65
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração
da Pregação Apostólica (Cap. 6-14)
Os
três artigos da fé
6. Eis a ordem
da nossa fé, o fundamento do edifício e a base da nossa conduta: Deus Pai, incriado,
incircunscrito, invisível, único Deus, criador do universo. Tal é o primeiro e
principal artigo de nossa fé. O segundo é o Verbo de Deus, Filho de Deus, Jesus
Cristo, nosso Senhor, que apareceu aos profetas segundo o desígnio de sua
profecia e segundo a economia disposta pelo Pai; por meio dele foi criado o
universo. E no fim dos tempos, para recapitular todas as coisas, [o Verbo] se
fez homem entre os homens, visível e tangível, para destruir a morte, para
manifestar a vida e restabelecer a comunhão entre Deus e o homem. E como
terceiro artigo, o Espírito Santo, de cujo poder os profetas profetizaram, e os
Padres foram instruídos com relação a Deus, e os justos foram guiados no
caminho da justiça, e que no fim dos tempos foi difundido de um modo novo sobre
a humanidade, por toda a terra, renovando o homem para Deus.
7. Por isso, o
batismo, nosso novo nascimento, tem lugar para estes três artigos, e nos
concede renascer a Deus Pai por meio de seu Filho no Espírito Santo, porque os
portadores do Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho, que é
quem os acolhe e os apresenta ao Pai, e o Pai lhes dá a incorruptibilidade. Sem
o Espírito, é, pois, impossível ver o Verbo de Deus, e sem o Filho, nada pode
aproximar-se do Pai, porque o Filho é o conhecimento do Pai, e o conhecimento
do Filho se obtém por meio do Espírito Santo. Mas o Filho, segundo a bondade do
Pai, dispensa como ministro o Espírito Santo a quem quer, e como o Pai quer.
8. Se o Espírito
chama o Pai, Altíssimo, Onipotente e Senhor das potências, é para nos ensinar
que tal é Deus, isto é, criador do céu e da terra e de todo o universo, criador
dos anjos e dos homens e Senhor de todos, por meio do qual tudo existe e é
conservado com vida, misericordioso, compassivo, cheio de ternura, bom, justo,
Deus de todos, dos judeus, dos gentios e dos crentes; porém, dos crentes é Deus
Pai, porque, no fim dos
tempos, abriu o testamento da adoção
filial; dos judeus, ao invés, é Senhor e legislador, porque, quando, nos tempos
medianos, aqueles homens esqueceram Deus, afastando-se e rebelando-se com ele,
os reconduziu à obediência mediante a Lei, a fim de que aprendessem que tinham
um Senhor que é autor, criador e que dá o sopro de vida, ao qual devemos
prestar culto dia e noite; dos gentios é criador, demiurgo e onipotente. Para
todos, sem exceção, é doador de alimento
e comida, rei e juiz, porque nada escapará a seu juízo, nem judeu, nem gentio,
nem nenhum crente que pecou, nem mesmo um anjo. Aqueles que no presente se
negam a crer em sua bondade experimentarão no juízo o seu poder, como diz o
Santo Apóstolo: “[...] desconhecendo que a benignidade de Deus te convida à
conversão. Ora, com tua obstinação e com teu coração impenitente, acumulas
contra ti um monte de ira, no dia da ira em que se revelará o justo julgamento
de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras”. Este é Aquele que na
Lei é chamado o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, Deus dos
vivos. Desse Deus, é indescritível a sua transcendência e a sua magnitude.
A
terra envolvida por sete céus
9. A terra é
circundada por sete céus, nos quais residem inumeráveis potências, anjos e
arcanjos, que rendem culto ao Deus onipotente, não como a qualquer um que tenha
necessidade de culto, mas para não ficarem ociosos, inúteis e ingratos. Por
isso, a presença do Espírito Santo é pluriforme, e é pelo profeta Isaías
enumerada nos sete carismas recebidos pelo Filho de Deus, isto é, pelo Verbo,
em sua vinda como homem. Com efeito, disse: “Sobre ele repousará o espírito de
Iahweh, espírito de sabedoria e inteligência, espírito de conselho e fortaleza,
[espírito de ciência], espírito de conhecimento e de temor de Iahweh”. O
primeiro céu, então, a partir do alto, que compreende todos os outros, é a sabedoria;
o segundo é a inteligência; o terceiro é o conselho; o quarto, em
linha descendente, é a fortaleza; o quinto é a ciência; o sexto é
a piedade; o sétimo, o nosso firmamento, é cheio do temor deste
Espírito, que ilumina os céus. Segundo esse esquema, Moisés recebeu o
candelabro de sete braços continuamente aceso no Santuário. De fato, ordenou a
liturgia segundo esse esquema celeste, como lhe disse o Verbo: “Vê, pois, e
faze tudo conforme o modelo que te foi mostrado sobre a montanha”.
