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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Atenágoras
de Atenas (133-180)
Apelo a
favor dos Cristãos – Capítulos 1 - 7
Atenágoras de
Atenas,
viveu nos fins do século II d.C.
Apologista
cristão, que aparentemente nasceu e viveu em Atenas. Apresentou uma
apologia em prol do cristianismo ao imperador Marco
Aurélio.
Ali ele defende
o cristianismo e suas práticas, e ataca as religiões pagãs, sobre tudo
quanto ao seu politeísmo.
Descobriu
noções monoteístas em diversos poetas e filósofos gregos e nisso,
apresentou um argumento a priori, em favor da existência
de Deus. Tratando sobre a ressurreição dos mortos, ele combinou ideias
religiosas e filosóficas. Naturalmente, Platão o influenciou
fortemente, pelo que sua fé religiosa geralmente foi apropriada de falar a
não-cristãos, que sabiam algo das ideias de Platão e apreciavam a grandeza de
seus conceitos.
Deste apologista
cristão sabe-se tão – somente que era de Atenas e filósofo. Nem Eusébio de
Cesaréia, nem Jerônimo o menciona. Dele se encontra uma menção no tratado Sobre a ressurreição 1,37,1, de Metódio de Olimpo
(sécs. III-IV).
Traços de sua
vida e de suas obras desapareceram completamente da literatura cristã até que o
bispo Aretas de Cesaréia manda copiar, em 914, para o seu Corpus apologetarum, a Apologia e o tratado Sobre a ressurreição dos mortos de Atenágoras.
O local de seu
nascimento, sua formação intelectual, suas origens, local e data de sua morte
nos escapam. Suas obras, contudo, revelam uma pessoa de boa cultura, alguém que
frequentou cursos de retórica.
Seu estilo é
moderado, bem mais sóbrio que o de Taciano, mais ordenado que o de Justino.
Como Justino, é simpático à filosofia e à cultura gregas.
Se
a tradição que faz de Atenágoras um ateniense é verdade, sem dúvida há uma
relação entre sua origem e o meio em que se formou, e sua cultura mais afinada
que a dos escritores cristãos anteriores.
Obras:
Legatio pro Cristianis (Apelo em
favor dos Cristãos).
De Resurrectione (Sobre a
Ressurreição).
Obra: Apelo em Favor dos
Cristãos
Capítulo I -
Introdução e Dedicatória
Aos imperadores Marco
Aurélio Antonino e Lúcio Aurélio Cômodo, armênicos, somáticos e, o que é o
máximo título, filósofos.
Em vosso império, ó grandes
entre os reis, certas pessoas usam alguns costumes e leis, e outras seguem
outros, e a ninguém é proibido, nem por lei nem por medo de castigo, amar suas
tradições pátrias, por mais ridículas que sejam. Desse modo, o troiano chama
deus a Heitor e adora Helena, crendo que ela é Adrastéia; o lacedemônio cultua
Agamenon como se fosse Zeus, Filonoe, filha de o Tindáreo, como se fosse
Enódia; o ateniense sacrifica a Ereteu Posêidon, e os atenienses celebram
iniciações e mistérios a Agraulo e Pandroso, iniciações que foram consideradas
sacrílegas por terem aberto a caixa. Numa palavra, os homens, conforme as nações
e os povos, oferecem os sacrifícios e celebram os mistérios à vontade. Quanto
aos egípcios, têm como deuses os gatos, crocodilos, serpentes, víboras e cães.
Vós e vossas leis tolerais tudo isso, pois considerais ímpio e sacrílego não
crer de modo algum em Deus. É necessário que cada um tenha os deuses que quiser
a fim de que, por temor à divindade, se abstenha de cometer impiedades. A nós,
porém, embora não vos ofendais, como o vulgo, já ficamos sendo odiados, só em
ouvir o nome visto que não são os homens que merecem o ódio, mas a injustiça,
que merece pena e castigo. Daí que admirando a vossa suavidade e mansidão, o
vosso amor à paz e a toda humanidade, as pessoas particulares são regidas por
leis iguais, e as cidades, segundo a sua dignidade, participam também de igual
honra, e a terra inteira goza, graças à vossa inteligência, de profunda paz.
Quanto a nós, que somos chamados cristãos, não tendo providência por nós,
permitis que, sem cometer nenhuma injustiça, mas pelo contrário, como a
continuação do nosso discurso demonstrará, comportando-nos de modo mais piedoso
e justo do que ninguém, não só diante da divindade, mas também em relação ao
vosso império, permitis que sejamos acusados, maltratados e perseguidos, sem
outro motivo para que o vulgo nos combata, a não ser apenas o nosso nome.
