o juiz mandou torturá-la com toda sanha e força por ter feito constar de antemão que não diria uma só palavra que ele ordenasse, e como ela cumprisse a promessa, conduziram-na ao suplício. Quanto às outras, a venerável anciã Mercuria, e Dionisia, mãe de muitos filhos, aos quais, no entanto, não amou mais do que ao Senhor, sentindo-se o juiz envergonhado ante a ineficácia de suas torturas, e para não ser vencido por umas mulheres, fez com que morressem pela espada e não provassem mais tormentos; de fato Ammonaria os tinha suportado por todas elas, como um paladino seu.
19.     Foram entregues também os egípcios[16] Heron, Ater e Isidoro, e com eles um rapaz de uns quinze anos chamado Dióscoro. Primeiramente o juiz tentou seduzir o rapaz com palavras, pensando ser fácil de enganar, e forçá-lo com tormentos pensando ser fácil de ceder, mas Dióscoro nem se deixou persuadir nem cedeu.
20. Aos outros dilacerou ferozmente, e como seguissem firmes, também os entregou ao fogo. A Dióscoro, por outro lado, deixou seguir livre, admirado de como havia-se coberto de glória ante o público e que sábias respostas dera em seu próprio interrogatório, e disse que lhe dava aquela prorrogação para que se arrependesse. E agora, o divino Dióscoro está conosco, reservado para um combate mais longo e trabalhos mais duradouros.
21. E um tal Nemesion, também egípcio, foi injustamente acusado de viver com ladrões, e quando conseguiu desfazer tão absurda calúnia ante o Centu­rião, foi denunciado como cristão e veio acorrentado ante o governador. Este, muito injusto, maltratou-o com tormentos e açoites em quantidade dobrada da dos bandidos, e entre bandidos fez queimar o bem-aventurado, que assim via-se honrado com o exemplo de Cristo.
22. Todo um piquete de soldados: Ammon, Zenon, Ptolomeu e Ingenes, e com eles um ancião, Teófilo, achava-se de pé diante do tribunal. Estava-se julgan­do um homem por ser cristão, e quando ele ia se inclinando para a apostasia, aqueles, que estavam presentes, começaram a rilhar os dentes e faziam sinais com a cabeça, estendiam as mãos e gesticulavam com todo o corpo.
23. Todos se viraram para eles, e então, antes que os prendessem por outros motivos, eles mesmos se adiantaram correndo para o estrado dizendo que eram cristãos, com isto tanto o governador como seus assessores encheram-se de medo e parecia que, enquanto os réus se mostravam animadíssimos com o que iam padecer, os juízes se acovardavam. E assim aqueles soldados saíram em triunfo do tribunal transbordantes de alegria por seu testemunho: Deus os fazia triunfar gloriosamente.


1. O que mais te chamou a atenção neste texto?
2. O que o texto contribui para a sua espiritualidade?





[1] Is 30:6.
[2] Dos Comentários de Orígenes sobre os profetas restam fragmentos insignificantes.
[3] De Felipe, o Árabe.
[4] Contra Celso é a única obra de Orígenes conservada integralmente no texto original.
[5] Todos perdidos.
[6] Parece portanto que Orígenes sobreviveu aos tormentos da perseguição, ainda que mortalmente ferido. Infelizmente todas estas cartas se perderam.
[7] Prefeito do Egito.
[8] Originalmente um intendente militar, nessa época um tipo de investigador ou espião.
[9] Pode referir-se a filhos assim como a alunos ou aos criados.
[10] O filho de Dionísio, a que dedicou sua obra Sobre a natureza.
[11] Hb 10:34.
[12] Possivelmente uma extensão da disputa entre Décio e Felipe, antes de seu desenlace anunciado no fim do parágrafo.
[13] Mt 24:8-10; 24:24.
[14] Mt 19:23; Mc 10:23; Lc 18:24.
[15] Mácar significa feliz, afortunado.
[16] Os alexandrinos consideravam-se gregos, distintos étnica e culturalmente dos egípcios.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

39 - História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia Livro VI – Capítulos 20-31

39
História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia
Livro VI – Capítulos 20-31


XX - Quantas obras subsistem dos homens de então
XXI - Quantos bispos eram célebres naqueles tempos
XXII - Quantas obras de Hipólito chegaram a nós
XXIII - Do zelo de Orígenes e como foi julgado digno do presbiteriado eclesiástico
XXIV - Que comentários Orígenes escreveu em Alexandria
XXV - Como Orígenes mencionou as escrituras canônicas
XXVI - De como Heraclas recebeu em sucessão o episcopado de Alexandria
XXVII - Como era considerado pelos bispos
XXVIII - Da perseguição de Maximino
XXIX - De como Fabiano foi milagrosamente assinalado por Deus como bispo de Roma
XXX - Quantos discípulos teve Orígenes
XXXI - De Africanus


