segunda-feira, 24 de setembro de 2018

66 - Irineu de Lyon (130-202) Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 15-22)



66
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 15-22)


A primeira Lei
15. Mas por temor de que o homem cultivasse pensamentos de grandeza e se exaltasse,
como se não houvesse um Senhor, pela autoridade que lhe foi concedida e pela liberdade de acesso a Deus, e ficasse contra Deus, o seu Criador, desconfiando e comprazendo-se consigo mesmo, e assumisse atitudes arrogantes contra Deus, esse lhe impôs uma lei, para que reconhecesse ter por Senhor o Senhor do universo. Deus, então, lhe impôs certos limites, de modo que se observasse o preceito de Deus, e permanecesse sempre como era, ou seja, imortal; mas, se não o observasse, se tornaria mortal, destinado a dissolver-se naquela terra, da qual foi tomado o seu corpo. Eis o preceito: “Podes comer de todas as árvores do Jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque, no dia em que dela comeres, terás que morrer”.

Satanás envolvido na queda do homem
16. O homem não observou esse preceito e desobedeceu a Deus, enganado por aquele anjo, que, ciumento do homem e invejoso dos muitos favores cumulados por Deus, arruinou a si próprio e fez do homem um pecador, induzindo-o a transgredir o preceito de Deus. O anjo, tornado por causa de sua mentira chefe e guia do pecado, foi ele mesmo golpeado por ter ofendido a Deus e provocado a queda do homem do Jardim. E, pois, por causa do seu comportamento, se rebelou e se afastou de Deus, foi chamado em hebraico Satanás, ou seja, rebelde. Mas é também chamado caluniador. Deus, então, amaldiçoou a serpente, que havia sido o disfarce do diabo; maldição que alcançou o próprio animal e o anjo escondido nele, Satanás. E ao homem, [Deus] o expulsou da sua presença, mandando-o habitar então no caminho que conduz ao Jardim, pois o Jardim não admite o pecador.

Primeira experiência da ausência de Deus. Caim e Abel
17. Expulsos do Jardim, Adão e sua mulher, Eva, fizeram experiência de muitas tribulações físicas e espirituais, e viveram neste mundo na tristeza, na fadiga e nos lamentos. Sob os raios do sol, o homem arava a terra e essa lhe produzia, castigado pelo pecado, espinhos e ervas daninhas. Então se cumpriu a Escritura: “O homem conheceu Eva, sua mulher; ela concebeu e deu à luz Caim [...] depois ela deu também à luz Abel, irmão de Caim”. Mas o anjo rebelde, que induziu o homem à desobediência, tornando-o um pecador e causando-lhe a expulsão do Jardim, não satisfeito com a primeira empresa, arquitetou uma outra com relação aos irmãos. Caim, imbuído de seu espírito, se fez um fratricida. Abel morreu assassinado pelo irmão, vindo, assim, a significar que, dali para diante, alguns seriam perseguidos, atormentados e mortos, enquanto os malvados matariam e perseguiriam os justos. Por isso, Deus se encolerizou terrivelmente, amaldiçoou Caim, e, desde então, todos os descendentes na linha de sua sucessão foram semelhantes a seu progenitor. Deus, depois, fez com que Adão tivesse outro filho em substituição ao assassinato de Abel.

A mudança total dos valores humanos. Os gigantes e a arte da sedução
18. A maldade, que se expandiu continuamente, alcançou e inundou todo o gênero humano, a tal ponto que pouquíssimos traços de justiça sobreviveram entre os homens. Por isso, na terra ocorriam uniões ilegítimas: os anjos se uniam com a descendência feminina dos homens e [essas] deram à luz filhos que pelo extraordinário tamanho foram chamados gigantes. Então, esses anjos deram de presente às suas mulheres doutrinas perversas: ensinaram os poderes das plantas e das ervas, a arte das tintas e dos cosméticos, a descoberta das substâncias preciosas, os filtros mágicos, os ódios, os amores, as paixões, as seduções de amor, as cadeias mágicas, todo gênero de adivinhações e de idolatria odiados por Deus. Uma vez que entraram no mundo, o mal se expandiu até transbordar, e a justiça diminuiu até quase desaparecer.

O dilúvio
19. Por fim, quando veio sobre o mundo o justo juízo de Deus, na décima geração, contando desde o primeiro homem, unicamente Noé foi encontrado justo e, graças à sua própria justiça, foi salvo com sua mulher, seus três filhos e suas mulheres, colocados na arca com os animais que Deus havia ordenado a Noé nela introduzir. Quando a destruição se aproximava da terra, sobre os homens e os seres vivos, se salvaram apenas os que estavam na arca. Os três filhos de Noé eram Sem, Cam e Jafé, e sua estirpe voltou a multiplicar-se. Essa é a origem de todos os nascidos depois do dilúvio.

