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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida
e Obra
Justino Mártir (165)
Apologia I – Capítulos 41 ao 50
Profecia sobre o Reino de Cristo
41. 1 Em outra
profecia, o Espírito profético, dando a entender, através de Davi, que Cristo
haveria de reinar depois de crucificado, diz assim: “Louvai o Senhor, terra
inteira, e anunciai dia a dia a sua salvação, porque o Senhor é grande e digno
do maior louvor, temível sobre todos os deuses. Com efeito, todos os deuses das
nações são imagens de demônios, mas Deus fez os céus.
2 Glória e louvor em sua presença, força e
orgulho no lugar de sua santificação. Glorificai ao Senhor, aquele que é Pai
dos séculos.
3 Tomai graça
e entrai em sua presença, adorando-o em seus santos átrios. Toda a terra tema
diante de sua face, endireite seu caminho e não se perturbe. 4 Que as nações se
alegrem: o Senhor reinou pelo madeiro".
Cristo, nossa alegria
42. 1
Esclarecemos também o caso no qual o Espírito profético fala do futuro como já
realizado, como já se pode conjecturar na passagem antes mencionada, a fim de
que também nisso os que lêem não tenham desculpa.
2 O que é
absolutamente conhecido como algo que acontecerá, é predito pelo Espírito
profético como já conhecido. Que as coisas devam ser assim, ponde toda atenção
de vossa mente ao que vamos dizer.
3 Davi fez a
profecia citada, mil e quinhentos anos antes que Cristo feito homem fosse
crucificado, e nenhum dos antes nascidos ofereceu, ao ser crucificado, alegria
para as nações, e ninguém também depois dele.
4 Em troca,
Cristo, que foi crucificado, morreu e ressuscitou em nosso tempo, não só reinou
ao subir ao céu, mas pela sua doutrina, pregada pelos apóstolos em todas as
nações, é a alegria de todos os que esperam a imortalidade que ele nos
prometeu.
Profecia e livre-arbítrio
43. 1 Do que
dissemos anteriormente, ninguém deve tirar a conclusão de que afirmamos que
tudo o que acontece, acontece por necessidade do destino, pelo fato de que
dizemos que os acontecimentos foram conhecidos de antemão. Por isso,
resolveremos também essa dificuldade.
2 Nós
aprendemos dos profetas e afirmamos que esta é a verdade: os castigos e
tormentos, assim como as boas recompensas, são dadas a cada um conforme as suas
obras. Se não fosse assim, mas tudo acontecesse por destino, não haveria
absolutamente livre-arbítrio. Com efeito, se já está determinado que um seja
bom e outro mau, nem aquele merece elogio, nem este, vitupério.
3 Se o gênero
humano não tem poder de fugir, por livre determinação, do que é vergonhoso e
escolher o belo, ele não é irresponsável de nenhuma ação que faça.
4 Mas que o
homem é virtuoso e peca por livre escolha, podemos demonstrar pelo seguinte
argumento:
5 Vemos que o
mesmo sujeito passa de um contrário a outro.
6 Ora, se
estivesse determinado ser mau ou bom, não seria capaz de coisas contrárias, nem
mudaria com tanta frequência. Na realidade, nem se poderia dizer que uns são
bons e outros maus, desde o momento que afirmamos que o destino é a causa de
bons e maus, e que realiza coisas contrárias a si mesmo, ou que se deveria
tomar como verdade o que já anteriormente insinuamos, isto é, que virtude e
maldade são puras palavras, e que só por opinião se tem algo como bom ou mau.
Isso, como demonstra a verdadeira razão, é o cúmulo da impiedade e da iniquidade.
7 Afirmamos
ser destino ineludível que aqueles que escolheram o bem terão digna recompensa
e os que escolheram o contrário, terão igualmente digno castigo. 8 Com efeito,
Deus não fez o homem como as outras criaturas. Por exemplo: árvores ou
quadrúpedes, que nada podem fazer por livre determinação. Nesse caso, não seria
digno de recompensa e elogio, pois não teria escolhido o bem por si mesmo, mas
nascido já bom; nem, por ter sido mau, seria castigado justamente, pois não o
seria livremente, mas por não ter podido ser algo diferente do que foi.
