52
Estudo
sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Segundo Livro a Autólico (Capítulo 12 – 17)
Capítulo XII – Cosmologia bíblica
Ninguém pode explicar de modo digno a obra dos seis
dias, nem traçar sua economia completa, mesmo que tivesse mil bocas e mil
línguas; mesmo que vivesse mil anos na presente vida, nem assim seria capaz de
dizer algo digno dela, por causa da soberana grandeza e riqueza da sabedoria de
Deus, que estão contidas nesta descrição da obra de seis dias. Certamente
muitos escritores a imitaram e quiseram dar-lhe uma explicação; contudo, mesmo
tomando esse ponto de partida, eles não exprimiram senão uma centelha digna da
verdade, seja a respeito do mundo, seja sobre a natureza do homem. As
explicações dos filósofos, historiadores e poetas parecem dignas de crédito
porque estão adornadas de bela expressão; contudo, no fundo, vê-se que são
néscias e vazias, pois contêm apenas uma multidão de bobagens e nelas não é
dito nem sequer uma sombra de verdade. E se parece que dizem algo de
verdadeiro, acha-se misturado com o erro. Como um veneno mortal, ao qual se
mistura mel, vinho ou qualquer outra coisa, torna tudo prejudicial e inútil,
assim também se percebe que a verbosidade deles é pura inanidade, ou melhor,
prejuízo para aqueles que nela crêem.
Alguma coisa ainda sobre o sétimo dia, sobre o qual
todos os homens falam, mas cuja razão a maior parte desconhece. De fato, o que
os hebreus chamam de sábado significa em grego sétimo dia, nome que todo o
gênero humano lhe dá, sem saber, porém, por que assim é chamado. O que o poeta
Hesíodo diz, afirmando que do Caos nasceu o Érebo, a Terra e o Amor, que
domina, segundo ele, a todos, seja deuses, seja homens, é dito de maneira vazia
e fria e totalmente alheia à verdade. Com efeito, Deus não deve se deixar
vencer pelo prazer, quando até os homens temperantes se abstêm de todo prazer
vergonhoso e de todo mau desejo.
Capítulo XIII – Cosmologia bíblica (cont.)
Além disso, ao começar o relato da criação pelas
coisas da terra, aqui de baixo, Hesíodo tem pensamento puramente humano, baixo,
fraco para ser aplicado a Deus. É o homem que, sendo daqui de baixo, começa a
construir pela terra, e logicamente não pode pôr o telhado antes de ter
assentado os alicerces. O poder de Deus, porém, se manifesta antes de tudo em
fazer as coisas do nada e depois fazer como quiser. De fato, o que é impossível
para os homens é possível para Deus. Por isso, o profeta diz que antes foi
criado o céu, que tem forma de teto, dizendo: “No princípio, Deus fez o céu”,
isto é, que o céu foi feito pelo Princípio, conforme dissemos antes. De certo
modo, chama a terra de solo e alicerce, e de abismo à imensidão das águas, e
também de trevas, porque o céu, criado por Deus, cobria como uma tampa tanto as
águas como a terra. O espírito, que se mantinha sobre a água, o qual Deus deu
para animação da criação, como deu a alma ao homem, misturando o sutil com o
sutil- pois o espírito é sutil e a água também o é -, para que o espírito
alimente a água, e a água, com o espírito, alimente a criação, penetrando-a por
todas as partes. Esse único espírito, ocupando o lugar da luz, se mantinha
entre a água e o céu, a fim de que, de certa maneira, as trevas não se
comunicassem com o céu, que está mais próximo de Deus, antes que Deus dissesse:
“Faça-se a luz”. Assim, o céu, como uma abóbada, continha a matéria, semelhante
a uma bola. Com efeito, outro profeta, chamado Isaías, falando a respeito do
céu, disse: “Este é o Deus que fez o céu como uma abóbada e o estendeu como uma
tenda para nele habitar”.
