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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Prólogo e Homilia 1)
PRÓLOGO DA TRADUÇÃO DE SÃO JERÔNIMO
Inicia-se
o prólogo do bem-aventurado presbítero Jerônimo para as homilias de Orígenes
sobre o evangelista Lucas Jerônimo a Paula e Eustóquia
Há
alguns dias, vós dissestes que havíeis lido certos comentários sobre [São]
Mateus e [São] Lucas, um dos quais seria embotado tanto no pensamento quanto no
estilo, o outro jogaria com as palavras, ao passo que cochilaria em suas
ideias. Por essa razão, pedistes, desprezando semelhantes frivolidades,
que eu traduzisse pelo menos as trinta e nove homilias,
sobre [São] Lucas, de nosso caro Adamâncio, tal como se encontram em grego –
tarefa desagradável esta e similar a um tormento escrever, como diz Túlio
[Cícero], segundo o gosto alheio, e não o seu próprio, a qual agora mesmo, porém,
por causa disso, eu empreenderei porque não me exigis algo acima da minha capacidade.
Outrora em Roma, nossa santa amiga Blesila havia solicitado que eu
entregasse aos leitores de
nossa língua os vinte e seis tomos de Orígenes sobre [São] Mateus, e outros
cinco sobre [São] Lucas, e os trinta e dois sobre [São] João, mas sabeis que
isso não estava ao alcance de minhas forças, nem de meu tempo disponível, nem
de minhas possibilidades de trabalho. Eis o quão grande é, junto a mim, vossa
influência e vontade! Eu pus um pouco de lado os livros das Questões Hebraicas,
para que, para seguir vosso arbítrio, eu pudesse ditar estas páginas, quaisquer
que sejam, de uma obra tão proveitosa que não é minha, mas alheia,
principalmente quando ouço o crocitar de um corvo de mau agouro, que se ri de
modo estranho das cores de todas as aves, quando ele próprio é inteiramente
tenebroso.
E
assim confesso, antes que aquele indivíduo me faça suas críticas, que Orígenes,
nestes tratados, brinca de dados como um menino.
As outras obras de sua
maturidade e velhice são totalmente sérias. Se me aprouver, se eu tiver a
possibilidade, se o Senhor me der a licença para que eu verta para a língua
latina estas obras acima, e se eu tiver arrematado a obra anteriormente deixada
de lado, então podereis ver, ou melhor, através de vós a língua romana
conhecerá quanta riqueza não só até aqui ignorou, tanto quanto ela agora começará
a conhecer. Além disso, eu me dispus a enviar-vos em alguns dias os comentários
que publicaram sobre [São] Mateus, um de Hilário, escritor eloquentíssimo e o
outro do bem-aventurado mártir Vitorino, cada um em estilo diverso, mas sob a
inspiração única do Espírito Santo, para que não ignoreis quanto empenho pelas
Sagradas Escrituras outrora houve também em nossos companheiros.
Aqui
termina o prólogo. Começam as homilias de Orígenes sobre São Lucas em número de
trinta e nove, vertidas para o latim por Eusébio Jerônimo, proferidas aos domingos.
COMEÇA A HOMILIA
PRIMEIRA HOMILIA 1
Lc 1,1-4
Sobre
o Prólogo de Lucas, até aquela passagem, quando diz: “...escrever a ti, excelente
Teófilo”.
Os Evangelhos canônicos
1. Como
outrora, no seio do povo judeu, muitos prediziam a profecia, e certos deles eram
pseudoprofetas – dos quais um foi Ananias, filho de Azur –
outros, em verdade, eram verdadeiros profetas. E havia junto ao povo o dom de
discernimento dos espíritos, pelo qual outros eram reconhecidos no número dos
profetas, [e] alguns eram rejeitados ao modo de cambistas treinadíssimos.
No
momento presente, no tempo do Novo Testamento, muitos também tentaram escrever
evangelhos, mas nem todos foram aceitos. E a
fim de que saibais que se escreveram não apenas quatro evangelhos, mas vários
outros, dos quais estes, que temos, foram escolhidos e entregues às igrejas,
que deste prólogo de Lucas, cujo texto assim se apresenta, aprendamos isto:
“Porque evidentemente muitos tentaram compor uma narrativa”. Esta palavra
“tentaram” tem uma acusação latente contra aqueles que, sem a graça do Espírito
Santo, lançaram-se na redação dos Evangelhos. Mateus, Marcos, João e Lucas, com
efeito, não “tentaram” escrever, mas, cheios do Espírito Santo, escreveram os
Evangelhos.
“Muitos”,
pois, “tentaram compor uma narrativa destes acontecimentos, que nos são
perfeitamente conhecidos”.
2. A
Igreja possui quatro Evangelhos; os hereges, vários,
dos quais um se intitula “segundo os egípcios”, outro
“segundo os doze Apóstolos”. Basílides mesmo
teve a audácia de escrever um evangelho e de intitulá-lo com seu próprio nome.
Assim, muitos tentaram escrever, mas apenas quatro Evangelhos foram aprovados,
e é deles que se devem tirar os preceitos acerca da pessoa de nosso Senhor e
Salvador. Conheço certo Evangelho que se chama “segundo [São] Tomé” e outro
“segundo [São] Matias”; e muitos outros lemos, a fim de não parecermos
ignorantes por causa daqueles que se julgam saber algo, caso tenham conhecido
estes. Mas, em tudo isso, não aprovamos nada diferente do que aprova a Igreja,
ou seja, que sejam admitidos apenas quatro Evangelhos. Por essa razão, eis o
que se leu no prólogo: “Muitos tentaram compor uma narrativa acerca destes
eventos que se consolidaram entre nós”. Eles ensaiaram e “tentaram” escrever
uma narrativa destes eventos que para nós se revelaram
absolutamente certos.
