domingo, 10 de fevereiro de 2019

84 - Tertuliano de Cartago (155-220) - Apologia (Capítulo 12 - 14)



84
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 12 - 14)

CAPÍTULO XII
Mas, deixo de lado essas observações, porque sei e vou mostrar o que vossas divindades não são, mostrando o que realmente são. Com referência, então, a eles, examinarei somente nomes de homens falecidos dos tempos antigos. Ouvi histórias fabulosas. Reconheci ritos sagrados cercando simples mitos.
Relacionando-os às imagens atuais, vejo-os como simples peças materiais assemelhadas aos vasos e utensílios de uso comum entre vós, ou mesmo consagrados por uma malfadada troca com aqueles úteis objetos nas mãos de descuidada arte, que no processo de transformação os tratou com absoluto desprezo, se não, com verdadeiro ato de sacrilégio. Dessa forma não poderíamos ter o menor conforto em todos os nossos castigos, padecendo como padecemos por causa desses mesmos deuses, porque em sua formação sofreram como nós sofremos.
Pondes os cristãos em cruzes e estacas: Que estátua não é primeiro formada de barro e depois plasmada numa cruz ou numa estaca? O corpo de vosso deus é primeiro consagrado num estrado. Dilacerais os corpos dos cristãos com vossas garras, mas no caso de vossos próprios deuses, machados, plainas e limas são utilizadas mais vigorosamente em cada membro de seus corpos. Colocamos nossas cabeças sobre o cepo.
No entanto, o prumo, a cola e os pregos são utilizados em vossas divindades que de início não têm cabeça. Somos lançados às feras selvagens, enquanto as pondes juntas a Baco, Cibele e Celeste. Somos queimados no fogo; assim também eles, em seu original material. Somos condenados às minas; delas provieram vossos deuses. Somos banidos para as ilhas; é comum a vossos deuses nelas nascerem ou morrerem.
Se este é o meio pelo qual se faz uma divindade, segue-se que são punidas enquanto são deificadas e serão torturadas para serem declaradas divindades. Mas é evidente que esses objetos de vossa adoração não sentem as injúrias e as desgraças antes de sua consagração, como também não tomam consciência das honras que lhes são prestadas. Ó palavras ímpias! Ó acusações blasfemas! É de ranger os dentes contra nós - espumem com louca raiva contra nós - somos as pessoas, sem dúvida, que censuraram um certo Sêneca que falou de vossas superstições longamente e muito mais agudamente! Numa palavra: se recusamos nossa homenagem a estátuas e imagens frígidas, de fato uma reprodução de seus originais falecidos, com os quais convivem falcões, ratos e aranhas, não merece isso louvor em vez de castigo? Que rejeitemos isso que acabamos de examinar é erro?
Não fazemos certamente injúrias àqueles que estamos certos de serem nulidades. O que não existe está em sua inexistência livre do sofrimento. »

CAPÍTULO XIII
 "Mas eles são nossos deuses", dizeis. Como pode ser isso, pois com absoluta inconsistência, estais cientes de vossa ímpia, sacrílega e irreligiosa conduta para com eles; menosprezais aqueles que imaginais que existam, destruindo aqueles que são objetos de vosso medo, fazendo pouco caso daqueles cuja honra quereis vingar?
Vede se agora estou mentindo. Em primeiro lugar, certamente, constatando que apenas adorais um ou outro deus, certamente ofendeis àqueles que não adorais. Não podeis dar preferência a um sem desprezar o outro, pois a seleção de um implica na rejeição do outro. Desprezais, portanto, aqueles que rejeitais, porque na vossa rejeição a eles se evidencia que não temeis em ofendê-los. Como já demonstramos, toda divindade vossa depende da decisão do Senado quanto à sua deificação.
Ninguém seria deus a não ser que o homem em seu próprio arbítrio não o tivesse desejado; assim, igualmente, rejeitado. Às divindades da família que chamais "Lares" concedeis uma autoridade doméstica, orando a elas, vendendo-as, trocando-as, fazendo às vezes fogo com Saturno, alimentando um braseiro com Minerva, se acontece que um ou outro esteja estragado ou quebrado por seu longo uso sagrado, ou se o chefe da família está premido por alguma necessidade familiar mais sagrada.
Assim, também, por lei pública, levais à desgraça vossos deuses oficializados, colocando-os no catálogo de leilão, tornando-os fontes de renda. Os homens sobem ao Capitólio, como vão ao mercado popular levados pela voz do pregoeiro, fazendo o lance do leilão, com o registro do questor.
A divindade é leiloada e arrematada pela mais alta oferta. Mas, certamente, só terras oneradas com impostos são de menor valor, só homens sujeitos à avaliação de impostos são menos nobres, porque bens assim indicam estado de servidão. No caso das divindades, por outro lado, a santidade é grande em proporção aos tributos que sobre elas são cobrados. Quanto mais sagrada a divindade, maior a taxa que paga.
A majestade se torna uma fonte de ganho. A Religião procede como os pedintes de tavernas. Cobrais preço pelo privilégio de ficar num templo, por acesso aos cultos sagrados, não se recebe conselhos gratuitos de vossas divindades - necessitais comprar seus favores.
Que honras lhes concedeis que não concedais aos mortos? Possuís templos tanto para uns como para outros, construís altares tanto para uns como para outros. Suas estátuas são vestidas da mesma maneira, com as mesmas insígnias.
Assim como os falecidos tinham sua idade, sua arte, suas ocupações, assim as tinham vossas divindades. Em que a festa de funeral difere da festa de Júpiter? O símbolo das divindades daquele dos manes? Ou o empreiteiro do funeral do vaticinador, se, realmente, o último também trata de mortos?
Com perfeita propriedade dais honras divinas a vossos imperadores quando morrem, já que os adorais em vida. Os deuses ficam em dívida convosco, pois é causa de grande regozijo entre eles que seus mestres sejam constituídos em seus pares. »

