segunda-feira, 20 de maio de 2019

96 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilias 5 e 6)


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96
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilias 5 e 6)



HOMILIA 5 - Lc 1.20-22 - SOBRE O MUTISMO DE ZACARIAS

O silêncio de Zacarias e o dos profetas
O sacerdote Zacarias, enquanto oferece incenso no templo, é condenado ao silêncio e não pode mais falar ou, antes, só fala por sinais e permanece mudo até o nascimento de João.
Aonde leva esta história? O silêncio de Zacarias é o silêncio dos profetas no povo de Israel, aos quais Deus [já] não fala de nenhum modo. E “a Palavra, que, do princípio, era Deus junto do Pai”, veio até nós, e conosco o Cristo não se cala; para os judeus até hoje silencia. Por isso também o profeta Zacarias calou-se.
Muito claramente, a partir de suas próprias palavras, se comprova que ele foi profeta e sacerdote. Mas o que significa o que se segue: “Ele lhes fazia sinais com a cabeça”, e com tais sinais compensava o prejuízo da voz?
Eu considero que há ações que, sem palavra e sem razão, em nada diferem dos sinais. Onde, porém, palavra e razão precedem e, assim, uma obra subsegue, as ações, providas de palavra e razão, não devem ser consideradas simples sinais.
Se, portanto, consideras a instituição dos judeus como sem palavra e sem razão, a ponto de não poderem dar conta de seus atos, entende que o que então se passou em Zacarias como imagem é o que se cumpre para eles até os dias de hoje. Sua circuncisão é similar aos sinais. Se, com efeito, não se dá conta da circuncisão, a circuncisão é um sinal e uma obra muda. A páscoa e outras solenidades são mais gestos do que verdade.
Até hoje o povo de Israel é surdo e mudo; nem podia, com efeito, suceder que não fosse surdo e mudo quem havia atirado para longe de si a Palavra.
Outrora, sem dúvida, Moisés dizia: “eu, porém, sou álogos” – o que, embora o latino se expressaria de outro modo, pode se traduzir apropriadamente: “sem palavra” e “sem razão” –, e depois de haver dito essas palavras, recebeu a razão e a palavra, que havia confessado antes não ter.
O povo de Israel no Egito, antes de receber
a Lei, encontrando-se sem palavra e sem razão, era, de certo modo, mudo. Em seguida recebeu a Palavra, cuja imagem foi Moisés.
O povo não reconhece o que confessou Moisés, que era mudo e álogos, mas por gestos e pelo silêncio manifesta não ter palavra e não ter razão. Não te parece ser uma confissão de estultícia, quando ninguém deles pode dar conta dos preceitos da Lei e dos ditos proféticos?

A rejeição de Israel e a salvação das nações
Cristo cessou de estar com eles, a Palavra os abandonou, cumpriu-se aquilo que está escrito em Isaías: “A filha de Sião será deixada como uma tenda na vinha, e como uma sentinela em um pepineiro, como uma cidade que é atacada”.
Depois desse abandono, a salvação foi transferida às nações, para que os judeus sejam incitados ao zelo.
Considerando, portanto, a economia e o mistério de Deus, como Israel foi apartado para nossa salvação, devemos estar atentos para que também os judeus não sejam excluí dos por nossa causa e que nós não sejamos dignos de um suplício maior, por cuja causa também os judeus foram abandonados, e nós nada faremos de digno da adoção de Deus e de sua clemência, com a qual nos adotou e colocou-nos no lugar de seus filhos em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder no século dos séculos. Amém”.

HOMILIA 6 - Lc 1.24-33 - Sobre isto que está escrito: “Depois que havia concebido, Isabel se manteve escondida”, até esta passagem que diz: “Este será grande”.

