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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração
da Pregação Apostólica (Cap. 1-5)
Introdução
a Demonstração da Pregação Apostólica
A Demonstração
foi escrita em 180 e é dirigida a tal Marciano e, assim, aparentemente
epistolar, é uma equilibrada composição entre catequese e apologia, um
“catecismo superior”.
Está organizada
em duas partes. Depois de um breve endereço e de uma introdução (cc. 1-3), a Primeira
Parte (cc. 4-41) é dedicada à História da salvação: Deus e a criação, o pecado
do homem e a misericórdia de Deus, e a realização da salvação através de Jesus
Cristo.
A Segunda
Parte (cc. 42-97) é a demonstração propriamente dita, ou seja, Irineu demonstra,
através dos textos do Antigo Testamento, a realização da História da salvação.
Nessa Parte, são abordadas: a preexistência e a encarnação do Logos, o
Filho de Deus, as profecias sobre Jesus e o seu cumprimento, e a Igreja como cumprimento
das profecias messiânicas.
Há uma conclusão
(cc. 97-100) que contém advertências de como se vive a fé, em oposição às
heresias e aos incrédulos.
Percebe-se, na Demonstração,
portanto, que Irineu quer, de fato, “demonstrar” a pregação recebida da geração
apostólica, especialmente através da releitura cristã do Antigo Testamento,
visando formar o cristão adulto. Temos nas mãos, verdadeiramente, um “catecismo
superior”. Nele, exara a segurança da fé em Cristo na perspectiva da história
da salvação, a consciência de pertença à Igreja e o entusiasmo catequético –
apologético e evangelizador – do santo bispo de Lyon.
Demonstração
da Pregação Apostólica
O
Caminho da vida
1. Conheço, caro
Marciano, a tua diligência a caminhar no caminho da piedade, que só conduz o
homem à vida eterna; me alegro e rezo para que, conservando pura a fé, tu sejas
agradecido a Deus, teu Criador. Podíamos estar sempre juntos para nos ajudarmos
mutuamente a aliviar as preocupações da vida terrena como uma troca contínua de
pensamentos sobre temas úteis. Como estamos fisicamente longe um do outro, decidimos,
nos limites do possível, nos entreter por escrito, e te expor brevemente a pregação
da verdade, para que te consolides na fé. O que te enviamos é uma série de anotações
sobre pontos fundamentais do corpo da verdade; e que, com este compêndio, tenhas
à mão as provas das realidades divinas. Assim, o resultado servirá não apenas à
tua salvação, mas também à confutação daqueles que cultivam falsas opiniões, e
a quem o quer conhecer, tu exporás com segurança o nosso ensinamento na sua
integridade e pureza. De fato, para aqueles que veem, não existe senão uma
estrada em ascensão, iluminada pela luz celeste; mas para aqueles que não veem,
as estradas são muitas, sem iluminação e descendentes. A primeira estrada
conduz ao Reino dos Céus e une o homem a Deus; as outras estradas conduzem à
morte e se afastam de Deus. Portanto, para ti e para quem tem no coração a sua
salvação, é necessário caminhar na fé, sem desviar, com coragem e determinação,
para evitar que, faltando tenacidade e perseverança, não se entreguem aos
prazeres materiais ou que, errando a estrada, se
afastem do reto caminho.
Fé
e obras
2. Como o homem
é um ser vivente, composto de alma e corpo, necessita agir segundo esses dois
componentes. E porque as ocasiões de queda provêm de ambas as partes, existe
uma santidade do corpo, que é a continência de todas as coisas descaradas e de toda
ação iníqua, e uma santidade da alma, que conserva intacta a fé em Deus, sem acrescentar
ou tirar nada. Por isso, a piedade é manchada e perde a sua candura quando é
contaminada pela impureza do corpo; se rompe, se macula e se desintegra quando
o erro entra na alma; [mas] se manterá a beleza e a justa medida se a verdade
permanece constantemente na alma e na santidade do corpo. Mas a que serve conhecer
a verdade através das palavras, se se profana o corpo e se se realizam ações
degradantes? Qual vantagem haverá ao conservar realmente a santidade do corpo
se a verdade não está na alma? Ambas, de fato, devem estar juntas, são aliadas,
e combatem lado a lado para conduzir o homem à presença de Deus. Por esse
motivo, o Espírito Santo, através de Davi, diz: “Feliz o homem que não vai ao
conselho dos ímpios, não para no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda
dos zombadores”. “Conselho dos ímpios” significa o conselho dos povos que não
conhecem a Deus; de fato, “ímpios” são aqueles que não veneram aquele que é
Deus por natureza. Por isso, o Verbo disse a Moisés: “Eu sou aquele que é”.