O
papel dos seres do cosmo
10. Esse Deus,
então, é glorificado pelo seu Verbo, que é o Filho eterno, e pelo Espírito
Santo, que é a Sabedoria do Pai do universo. As suas potências, isto é, desse
Verbo e dessa Sabedoria, chamadas também Querubins e Serafins, glorificam a
Deus com cantos incessantes, e todo o aparato celeste tributa glória a Deus,
Pai do universo. Ele, com o Verbo, fez existir o mundo inteiro e, desse modo,
são incluídos os anjos; ao mundo inteiro foram fixadas leis, para que cada qual
fique no seu lugar e não saia do limite estabelecido por Deus, cada qual
cumprindo a obra que lhe foi confiada.
A
criação do homem
11. Deus criou o
homem com as suas mãos, tomando da terra o que existia de mais puro e mais
fino, e misturando na medida certa a sua potência. De fato, traçou sobre esse
composto o seu próprio perfil, de modo que o que seria visível levasse a imagem
divina, porque, como imagem de Deus, o homem foi plasmado e colocado na terra.
E a fim de que se tornasse ser vivo, lhe soprou sobre o rosto o hálito vital,
de modo que, no espírito e no físico, o homem fosse semelhante a ele. [O homem]
foi criado por Deus livre e autônomo para dominar todos os seres da terra. Este
mundo criado, preparado por Deus antes de plasmar o homem, foi dado ao homem
como seu território com todos os bens que continha. Em tal território agiam,
cada qual segundo as próprias tarefas, os servos daquele Deus que criou todas
as coisas; nisso dominava o regente e cabeça que foi constituído chefe dos
servos seus iguais; os servos eram os anjos, enquanto o regente e cabeça era um
arcanjo.
O
Paraíso de luz
12. O homem feito o dono da terra e de
quanto nela se encontra, secretamente [Deus] o fez dono dos servos que
existiam. Estes estavam em pleno desenvolvimento, enquanto o dono, isto é, o
homem, era pequeno, porque menino, e devia crescer para atingir o estado
adulto. A fim de se nutrir e se desenvolver com gozo e alegria, lhe foi
preparado um lugar, o melhor deste mundo, privilegiado pelo ar, pela beleza,
pela luz, pela comida, pelas plantas, pelos frutos, pelas águas, e por todas as
outras coisas necessárias à vida. Esse lugar se chamava Jardim. Assim, tão belo
e agradável era o Jardim, que o Verbo de Deus ia lá habitualmente, passeava e
se entretinha com o homem, prefigurando o que aconteceria no futuro, isto é,
que seria seu concidadão e conversaria com ele, e habitaria com os homens,
ensinando a sua justiça. Mas o homem era menino e o seu senso de
razão não estava ainda desenvolvido.
Assim, foi facilmente enganado pelo sedutor.
Eva,
a imagem perfeita de Adão
13. Então, Deus conduziu diante de Adão,
que estava passeando no Jardim, todos os animais, e lhe ordenou dar um nome a
cada qual, embora ele se chamasse Adão, um ser vivo, tal era o seu nome. Deus
decidiu também criar uma auxiliar para o homem, dizendo: “Não é bom que o homem
esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda”. Entre todos os
viventes, não foi encontrado um ajudante igual, comparável e similar a Adão.
Deus, então, fez descer sobre Adão um êxtase e o adormeceu e, para realizar uma
obra que derivasse de outra obra, foi induzido sobre Adão, por vontade de Deus,
aquele sono que não existia no Paraíso. [Deus] tomou, então, uma costela de
Adão, preencheu de carne o vazio criado e, com a costela extraída, fez a
mulher, que conduziu a Adão. Esse, vendo-a, exclamou: “Esta, sim, é osso dos
meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’, porque foi tirada
do homem”.
O
casal ideal
14. Adão e Eva –
esse é o nome da mulher – estavam nus e sem vergonha, porque os seus
pensamentos eram inocentes e infantis, e não tinham ideia ou imagem que são
gerados na alma pelo mal, cúmplice da concupiscência, e pelas paixões. Viviam,
de fato, na integridade, conservando o seu estado natural, porque o que foi
insuflado no seu plasma era hálito vital. Ora, até quando durou e perseverou
aquele sopro, com sua ordem e seu vigor, não imaginavam ou pensavam coisas
ignóbeis. Por tal motivo, não se envergonhavam de beijar-se e abraçar-se com
infantil inocência.
O que você
destaca neste texto?
Como ele serviu
para sua espiritualidade?
Nenhum comentário:
Postar um comentário