segunda-feira, 12 de março de 2018

41 - Atenágoras de Atenas (†180) Apelo a favor dos Cristãos – Capítulos 8 -16


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41
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Atenágoras de Atenas (†180)
Apelo a favor dos Cristãos – Capítulos 8 -16


Capítulo VIII - Demonstração racional do monoteísmo

Que o Deus Criador de todo este universo seja um só desde o princípio, considerai-o do seguinte modo, a fim de que tenhais também o arrazoado da nossa fé: Se, desde o princípio, tivesse havido dois ou mais deuses, certamente os dois teriam tido que estar em um só e mesmo lugar ou cada um, à parte, em seu lugar. Ora, é impossível que estivessem em um só e mesmo lugar, porque, sendo deuses, não seriam iguais, mas, como incriados, seriam desiguais. De fato, o criado é semelhante a seus modelos, mas o incriado não é semelhante a nada, pois não foi feito por ninguém, nem para ninguém. Se Deus é um só, como a mão, o olho e o pé são partes completivas de um só corpo, visto que delas se completa um só; Sócrates, sim, enquanto criado e corruptível, é composto e dividido em partes. Deus, porém, é incriado, impassível e indivisível. Portanto, não é composto de partes. Contudo, se cada um deles ocupa seu próprio lugar, sendo aquele que criou o mundo mais alto que todas as coisas e estando acima do que ele fez e ordenou, onde estará o outro ou os outros? Com efeito, se o mundo, que tem forma esférica perfeita, é limitado pelos círculos do céu, o Criador desse mesmo mundo está acima de tudo o que foi criado, conservando tudo com a sua providência, que lugar resta para o outro ou outros deuses? Porque não está no mundo, já que pertence a outro; nem em torno do mundo, pois o Deus Criador do mundo está acima deste. E se não está no mundo, nem em torno do mundo (porque tudo o que rodeia este é mantido pelo Criador), onde está? Acima do mundo e de Deus, em outro mundo e em torno a outro mundo? Mas se está noutro e em torno de outro, já não está em torno de nós (pois não tem poder sobre este mundo), nem é grande em si mesmo, pois está em lugar limitado. E se não está em outro mundo, porque tudo é repleto pelo criador do mundo, nem em torno a outro, porque tudo é mantido por este, então, definitivamente, não existe, pois não existe lugar onde esteja. O que é que faz, tendo outro de quem é o mundo e estando ele acima do Criador do mundo, mas não estando nem no mundo, nem ao redor do mundo? Existe, porém, um ponto de apoio em que se apóie aquele que foi feito contra aquele que é? Acima dele, porém, está Deus e as obras de Deus. E qual será o lugar, visto que o Criador preenche o que está acima do mundo? Têm providência? Não! Não tem providência também, porque não fez nada. Por fim, se nada faz, não tem providência, nem outro lugar onde esteja, existe, desde o princípio, um único e só: o Deus Criador do mundo.

Capítulo IX  - Se nos contentássemos com esses argumentos de razão, poder-se-ia pensar que a nossa doutrina é humana. Entretanto, nossos arrazoados são confirmados pelas palavras dos profetas. Penso que vós, que sois amicíssimos do saber e instruidíssimos, não desconheceis os escritos de Moisés, nem de Isaías, Jeremias e outros profetas que, saindo de seus próprios pensamentos, por moção do Espírito divino, falaram o que neles se realizava, pois o Espírito se servia deles como flautista que sopra a flauta. Que dizem os profetas? “O Senhor é nosso Deus; não será contado nenhum outro com ele”. E ainda: “Eu sou Deus antes e depois, além de mim não há Deus.” Igualmente: “Antes de mim não existiu outro Deus, e depois de mim não existirá. Eu sou Deus e não outro além de mim.” E a respeito de sua grandeza: “O céu é o meu trono e a terra é o escabelo de meus pés. Que casa me edificarás, ou qual é o lugar do meu descanso?” Deixo para vós, inclinados sobre os livros deles, examinar mais suas profecias, a fim de que, através de um raciocínio conveniente, recuseis a calúnia contra nós.