Assim, a ordenação de Deus, isto é, seu Verbo,
brilhando como uma lâmpada em casa fechada, iluminou a terra subceleste por uma
criação fora do mundo. E Deus chamou à luz dia e à noite trevas, pois o homem
certamente não teria sabido chamar à luz dia, nem à noite trevas, como também
não saberia dar nome às demais coisas, se não tivessem recebido seus nomes de
Deus, que as criou. No começo da história e da criação, a Escritura santa não
falou desse firmamento que vemos, e sim de outro céu invisível para nós; só
depois o nosso céu visível se chamou firmamento. Nele está recolhida metade das
águas, para fornecer à humanidade chuvas, tempestades e orvalhos; a outra
metade foi deixada na terra para os rios, fontes e mares. Assim, quando a água
ainda cobria a terra, principalmente nos lugares baixos, Deus fez, através de
seu Verbo, com que a água se reunisse em um só lugar e que a parte seca se
tornasse visível, pois no princípio era invisível. A terra tornada visível
estava ainda informe. Deus lhe deu forma e a adornou com toda espécie de ervas,
sementes e plantas.
Capítulo XIV – Cosmologia bíblica (cont.)
Além disso, considera a diversidade que há nessas
coisas, sua variada beleza e multidão, e como, através deles, se nos manifesta
a ressurreição, sendo prova daquela que um dia se realizará em todos os homens.
De fato, se refletes bem, quem não se admirará que de uma semente minúscula de
figo se forme uma figueira e que de outras peque ninas sementes nasçam árvores
enormes?
O mundo também nos oferece semelhança com ornar.
Assim como o mar teria secado há muito tempo por causa de seu sal se não
houvesse afluência dos rios e fontes que lhe fornecem alimento, de modo
semelhante o mundo, se não tivesse recebido a lei de Deus e os profetas, que
fazem correr para ele fontes de doçura, misericórdia e justiça e mantêm o
ensinamento dos santos mandamentos de Deus, também já teria perecido por causa
da maldade e do pecado que nele se multiplica. Do mesmo modo que no mar existem
ilhas habitáveis, com água e vegetação, enseadas e portos para refúgio durante
as tempestades, assim Deus deu ao mundo, em meio às tormentas e ondas de
pecados, os lugares de reunião, as chamadas igrejas santas, nas quais, como nas
ilhas de portos acolhedores, se encontramos ensinamentos da verdade, nas quais
se refugiam os que querem salvar-se, tornados amantes da verdade e decididos a
fugir da cólera e do julgamento de Deus. Há, porém, outras ilhas rochosas, sem
água nem vegetação, repletas de feras, inabitáveis, para dano dos navegantes e
náufragos, onde os navios atracam e perecem os que e elas descem; do mesmo
modo, há também doutrinas que extraviam, isto é, as das heresias, que levam à
perdição aqueles que aderem a elas. Porque não se guiam pelo Verbo da verdade,
mas à maneira dos piratas que, enchendo os navios, os atracam em recifes para
arruiná-las. Assim acontece com aqueles que se extraviam da verdade, que acabam
perecendo por causa do erro.
Capítulo XV – Cosmologia bíblica (cont.)
No quarto dia foram criados os luzeiros. Deus, que
sabe tudo de antemão, sabia as bobagens que os vãos filósofos iriam dizer, com
intenção de eliminar a Deus: que tudo quanto nasce na terra se deve ao influxo
dos elementos. Por isso, para que a verdade ficasse clara, as plantas e as
sementes foram criadas antes dos elementos, pois o posterior não pode produzir
o que é anterior.
Os luzeiros contêm o exemplo e símbolo de um grande
mistério, pois o sol é símbolo de Deus e a lua o é do homem. Como o sol difere
muito da lua em poder e glória, assim Deus é muito diferente da humanidade;
como o sol permanece sempre cheio e não diminui, assim Deus permanece sempre
perfeito, repleto de poder, inteligência, sabedoria, imortalidade e de todos os
bens. Em troca, a lua perece cada mês, e de certo modo, morre, e é símbolo de
como é o homem; depois torna a nascer e cresce, para demonstrar a ressurreição
futura.