Isabel permanece escondida
Quando Isabel concebeu, “ela se escondia por cinco meses, dizendo: porque isto por mim fez o Senhor nos dias em que voltou seu olhar para trás para tirar o meu opróbrio de dentre os homens”. Pergunto por que razão, depois que se entendeu grávida, afastou-se do meio público.
Se não me engano, é por isto: mesmo aqueles que estão unidos pelas núpcias não têm todo tempo livre entre si para o ato conjugal, mas há um tempo em que se abstêm do intercurso sexual. Se o homem for um velho e a mulher uma anciã, é a maior falta de vergonha se entregar à libido e entregar-se à realização do ato conjugal, que parecem suprimidos pelo depauperamento do corpo e velhice e pela vontade de Deus.
Mas Isabel, porque pela palavra do anjo e pela economia divina havia copulado com um varão, se enrubescia por, idosa e quase decrépita, ter voltado a um ato da juventude.
Daí que “se escondia por cinco meses”, não até o nono mês, até o momento iminente do parto, mas até o momento da concepção de Maria.
Quando, com efeito, Maria concebeu e veio até Isabel, e sua saudação chegou aos seus ouvidos, exultou de alegria a criança no ventre de Isabel e Isabel profetizou e, cheia do Espírito Santo, pronunciou as palavras que o Evangelho reporta, “E se espalharam por todas as montanhas essas palavras”.
Quando, pois, se espalhou o rumor no meio do povo de que ela trazia no ventre um profeta e de que aquele que ela tinha concebido era maior que um homem, ela então não se esconde, mas se mostra com toda liberdade e exulta de ter em seu seio o precursor do Salvador.

O Mistério da Encarnação oculto ao demônio
Em seguida, a Escritura rememora que, “no sexto mês em que Isabel tinha concebido, foi enviado o anjo Gabriel por Deus a uma cidade da Galileia, cujo nome era Nazaré, a uma virgem desposada com um varão, cujo nome era José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria”.
Novamente refletindo [sobre esses fatos], pergunto por que Deus, quando uma vez julgou que o Salvador deveria nascer de uma virgem, não escolheria uma moça sem esposo, mas [escolheu] sobretudo aquela desposada.
E a não ser que me engane, é por esta causa: teve de nascer daquela virgem que, não só tivesse esposo, mas, como escreve Mateus, já havia sido entregue a um homem, embora ele ainda não a tivesse conhecido, a fim de que o próprio fato de ser virgem não fosse motivo de vergonha, se a virgem aparecesse com o ventre crescendo.
É por isso que encontrei elegantemente escrito na epístola de certo mártir (refiro-me a Inácio, segundo bispo de Antioquia depois de Pedro, que, na perseguição de Roma, foi entregue às feras): “A virgindade de Maria se fez oculta ao Príncipe deste século”, se fez oculta por causa de José, se fez oculta por causa das núpcias, se fez oculta porque era considerada pertencente a um varão.
Se, de fato, não tivesse tido um esposo e, como se considerava, um varão, em vão teria podido se esconder do “Príncipe deste mundo”.
Imediatamente, pois, um pensamento teria se insinuado secretamente na mente do diabo: “Como esta [mulher], que não teve relações com um varão, está grávida? Essa concepção deve ser obra divina, deve ser algo mais sublime que a natureza humana”.
Pelo contrário, o Salvador havia decretado que o diabo ignorasse a sua economia da Encarnação e da assunção de um corpo. Assim também o deixou na ignorância quanto à sua geração, e aos discípulos depois preceituava que não o fizessem conhecer.
E quando era tentado pelo próprio diabo, em nenhum momento [o Salvador] confessou ser Filho de Deus, mas tão somente respondia: não devo adorar-te, nem que faça pães destas pedras, nem que do alto eu me precipite. E quando dizia estas coisas, sempre silenciou que era Filho de Deus. Procura em outras passagens pela Escritura, e encontrarás que foi vontade de Cristo que o diabo ignorasse o advento do Filho de Deus.
O Apóstolo, afirmando que as forças adversas ignoraram a sua paixão, diz: “É uma sabedoria que nós pregamos entre os perfeitos, não é, porém, a sabedoria deste século, nem dos príncipes deste século, que são destruídos; mas pregamos a sabedoria de Deus escondida no mistério, que nenhum dos príncipes deste século conheceu.
Se, com efeito, tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória”.  Escondido, portanto, esteve dos príncipes deste século o mistério do Salvador.
O que se pode objetar, pelo contrário, me parece poder ser resolvido, antes que por outro seja proposto: por qual razão o que escapou aos príncipes deste mundo não escapou ao demônio, que no Evangelho dizia: “Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo? Sabemos quem tu és, ó Filho de Deus”. Mas, tem presente [isto]: é o menor em malícia que reconheceu o Salvador; mas o maior no crime, o mais maldoso, o mais malvado, porque ele é o maior no mal, não pôde reconhecer o Filho de Deus. E nós também, quanto menos pertencermos ao mal, mais facilmente poderemos avançar sobre o caminho da virtude. Ao contrário, quanto mais o mal for grande em nós, maior será nosso trabalho, mais abundante nosso suor, para nos liberar de tão grande malícia.
Eis o comentário sobre o noivado de Maria.

