Cidade de Ji-Paraná - RO
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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo
15-16)
CAPÍTULO XV
De
vossos escritores, outros, em seus desregramentos sempre vos proporcionam
prazeres vilipendiando os deuses. Vede aquelas encantadoras farsas de Lêntulo e
Hostílio se nas brincadeiras e facécias não são os bufões e as divindades que
vos causam divertimentos.
Farsas
assim, penso, levam-nos ao ridículo, como a de Anúbio, o adúltero, Luna, do
sexo masculino, Diana debaixo do chicote, as interpretações dos desejos de
Júpiter falecido e os três famigerados Hércules.
Vossa
literatura dramática, igualmente, retrata as vilezas de vossos deuses. O Sol
lamenta seus filhos expulsos do céu e vós ficais cheios de júbilo. Cibele
procura seu insolente namorado e vós não corais.
Levais
à cena o recital dos delitos de Júpiter, e do pastor que julga Juno, Vênus e
Minerva. Novamente, quando a máscara de um deus é posta na cabeça de um
ignominioso e infame miserável, quando alguém impuro e experimentado na arte de
toda efeminação que seja representa Minerva ou Hércules, não é a majestade de
vossos deuses insultada e sua divindade desonrada? Contudo vós não somente
assistis a isso, como aplaudis.
Sois,
suponho, mais devotos na arena quando sob a mesma forma vossas divindades
dançam sobre o sangue humano, sobre os ferimentos causados pelas punições
infligidas, como se interpretassem suas histórias e aventuras, cedendo sua vez
aos pobres condenados, com a diferença de que esses muitas vezes se colocam
como a divindade e no momento representam os próprios deuses.
Temos visto presentemente uma representação da
mutilação de Átide, o famoso deus de Pessino, e de um homem queimado vivo como
Hércules. Faz-se gozação em meio a burlescas crueldades na exibição do
meio-dia, com Mercúrio examinando os corpos dos mortos com sua lança ardente.
Temos
testemunhado o irmão de Júpiter, com malho na mão, rebocando os cadáveres dos
gladiadores. Mas quem pode assistir a tudo isso? Se por tais coisas a honra da
divindade é atacada, se estão a macular qualquer traço de sua majestade, temos
de entender isso como desprezo com os quais os deuses tratados por aqueles que
ora fazem tais coisas e, igualmente, por aqueles para cujo divertimento são
feitas. Isto, todavia, dizem, é tudo brincadeira.
Mas, acrescento - todos sabeis e admitis
prontamente como fatos que nos templos são arranjados adultérios, que nos
altares são praticadas alcovitices, que muitas vezes nas casas dos guardas dos
templos e dos sacerdotes, sob os ornamentos de sacrifícios, sob sagradas tiaras
e sob as vestimentas púrpuras, em meio das ondas de incenso, são praticados
crimes de licenciosidade.
Então,
não estou seguro, mas vossos deuses têm mais razão de se queixarem de vós do
que dos cristãos.
Ë
certamente entre os devotos de vossa religião que sempre se encontram os
perpetradores de sacrilégios; porque os cristãos não entram em vossos templos
nem mesmo durante o dia. Talvez queirais, também, ser exploradores dos deuses,
já que os adorais.
O
que , então, vos levam a adorar, uma vez que os objetos de adoração são
diferentes de vós? Fica, de fato, logo evidenciado como corolário de vossa
rejeição à hipocrisia, que rendeis homenagem à verdade.
Não
perseverais no erro que criastes pelo simples fato de reconhecerdes que isso é
um erro. Aceitai isso, antes de mais nada, e após termos apresentado uma
refutação preliminar de alguns conceitos falsos, continuaremos apresentando
todo nosso sistema religioso. »
CAPÍTULO XVI
Juntamente
como outros, estais na ilusão de que nosso Deus é uma cabeça de asno. Cornélio
Tácito foi o primeiro a divulgar tal noção entre o povo. No 5o livro de sua
História, começa a narrativa da guerra judaica com um relato da origem da
nação, teorizando a seu bel prazer sobre essa origem, tanto quanto sobre o nome
e sobre a religião dos judeus.
Declara
que tendo sido libertados ou ainda, em sua opinião, expulsos do Egito, cruzando
as vastas planícies da Arábia, onde a água era escassa, os judeus enfrentaram a
sede extrema, mas, tomando por guia asnos selvagens que, imaginavam, podiam
estar procurando água depois de se alimentarem, descobriram uma fonte. Desde
então, em sua gratidão, passaram a sacralizar a cabeça de um animal dessa
espécie. Como a cristandade está aliada ao judaísmo, por isto, suponho,
aceitastes gratuitamente que nós também éramos devotos adoradores da mesma
imagem.
