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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilias 5 e 6)
HOMILIA
5 - Lc 1.20-22 - SOBRE O MUTISMO DE ZACARIAS
O
silêncio de Zacarias e o dos profetas
O sacerdote Zacarias,
enquanto oferece incenso no templo, é condenado ao silêncio e não pode mais
falar ou, antes, só fala por sinais e permanece mudo até o nascimento de João.
Aonde leva esta
história? O silêncio de Zacarias é o silêncio dos profetas no povo de Israel,
aos quais Deus [já] não fala de nenhum modo. E “a Palavra, que, do princípio,
era Deus junto do Pai”, veio até nós, e conosco o Cristo não se cala; para os
judeus até hoje silencia. Por isso também o profeta Zacarias calou-se.
Muito
claramente, a partir de suas próprias palavras, se comprova que ele foi profeta
e sacerdote. Mas o que significa o que se segue: “Ele lhes fazia sinais com a
cabeça”, e com tais sinais compensava o prejuízo da voz?
Eu considero que
há ações que, sem palavra e sem razão, em nada diferem dos sinais. Onde, porém,
palavra e razão precedem e, assim, uma obra subsegue, as ações, providas de palavra
e razão, não devem ser consideradas simples sinais.
Se, portanto,
consideras a instituição dos judeus como sem palavra e sem razão, a ponto de
não poderem dar conta de seus atos, entende que o que então se passou em
Zacarias como imagem é o que se cumpre para eles até os dias de hoje. Sua
circuncisão é similar aos sinais. Se, com efeito, não se dá conta da
circuncisão, a circuncisão é um sinal e uma obra muda. A páscoa e outras
solenidades são mais gestos do que verdade.
Até hoje o povo
de Israel é surdo e mudo; nem podia, com efeito, suceder que não fosse surdo e
mudo quem havia atirado para longe de si a Palavra.
Outrora, sem
dúvida, Moisés dizia: “eu, porém, sou álogos” –
o que, embora o latino se expressaria de outro modo, pode se traduzir
apropriadamente: “sem palavra” e “sem razão” –, e depois de haver dito essas
palavras, recebeu a razão e a palavra, que havia confessado antes não ter.
O povo de Israel
no Egito, antes de receber
a Lei, encontrando-se sem palavra e sem
razão, era, de certo modo, mudo. Em seguida recebeu a Palavra, cuja imagem foi
Moisés.
O povo não
reconhece o que confessou Moisés, que era mudo e álogos, mas por gestos e pelo
silêncio manifesta não ter palavra e não ter razão. Não te parece ser uma
confissão de estultícia, quando ninguém deles pode dar conta dos preceitos da
Lei e dos ditos proféticos?
A
rejeição de Israel e a salvação das nações
Cristo cessou de
estar com eles, a Palavra os abandonou, cumpriu-se aquilo que está escrito em
Isaías: “A filha de Sião será deixada como uma tenda na vinha, e como uma sentinela
em um pepineiro, como uma cidade que é atacada”.
Depois desse abandono,
a salvação foi transferida às nações, para que os judeus sejam incitados ao zelo.
Considerando,
portanto, a economia e o mistério de Deus, como Israel foi apartado para nossa
salvação, devemos estar atentos para que também os judeus não sejam excluí dos
por nossa causa e que nós não sejamos dignos de um suplício maior, por cuja causa
também os judeus foram abandonados, e nós nada faremos de digno da adoção de Deus
e de sua clemência, com a qual nos adotou e colocou-nos no lugar de seus filhos
em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder no século dos séculos.
Amém”.
HOMILIA
6 - Lc 1.24-33 - Sobre isto que está escrito: “Depois que havia concebido,
Isabel se manteve escondida”, até esta passagem que diz: “Este será grande”.
Isabel
permanece escondida
Quando Isabel
concebeu, “ela se escondia por cinco meses, dizendo: porque isto por mim fez o
Senhor nos dias em que voltou seu olhar para trás para tirar o meu opróbrio de
dentre os homens”. Pergunto por que razão, depois que se entendeu grávida,
afastou-se do meio público.