As bênçãos e maldições na família de Noé
20. Dentre os filhos de Noé, um deles caiu em maldição, enquanto os outros dois herdaram a bênção pelas suas obras. O mais jovem deles, de fato, chamado Cam porque riu dos seus pais, tornou-se culpado do pecado de impiedade por afrontar e ofender o pai, e atraiu a maldição que se transmite a toda a sua descendência. Resultou que toda a sua descendência foi amaldiçoada, e nesse pecado cresceu e se multiplicou. Ao contrário, Sem e Jafé, seus irmãos, pela piedade pelo seu genitor, obtiveram a bênção. Eis os termos da maldição lançada por Noé sobre Cam: “Maldito seja Canaã! Que ele seja, para seus irmãos, o último dos escravos”. Quando alcançou a idade adulta, Cam teve sobre a terra uma posteridade numerosa como uma floresta, desenvolvendo-se por quatorze gerações de descendentes, quando por Deus, em seguida, foi ceifada. De fato, os cananeus, os eteus, os farezeus, os eveus, os amorreus, os jebuzeus, os gergeseus, os sodomitas, os árabes, os habitantes da Fenícia, todos os egípcios e os lídios descendem de Cam, e caíram sobre a maldição, que se estende por longo tempo sobre aqueles ímpios.
21. Tal como a maldição seguiu o seu caminho, também a bênção se estendeu à posteridade dos que a receberam, cada qual segundo a sua ordem. Primeiramente, foi abençoado Sem com estas palavras: “Bendito seja Iahweh, o Deus de Sem, e que Canaã seja seu escravo!”. O efeito da bênção é este: Deus, Senhor do universo, tornou-se, por Sem, objeto privilegiado de sua piedade; a bênção se desenvolveu quando atingiu Abraão, que, na descendência de Sem, chega à décima geração segundo a ordem genealógica descendente. E é esta razão pela qual o Pai, Deus do universo, se compraz em ser chamado “Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó”, porque a bênção de Sem chagou até Abraão. A bênção de Jafé foi formulada da seguinte forma: “Que Deus dilate Jafé, que ele habite nas tendas de Sem, e que Canaã seja seu escravo!”. Essa bênção floresceu ao final desse período, quando o Senhor se manifestou às nações por seu chamado – pois Deus dilatou seu chamado até elas – e “por toda a terra sua linha aparece, e até os confins do mundo a sua linhagem”. Dilatar significa, pois, o chamado dentre as nações, a saber, a Igreja. E “habitar na casa de Sem” indica a herança dos patriarcas, por terem recebido de Jesus Cristo o direito de primogenitura. Desse modo, segundo a ordem da bênção, cada um recebeu, por meio da descendência, o fruto da bênção.

A Aliança universal
22. Depois do dilúvio, Deus estabeleceu um pacto de aliança com o mundo inteiro, em particular com os animais e com os homens, em virtude da qual jamais destruiria com um dilúvio o que refloresceria sobre a terra, e lhes deu um sinal: “Quando eu reunir as nuvens sobre a terra e o arco aparecer na nuvem, eu me lembrarei da aliança que há entre mim e vós e todos os seres vivos: toda carne e as águas não mais se tornarão um dilúvio para destruir toda carne”. [Deus] Mudou a comida dos homens, dando-lhes ordem de comer carne, pois, a partir da primeira criatura, Adão, até o dilúvio, os homens se alimentavam apenas de grãos e frutos das árvores; porém, o alimento da carne não lhes era permitido. Como os três filhos de Noé eram o princípio da raça dos homens, Deus os abençoou para que se multiplicassem e crescessem, dizendo: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra. Sede o medo e o pavor de todos os animais da terra e de todas as aves do céu, comei de tudo que se move pela terra e todos os peixes do mar: eles são entregues nas vossas mãos. Tudo o que se move e possui vida vos servirá de alimento, tudo isso eu vos dou, como vos dei as verduras das plantas. Mas não comereis
a carne com a sua alma, isto é, o sangue. Pedirei contas, porém, do sangue de cada um de vós. Pedirei contas a todos os animais e ao homem, aos homens entre si, eu pedirei contas da alma do homem. Quem derrama o sangue do homem, pelo homem terá seu sangue derramado. Pois à imagem de Deus o homem foi feito”. E a imagem de Deus
é o Filho, de cuja imagem foi feito o homem. Por essa razão, [o Filho] se manifestou no fim dos tempos, “para demonstrar que imagem era semelhante a ele”. Depois dessa aliança, o gênero humano se multiplicou e se propagou a partir da
posteridade desses três filhos de Noé. E “havia, então, um só lábio na terra”, ou seja, uma só língua.

O que você destaca neste texto?
Como ele serviu para sua espiritualidade?


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