O conhecimento sensível e o conhecimento da fé
3. Lucas
revela seus sentimentos a partir do trecho em que diz: “Foram-nos muito claramente
manifestadas”, segundo o sentido do grego pepleroforeménon que
a língua latina não pode explicar com uma só palavra. Era, pois, com a certeza
da fé e da razão que ele havia conhecido os fatos, e não hesitava absolutamente
em alguma coisa se era assim ou de outro modo que sucedia. Isso, porém, sucede
àqueles que acreditaram com muita fidelidade: aquilo que o profeta roga com
insistência, eles obtiveram; e dizem: “confirma-me nas tuas palavras”.
Por isso, o Apóstolo diz também
sobre os que estavam firmes e sólidos: “Que sejais enraizados e fundados na fé”. Se
alguém está, pois, enraizado e fundado na fé, pode a tempestade elevar-se, podem
os ventos soprar, pode a chuva cair a cântaros, não será abalado, nada
ocorrerá, porque sobre a pedra o edifício foi fundado com sólida base. E
não pensemos que é
dada a estes olhos carnais a
firmeza da fé, que a inteligência e a razão concederam. Que os infiéis
acreditem por causa de sinais e prodígios que a penetração do homem considera
atentamente. Que o fiel verdadeiramente avisado e firme siga a razão espiritual
e assim discirna o que é verdadeiro do que é falso.
4. “Como
transmitiram a nós aqueles que desde o princípio eles próprios viram e se tornaram
servidores da palavra.” No Êxodo está escrito: “O povo via a voz do Senhor”. E
com certeza ouve-se a voz, mais do que se vê, mas por isto foi escrito, para
que nos fosse mostrado que ver a voz de Deus é ver com outros olhos, com os
quais os que merecem são
capazes de ver. Mas, no Evangelho, não se discerne a voz, e sim a palavra, que
é mais excelente que a voz. Donde se diz agora: “Como nos transmitiram aqueles
que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da
Palavra”. Os apóstolos contemplaram a palavra, não porque tivessem avistado o corpo do Senhor Salvador, mas
porque haviam visto o Verbo. Se, com efeito, ter visto a Jesus segundo a carne
é ter visto a Palavra de Deus, portanto também Pilatos, que condenou Jesus, viu
a Palavra de Deus, bem como o traidor Judas e todos os que clamaram:
“Crucifica-o, crucifica-o, tira da terra tal indivíduo”, viram
a Palavra de Deus. Longe de mim esse pensamento de que qualquer incrédulo possa
ver a Palavra de Deus. Ver a Palavra de Deus é tal qual o Salvador diz: “Quem
me vê, vê também o Pai, que me enviou”.
Conhecimento e ação
5. “Como nos transmitiram aqueles que, desde o
princípio, foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da Palavra”.
Implicitamente, somos instruídos pelas palavras de Lucas de que o fim de um
ensinamento é o próprio ensinamento, mas que há outro tipo de ensinamento cujo
fim é o cômputo das obras. Assim, por exemplo, a ciência da geometria tem como
finalidade apenas a própria ciência e ensinamento. Há outra ciência, cuja
finalidade exige a prática, como a Medicina. É necessário que eu saiba o método
e os princípios da Medicina, não para que saiba somente o que eu deva fazer, mas
para que faça, isto é, fazer uma incisão em uma ferida, receitar um regime moderado
e estrito, sentir o calor da febre ao tomar o pulso, secar os humores muito abundantes
com cuidados periódicos, moderá-los e contê-los. Se alguém só souber essa ciência
e não vier acompanhado da prática, inútil será a sua ciência. Há algo
semelhante à ciência da Medicina e à [sua] prática, de um lado, e conhecimento
e ministério da Palavra, de outro lado. Daí está escrito: “Como nos
transmitiram aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e se
tornaram servidores da Palavra”, para que saibamos que a expressão “testemunhas
oculares” indica o conhecimento teórico, mas a palavra “servidores” designa as
obras.
6. “Pareceu-me
por bem também, depois de ter-me informado cuidadosamente de tudo, desde o
princípio”. Lucas incute e repete, visto que aquilo que há de escrever não
conheceu a partir de boato, mas colheu pessoalmente desde o início. Desse modo,
meritoriamente é louvado pelo Apóstolo, que diz: “[o irmão] cujo louvor, quanto
ao Evangelho, está disperso por todas as igrejas”. Não
se diz isso de nenhum outro, mas é-nos transmitido esse comentário de Lucas.
Todos somos Teófilos
“Pareceu-me
por bem também, depois de ter-me informado cuidadosamente de tudo, desde o
princípio, escrever para ti o relato detalhado de tudo, excelente Teófilo”. Alguém
poderia pensar que era para algum personagem de nome Teófilo que ele teria escrito
o Evangelho. Todos os que nos ouvis falar, se tais fordes que sejais amados por
Deus, ao mesmo tempo vós sois “teófilos”, e para vós o Evangelho está escrito.
Se alguém é um “Teófilo”, este é, ao mesmo tempo, “muito bom” e “muito forte”,
como o exprime de forma mais significativa a língua grega, [com o termo]
“krátistos”. Nenhum “Teófilo” é fraco, e como foi escrito sobre o povo de
Israel, quando saía do Egito, que não houve em suas tribos alguém fraco; assim,
audaciosamente falarei: que todo aquele que é “Teófilo” é forte, tendo a força
e o vigor tanto de Deus quanto de sua palavra, de tal forma que possa conhecer
a verdade de suas palavras, com as quais se instruiu, entendendo a palavra do
Evangelho em Cristo, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos
séculos. Amém”.
O
que você destaca no Texto?
Como
ele serve para sua espiritualidade?
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