Capítulo X - Afirmação da fé monoteísta e trinitária
Desse modo, fica suficientemente demonstrado que não somos ateus, pois admitimos um só Deus, incriado, eterno, e invisível, impassível, incompreensível e imenso, compreensível à razão só pela inteligência, rodeado de luz, beleza, espírito e poder inenarrável, pelo qual tudo foi feito através do Verbo que dele vem, e pelo qual tudo foi ordenado e se conserva. De fato, dele vem, e pelo qual tudo foi ordenado e se conserva. De fato, reconhecemos também um Filho de Deus. E que ninguém considere ridículo que, para mim, Deus tenha um Filho. Com efeito, nós não pensamos sobre Deus, e também Pai, e sobre seu Filho como fantasiam vossos poetas, mostrando-nos deuses que não são em nada melhores do que os homens, mas que o Filho de Deus é o Verbo do Pai em idéia e operação, pois conforme a ele e por seu intermédio tudo foi feito, sendo o Pai e o Filho um só. Estando o Filho no Pai e o Pai no Filho por unidade e poder do espírito, o Filho de Deus é inteligência e Verbo do Pai. Se, por causa da eminência de vossa inteligência, vos ocorre perguntar o que quer dizer “filho”, eu o direi livremente: o Filho é o primeiro broto do Pai, não como feito, pois desde o princípio Deus, que é inteligência eterna, tinha o Verbo em si mesmo; sendo eternamente racional, mas como procedendo de Deus, quando todas as coisas materiais eram natureza informe e terra inerte e estavam misturadas as coisas mais pesadas com as mais leves, para ser sobre elas idéia e operação. E o Espírito profético concorda, com o nosso raciocínio, dizendo: “O Senhor me criou como princípio de seus caminhos para suas obras”. Com efeito, dizemos que o mesmo Espírito Santo, que opera nos que falam profeticamente, é uma emanação de Deus, emanando e voltando como um raio de sol. Portanto, quem não se surpreenderá ao ouvir chamar de ateus indivíduos que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e um Espírito Santo, que mostram seu poder na unidade e sua distinção na ordem? E a nossa doutrina teológica não pára aqui, mas dizemos que existe uma multidão de anjos e ministros, aos quais Deus Criador e Artífice do mundo, por meio do Verbo que dele procede, distribuiu e ordenou, para que estivessem em torno dos elementos, dos céus, do mundo, do que há no mundo, e cuidassem de sua boa ordem.

Capítulo XI - Não vos maravilheis de que eu exponha tão detalhadamente nossa doutrina, pois todo o meu afã de exatidão se orienta a que não vos deixeis arrastar pela opinião vulgar e irracional, mas que tenhais o meio de conhecer a verdade. E assim que, pelos mesmos preceitos aos quais aderimos e que não são humanos, mas ditos por Deus e por Deus ensinados, podemos persuadir-vos de que não somos ateus. Quais são essas doutrinas com as quais nos nutrimos? “Eu vos digo: amai os vossos inimigos, bendizei aqueles que vos amaldiçoam, orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus, que faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos”. Permiti-me aqui, pois este discurso foi ouvido com grandes aplausos, que prossiga com confiança, como quem pronuncia a sua defesa diante de imperadores filósofos. Com efeito, quem, dentre os que analisam os silogismos, solucionam os equívocos, esclarecem as etimologias, ou que ensinam os homônimos e sinônimos, os categoremas, os axiomas, o que é o sujeito e o que é predicado; quais desses prometem fazer felizes os seus discípulos por essas ou semelhantes doutrinas? Quais desses têm almas tão purificadas que amem os seus inimigos ao invés de odiá-los, e abençoem a quem primeiro os amaldiçoou - coisa naturalíssima -, e roguem contra aqueles que atentam contra a sua própria vida? Ao contrário, eles passam a vida aprofundando com má intenção seus próprios mistérios, estão sempre desejando fazer algum mal, pois professam não uma demonstração de obras, mas uma arte de palavras. Entre nós, porém, é fácil falar a pessoas simples, artesãos e velhinhas que, se não são capazes de manifestar a utilidade da sua religião, a demonstram pela prática. Com efeito, não aprendem discursos de cor, e sim manifestam boas ações: não ferir a quem os fere, não perseguir na justiça a quem os despoja, dar a todo aquele que lhes pede e amar ao próximo como a si mesmos.