Dessa forma, aqueles que não veneram aquele que verdadeiramente é, são ímpios.
“[Aquele que] não anda pelo caminho dos pecadores”. “Pecadores” são aqueles
que, mesmo que conheçam a Deus, não observam os mandamentos, as pessoas que
vilipendiam a Deus. “Nem toma parte [na cátedra] nas reuniões dos zombadores [cínicos]”.
Cínicos são aqueles que, com doutrinas falsas e perversas, corrompem não somente
a si próprios, mas também outros. A “cátedra” é, de fato, símbolo da escola. Tais
são os hereges, “tomam parte na cátedra dos cínicos” e levam à corrupção
aqueles
que tomam o veneno de suas doutrinas.
A
regra da fé e as consequências para o crente
3. Ora, pelo
temor de qualquer coisa de similar, nós devemos manter inalterada a Regra da Fé
e cumprir os mandamentos de Deus crescendo nele, temendo-o como Senhor, e amando-o
como Pai. Tal comportamento, então, é uma conquista da fé, pois, como diz Isaías:
“Se não crerdes, não vos mantereis firmes”.
A fé é dada pela verdade, pois a fé se funda
sobre a verdade. De fato, nós cremos no que realmente é, e como é; e, crendo no
que realmente é, como sempre é, manteremos a nossa firme adesão. Ora, como a fé
sustenta nossa salvação, é necessário dar muita atenção para obter uma
verdadeira inteligência da verdade. É a fé que nos mostra tudo isto como nos
comunicaram os presbíteros, discípulos dos apóstolos. Antes de tudo, a fé nos
convida com insistência a recordar que recebemos o batismo para a remissão dos
pecados em nome de Deus Pai e em nome de Jesus Cristo, Filho de Deus encarnado,
morto e ressuscitado, e no Espírito Santo de Deus; que o batismo é o selo da
vida eterna, o novo nascimento em Deus, de modo que já não somos mais filhos de
homens mortais, mas de Deus eterno e indefectível; que o Eterno e o
Indefectível é Deus, acima de todas as criaturas, e que cada coisa, de qualquer
espécie, está sujeita a ele, e o que está sujeito a ele foi por ele criado.
Deus, por isso, não exercita o seu poder e a sua soberania sobre o que pertence
a outros, mas sobre o que é seu. E tudo é de Deus. De fato, Deus é onipotente,
e tudo provém dele.
I
– A Catequese dos Apóstolos (cc. 4-41)
Deus
na origem do mundo
4. Por isso, é
necessário que as coisas criadas tenham por princípio uma qualquer grande causa,
e o princípio de tudo é Deus. Ele não deriva de algo, enquanto por ele foi
criado cada ser. Por isso, é necessário, antes de tudo, admitir que existe um
só Deus Pai, que criou e pôs em ordem o conjunto dos seres, e fez existir o que
não existia e que, circunscrevendo o universo, é o único a não ser
circunscrito. No complexo das coisas criadas, existe este nosso mundo e, no
mundo, o homem. Então, também este mundo foi criado por Deus.
A
ação do Verbo e do Espírito Santo no cosmo
5. Assim, então,
se demonstra um só Deus, Pai, incriado, invisível, criador do universo, acima
do qual não existe Deus, como não existe depois dele. Deus é racional e, por
isso, todos os seres foram criados pelo seu Verbo; Deus é Espírito e, assim,
ordenou todas as coisas, como diz o profeta: “O céu foi feito com a palavra de
Iahweh, e seu exército com o sopro de sua boca”. Ora, como o Verbo
“estabelece”, é aquele que cria e consolida tudo o que existe, e o Espírito
ordena e dá forma às diversas “potências” justamente com propriedade de
linguagem, o Verbo é chamado Filho e o Espírito Sabedoria de Deus. Paulo diz a
esse propósito: “Há um só Deus Pai de todos, que está acima de todos, por meio
de todos e em todos”. Então, o Espírito mostra o Verbo; os profetas, por sua
vez, anunciaram o Filho de Deus, mas o Verbo liga a si o Espírito, e por isso é
ele que comunica aos profetas a mensagem, e eleva o homem ao Pai.
O que você
deseja destacar no texto?
Como ele foi
útil para sua espiritualidade?
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