Platão depende de Moisés
44. 1 Esta
doutrina foi ensinada a nós pelo Espírito profético que, por meio de Moisés,
nos testemunha que falou ao primeiro homem que havia criado do seguinte modo:
“Olha que diante de tua face está o bem e o mal: escolhe o bem”.
2 E, de novo,
através de Isaías, outro profeta, sabemos que, na pessoa de Deus, Pai e
soberano do universo, foi dito o seguinte sobre esse mesmo assunto:
3"Lavai-vos
e purificai-vos, tirai a maldade de vossas almas. Aprendei a fazer o bem,
julgai o órfão, fazei justiça à viúva; então, vinde e conversaremos, diz o
Senhor. Mesmo que vossos pecados sejam como a púrpura, eu os deixarei brancos
como a lã; mesmo que sejam como escarlate, e os tornarei brancos como a neve.
4 Se quiserdes
e me escutardes, comereis os bens da terra; mas se não me escutardes, a espada
vos devorará, porque assim falou a boca do Senhor".
5 A expressão
anterior "A espada vos devorará" não quer dizer que os que
desobedecerem serão passados a fio de espada, mas por "espada"
deve-se entender o fogo, cuja presa são os que escolheram praticar o mal.
6 Por isso,
diz: "A espada vos devorará, porque assim falou a boca do Senhor."
7 Se tivesse
falado da espada que corta e se separa imediatamente, não teria dito
"devorará".
8 De modo que o próprio Platão, ao dizer:
"A culpa é de quem escolhe. Deus não tem culpa", falou isso por tê-lo
tomado do profeta Moisés, pois sabe-se que este é mais antigo do que todos os
escritores gregos.
9 Em geral,
tudo o que os filósofos e poetas disseram sobre a imortalidade da alma e da
contemplação das coisas celestes, aproveitaram-se dos profetas, não só para
poder entender, mas também para expressar isso.
10Daí que
parece haver em todos algo como germes de verdade. Todavia, demonstra-se que
não o entenderam exatamente, pelo fato de que se contradizem uns aos outros.
11Concluindo:
Se dizemos que os acontecimentos futuros foram profetizados, nem por isso
afirmamos que aconteçam por necessidade do destino; afirmamos sim que Deus
conhece de antemão tudo o que será feito por todos os homens e é decreto seu
recompensar cada um segundo o mérito de suas obras e, por isso, justamente
prediz, por meio do Espírito profético, o que para cada um virá da parte dele,
conforme o que suas obras mereçam. Com isso, ele constantemente conduz o gênero
humano à reflexão e à lembrança, demonstrando-lhe que cuida e usa de
providência para com os homens.
12Todavia,
pela ação dos maus demônios, decretou-se pena de morte contra aqueles que lerem
os livros de Histaspes, da Sibila e dos profetas, a fim de impedir, por meio do
terror, que os homens consigam, lendo-os, o conhecimento do bem, e retê-los
como seus escravos; coisa que definitivamente os demônios não puderam
conseguir.
13Com efeito,
não só os lemos intrepidamente, mas também, como vedes, nós vo-los oferecemos,
para que os examineis, pois estamos seguros de que agradarão a todos. Mesmo que
consigamos persuadir algumas poucas pessoas, nosso ganho será muito grande,
pois, como bons agricultores, receberemos do amo a nossa recompensa.
Ascensão e glória de Jesus
45. 1 Agora
escutai o que disse o profeta Davi sobre o fato de que Deus, Pai do universo,
levaria Cristo ao céu, depois de sua ressurreição dos mortos, e retê-lo-ia
consigo até ferir os demônios, seus inimigos, e até se completar o número dos
que por ele, de antemão conhecidos como bons e virtuosos, em respeito dos quais
justamente ainda não foi levada a cabo a conflagração universal.
2 As palavras
do profeta são estas: "Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha
direita, até que eu ponha os teus inimigos como escabelo de teus pés.
3 O Senhor te
enviará o cetro de poder de Jerusalém, e tu dominarás em meio aos esplendores
de teus inimigos.
4 Contigo o império
no dia de tua potência, em meio aos esplendores de teus santos. Do meu seio,
antes do astro da manhã, eu te gerei”.