Todavia, nós nos atrevemos a vos manifestar a nossa vida e doutrina, e com o
nosso discurso compreendereis que sofremos sem causa e contra toda lei e razão,
e vos suplicamos que também a nós deis alguma atenção, para que cesse,
finalmente, a degolação a que nos submetem os caluniadores. Com efeito, não é
perda de dinheiro que nos vem de nossos perseguidores, não é desonra no
desfrutar de nossos direitos de cidadania, não é o prejuízo em alguma das
outras coisas menores. Nós desprezamos tudo isso, por mais importante que
pareça ao vulgo. Nós aprendemos não só a não ferir aquele que nos fere, mas
também a não perseguir na justiça aqueles que nos roubam e saqueiam; mais
ainda, àquele que nos dá uma bofetada numa face, devemos oferecer-lhe a outra,
e a quem nos tira a túnica, devemos dar-lhe também o manto. Já que renunciamos
às riquezas, o que eles atentam é contra os nossos corpos e as nossas almas,
espalhando incontáveis acusações, que nem por suspeita tocam a nós; tocam sim aos
que as propagam e aos de sua laia.
Capítulo II -
Se alguém é capaz de nos
convencer de termos cometido uma injustiça, pequena ou grande, não fugiremos do
castigo, mas pedimos antes que se nos inflija o que for mais áspero e cruel.
Mas se a nossa acusação é tão somente o nome - e pelo menos até hoje o que
propalam sobre nós é apenas vulgar e estúpido rumor das gentes, e não foi
provado que algum cristão tenha cometido um crime - a vossa questão é, como
imperadores máximos, humaníssimos e amicíssimos do saber, rejeitar por lei a
calúnia feita contra nós, a fim de que, assim como toda a terra, pessoas
particulares e cidades gozam de vosso benefício, também nós vos possamos
agradecer, glorificando-vos por termos deixado de ser caluniados. Com efeito,
a vossa justiça não diz que, quando se acusa a outros, não se pode condená-los
antes de tê-los interroga do? Quanto a nós, porém, vale mais o nome do que as
provas do julgamento, pois os juízes não buscam averiguar se o acusado cometeu
algum crime, mas tratam-no com insolência por causa do nome, como se fosse
crime. Entretanto, em si e por si, um nome não pode ser considerado bom ou
mau, e sim que pareça bom ou mau conforme sejam boas ou más as ações que ele
supõe. Sabeis disso melhor do que ninguém, pois sois formados na filosofia e em
toda a cultura. Por isso, mesmo os que são julgados diante de vós, embora sejam
acusados dos maiores crimes, estão confiantes e, sabendo que examinais sua vida
e não atacais os seus nomes, se são vazios, nem atendeis às acusações, se são
falsas, recebem com o mesmo espírito tanto a sentença de absolvição como a de
condenação.
Também nós reclamamos o
direito comum, isto é, que não sejamos odiados e castigados por termos o nome
de cris tãos. Definitivamente, o que o nome tem a ver com a maldade?
Reclamamos que cada um seja julgado por aquilo de que foi acusado, e nos
absolvam, se desfizermos as acusações, ou nos castiguem se somos réus de
maldade. Que não sejamos julgados pelo nome, mas pelo crime, pois nenhum
cristão é mau, a não ser que professe fingidamente o cristianismo. Assim vemos
que se procede com os filósofos. Nenhum deles, antes do julgamento, pelo
simples fato de sua ciência ou profissão, é considerado pelo juíz como bom ou
mau; pelo contrário, se é julgado injusto, é castigado, sem que por isso se
faça qualquer acusação à filosofia, pois o mau é aquele que não a professa como
é de lei; mas a ciência não tem culpa; e se ele se defende das acusações, então
é absolvido. Proceda-se de modo igual conosco. Examine-se a vida dos que são
acusados e deixese o nome livre de qualquer acusação.
Parece-me necessário, ó
máximos imperadores, rogar-vos que, ao começar a defesa da nossa doutrina, vos
mostreis ouvintes equânimes e não vos deixeis levar por algum preconceito,
arrastados pelos rumores vulgares e irracionais, mas que também apliqueis à
nossa doutrina o vosso amor ao saber e à verdade. Desse modo não pecareis por
ignorância, e nós, livres das estúpidas intrigas do vulgo, deixaremos de ser
combatidos.