Capítulo XII  - Ora, se não acreditássemos que Deus preside ao gênero humano, poderíamos levar uma vida tão pura? Não é possível dizer. Mas como estamos persuadidos de que teremos de dar contas de toda a nossa vida presente a Deus, que fez a nós e ao mundo, escolhemos a vida moderada, caritativa e desprezada, pois pensamos que não podemos sofrer mal tão grande aqui, mesmo quando nos tirem a vida e qual será a recompensa que receberemos lá do grande juiz por uma vida mansa, caritativa e modesta. Platão disse que Minos e Radamante julgariam e castigariam os maus. Nós, porém, dizemos que nem o próprio Minos ou Radamante ou o pai deles escapará do julgamento de Deus. Além disso, homens que consideram essa vida como “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos” e fazem da morte um sono profundo e puro esquecimento - “a morte e o sono, irmãos gêmeos” - são considerados piedosos. Nós, porém, homens que consideramos a vida presente de curta duração e de mínima estima, que nos dirigimos pelo único desejo de conhecer o Deus verdadeiro e o Verbo que dele procede - qual é a comunicação do Pai com o Filho, que coisa é o Espírito, qual é a união de tão grandes realidades, qual a distinção dos assim unidos, do Espírito, do Filho e do Pai-;nós que sabemos que a vida que esperamos é superior a tudo quanto a palavra pode expressar, se chegarmos até ela puros de toda iniqüidade; nós que vivemos a nossa caridade até amar não só os nossos amigos, como diz a Escritura: “Se amais os que vos amam e emprestais aos que vos emprestam, que recompensa tereis?”, a nós que somos tais e vivemos tal vida para fugirmos de ser julgados, não somos considerados religiosos?
Tudo isso são pequenas amostras de grandes coisas, poucas entre muitas, a fim de não vos molestarmos com a prolixidade. Com efeito, os que provam o mel ou o soro, através de uma pequena quantia, examinam se o todo é bom.

Capítulo XIII  - Contudo, já que aqueles que nos acusam de ateísmo - vulgo que não sabe sequer em sonho que é Deus, tão ignorantes e alheios que são à contemplação tanto da razão teológica como da física, que medem a religião por lei de sacrifícios - nos reprovam por não termos os mesmos deuses que as cidades, considerai, vos peço, ó imperadores, um e outro ponto do modo que segue, e, antes de tudo, a reprovação por não sacrificar. O Artífice e Pai deste universo não tem necessidade nem de sangue nem de gordura, nem de perfume de flores e incensos, já que ele é o perfume perfeito; nada lhe falta, e de nada necessita. Para ele o máximo sacrifício é que reconheçamos quem estendeu e deu força esférica aos céus e assentou a terra como centro, que reuniu as águas em mares e separou a luz das trevas, quem adornou o éter com astros e fez que a terra produzisse sementes, quem criou os animais e plasmou o homem. Considerando, pois, Deus como artífice que contém tudo e que olha tudo com a ciência e a arte com que dirige tudo, e levantando as nossas mãos puras para ele, que necessidade há de catástrofes?
“Os homens tratam de dobrá-los com sacrifícios e suaves súplicas, com libação e gordura, suplicando-lhes quando alguém comete transgressão e pecado”. Que falta me fazem os holocaustos de que Deus não necessita? E que falta me faz apresentar oferendas, quando se deve ofere cer-lhe sacrifícios incruentos, que é culto racional?

Capítulo XIV - Sobre o fato de não nos aproximarmos ou termos como deuses os mesmos que as cidades têm, é palavra totalmente idiota; mas nem aqueles que nos acusam de ateísmo por não considerarmos como deuses aqueles aos quais de modo vão se aproximam, concordam entre si a respeito dos deuses. Os atenienses estabelecem como deuses Celeu e Metanira; os lacedemônios estabelecem Menelau, e a ele sacrificam e celebram festas; os troianos, que não podem sequer ouvir seu nome, estabelecem Heitor; os habitantes de Queos estabelecem Aristeu, que identificam com Zeus e Apolo; os tássios estabelecem Teágenes, que cometeu homicídio nos jogos olímpicos; os habitantes de Samos estabelecem Lisandro, depois de tantas mortes e tantos males; os cilícios consideram Medéia e Níobe; os sículos consideram Filipe, filho de Butacides; os amatúsios consideram Onesilau; os cartagineses consideram Amílcar. O dia acabaria se eu tivesse que enumerar toda a multidão. Se eles entre si não estão de acordo sobre seus próprios deuses, por que nos acusam de não coincidir com eles? Quanto aos egípcios, a coisa chega ao ridículo. Em suas grandes reuniões, eles batem no peito nos templos, como pelos mortos, e lhes oferecem sacrifícios como a deuses; e ninguém estranha que introduzam animais como deuses, raspem a cabeça quando morrem, os enterrem nos templos e organizem lutos públicos. Se nós, portanto, por não praticar a religião como eles, somos ímpios, todas as cidades e todas as nações são ímpias, pois não são todos que têm os mesmos deuses.