5 Portanto, o
que ele diz "Enviar-te-á de Jerusalém o cetro de poder" era anúncio
antecipado da palavra poderosa que, saindo de Jerusalém, os apóstolos pregaram
por toda parte e que nós, a despeito da morte decretada dos que ensinam ou
absolutamente confessam o nome de Cristo, em todo lugar também a abraçamos e
ensinamos.
6 E se também
vós ledes como inimigos estas nossas palavras, além de matar-nos, como já
dissemos antes, nada podeis fazer. A nós, isso nenhum dano causará; a vós,
porém, e a todos os que injustamente nos odeiam e não se convertem,
trazer-vos-á castigo de fogo eterno.
Cristãos antes de Cristo
46. 1 Alguns,
sem motivo, para rejeitar o nosso ensinamento, poderiam nos objetar que, ao
dizermos que Cristo nasceu somente há cento e cinquenta anos sob Quirino e
ensinou sua doutrina mais tarde, no tempo de Pôncio Pilatos, os homens que o
precederam não têm nenhuma responsabilidade. Tratemos de resolver essa
dificuldade.
2 Nós
recebemos o ensinamento de que Cristo é o primogênito de Deus e indicamos antes
que ele é o Verbo, do qual todo o gênero humano participou.
3 Portanto,
aqueles que viveram conforme o Verbo são cristãos, quando do foram considerados
ateus, como sucedeu entre os gregos com Sócrates, Heráclito e outros
semelhantes; e entre os bárbaros com Abraão, Ananias, Azarias e Misael, e
muitos outros, cujos fatos e nomes omitimos agora, pois seria longo enumerar.
4 De modo que
também os que antes viveram sem razão, se tornaram inúteis e inimigos de Cristo
e assassinos daqueles que vivem com razão; mas os que viveram e continuam
vivendo de acordo com ela, são cristãos e não experimentam medo ou perturbação.
5 O motivo
pelo qual ele nasceu homem de uma virgem, pela virtude do Verbo conforme o
desígnio de Deus, Pai e soberano do universo, e foi chamado Jesus e, depois de
crucificado e morto, ressuscitou e subiu ao céu, o leitor inteligente poderá
perfeitamente compreendê-lo pelas longas explicações que foram dadas até aqui.
6 De nossa
parte, como não é necessário demonstrar esse ponto agora, passaremos às
demonstrações mais urgentes.
Sobre a ruína de Jerusalém
47. 1 Escutai o que foi predito pelo Espírito
profético sobre á devastação futura da terra dos judeus. As palavras foram
ditas como que na pessoa daqueles que se maravilham com o acontecido.
2 São as
seguintes: "Sião ficou deserta, Jerusalém ficou solitária, e a casa, nosso
santuário, foi profanada; a glória que nossos pais bendisseram tornou-se presa
do fogo e todas as suas maravilhas se fundiram.
3 A esse
repeito, tu suportaste, te calaste e nos humilhaste muito".
4 Que
Jerusalém tenha ficado deserta, tal como fora predito, é coisa de que estais
bem convencidos.
5 E não só se
predisse a sua devastação, mas também, pelo profeta Isaías, que a nenhum deles
seria permitido habitar nela, com estas palavras: "A terra deles está
deserta, e os próprios inimigos a devoram diante deles; e deles não haverá
ninguém que nela se encontrasse e decretastes pena de morte contra o judeu que
nela habite". Que vós mesmos montastes guarda para que ninguém nela fosse
encontrado, é coisa que sabeis perfeitamente.
Os milagres de Cristo
48. 1 Que
nosso Cristo curaria todas as enfermidades e ressuscitaria mortos, escutai as
palavras com que isso foi profetizado.
2 São estas:
"Diante dele, o coxo saltará como cervo e a língua dos mudos se soltará,
os cegos recobrarão a vista, os leprosos ficarão limpos e os mortos
ressuscitarão e começarão a andar".
3 Que tudo
isso foi feito por Cristo, vós o podeis comprovar pelas Atas redigidas no tempo
de Pôncio Pilatos.