Se não me
engano, é por isto: mesmo aqueles que estão unidos pelas núpcias não têm todo
tempo livre entre si para o ato conjugal, mas há um tempo em que se abstêm do
intercurso sexual. Se o homem for um velho e a mulher uma anciã, é a maior
falta de vergonha se entregar à libido e entregar-se à realização do ato
conjugal, que parecem suprimidos pelo depauperamento do corpo e velhice e pela
vontade de Deus.
Mas Isabel,
porque pela palavra do anjo e pela economia divina havia copulado com um varão,
se enrubescia por, idosa e quase decrépita, ter voltado a um ato da juventude.
Daí que “se
escondia por cinco meses”, não até o nono mês, até o momento iminente do parto,
mas até o momento da concepção de Maria.
Quando, com efeito, Maria concebeu e
veio até Isabel, e sua saudação chegou aos seus ouvidos, exultou de alegria a
criança no ventre de Isabel e Isabel
profetizou e, cheia do Espírito Santo, pronunciou as palavras que o Evangelho
reporta, “E se espalharam por todas as montanhas essas palavras”.
Quando, pois, se
espalhou o rumor no meio do povo de que ela trazia no ventre um profeta e de
que aquele que ela tinha concebido era maior que um homem, ela então não se
esconde, mas se mostra com toda liberdade e exulta de ter em seu seio o
precursor do Salvador.
O
Mistério da Encarnação oculto ao demônio
Em seguida, a
Escritura rememora que, “no sexto mês em que Isabel tinha concebido, foi
enviado o anjo Gabriel por Deus a uma cidade da Galileia, cujo nome era Nazaré,
a uma virgem desposada com um varão, cujo nome era José, da casa de Davi; e o
nome da virgem era Maria”.
Novamente
refletindo [sobre esses fatos], pergunto por que Deus, quando uma vez julgou
que o Salvador deveria nascer de uma virgem, não escolheria uma moça sem
esposo, mas [escolheu] sobretudo aquela desposada.
E a não ser que
me engane, é por esta causa: teve de nascer daquela virgem que, não só tivesse
esposo, mas, como escreve Mateus, já havia
sido entregue a um homem, embora ele ainda não a tivesse conhecido, a fim de que o próprio fato de ser virgem não
fosse motivo de vergonha, se a virgem aparecesse com o ventre crescendo.
É por isso que
encontrei elegantemente escrito na epístola de certo mártir (refiro-me a
Inácio, segundo bispo de Antioquia depois de Pedro, que, na perseguição de Roma,
foi entregue às feras): “A virgindade de Maria se fez oculta ao Príncipe deste século”, se fez oculta por causa de José, se fez oculta
por causa das núpcias, se fez oculta porque era considerada pertencente a um
varão.
Se, de fato, não
tivesse tido um esposo e, como se considerava, um varão, em vão teria podido se
esconder do “Príncipe deste mundo”.
Imediatamente,
pois, um pensamento teria se insinuado secretamente na mente do diabo: “Como
esta [mulher], que não teve relações com um varão, está grávida? Essa concepção
deve ser obra divina, deve ser algo mais sublime que a natureza humana”.
Pelo contrário,
o Salvador havia decretado que o diabo ignorasse a sua economia da Encarnação e
da assunção de um corpo. Assim também o deixou na ignorância quanto à sua
geração, e aos discípulos depois preceituava que não o fizessem conhecer.
E quando era
tentado pelo próprio diabo, em nenhum momento [o Salvador] confessou ser Filho
de Deus, mas tão somente respondia: não devo adorar-te, nem que faça pães
destas pedras, nem que do alto eu me precipite. E
quando dizia estas coisas, sempre silenciou que era Filho de Deus. Procura em
outras passagens pela Escritura, e encontrarás que foi vontade de Cristo que o
diabo ignorasse o advento do Filho de Deus.
O Apóstolo,
afirmando que as forças adversas ignoraram a sua paixão, diz: “É uma sabedoria
que nós pregamos entre os perfeitos, não é, porém, a sabedoria deste século,
nem dos príncipes deste século, que são destruídos; mas pregamos a sabedoria de
Deus escondida no mistério, que nenhum dos príncipes deste século conheceu.
Se, com efeito,
tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória”. Escondido,
portanto, esteve dos príncipes deste século o mistério do Salvador.
