terça-feira, 30 de abril de 2019

93 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Prólogo e Homilia 1)


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93
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Prólogo e Homilia 1)


PRÓLOGO DA TRADUÇÃO DE SÃO JERÔNIMO

Inicia-se o prólogo do bem-aventurado presbítero Jerônimo para as homilias de Orígenes sobre o evangelista Lucas Jerônimo a Paula e Eustóquia

Há alguns dias, vós dissestes que havíeis lido certos comentários sobre [São] Mateus e [São] Lucas, um dos quais seria embotado tanto no pensamento quanto no estilo, o outro jogaria com as palavras, ao passo que cochilaria em suas ideias. Por essa razão, pedistes, desprezando semelhantes frivolidades, que eu traduzisse pelo menos as trinta e nove homilias, sobre [São] Lucas, de nosso caro Adamâncio, tal como se encontram em grego – tarefa desagradável esta e similar a um tormento escrever, como diz Túlio [Cícero], segundo o gosto alheio, e não o seu próprio,  a qual agora mesmo, porém, por causa disso, eu empreenderei porque não me exigis algo acima da minha capacidade. Outrora em Roma, nossa santa amiga Blesila havia solicitado que eu
entregasse aos leitores de nossa língua os vinte e seis tomos de Orígenes sobre [São] Mateus, e outros cinco sobre [São] Lucas, e os trinta e dois sobre [São] João, mas sabeis que isso não estava ao alcance de minhas forças, nem de meu tempo disponível, nem de minhas possibilidades de trabalho. Eis o quão grande é, junto a mim, vossa influência e vontade! Eu pus um pouco de lado os livros das Questões Hebraicas, para que, para seguir vosso arbítrio, eu pudesse ditar estas páginas, quaisquer que sejam, de uma obra tão proveitosa que não é minha, mas alheia, principalmente quando ouço o crocitar de um corvo de mau agouro, que se ri de modo estranho das cores de todas as aves, quando ele próprio é inteiramente tenebroso.
E assim confesso, antes que aquele indivíduo me faça suas críticas, que Orígenes, nestes tratados, brinca de dados como um menino.
As outras obras de sua maturidade e velhice são totalmente sérias. Se me aprouver, se eu tiver a possibilidade, se o Senhor me der a licença para que eu verta para a língua latina estas obras acima, e se eu tiver arrematado a obra anteriormente deixada de lado, então podereis ver, ou melhor, através de vós a língua romana conhecerá quanta riqueza não só até aqui ignorou, tanto quanto ela agora começará a conhecer. Além disso, eu me dispus a enviar-vos em alguns dias os comentários que publicaram sobre [São] Mateus, um de Hilário, escritor eloquentíssimo e o outro do bem-aventurado mártir Vitorino, cada um em estilo diverso, mas sob a inspiração única do Espírito Santo, para que não ignoreis quanto empenho pelas Sagradas Escrituras outrora houve também em nossos companheiros.
Aqui termina o prólogo. Começam as homilias de Orígenes sobre São Lucas em número de trinta e nove, vertidas para o latim por Eusébio Jerônimo, proferidas aos domingos.

COMEÇA A HOMILIA

PRIMEIRA HOMILIA 1
Lc 1,1-4
Sobre o Prólogo de Lucas, até aquela passagem, quando diz: “...escrever a ti, excelente Teófilo”.
Os Evangelhos canônicos
1. Como outrora, no seio do povo judeu, muitos prediziam a profecia, e certos deles eram pseudoprofetas – dos quais um foi Ananias, filho de Azur – outros, em verdade, eram verdadeiros profetas. E havia junto ao povo o dom de discernimento dos espíritos, pelo qual outros eram reconhecidos no número dos profetas, [e] alguns eram rejeitados ao modo de cambistas treinadíssimos.
No momento presente, no tempo do Novo Testamento, muitos também tentaram escrever evangelhos, mas nem todos foram aceitos. E a fim de que saibais que se escreveram não apenas quatro evangelhos, mas vários outros, dos quais estes, que temos, foram escolhidos e entregues às igrejas, que deste prólogo de Lucas, cujo texto assim se apresenta, aprendamos isto: “Porque evidentemente muitos tentaram compor uma narrativa”. Esta palavra “tentaram” tem uma acusação latente contra aqueles que, sem a graça do Espírito Santo, lançaram-se na redação dos Evangelhos. Mateus, Marcos, João e Lucas, com efeito, não “tentaram” escrever, mas, cheios do Espírito Santo, escreveram os Evangelhos.
“Muitos”, pois, “tentaram compor uma narrativa destes acontecimentos, que nos são perfeitamente conhecidos”.
2. A Igreja possui quatro Evangelhos; os hereges, vários, dos quais um se intitula “segundo os egípcios”, outro “segundo os doze Apóstolos”. Basílides mesmo teve a audácia de escrever um evangelho e de intitulá-lo com seu próprio nome. Assim, muitos tentaram escrever, mas apenas quatro Evangelhos foram aprovados, e é deles que se devem tirar os preceitos acerca da pessoa de nosso Senhor e Salvador. Conheço certo Evangelho que se chama “segundo [São] Tomé” e outro “segundo [São] Matias”; e muitos outros lemos, a fim de não parecermos ignorantes por causa daqueles que se julgam saber algo, caso tenham conhecido estes. Mas, em tudo isso, não aprovamos nada diferente do que aprova a Igreja, ou seja, que sejam admitidos apenas quatro Evangelhos. Por essa razão, eis o que se leu no prólogo: “Muitos tentaram compor uma narrativa acerca destes eventos que se consolidaram entre nós”. Eles ensaiaram e “tentaram” escrever uma narrativa destes eventos que para nós se revelaram
absolutamente certos.