4 Sobre como
foi de antemão indicado que ele haveria de ser morto, juntamente com os homens
que nele esperam, escutai as palavras do profeta Isaías:
5 "Eis
como pereceu o justo, e ninguém reflete em seu coração; varões justos são
tirados do meio, e ninguém considera. O justo é tirado da vista da iniquidade,
e ficará em paz: seu sepulcro é tirado do meio" .
A gentilidade
49. 1Novamente
olhai o que o profeta Isaías diz: os povos das nações que não o esperavam,
iriam adorá-lo; ao contrário, os judeus que o esperavam, o desconheceram quando
ele veio. As palavras são ditas na pessoa de Cristo.
2Ei-las:
"Manifestei-me aos que não perguntavam por mim, fui encontrado por aqueles
que não me buscavam. Eu disse: ‘Eis-me aqui' a uma nação que não invocava o meu
nome. 3 Estendi minhas mãos a um povo que não crê e contradiz, aos que andam
por caminho não bom, mas atrás de seus pecados.
4 O povo que
me exaspera está diante de mim"
5 Foi assim
que os judeus, que possuíam as profecias e esperavam continuamente Cristo,
quando este veio não o reconheceram; e não apenas isso, pois inclusive o
maltrataram. Ao contrário, os gentios, que nunca tinham ouvido falar dele até
que os apóstolos, tendo saído de Jerusalém, lhes contaram sua vida e lhes
entregaram as profecias, cheios de alegria e de fé, renunciaram aos ídolos e se
consagraram ao Deus ingênito, por meio de Cristo.
6 Que de
antemão foram conhecidas essas ignomínias que se propagariam contra os que
confessam a Cristo e como são miseráveis aqueles que o blasfemam, dizendo que é
bom preservar os antigos costumes, escutai como o profeta Isaías o diz
brevemente.
7 São suas as
palavras: "Ai daqueles que chamam amargo ao doce e doce, ao amargo!"
A paixão e
glória de Cristo
50. 1 Escutai
agora as profecias relativas à paixão e desonras que, feito homem, ele sofreria
por nós, e a glória com que voltará.
2 São estas:
"Porque entregaram sua alma à morte e foi contado entre os iníquos, ele
tomou os pecados de muitos e se reconciliará com os iníquos.
3 Eis que meu
servo entenderá, será levantado e glorificado muito.
4 Do mesmo
modo como muitos ficarão atônitos à tua vista - tão desonrada está a tua figura
dos homens e tua glória tão longe dos homens - assim muitas nações ficarão
maravilhadas e reis permanecerão silenciosos, porque aqueles para os quais não
foi anunciado verão, e os que não ouviram, entenderão.
5 Senhor quem
creu naquilo que ouviu de nós? Para quem foi revelado o braço do Senhor?
Anunciamos diante dele como menino, como raiz em terra sedenta.
6 Ele não tem
beleza nem glória; nós o vimos e não tinha beleza nem formosura, mas o seu
aspecto estava desonrado e debilitado em comparação com os homens.
7 Homem
sujeito ao açoite e que sabe suportar a enfermidade, seu rosto está escondido,
foi desonrado e desprezado.
8 Leva sobre
si nossos pecados e padece por nós, e nós consideramos que ele estava em
fadiga, em açoite e desgraça.
9 Ele foi
ferido por causa de nossas iniquidades e debilitado por causa de nossos
pecados. A disciplina da paz estava sobre ele, fomos curados por sua chaga.
10Todos nós
andávamos errantes como ovelhas, cada um se desviou pelo próprio caminho.
Entregou-se por nossos pecados e, ao ser maltratado, não abre a boca. Foi
levado como ovelha ao matadouro; como cordeiro que fica mudo diante daquele que
o tosquia, ele também não abre a boca.
11Em sua
humilhação, o seu julgamento foi tirado"mmm.
12Depois de
ser crucificado, até seus discípulos o abandonaram e negaram. Depois, porém,
quando ressuscitou dentre os mortos e foi visto por eles, depois que lhes
ensinou a ler as profecias nas quais estava predito que isso deveria acontecer,
e o viram subir ao céu e creram, depois que receberam a força que de lá lhes
foi enviada por ele, espalharam-se entre todo tipo de homens, ensinaram-lhes
todas essas coisas e foram chamados apóstolos.
O
que você deseja destacar no texto lido?
Como
o texto serviu para sua espiritualidade?
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