  Texto Bíblico: I Pedro 5.13

XX - Quantas obras subsistem dos homens de então
1.            Floresciam nesta época muitos varões eloqüentes e eclesiásticos, cujas cartas, que mutuamente se escreviam, ainda hoje se conservam e são fáceis de encontrar. Também foram preservadas até nossos dias na biblioteca de Elia, formada por Alexandre, que então regia a igreja dali, e na qual nós também pudemos reunir pessoalmente o material para a presente obra.
2.            Entre eles, Berilo deixou também, junto com as cartas, diversos e belos escritos; era bispo dos árabes em Bostra. E o mesmo de Hipólito, que provavel­mente presidia também outra igreja.
3.            Também chegou até nós de Caio, varão sapientíssimo, um Diálogo composto em Roma, em tempos de Zeferino, contra Proclo, defensor da heresia catafriga. Neste Diálogo, ao pôr freio aos contrários em sua propensão e atrevimento a compor novas escrituras, somente faz menção às treze Cartas do santo Apóstolo e não enumera com as demais a Carta aos Hebreus, pois até hoje alguns romanos pensam que não é do Apóstolo.

XXI - Quantos bispos eram célebres naqueles tempos
1.            Mas tendo Antonino reinado sete anos e seis meses, sucedeu-o Macrino, este manteve-se por um ano, e novamente recebeu o principado dos romanos outro Antonino. Em seu primeiro ano morreu Zeferino, bispo dos romanos, depois de ter exercido o ministério pelo espaço de dezoito anos completos. Depois dele se confiou o episcopado a Calixto, que viveu ainda cinco anos e deixou o ministério a Urbano.
2.            Depois disto, não tendo Antonino se mantido mais do que quatro anos, sucedeu-o como imperador Alexandre no principado dos romanos. Também neste tempo Fileto sucede a Asclepíades na igreja de Antioquia.
3.            Pois bem, a mãe do imperador, chamada Mamea, mulher piedosa como nenhuma outra, ao ressoar por todas as partes a fama de Orígenes ao ponto de chegar a seus ouvidos, pôs todo seu empenho em ser considerada digna de contemplar este homem e experimentar sua inteligência nas coisas de Deus, por todos admirada.
4.            Assim pois, estando ela em Antioquia, mandou-o comparecer escoltado por soldados. Passou junto a ela algum tempo e, depois de expor o maior número de coisas possível, para glória do Senhor e da virtude do ensinamento divino, apressou-se a retomar suas tarefas habituais.

XXII - Quantas obras de Hipólito chegaram a nós
1. Foi precisamente então que Hipólito compôs também, junto com muitos outros comentários, a obra Sobre a Páscoa, na qual expõe uma relação dos tempos, propõe certa regra de um ciclo de dezesseis anos para a Páscoa e fixa como limite dos tempos o primeiro ano do imperador Alexandre. Das suas outras obras, as que chegaram até nós são as seguintes: Sobre o Hexameron, Sobre o que segue ao Hexameron, Contra Márcion, Sobre o Cantar, Sobre partes de Ezequiel, Sobre a Páscoa, Contra todas as heresias e muitíssimas outras que poderias encontrar conservadas em muitos lugares.

XXIII - Do zelo de Orígenes ( 254 dC) e como foi julgado digno do presbiteriado eclesiástico
1.            A partir de então Orígenes começou também seus Comentários às divinas Escrituras. Foi Ambrósio quem o instigou, e não somente com quanto ânimo e exortações podia pela palavra, mas também com abundantes subvenções para todo o necessário.
2.            Efetivamente, quando ditava tinha à mão mais de sete taquígrafos, que se revezavam a certos tempos fixos, um número não menor de copistas e tam­bém algumas jovens treinadas na caligrafia[1]. O necessário para todos eles era proporcionado por Ambrósio em grande abundância. Mais ainda, contribuiu com indizível zelo no estudo detalhado dos divinos oráculos e com isto impulsionava Orígenes a compor os Comentários.
3.            Enquanto isto ocorria assim, Ponciano sucedia a Urbano, que havia sido bis­po da igreja de Roma durante oito anos, e Zebeno a Fileto, na de Antioquia.
4.     Por este tempo, Orígenes, indo para a Grécia pela Palestina, devido a alguns assuntos eclesiásticos de urgente necessidade, recebe em Cesaréia dos bispos da região a ordenação do presbiterato. A agitação que sobre ele se levantou por este motivo e as decisões tomadas pelos prelados das igrejas sobre estas agitações, assim como também tudo o mais com que Orígenes em sua plena maturidade contribuiu no que toca à doutrina divina, como necessita de uma obra especial, nós o descrevemos em sua justa medida no livro segundo da Apologia que compusemos em sua defesa.