Capítulo XV  - Aceitemos, porém, que todos admitissem os mesmos deuses. E daí? Se o vulgo, incapaz de distinguir entre matéria e Deus, e de compreender a diferença que existe de uma para outro, recorre aos ídolos feitos de matéria, deveremos também nós adorar as estátuas para agradá-los? Nós, que distinguimos e separamos o incriado do criado, o ser do não-ser, o inteligível do sensível, e que damos nome conveniente a cada uma dessas coisas? Com efeito, se a matéria e Deus são a mesma coisa, e se trata apenas de dois nomes para a mesma realidade, não aceitando como deuses as pedras, a madeira, o ouro e a prata, cometemos uma impiedade; contudo, se existe imensa distância entre um e outro, como do artista para os instrumentos de sua arte, por que nos acusam? Como o oleiro e o barro, o barro é a matéria e o oleiro é o artista, assim Deus é o artífice, e a matéria lhe obedece em vista da arte. Mas como o barro sem a ação do artista não pode por si mesmo converter-se em vasos, também a matéria, capaz de qualquer forma, não teria recebido em distinção nem figura nem ornato sem a ação do Deus artífice. Ora, nós não consideramos o vaso mais digno de honra do que o seu fabricante, nem as taças de ouro mais dignas de honra do que aquele que as fundiu, mas, se vemos nelas alguma habilidade artística, louvamos o artista e é este que colhe o fruto da glória dos vasos. Do mesmo modo, tratando-se de Deus e da matéria, não é esta que recebe a glória e a justa honra pela ordenação do mundo, mas Deus, artífice da matéria. Assim, se considerássemos como deuses as formas da matéria, daríamos prova de não ter o sentido do Deus verdadeiro, equiparando o dissolúvel e corruptível ao eterno.

Capítulo XVI  - Certamente o mundo é belo, abarca tudo com a sua grandeza, pela disposição dos astros da ecléptica e os do setentrião, e por sua forma esférica; contudo, não é a ele, mas ao seu artífice que se deve adorar. Com efeito, nem mesmo vossos súditos que recorrem a vós, seus donos e senhores, dos quais podem conseguir o que necessitam, vos deixam de honrar para deter-se na magnificência de vossa moradia; de passagem, eles olham vosso palácio imperial e admiram sua bela feitura; contudo, a glória e a honra eles as tributam inteiramente a vós. E de se notar que vós, os reis, construís para vós mesmos vossas régias moradas; o mundo, porém, não foi feito porque Deus necessitasse dele, pois Deus é tudo para si mesmo, luz inacessível, mundo perfeito, espírito, poder, verbo. Portanto, se o mundo é um instrumento harmonioso que se move conforme um ritmo, eu não adoro o instrumento, mas a quem lhe dá harmonia, o faz emitir os sons e entoa o canto afinado. Nem mesmo nos jogos públicos os atletas deixam de lado os tocadores de cítaras e coroam as cítaras deles. Se o mundo é, como diz Platão, uma obra de Deus, admirando sua beleza, eu me dirijo ao artista. Se é essência e corpo, como querem os peripatéticos, não vamos deixar de adorar a Deus, causa do movimento desse corpo, para cair nos elementos míseros e fracos, preferindo em nossas adorações a matéria passível ao éter que, segundo eles, é impassível. E se existe quem entende as partes do mundo como potências de Deus, não vamos prestar honras às potências, mas ao criador e dono delas. Não peço à matéria o que ela não tem, nem abandono a Deus para servir aos elementos, que podem apenas aquilo que lhes é ordenado. Se é certo que são formosas à vista por perícia do artífice, nem por isso deixam de ser perecíveis por natureza da matéria. O próprio Platão confirma meu raciocínio. Ele diz: “O que chamamos céu e mundo, embora participe de muitos e afortunados bens da parte do Pai, contudo, também tem a comunicação do corpo e, por isso, é impossível que esteja isento de toda mudança”. Se, embora admirando o céu e os elementos por causa da arte que neles resplandece, não os adoro como a deuses, pois conheço a razão de dissolução que pesa sobre eles, como chamarei deuses aos que eu sei que têm homens como artífices?

O que você destaca neste texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?


















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