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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 12
- 14)
CAPÍTULO XII
Mas,
deixo de lado essas observações, porque sei e vou mostrar o que vossas
divindades não são, mostrando o que realmente são. Com referência, então, a
eles, examinarei somente nomes de homens falecidos dos tempos antigos. Ouvi
histórias fabulosas. Reconheci ritos sagrados cercando simples mitos.
Relacionando-os
às imagens atuais, vejo-os como simples peças materiais assemelhadas aos vasos
e utensílios de uso comum entre vós, ou mesmo consagrados por uma malfadada
troca com aqueles úteis objetos nas mãos de descuidada arte, que no processo de
transformação os tratou com absoluto desprezo, se não, com verdadeiro ato de
sacrilégio. Dessa forma não poderíamos ter o menor conforto em todos os nossos
castigos, padecendo como padecemos por causa desses mesmos deuses, porque em
sua formação sofreram como nós sofremos.
Pondes
os cristãos em cruzes e estacas: Que estátua não é primeiro formada de barro e
depois plasmada numa cruz ou numa estaca? O corpo de vosso deus é primeiro
consagrado num estrado. Dilacerais os corpos dos cristãos com vossas garras,
mas no caso de vossos próprios deuses, machados, plainas e limas são utilizadas
mais vigorosamente em cada membro de seus corpos. Colocamos nossas cabeças
sobre o cepo.
No
entanto, o prumo, a cola e os pregos são utilizados em vossas divindades que de
início não têm cabeça. Somos lançados às feras selvagens, enquanto as pondes
juntas a Baco, Cibele e Celeste. Somos queimados no fogo; assim também eles, em
seu original material. Somos condenados às minas; delas provieram vossos
deuses. Somos banidos para as ilhas; é comum a vossos deuses nelas nascerem ou
morrerem.
Se
este é o meio pelo qual se faz uma divindade, segue-se que são punidas enquanto
são deificadas e serão torturadas para serem declaradas divindades. Mas é
evidente que esses objetos de vossa adoração não sentem as injúrias e as
desgraças antes de sua consagração, como também não tomam consciência das
honras que lhes são prestadas. Ó palavras ímpias! Ó acusações blasfemas! É de
ranger os dentes contra nós - espumem com louca raiva contra nós - somos as
pessoas, sem dúvida, que censuraram um certo Sêneca que falou de vossas
superstições longamente e muito mais agudamente! Numa palavra: se recusamos
nossa homenagem a estátuas e imagens frígidas, de fato uma reprodução de seus
originais falecidos, com os quais convivem falcões, ratos e aranhas, não merece
isso louvor em vez de castigo? Que rejeitemos isso que acabamos de examinar é
erro?
Não
fazemos certamente injúrias àqueles que estamos certos de serem nulidades. O
que não existe está em sua inexistência livre do sofrimento. »
CAPÍTULO XIII
"Mas eles são nossos deuses",
dizeis. Como pode ser isso, pois com absoluta inconsistência, estais cientes de
vossa ímpia, sacrílega e irreligiosa conduta para com eles; menosprezais
aqueles que imaginais que existam, destruindo aqueles que são objetos de vosso
medo, fazendo pouco caso daqueles cuja honra quereis vingar?
Vede
se agora estou mentindo. Em primeiro lugar, certamente, constatando que apenas
adorais um ou outro deus, certamente ofendeis àqueles que não adorais. Não
podeis dar preferência a um sem desprezar o outro, pois a seleção de um implica
na rejeição do outro. Desprezais, portanto, aqueles que rejeitais, porque na
vossa rejeição a eles se evidencia que não temeis em ofendê-los. Como já
demonstramos, toda divindade vossa depende da decisão do Senado quanto à sua
deificação.
Ninguém
seria deus a não ser que o homem em seu próprio arbítrio não o tivesse
desejado; assim, igualmente, rejeitado. Às divindades da família que chamais
"Lares" concedeis uma autoridade doméstica, orando a elas,
vendendo-as, trocando-as, fazendo às vezes fogo com Saturno, alimentando um
braseiro com Minerva, se acontece que um ou outro esteja estragado ou quebrado
por seu longo uso sagrado, ou se o chefe da família está premido por alguma
necessidade familiar mais sagrada.
Assim,
também, por lei pública, levais à desgraça vossos deuses oficializados,
colocando-os no catálogo de leilão, tornando-os fontes de renda. Os homens
sobem ao Capitólio, como vão ao mercado popular levados pela voz do pregoeiro,
fazendo o lance do leilão, com o registro do questor.
