terça-feira, 14 de maio de 2019

95 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilias 3 e 4)


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95
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilias 3 e 4)


HOMILIA 3
Lc 1.11 - Sobre o que está escrito: “Apareceu-lhe um anjo do Senhor, de pé à direita do altar do incenso”.


Visão dos seres espirituais
As realidades físicas que existem e carecem de inteligência não exercem por si próprias nenhuma atividade para serem objeto de percepção visual: é somente o olhar alheio que, dirigido para elas, quer elas queiram ou não queiram, as penetra, quando ele orienta em direção a elas sua contemplação. O que pode, com efeito, fazer um homem ou qualquer outra realidade, que a circunde com um corpo espesso, quando estiver em presença de outrem, para que não seja percebido?
Ao contrário, aquelas realidades que são superiores e divinas, mesmo quando estão em presença de outrem, não são vistas, a não ser que elas mesmas queiram [ser vistas]; e está no controle de sua vontade serem ou não serem vistas. E foi por uma graça de Deus que Ele [mesmo] apareceu a Abraão e aos outros profetas: o olho do coração de Abraão não foi a única causa para que visse Deus, mas [foi] porque a graça de Deus se ofereceu livremente ao homem justo, para que fosse ela mesma contemplada.
Não entendas isso, porém, só sobre Deus Pai, mas também sobre o Senhor Salvador e sobre o Espírito Santo; e, se eu quiser chegar a seres que lhes são inferiores, sobre os Querubins e Serafins. Pode acontecer que, agora, a nós que estamos falando, nos assista um anjo, e, entretanto, porque não o merecemos, não o possamos ver.
Embora o olho, seja do corpo seja de nossa alma, se esforce, com efeito, para contemplá-lo, a não ser que, por sua própria vontade, o anjo apareça e se ofereça a ser visto, aquele que o deseja ver não o verá. É por isso que, onde quer que estiver escrito: “Deus apareceu” a esse ou a àquele – como ouvimos há pouco: “apareceu-lhe o anjo do Senhor, de pé à direita do altar do incenso” –, entende assim como eu disse. Seja Deus, seja o anjo de Abraão ou de Zacarias, quando não quiser ou quiser, ou não será visto ou será visto.
E dizemos isso não somente no “século presente”,mas também no futuro, quando tivermos migrado deste mundo, porque Deus ou os anjos não aparecem para todos, como se aquele que tenha acabado de sair de seu corpo mereça imediatamente ver tanto os anjos quanto o Espírito Santo, o Senhor Salvador e o próprio Deus Pai; mas o verá apenas aquele que tiver o coração puro e se mostrar de tal forma que seja digno de ver a Deus. E ainda que estejam no mesmo lugar aquele que é de coração puro e aquele que ainda está respingado por alguma mancha, não é a unidade do lugar que o poderá prejudicar ou favorecer, porque quem tiver o coração puro verá a Deus, mas quem não o tiver não verá aquilo que os outros contemplam.
Tal fato, para mim, deve ser entendido também acerca do Cristo, quando era corporalmente visto, porque não o podia ver qualquer um que o visse.
Viam, claro, apenas seu corpo, mas não o podiam ver enquanto Cristo. Ao contrário, os discípulos o viam e contemplavam a grandeza de sua divindade. Por essa razão, creio que também a Filipe, que o suplicava e dizia: “Mostra-nos o Pai e isso nos basta”, o Salvador tenha respondido: “Por tanto tempo estou convosco, e não me conhecestes? Ó Filipe, quem me vê, vê também o Pai”.
Pilatos, com efeito, que via Jesus, não contemplava o Pai, o traidor Judas também não, porque nem o próprio Pilatos nem Judas viam o Cristo segundo o que Cristo era; nem a multidão que o apertava [de todos os lados]. Só viam a Jesus aqueles que ele julgava dignos de sua contemplação.
Trabalhemos, portanto, nós também, para que, no tempo presente, Deus nos apareça, porque a palavra santa da Escritura prometeu: “porque será encontrado por aqueles que não o tentam, ele possa se manifestar àqueles que não são incrédulos a seu respeito” e, no século futuro, não nos seja oculto, mas que o vejamos “face a face” e tenhamos a garantia de uma vida feliz e gozemos da visão de Deus onipotente em Cristo Jesus e no Espírito Santo, “a quem pertence a glória e o poder nos séculos dos séculos.  Amém”.


HOMILIA 4
Lc 1,13-17 - Sobre o que está escrito: “Não temas, Zacarias”, até aquela passagem em que se fala de João: “Ele o precederá no espírito e no poder de Elias”.