O que se pode
objetar, pelo contrário, me parece poder ser resolvido, antes que por outro
seja proposto: por qual razão o que escapou aos príncipes deste mundo não escapou
ao demônio, que no Evangelho dizia: “Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?
Sabemos quem tu és, ó Filho de Deus”. Mas,
tem presente [isto]: é o menor em malícia que reconheceu o Salvador; mas o
maior no crime, o mais maldoso, o mais malvado, porque ele é o maior no mal,
não pôde reconhecer o Filho de Deus. E nós também, quanto menos pertencermos ao
mal, mais facilmente poderemos avançar sobre o caminho da virtude. Ao
contrário, quanto mais o mal for grande em nós, maior será nosso trabalho, mais
abundante nosso suor, para nos liberar de tão grande malícia.
Eis o comentário
sobre o noivado de Maria.
A
saudação do anjo
Pois, na
verdade, o anjo saudou Maria com uma fórmula nova, que não pude encontrar em
[nenhuma] outra parte da Escritura e da qual pouca coisa se deve dizer.
Eis, de fato, o
que diz: “Ave, cheia de graça”, que em grego se diz: “kekharitoméne”.
Não me recordo
em que outra parte da Escritura eu tenha lido. Nunca essa fórmula foi dirigida
a um homem: “Salve, cheio de graça”.
Somente a Maria
essa saudação estava reservada. Se, com efeito, Maria tivesse sabido que uma
fórmula semelhante havia sido dirigida a algum outro – ela tinha, com efeito, o
conhecimento da Lei e era santa e havia conhecido, por suas meditações
quotidianas, os anúncios dos profetas –,
nunca a haveria espantado uma saudação que lhe parecesse estranha.
É por isso que o
anjo lhe disse: “Não temas, Maria, porque encontraste graça aos olhos de Deus.
Eis que conceberás em teu ventre, e darás à luz um filho, e o chamarás pelo
nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo”.
A
grandeza de Jesus
Também se diz de
João: “Ele será grande”, e é o anjo Gabriel
também que o atesta; mas quando veio Jesus, verdadeiramente grande,
verdadeiramente sublime, João que, antes, fora grande, se tornou menor.
João, com
efeito, disse Jesus, “foi uma lâmpada ardente e brilhante, e vós quisestes
exultar um instante, à sua luz”. A grandeza
de nosso Salvador não apareceu quando nasceu, mas agora ela resplandece, depois
que parecia ter sido esmagada pelos adversários.
Vê a grandeza do
Senhor: “sobre toda a terra se espalhou o som de sua doutrina, e até os confins
da terra suas palavras”. Nosso Senhor Jesus,
porque é a “força de Deus”, espalhou-se
sobre toda a terra, e atualmente está conosco, segundo o que se lê no Apóstolo:
“Vós estais reunidos e meu espírito está no meio de vós com a força do Senhor
Jesus”.
A força do
Senhor Salvador está com aqueles que, na Bretanha, estão separados de nosso
continente e com aqueles que, na Mauritânia, e com todos aqueles que, sob o
sol, creram em seu nome. Vê, portanto, a grandeza do Salvador, como sobre toda
a terra se difundiu; e, certamente, ainda não expus sua verdadeira grandeza.
Sobe aos céus e
vê como ele enche as moradas celestes, porque
“ele apareceu aos anjos”. Desce, pelo
pensamento, aos abismos, e verás que ele também para lá desceu. Pois, “Quem
desceu, este é o mesmo que subiu, a fim
de tudo preencher”, “para que, em nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu,
na terra e nos infernos”.
Reflete sobre o
poder do Senhor, como preencheu o mundo, isto é, os céus, a terra e os infernos,
como penetrou o próprio céu e como atingiu o cume. Lemos, com efeito, que o Filho
de Deus “atravessou os céus”.
Se tu tiveres
compreendido essas verdades, compreenderás igualmente que não é incidentalmente
que se diz: “Ele será grande”.
A obra do Senhor
realiza por completo essa palavra. Grande é o nosso Senhor Jesus, seja
presente, seja ausente; e ele concedeu uma parte de seu poder também à nossa
assembleia e à nossa reunião, mas para que cada um de nós mereça recebê-la,
oremos ao Senhor Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos
séculos. Amém”.
O que você
destaca no texto? Como ele serve para sua espiritualidade?
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