Capítulo III -
São três as acusações que se
propagam contra nós: o ateísmo, os convites de Tiestes, e as uniões edípicas.
Se isso é verdade, não perdoeis a classe alguma. Castigai esses crimes,
matai-nos pela raiz com nossas mulheres e filhos, se é que existe entre os
homens alguém que viva como ós animais. Até os animais não atacam os de sua
espécie, unem-se entre si por lei de natureza, e apenas no tempo da procriação,
e não por dissolução e, finalmente, conhecem quem lhes faz benefício. Se
alguém, portanto, é mais feroz do que as próprias feras, que castigo
corresponderá a tantos crimes? Mas se isso é pura intriga e calúnias vazias, é
de razão natural que a maldade se oponha à virtude e de lei divina que os
contrários lutem entre si, e vós sois testemunhas de que nós não cometemos
nenhum desses crimes, mandando que não confessássemos, a vós cabe agora fazer
uma investigação sobre a nossa vida e doutrinas, sobre a nossa lealdade e
obediência à vossa casa e império e, por fim, conceder-nos o mesmo que àqueles
que nos perseguem. Nós os venceremos, pois estamos dispostos a dar
intrepidamente até as nossas vidas pela verdade.
1ª PARTE: REFUTAÇÃO
DAS ACUSAÇÕES DE ATEÍSMO E AFIRMAÇÃO DO MONOTEÍSMO
Capítulo IV - Deus
segundo os filósofos
Refutarei agora cada uma das
acusações. Que não sejamos ateus, temo até chegar ao ridículo deter-me para
contestar àqueles que dizem tal coisa. Diágoras sim, era com razão reprovado
pelos atenienses por causa do seu ateísmo. Com efeito, ele não só expunha
publicamente a doutrina órfica e divulgava os mistérios de Elêusis e os dos
Cabiros, e quebrava a estátua de Herácles para com os pedaços cozer os seus
nabos, mas também diretamente afirmava que Deus não existe em absoluto. Nós,
porém, distinguimos Deus da matéria e demonstramos que uma coisa é Deus e outra
a matéria, e que a diferença entre um e outro é imensa, pois a divindade é
incriada e eterna, contemplável apenas pela inteligência e pela razão, mas a
matéria é criada e corruptível. Não é irracional chamar-nos de ateus? Com
efeito, se pensássemos como Diágoras, tendo tantos argumentos para a crença em
Deus - a ordem, a harmonia universal, a grandeza, a cor, a figura, a disposição
do mundo -, então sim teríamos com razão a fama de ím-pios e haveria motivo
para sermos perseguidos. Mas a nossa doutrina admite um só Deus, criador de
todo este mundo, e ele não foi criado - pois não se cria o que existe, mas o
que não existe -, e sim ele é criador de todas as coisas por meio do Verbo que
dele procede. Portanto, sofremos ambas as coisas sem motivo, a má fama e a
perseguição.
Capítulo V
A ninguém pareceu que os
poetas e filósofos eram ateus, porque especularam sobre Deus. Assim Eurípides,
duvidando completamente sobre aqueles que a preocupação comum chama falsamente
de deuses, disse: “Se é que Zeus está no céu, não deveria torná-lo desgraçado”.
Mas, dando a sua opinião sobre aquele que é cognoscível por ciência, diz: “Vês
na altura este éter imenso e que mantém a terra ao redor em seus braços úmidos?
Crê que este é Zeus; tem a este como Deus”.
Com efeito, não via daqueles
nem as essências que subsistiriam sob o nome que se lhes atribui - “Porque
Zeus, seja Zeus quem for, dele sei apenas o nome” - nem que os nomes fossem
atribuídos a coisas subsistentes. Ora, onde não há essências subsistentes, que
valor têm os nomes? Este, porém, era visto pelas obras, entendendo que o
aparente é manifestação do oculto. Assim, portanto, aquele cujas obras via e
cujo espírito segura as rédeas de tudo, esse ele compreendeu como Deus. E com
ele concorda Sófocles: “Um, em verdade, um só é Deus, que fabricou o céu e a
vasta terra”. Com isso ele ensina sobre a natureza de Deus, que enche o
universo com a sua beleza, e não só onde deve estar Deus, mas também que deve
ser necessariamente uno.