Mas
o citado Cornélio Tácito (em completa oposição ao significado de seu nome -
ficar calado e não contar mentiras), informa, na obra já mencionada, que quando
Cneio Pompeu capturou Jerusalém, penetrou no templo para ver os segredos da
religião dos judeus, mas não encontrou nenhuma imagem ali. Contudo, certamente,
se adoração era rendida a algum objeto visível, o lugar exato de sua exibição
deveria ser no santuário.
Tudo
o mais além da adoração, embora irracional, não se fazia necessário ali para
causar medo a crentes do exterior, pois que só aos sacerdotes era permitido
entrar no lugar sagrado, enquanto toda visão era impedida aos demais por um
cortinado cerrado. Não podeis negar, contudo, que todas as bestas de carga e
não partes delas, mas animais inteiros, são com sua deusa Epona objetos de
vossa adoração.
É
isso, talvez, que vos desagrada em nós, porque enquanto vossa adoração aqui é a
todos, nós prestamos homenagem somente ao asno. Se alguns de vós pensais que
rendemos adoração supersticiosa à cruz, nessa adoração estais compartilhando conosco.
Se
dais homenagem a uma peça de madeira, importa pouco qual ela seja, porque a
substância é a mesma: a forma é diferente, se nela tendes, de fato, o corpo de
Deus. Entretanto, quão diferente é do madeiro da cruz Palas Atenas ou Ceres,
quando levantadas para venda numa simples estaca bruta, peça de madeira sem
forma!? Cada estaca fixada em posição vertical é um pedaço da cruz.
Nós
rendemos nossa adoração, se quereis assim, a um Deus inteiro e completo.
Mostramos antes que vossas divindades são feitas de formas modeladas na cruz.
Mas vós também cultuais as vitórias, porque em vossos troféus a cruz é o
sustentáculo do troféu.
A
religião dos acampamentos romanos é toda dirigida ao culto de estandartes, uma
coleção de estandartes acima de todos os deuses. Bem, aquelas imagens mostradas
nos estandartes são ornamentos de cruzes que as sustentam. Todas aquelas coisas
penduradas em vossos estandartes e bandeiras são vestes das cruzes.
Eu
louvo vosso zelo: vós não prestais culto a cruzes desvestidas e desornadas.
Outros, de novo, certamente com mais informação e maior veracidade, acreditam
que o sol é nosso deus. Somos confundidos com os persas, talvez, embora não
adoremos o astro do dia pintado numa peça de linho, tendo-o sempre em sua
própria órbita.
A
idéia , não há dúvidas, originou-se de nosso conhecido costume de nos virarmos
para o nascente em nossas preces. Mas, vós, muitos de vós, no propósito às
vezes de adorar os corpos celestes moveis vossos lábios em direção ao oriente.
Da
mesma maneira, se dedicamos o dia do sol (Domingo) para nossas celebrações, é
por uma razão muito diferente da dos adoradores do sol. Temos alguma semelhança
convosco que dedicais o dia de Saturno (Sábado) para repouso e prazer, embora
também estejais muito distantes dos costumes judeus, os quais certamente
ignorais.
Mas,
ultimamente a nova versão de nosso Deus foi dada a conhecer ao mundo nessa
grande cidade: originou-se com um certo homem desprezível que tinha costume de
se dedicar a trapacear com feras selvagens, e que exibiu uma pintura com esta
inscrição: O Deus dos Cristãos nasceu de um asno.
Ele
tem orelhas de asno, tem casco num pé, segura um livro e usa uma toga. Tanto o
nome como a figura nos provoca risos. Mas nossos inimigos devem ter sido
levados a logo prestar homenagem a essa divindade biforme, porque eles conhecem
deuses com cabeça de cachorro e de leões, com chifres de bode e carneiro - como
um corpo com pernas de dragão, com asas nas costas ou patas.
Tais
coisas temos esclarecido exaustivamente, porque não podemos de boa vontade
deixar passar nenhum boato contra nós sem refutação. Tendo explicado
exaustivamente sobre nós mesmos, voltamos agora a uma demonstração de como é
realmente nossa religião.
O
que você destaca neste texto?
Como
ele serviu para sua espiritualidade?
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