Igualmente os três dias que precedem a criação dos
luzeiros são símbolo da Trindade, de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria. No
quarto símbolo está o homem, que necessita de luz. Assim temos: Deus, Verbo,
Sabedoria, Homem. É também por isso que os luzeiros foram criados no quarto
dia.
Por outro lado, a disposição dos astros representa
a economia e a ordem dos justos e piedosos, que guardam a lei e os mandamentos
de Deus. Com efeito, os astros mais visíveis e brilhantes representam os
profetas; por isso permanecem fixos, não mudando de um lugar para outro.
Aqueles que ocupam o segundo grau de brilho são tipo do povo dos justos; por
fim, os que mudam e passam de um lugar para outro, os chamados planetas, são
símbolo dos homens que se afastam de Deus, abandonando sua lei e seus
mandamentos.
Capítulo XVI – Cosmologia bíblica (cont.)
No quinto dia foram criados os animais que procedem
das águas, pelas quais e nas quais se mostra a multiforme sabedoria de Deus. De
fato, quem seria capaz de enumerar sua quantidade e a variedade de suas
variadíssimas espécies? Além disso, o que foi criado das águas por Deus foi
abençoado por ele, para que isso servisse de prova sobre o que os homens
deveriam receber: penitência e remissão dos pecados através da água e banho de
regeneração, todos os que se aproximam da verdade, renascem e recebem a bênção
de Deus.
Os monstros marinhos e as aves carnívoras são
símbolo dos avarentos e transgressores. De fato os animais aquáticos e aves,
embora sendo de uma única natureza, alguns permanecem no que é conforme a
natureza, sem prejudicar aos mais fracos, guardam a lei de Deus e se alimentam
das sementes da terra; outros transgridem a lei de Deus, comendo carne, e
prejudicam os mais fracos. De modo semelhante, os justos, guardando a lei de
Deus, não mordem nem causam dano a ninguém, vivendo santa ejustamente; mas os
ladrões, assassinos e ateus assemelham-se aos monstros marinhos, às feras e
aves carnívoras, pois de certo modo engolem os mais fracos.
Capítulo XVII – Cosmologia bíblica (cont.)
No sexto dia, Deus fez os quadrúpedes, as feras e
os répteis da terra, mas não se fala da bênção correspondente, guardando-a para
o homem, que criaria no mesmo sexto dia. Assim, os quadrúpedes e feras se
tornaram tipo de alguns homens que desconhecem a Deus, que são ímpios e não
fazem penitência. De fato, os que se convertem de suas iniqüidades e vivem
justamente voam como aves em sua alma, sentindo as coisas de cima e agradando à
vontade de Deus; mas os que desconhecem a Deus e vivem de modo ímpio são parecidos
com essas aves, que tem asas e não podem voar, nem subir até a altura da
divindade. De modo semelhante, estes se chamam homens, mas sentem o que é baixo
e terreno, pois estão pesados por causa de seus pecados. Quanto às feras, elas
se chamam assim por causa da sua ferocidade, não porque desde o princípio
fossem más ou venenosas, pois nada do que é mau foi criado por Deus desde o
princípio; ao contrário, tudo era bom e até muito bom, mas o pecado do homem as
tornou más. Quando o homem se tornou transgressor, elas também transgrediram. É
como numa casa: se o senhor se comporta bem, os domésticos não têm outro
remédio a não ser comportar-se bem; contudo, se o senhor peca, os servidores
pecam junto com ele. Da mesma forma, quando o homem, que é o senhor, pecou,
também os animais, seus escravos, pecaram com ele. Portanto, quando o homem
voltar a viver conforme a natureza e não agir mal, também os animais serão
estabelecidos em sua mansidão original.
·
O que desejo destacar no texto?
·
Como este texto serviu para a
minha espiritualidade?
Nenhum comentário:
Postar um comentário