A saudação do anjo
Pois, na verdade, o anjo saudou Maria com uma fórmula nova, que não pude encontrar em [nenhuma] outra parte da Escritura e da qual pouca coisa se deve dizer.
Eis, de fato, o que diz: “Ave, cheia de graça”, que em grego se diz: “kekharitoméne”.
Não me recordo em que outra parte da Escritura eu tenha lido. Nunca essa fórmula foi dirigida a um homem: “Salve, cheio de graça”.
Somente a Maria essa saudação estava reservada. Se, com efeito, Maria tivesse sabido que uma fórmula semelhante havia sido dirigida a algum outro – ela tinha, com efeito, o conhecimento da Lei e era santa e havia conhecido, por suas meditações quotidianas, os anúncios dos profetas –, nunca a haveria espantado uma saudação que lhe parecesse estranha.
É por isso que o anjo lhe disse: “Não temas, Maria, porque encontraste graça aos olhos de Deus. Eis que conceberás em teu ventre, e darás à luz um filho, e o chamarás pelo nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo”.

A grandeza de Jesus
Também se diz de João: “Ele será grande”, e é o anjo Gabriel também que o atesta; mas quando veio Jesus, verdadeiramente grande, verdadeiramente sublime, João que, antes, fora grande, se tornou menor.
João, com efeito, disse Jesus, “foi uma lâmpada ardente e brilhante, e vós quisestes exultar um instante, à sua luz”. A grandeza de nosso Salvador não apareceu quando nasceu, mas agora ela resplandece, depois que parecia ter sido esmagada pelos adversários.
Vê a grandeza do Senhor: “sobre toda a terra se espalhou o som de sua doutrina, e até os confins da terra suas palavras”. Nosso Senhor Jesus, porque é a “força de Deus”, espalhou-se sobre toda a terra, e atualmente está conosco, segundo o que se lê no Apóstolo: “Vós estais reunidos e meu espírito está no meio de vós com a força do Senhor Jesus”.
A força do Senhor Salvador está com aqueles que, na Bretanha, estão separados de nosso continente e com aqueles que, na Mauritânia, e com todos aqueles que, sob o sol, creram em seu nome. Vê, portanto, a grandeza do Salvador, como sobre toda a terra se difundiu; e, certamente, ainda não expus sua verdadeira grandeza.
Sobe aos céus e vê como ele enche as moradas celestes, porque “ele apareceu aos anjos”. Desce, pelo pensamento, aos abismos, e verás que ele também para lá desceu. Pois, “Quem desceu,  este é o mesmo que subiu, a fim de tudo preencher”, “para que, em nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos”.
Reflete sobre o poder do Senhor, como preencheu o mundo, isto é, os céus, a terra e os infernos, como penetrou o próprio céu e como atingiu o cume. Lemos, com efeito, que o Filho de Deus “atravessou os céus”.
Se tu tiveres compreendido essas verdades, compreenderás igualmente que não é incidentalmente que se diz: “Ele será grande”.
A obra do Senhor realiza por completo essa palavra. Grande é o nosso Senhor Jesus, seja presente, seja ausente; e ele concedeu uma parte de seu poder também à nossa assembleia e à nossa reunião, mas para que cada um de nós mereça recebê-la, oremos ao Senhor Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto? Como ele serve para sua espiritualidade?


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