O conhecimento sensível e o conhecimento da fé
3. Lucas revela seus sentimentos a partir do trecho em que diz: “Foram-nos muito claramente manifestadas”, segundo o sentido do grego pepleroforeménon que a língua latina não pode explicar com uma só palavra. Era, pois, com a certeza da fé e da razão que ele havia conhecido os fatos, e não hesitava absolutamente em alguma coisa se era assim ou de outro modo que sucedia. Isso, porém, sucede àqueles que acreditaram com muita fidelidade: aquilo que o profeta roga com insistência, eles obtiveram; e dizem: “confirma-me nas tuas palavras”.
 Por isso, o Apóstolo diz também sobre os que estavam firmes e sólidos: “Que sejais enraizados e fundados na fé”. Se alguém está, pois, enraizado e fundado na fé, pode a tempestade elevar-se, podem os ventos soprar, pode a chuva cair a cântaros, não será abalado, nada ocorrerá, porque sobre a pedra o edifício foi fundado com sólida base. E não pensemos que é
dada a estes olhos carnais a firmeza da fé, que a inteligência e a razão concederam. Que os infiéis acreditem por causa de sinais e prodígios que a penetração do homem considera atentamente. Que o fiel verdadeiramente avisado e firme siga a razão espiritual e assim discirna o que é verdadeiro do que é falso.
4. “Como transmitiram a nós aqueles que desde o princípio eles próprios viram e se tornaram servidores da palavra.” No Êxodo está escrito: “O povo via a voz do Senhor”. E com certeza ouve-se a voz, mais do que se vê, mas por isto foi escrito, para que nos fosse mostrado que ver a voz de Deus é ver com outros olhos, com os
quais os que merecem são capazes de ver. Mas, no Evangelho, não se discerne a voz, e sim a palavra, que é mais excelente que a voz. Donde se diz agora: “Como nos transmitiram aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da Palavra”. Os apóstolos contemplaram a palavra, não porque tivessem  avistado o corpo do Senhor Salvador, mas porque haviam visto o Verbo. Se, com efeito, ter visto a Jesus segundo a carne é ter visto a Palavra de Deus, portanto também Pilatos, que condenou Jesus, viu a Palavra de Deus, bem como o traidor Judas e todos os que clamaram: “Crucifica-o, crucifica-o, tira da terra tal indivíduo”, viram a Palavra de Deus. Longe de mim esse pensamento de que qualquer incrédulo possa ver a Palavra de Deus. Ver a Palavra de Deus é tal qual o Salvador diz: “Quem me vê, vê também o Pai, que me enviou”.

Conhecimento e ação
5.  “Como nos transmitiram aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da Palavra”. Implicitamente, somos instruídos pelas palavras de Lucas de que o fim de um ensinamento é o próprio ensinamento, mas que há outro tipo de ensinamento cujo fim é o cômputo das obras. Assim, por exemplo, a ciência da geometria tem como finalidade apenas a própria ciência e ensinamento. Há outra ciência, cuja finalidade exige a prática, como a Medicina. É necessário que eu saiba o método e os princípios da Medicina, não para que saiba somente o que eu deva fazer, mas para que faça, isto é, fazer uma incisão em uma ferida, receitar um regime moderado e estrito, sentir o calor da febre ao tomar o pulso, secar os humores muito abundantes com cuidados periódicos, moderá-los e contê-los. Se alguém só souber essa ciência e não vier acompanhado da prática, inútil será a sua ciência. Há algo semelhante à ciência da Medicina e à [sua] prática, de um lado, e conhecimento e ministério da Palavra, de outro lado. Daí está escrito: “Como nos transmitiram aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e se tornaram servidores da Palavra”, para que saibamos que a expressão “testemunhas oculares” indica o conhecimento teórico, mas a palavra “servidores” designa as obras.
6. “Pareceu-me por bem também, depois de ter-me informado cuidadosamente de tudo, desde o princípio”. Lucas incute e repete, visto que aquilo que há de escrever não conheceu a partir de boato, mas colheu pessoalmente desde o início. Desse modo, meritoriamente é louvado pelo Apóstolo, que diz: “[o irmão] cujo louvor, quanto ao Evangelho, está disperso por todas as igrejas”. Não se diz isso de nenhum outro, mas é-nos transmitido esse comentário de Lucas.

Todos somos Teófilos
“Pareceu-me por bem também, depois de ter-me informado cuidadosamente de tudo, desde o princípio, escrever para ti o relato detalhado de tudo, excelente Teófilo”. Alguém poderia pensar que era para algum personagem de nome Teófilo que ele teria escrito o Evangelho. Todos os que nos ouvis falar, se tais fordes que sejais amados por Deus, ao mesmo tempo vós sois “teófilos”, e para vós o Evangelho está escrito. Se alguém é um “Teófilo”, este é, ao mesmo tempo, “muito bom” e “muito forte”, como o exprime de forma mais significativa a língua grega, [com o termo] “krátistos”. Nenhum “Teófilo” é fraco, e como foi escrito sobre o povo de Israel, quando saía do Egito, que não houve em suas tribos alguém fraco; assim, audaciosamente falarei: que todo aquele que é “Teófilo” é forte, tendo a força e o vigor tanto de Deus quanto de sua palavra, de tal forma que possa conhecer a verdade de suas palavras, com as quais se instruiu, entendendo a palavra do Evangelho em Cristo, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no Texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?

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