XXIV - Que comentários Orígenes escreveu em Alexandria
1.            A isto deveríamos acrescentar que no livro sexto de seus Comentários ao (Evangelho) de João, ele indica que compôs os cinco primeiros estando ainda em Alexandria. Mas do trabalho sobre este mesmo Evangelho inteiro somente nos chegaram vinte e dois tomos.
2.     No nono livro dos Comentários ao Gênesis (são doze no total) mostra que não somente redigiu em Alexandria os que precedem ao nono, mas também os Comentários aos primeiros vinte e cinco salmos e os Comentários às Lamentações, dos quais chegaram a nós cinco tomos, nos quais faz-se menção inclusive aos livros Sobre a ressurreição, que são dois.
3. E não somente estes, mas que também os livros Sobre os Princípios ele escreveu antes de sua emigração de Alexandria; e na mesma cidade, sob o reinado de Alexandre, compôs os livros intitulados Stromateis, em núme­ro de dez; assim o demonstram suas anotações autografas que encabeçam os tomos.

XXV - Como Orígenes mencionou as escrituras canônicas
1.     Ao explicar o salmo primeiro, faz uma exposição do catálogo das Sagradas Escrituras do Antigo Testamento, escrevendo textualmente como segue: "Não se pode ignorar que os livros testamentários, tal como os transmi­tiram os hebreus, são vinte e dois, tantos como o número de letras que há entre eles."
2.     Logo, depois de algumas frases, continua dizendo:
"Os vinte e dois livros, segundo os hebreus, são estes: o que entre nós se intitula Gênesis, e entre os hebreus Bresith, pelo começo do livro, que é: No princípio; Êxodo, Ouellesmoth, que significa: Estes são os nomes; Levítico, Ouikra: E chamou; Números, Ammesphekodeim; Deuteronômio, Elleaddebareim: Estas são as palavras; Jesus, filho de Navé, Josuebennoun; Juízes e Rute, para eles um só livro: Sophtein; I e II dos Reis, um só para eles: Samuel, O eleito de Deus; III e IV dos Reis, em um: Ouammelchdavid, que significa Reino de Davi; I e II dos Paralipômenos, em um: Dabreiamein, isto é: Palavras dos dias; 1 e II de Esdras em um: Ezra, ou seja, Ajudante; Livro dos Salmos, Spharthelleim; Provérbios de Salomão, Meloth; Eclesiastes, Koelth; Cantar dos Cantares (e não, como pensam alguns, Cantares dos cantares), Sirassireim; Isaías, Iessia; Jeremias, junto com as Lamentações e a Carta, em um: Ieremia; Daniel, Daniel; Ezequiel, Iezekiel; Jó, Iob; Ester, Esther. E além destes estão os dos Macabeus, que são intitulados Sarbethsabanaiel".
3.   Isto é, pois, o que expõe no tratado acima citado. E no livro primeiro dos Comentários ao Evangelho de Mateus, guardando o cânon eclesiás­tico, atesta que ele conhece somente quatro Evangelhos; escreve como segue:
4.   "Acerca dos quatro Evangelhos, que também são os únicos que não foram discutidos na Igreja de Deus que está sob o céu, por tradição aprendi que o primeiro a ser escrito foi o Evangelho de Mateus, que foi por algum tempo arrecadador e depois apóstolo de Jesus Cristo, que o compôs em língua hebraica e o publicou para os fiéis procedentes do judaísmo.
5.             O segundo foi o Evangelho de Marcos, que o fez como Pedro lhe indicou, o qual, em sua Carta católica, proclama-o até filho seu, com as seguintes palavras: Saúda-vos a igreja de Babilônia, co-eleita, e Marcos, meu filho[2].
6.             O terceiro é o Evangelho de Lucas, o que Paulo elogiou e que ele fez para os que vinham dos gentios. Além de todos estes há o Evangelho de João".
7.             E no quinto livro dos Comentários ao Evangelho de João, o mesmo autor diz acerca das Cartas dos apóstolos o seguinte:
"Mas aquele que tinha sido capacitado para converter-se em ministro do Novo Testamento, não da letra, mas do espírito[3], Paulo, que havia cumprido o Evangelho desde Jerusalém, dando a volta, até o Ilírico[4], não escreveu a todas as igrejas às quais tinha ensinado; e mais, mesmo às que escreveu mandou cartas de umas poucas linhas.
8.             E Pedro, sobre quem se edifica a Igreja de Cristo, contra a qual não preva­lecerão as portas do Hades[5], deixou só uma carta por todos reconhecida. Talvez também uma segunda, pois é posta em dúvida[6].
9.             Que haverá para dizer sobre João, o que se recostou sobre o peito de Jesus? Deixou um só Evangelho, ainda que confesse que poderia escrever tantos que nem o mundo poderia contê-los[7], e escreveu também o Apocalipse, depois de receber a ordem de calar e não escrever as vozes dos sete tronos[8].
10.      Deixou também uma Carta de muito poucas linhas, e talvez também uma segunda e uma terceira, pois nem todos dizem que estas são genuínas. Só que as duas não chegam a uma centena de linhas."
11.  Além disto, Orígenes explica acerca da Carta aos Hebreus, em suas Homílias sobre a mesma, o seguinte:
"Que o caráter da dicção da carta intitulada Aos Hebreus não tem aquela rudeza de linguagem do Apóstolo, que confessa ser rude na palavra[9], isto é, no estilo, mas que a carta é bem mais grega pela composição de sua dicção; todo aquele que souber discernir as diferenças de estilo poderá reconhecê-lo.
12. E ainda mais, que os pensamentos da carta são admiráveis e não inferiores aos das cartas que se admitem ser do Apóstolo, qualquer um que se aplique à leitura do Apóstolo dirá conosco que também isto é verdade."
13. Depois de outras coisas, acrescenta:
"De minha parte, se hei de dar minha opinião, eu diria que os pensamentos sim são do Apóstolo, mas o estilo e a composição são de alguém que evocava a memória dos ensinamentos do Apóstolo, como um aluno que anota por escrito as coisas que seu mestre disse. Por conseguinte, se alguma igreja tiver esta carta como sendo de Paulo, que também por isto seja estimada, pois não sem motivo os antigos varões a transmitiram como de Paulo.
14. Mas, quem escreveu a carta? Deus sabe a verdade; por outro lado, chegou a nós o relato de alguns que dizem que a carta foi escrita por Clemente, que foi bispo dos romanos; e o de outros, segundo os quais foi Lucas quem escreveu o Evangelho e os Atos. Mas que isto fique assim."