A
divindade é leiloada e arrematada pela mais alta oferta. Mas, certamente, só
terras oneradas com impostos são de menor valor, só homens sujeitos à avaliação
de impostos são menos nobres, porque bens assim indicam estado de servidão. No
caso das divindades, por outro lado, a santidade é grande em proporção aos
tributos que sobre elas são cobrados. Quanto mais sagrada a divindade, maior a
taxa que paga.
A
majestade se torna uma fonte de ganho. A Religião procede como os pedintes de
tavernas. Cobrais preço pelo privilégio de ficar num templo, por acesso aos
cultos sagrados, não se recebe conselhos gratuitos de vossas divindades -
necessitais comprar seus favores.
Que
honras lhes concedeis que não concedais aos mortos? Possuís templos tanto para
uns como para outros, construís altares tanto para uns como para outros. Suas
estátuas são vestidas da mesma maneira, com as mesmas insígnias.
Assim
como os falecidos tinham sua idade, sua arte, suas ocupações, assim as tinham
vossas divindades. Em que a festa de funeral difere da festa de Júpiter? O
símbolo das divindades daquele dos manes? Ou o empreiteiro do funeral do
vaticinador, se, realmente, o último também trata de mortos?
Com
perfeita propriedade dais honras divinas a vossos imperadores quando morrem, já
que os adorais em vida. Os deuses ficam em dívida convosco, pois é causa de
grande regozijo entre eles que seus mestres sejam constituídos em seus pares. »
CAPÍTULO XIV
Desejaria rever agora vossos ritos sagrados.
Deixo passar sem censuras o fato de em vossos sacrifícios ofertardes coisas
estragadas, imprestáveis, podres, quando separais a gordura, as partes sem uso,
tais como a cabeça e os cascos, que em vossas casas destinais aos escravos ou
aos cães; quando do dízimo de Hércules não colocais sequer um terço sobre o
altar.
Sou
levado mais a louvar vossa sabedoria em aproveitá-las para não as jogar fora.
Mas, voltando a vossos livros dos quais tirais vossos ensinamentos de sabedoria
e os nobres deveres da vida, que coisas ridículas ali encontro: que os deuses
troianos e gregos brigaram entre eles como gladiadores, que Vênus foi ferida
por um homem porque ela queria resgatar seu filho Êneas, quando estava ameaçado
de perigo de vida pelo próprio Diomedes; que Marte definhou preso por treze meses;
que Júpiter foi salvo pela ajuda de um monstro de padecer a mesma violência nas
mãos de outros deuses; que ele agora lamenta o destino de Sarpédon, ora
cortejando loucamente sua própria irmã, lhe falando sobre antigas amantes, não
tão amadas como ela.
Depois
disso, que poeta não imita o exemplo de seu Mestre? Um entrega Apolo ao rei
Admeto para cuidar de suas ovelhas; um outro aluga o trabalho de construtor de
Netuno a Laomedonte. Um conhecido poeta lírico, também, Píndaro, aliás, canta
sobre Esculápio merecidamente ferido com um raio por pratica incorreta de sua
arte, por ambição. Uma má ação foi essa de Júpiter: se arremessou um raio
desnaturado contra seu avô, demonstrando sentimento de inveja contra o médico.
Coisas
semelhantes não deveriam ser tornadas públicas, se verdadeiras; e, se falsas,
não deviam ser levadas ao povo, que professa um grande respeito pela religião.
Nem também, certamente, os escritores, trágicos ou cômicos, deveriam denunciar
os deuses como origem de todas as calamidades e pecados das famílias. Não
examinarei os filósofos, contentando-me com uma referência a Sócrates que, por
desprezo aos deuses, tinha o hábito de jurar por um carvalho, por uma cabra ou
por um cão.
De
fato, exatamente por isso, Sócrates foi condenado à morte, pois subestimava a
adoração aos deuses. Num tempo ou noutro, ou seja, sempre, a verdade não é
amada.
Contudo,
quando sentiram remorso pelo julgamento de Sócrates, os atenienses aplicaram
punição a seus acusadores, e ergueram uma imagem de ouro dele num templo; a
condenação foi nessa ocasião reconsiderada, e a inocência dele restaurada em
seus anteriores méritos.
Diógenes,
igualmente, zombou de Hércules; e o cínico romano Varro se fez proceder de
trezentas imagens de Júpiter, que foram conhecidas todas como sem cabeças. »
O
que você destaca neste texto?
Como
ele serviu para sua espiritualidade?
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