Nascimento de João Batista
Zacarias atemorizou-se, assim que viu o anjo. Uma figura nova que se ofereça aos olhares humanos perturba a mente e apavora o coração. Por isso, o anjo, sabendo que essa é a natureza humana, primeiramente remedia a perturbação, dizendo: “Não temas, Zacarias”, e reconforta aquele que está agitado e o alegra com uma mensagem nova, dizendo: “Tua oração foi ouvida e tua esposa Isabel dará à luz um filho, e o chamarás com o nome de João; e será teu júbilo e exultação”. Quando algum justo aparece no mundo e penetra no estádio desta vida, os responsáveis por seu nascimento se alegram e se entusiasmam. Mas quando nasce aquele que foi preparado para uma má vida e condenado, por assim dizer, à prisão por castigo, o responsável fica consternado e abatido.
Queres tomar um exemplo de um homem santo, de quem todo o fruto esteja no louvor? Vê Jacó, que gerou a doze filhos do sexo masculino, que se tornaram todos os patriarcas, os chefes do povo de Deus e de sua herança: em todos estes o pai Jacó se alegrava, assim como agora o nascimento de João é, para todo o mundo, o anúncio de uma jubilosa notícia. E quem uma vez, para ser útil aos outros, consentiu em ter filhos e quis se sujeitar a esta função deve suplicar a Deus que seu filho, tal como João, ingresse no mundo, ao qual o nascimento dele traria mais alegria. Pois sobre João foi escrito: “Ele será grande aos olhos do Senhor”. Isso que foi dito, “Ele será grande aos olhos do Senhor”, revela a grandeza da alma de João, que seria clara aos olhos de Deus.
Há algo de pequenez que se percebe propriamente na virtude da alma. É assim, pelo menos, que entendo esta passagem do Evangelho: “Não desprezeis nenhum destes pequeninos que estão na Igreja”. Pequenino aí se entende por comparação com um maior. Não me é preceituado que eu despreze o que é grande, porque não pode ser desprezado aquele que é grande, mas é dito a mim: “Não desprezes nenhum destes pequeninos”. Para que saibas, porém, que pequenino e pequeno não são palavras ditas ao acaso, mas com o sentido que citamos, está escrito: “Quem quer que tiver escandalizado um só destes pequeninos [...]”. Um pequenino é escandalizado, um maior não pode suportar um escândalo.


Presença do Espírito Santo
Segue-se sobre João: “E ele será repleto do Espírito Santo desde o seio de sua mãe”. E o nascimento de João é cheio de milagres. Como um arcanjo anunciou o advento de Nosso Senhor e Salvador, da mesma forma um arcanjo anuncia o nascimento de João. “Ele será repleto do Espírito Santo desde o seio de sua mãe”. O povo judeu não via absolutamente que nosso Senhor realizava “milagres e prodígios” e curava suas doenças. Mas João, ainda no seio de sua mãe, exulta de alegria e não pode ser contido; e à chegada da mãe de Jesus, parece querer sair do ventre de Isabel. “Desde o instante em que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, exultou de júbilo a criança
em meu ventre”. João ainda estava no ventre da mãe e já havia recebido o Espírito Santo. Não era, pois, o Espírito Santo aquele princípio de sua substância e natureza.
Em seguida, a Escritura diz que ele “converterá numerosos filhos de Israel ao Senhor seu Deus”. João converteu a vários, o Senhor, porém, não vários, mas todos.
Esta é a obra d’Ele: a todos converter ao Deus Pai. “E ele andará à frente do Cristo, no espírito e na virtude de Elias”. Não diz: na alma de Elias, mas “no espírito e virtude de Elias”. Houve em Elias a virtude e o espírito, tal como em todos os profetas, e, segundo a economia da Encarnação, em nosso próprio Senhor Salvador, do qual, poucos versículos depois, é dito a Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”.
O Espírito, portanto, que existira em Elias, veio sobre João, e o poder, que naquele habitava, neste também apareceu. Aquele foi transportado ao céu, mas este foi o precursor do Senhor e morreu antes desse, para que, descendo aos infernos, anunciasse seu advento.


O mistério de João
Eu considero que o mistério de João até hoje se cumpre no mundo. Quem quer que houver de acreditar em Cristo Jesus, primeiramente o espírito e o poder de João vem à sua alma, e “prepara ao Senhor um povo perfeito”, e, nas asperezas do coração, aplaina os caminhos e endireita as veredas. Não foi somente naquele tempo que os caminhos foram preparados e endireitadas as veredas, mas até hoje o advento do Senhor Salvador é precedido pelo espírito e o poder de João. 
Ó grandes mistérios do Senhor e de sua economia! Os anjos correm na frente de Jesus, os anjos quotidianamente ou sobem ou descem para a salvação dos homens em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto? Como ele serve para sua espiritualidade?

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