XXVI - De como Heraclas recebeu em sucessão o episcopado de Alexandria[10]
1. Corria o décimo ano do mencionado reinado[11] quando Orígenes emigrou de Alexandria a Cesaréia, deixando a Heraclas a escola catequética dali. Mas pouco tempo depois morreu também Demétrio, o bispo da igreja de Alexandria, depois de manter-se no ministério pelo espaço de quarenta e três anos completos. Sucedeu-o Heraclas.

XXVII - Como era considerado pelos bispos
1. Por este tempo destacava-se Firmiliano, bispo de Cesaréia da Capadócia. Tão grande era seu interesse por Orígenes, que uma vez o chamou a sua própria região para proveito das igrejas, e outra vez ele foi à Judéia, à casa de Orígenes, e conviveu algum tempo com ele para seu melhoramento nas coisas divinas. E não só ele, mas também Alexandre, o bispo de Jerusalém, e Teoctisto, o de Cesaréia, estavam ligados a ele a todo tempo como ao único mestre e recomendaram-lhe que se ocupasse da interpretação da Sagrada Escritura e do resto do ensinamento eclesiástico.


XXVIII - Da perseguição de Maximino
1. Quando o imperador dos romanos Alexandre deu fim a seus treze anos de império, sucedeu-o Maximino César. Este, por ressentimento contra a família de Alexandre, que era composta de muitos fiéis, suscitou uma perseguição ordenando que somente fossem eliminados os chefes das igrejas, como culpados pelo ensino do Evangelho. Foi então que Orígenes compôs sua obra Sobre o martírio, que dedicou a Ambrósio e a Protocteto, presbítero este da comunidade de Cesaréia, porque na perseguição ambos tinham sido presas de dificuldades nada comuns. Nelas estes dois varões distinguiram-se por sua confissão, segundo é tradição, e Maximino não durou mais do que três anos. Orígenes explicou este tempo da perseguição no livro XXII de seus Comentários ao Evangelho de João e em diversas cartas.