Capítulo VI
Também Filolao, ao afirmar
que Deus fechou tudo como em uma prisão, demonstra que Deus é uno e que está
acima da matéria. Quanto a Lisis e Opsimo, um defende a Deus como o número
inefável, o outro como a diferença entre o número máximo e seu contíguo. Ora,
conforme os pitagóricos, o número máximo é o dez, pois é tetractys ou
quaternário e compreende todas as proporções aritméticas e harmônicas, e o
contíguo a este é o nove. Portanto, Deus é a mônada, isto é, uno, pois supera
por um o maior em relação ao seu contíguo inferior.
Platão e Aristóteles -
aviso, antes de tudo, que não tenho a intenção de expor com absoluto rigor as
doutrinas dos filósofos, ao citar o que disseram a respeito de Deus; com
efeito, sei o quanto superais a todos por vossa inteli gência e o poder de vosso
império, também sais versados em cada uma das partes da ciência, como não o são
nem os que se reservaram uma só delas; todavia, como, sem citar nomes, era
impossível demonstrar que não somos apenas nós que encerramos Deus na mônada,
recorri aos florilégios ou coleções de sentenças. Platão, portanto, diz o
seguinte: “Ao Criador e Pai de todo o universo não só é difícil encontrá-lo,
mas, uma vez encontrado, é difícil manifestá-lo a todos”, dando a entender que
o Deus incriado e eterno é um. É certo que ele conhece outros, como o sol, a
lua e as estrelas, mas conhece-os como seres criados: deuses de deuses, de que
eu sou o artífice, e pai de obras que, se eu não quiser, não são desatáveis,
pois tudo o que é atado é desatável”. Portanto, se Platão não é ateu, por
entender que o artífice do universo é um só Deus incriado, muito menos o somos
nós, por saber e afirmar o Deus, por cujo Verbo tudo foi fabricado e por cujo
Espírito tudo é mantido. Aristóteles e sua escola, que introduzem um só Deus
como uma espécie de animal composto, dizem que Deus é composto de alma e corpo
e consideram como seu corpo o éter, as estrelas errantes e a esfera das
estrelas fixas, tudo movido circularmente; e consideram a alma como a
inteligência que dirige o movimento do corpo, sem que ela própria se mova,
sendo ela, em troca, a causa do movimento. Quanto aos estóicos, embora nos
nomes multipliquem o divino nas denominações que lhe dão, conforme as mudanças
da matéria, na realidade conside ram Deus como uno. Com efeito, se Deus é o fogo
artificio so, que marcha por um caminho para a geração do mundo e compreende em
si todas as razões seminais, segundo as quais tudo se produz conforme o
destino, e se o espírito de Deus penetra o mundo inteiro, Deus é uno, segundo
eles; e chama-se Zeus, se olha o fervor da matéria; ou Hera, se o ar; e daí por
diante, conforme cada parte de matéria, por onde penetra abrir para outros
nomes que apontam.
Capítulo VII
De qualquer forma, tratando
dos princípios do universo, todos geralmente, até contra a sua vontade, estão
de acordo em que o divino é uno, e nós afirmamos que quem ordenou todo o
universo, esse é Deus. Portanto, qual é o motivo pelo qual se permite que uns
possam dizer e escrever livremente sobre Deus, conforme queiram, e, por outro
lado, haja uma lei estabelecida contra nós, justamente nós, que podemos
estabelecer por sinais e razões de verdade o que entendemos e retamente cremos,
isto é, que Deus é uno? Com efeito, os poetas e filósofos, aqui como em outros
lugares, procederam por conjecturas, movidos conforme a simpatia do sopro de
Deus, cada um por sua própria alma, a buscar se era possível encontrar e
compreender a verdade. E só conseguiram entender, mas não encontrar o ser, pois
não se dignaram aprender de Deus sobre Deus, mas cada um de si mesmo. Então,
cada um dogmatizou a seu modo, não só a respeito de Deus, mas sobre a matéria,
as formas e o mundo. Nós, porém, sobre o que entendemos e cremos, temos como
testemunhas os profetas que, movidos pelo Espírito divino, falaram sobre Deus e
as coisas de Deus. Ora, vós mesmos, que por vossa inteligência e vossa pie-dade
em relação ao verdadeiramente divino ultrapassais a todos, direis que é
irracional aderir a opiniões humanas, abandonando a fé no Espírito de Deus, que
moveu, como seus instrumentos, as bocas dos profetas.
O que você
destaca no texto?
Como serve para
sua espiritualidade?
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