CAPÍTULO XIV
 Desejaria rever agora vossos ritos sagrados. Deixo passar sem censuras o fato de em vossos sacrifícios ofertardes coisas estragadas, imprestáveis, podres, quando separais a gordura, as partes sem uso, tais como a cabeça e os cascos, que em vossas casas destinais aos escravos ou aos cães; quando do dízimo de Hércules não colocais sequer um terço sobre o altar.
Sou levado mais a louvar vossa sabedoria em aproveitá-las para não as jogar fora. Mas, voltando a vossos livros dos quais tirais vossos ensinamentos de sabedoria e os nobres deveres da vida, que coisas ridículas ali encontro: que os deuses troianos e gregos brigaram entre eles como gladiadores, que Vênus foi ferida por um homem porque ela queria resgatar seu filho Êneas, quando estava ameaçado de perigo de vida pelo próprio Diomedes; que Marte definhou preso por treze meses; que Júpiter foi salvo pela ajuda de um monstro de padecer a mesma violência nas mãos de outros deuses; que ele agora lamenta o destino de Sarpédon, ora cortejando loucamente sua própria irmã, lhe falando sobre antigas amantes, não tão amadas como ela.
Depois disso, que poeta não imita o exemplo de seu Mestre? Um entrega Apolo ao rei Admeto para cuidar de suas ovelhas; um outro aluga o trabalho de construtor de Netuno a Laomedonte. Um conhecido poeta lírico, também, Píndaro, aliás, canta sobre Esculápio merecidamente ferido com um raio por pratica incorreta de sua arte, por ambição. Uma má ação foi essa de Júpiter: se arremessou um raio desnaturado contra seu avô, demonstrando sentimento de inveja contra o médico.
Coisas semelhantes não deveriam ser tornadas públicas, se verdadeiras; e, se falsas, não deviam ser levadas ao povo, que professa um grande respeito pela religião. Nem também, certamente, os escritores, trágicos ou cômicos, deveriam denunciar os deuses como origem de todas as calamidades e pecados das famílias. Não examinarei os filósofos, contentando-me com uma referência a Sócrates que, por desprezo aos deuses, tinha o hábito de jurar por um carvalho, por uma cabra ou por um cão.
De fato, exatamente por isso, Sócrates foi condenado à morte, pois subestimava a adoração aos deuses. Num tempo ou noutro, ou seja, sempre, a verdade não é amada.
Contudo, quando sentiram remorso pelo julgamento de Sócrates, os atenienses aplicaram punição a seus acusadores, e ergueram uma imagem de ouro dele num templo; a condenação foi nessa ocasião reconsiderada, e a inocência dele restaurada em seus anteriores méritos.
Diógenes, igualmente, zombou de Hércules; e o cínico romano Varro se fez proceder de trezentas imagens de Júpiter, que foram conhecidas todas como sem cabeças. »


O que você destaca neste texto?
Como ele serviu para sua espiritualidade?






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