XXIX - De como Fabiano foi milagrosamente assinalado por Deus como bispo de Roma
1.            Depois de Maximino, Gordiano recebeu em sucessão o principado dos romanos, e a Ponciano, que havia exercido o episcopado da igreja de Roma por seis anos, sucedeu Antero, que depois de servir no cargo durante um mês, teve como sucessor Fabiano.
2.            Conta-se que Fabiano, junto com outros, depois da morte de Antero, veio do campo e se estabeleceu em Roma, e que ali, por graça divina e celestial chegou ao cargo episcopal da maneira mais extraordinária.
3.     Efetivamente, estando todos os irmãos reunidos para eleger o que haveria de receber em sucessão o episcopado e sendo numerosíssimos os varões ilustres e célebres que estavam na mente de muitos, a ninguém ocorreu pensar em Fabiano, ali presente; ainda assim, prontamente, segundo contam, uma pomba vinda do alto pousou sobre sua cabeça, imitando manifestamente a descida do Espírito Santo em forma de pomba sobre o Salvador[12].
4.     Ante este fato, todo o povo, como que movido por um único espírito divino, pôs-se a gritar com todo entusiasmo e unanimemente que este era digno, e sem mais tardar tomaram-no e o colocaram sobre o trono do episcopado. Por este tempo também, morto Zebeno, bispo de Antioquia, sucedeu-o no cargo Babilas. E em Alexandria, assim como depois de Demétrio Heraclas havia recebido o ministério episcopal, a este sucedeu na escola de catequese Dionísio, outro discípulo de Orígenes.


XXX - Quantos discípulos teve Orígenes
1. Muitos eram os que acudiam a Orígenes, enquanto este se entregava em Cesaréia[13] a suas tarefas habituais, e não somente nativos, mas também inúmeros discípulos do estrangeiro que haviam deixado sua pátria. Destes os mais ilustres de que sabemos foram Teodoro - que é a mesma pessoa que o famoso bispo contemporâneo nosso Gregório - e seu irmão Atenodoro. Ainda que os dois estivessem como embebidos pelos estudos gregos e romanos[14], Orígenes foi-lhes inoculando o amor da filosofia e os impeliu a trocar pela ascese divina aquele seu primeiro ardor. Cinco anos inteiros conviveram com ele e tão grande foi seu melhoramento nas coisas divinas que, sendo ambos ainda jovens, foram considerados dignos do episcopado das igrejas do ponto.
                       
XXXI - De Africanus
1.     Também neste tempo era conhecido Africanus, o autor dos escritos intitulados Kestoi. Dele conserva-se uma Carta escrita a Orígenes, na qual se mostra em dúvida sobre se a história de Susana no livro de Daniel é espúria e inventada. Orígenes deu-lhe uma resposta completíssima.
2.     Do mesmo Africanus chegaram a nós outros trabalhos, cinco livros de Cronografias executados com exatidão. Neles diz que pôs-se a caminho de Alexandria devido à grande fama de Heraclas, a quem, como já indicamos, depois de ter-se distinguido muitíssimo em filosofia e outras ciências dos gregos, havia sido confiado o episcopado daquela igreja.
3.     Conserva-se também uma segunda Carta do mesmo Africanus dirigida a Aristides, acerca da grande discordância das genealogias de Cristo em Mateus e Lucas. Nela estabelece clarissimamente a concordância de ambos evangelistas, partindo do relato que a ele chegou e que nós recolhemos e expusemos no livro primeiro da presente obra[15].

1. O que mais te chamou a atenção neste texto?
2. O que o texto contribui para a sua espiritualidade?




[1] Os copistas passavam para linguagem corrente as notas dos taquígrafos, as calígrafas as passavam a limpo e multiplicavam os exemplares.
[2] 1 Pe 5:13.
[3] 2 Co 3:6.
[4] Rm 15:19.
[5] Mt 16:18.
[6] Orígenes é o primeiro a informar sobre a dúvida existente sobre a autenticidade de 2 Pe.
[7] Jo 21:25.
[8] Ap 10:4.
[9] 2 Co 11:6.
[10] Os capítulos 26 e 27 estão em ordem inversa à do índice, conforme o original.
[11] De Alexandre Severo.
[12] Mt 3:16; Mc 1:10; Lc 3:22; Jo 1:32.
[13] Cesaréia da Palestina.
[14] Chegaram a Cesaréia a caminho de Beirute para estudar leis, seu encontro com Orígenes mudou o rumo de suas vidas.
[15] Vide l:VII:22ss.