segunda-feira, 24 de junho de 2019

100 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 11)


Resultado de imagem para mosteiro de São João no deserto

100
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 11)


HOMILIA 11 - Lc 1.80-2.2
Sobre o que está escrito: “O menino crescia e se fortificava em espírito”, até aquela passagem que diz: “Esse é o primeiro recenseamento que houve, sendo governador da Síria Quirino”.

O crescimento espiritual
Nas Sagradas Escrituras, há dois tipos de crescimento: um é corporal, quando a vontade humana em nada é útil; o outro é espiritual, quando a causa do crescimento consiste no esforço humano.
O evangelista, então, fala agora desse crescimento, que citamos como segundo, isto é, o espiritual: “O menino, porém, crescia e se fortalecia em espírito”.
É bem o que ele diz: “crescia em espírito”, não ficava na mesma medida em que havia se iniciado, mas sempre crescia nele o espírito e, a cada hora e momento, com o espírito em crescimento, sua alma também recebia incrementos.
E não apenas a alma, mas também o pensamento e a inteligência acompanhavam os progressos do espírito. Não sei como podem explicar o que Deus recomenda, isto é, “crescei e multiplicai-vos”, aqueles que tomam isso no sentido físico e ao pé da letra.
Admitamos, pois, que “multiplicai-vos” se refira ao número, de modo que, quando, em números, se tem mais do que se tinha antes, há multiplicação.
Mas isto que se segue: “crescei”, não está ao nosso alcance. Qual dos homens, com efeito, não quereria “acrescentar à sua estatura” [alguma medida] para se tornar mais alto?
Se, portanto, algo nos é ordenado que se faça – é tolice ordenar aquilo que aquele a quem se ordene não possa cumprir – e nos é ordenado que cresçamos, seguramente nos é ordenado aquilo que podemos cumprir.
Queres saber como se deve entender “crescei”? Escuta o que Isaque fez, do qual se diz: “Isaque progredia e se tornava maior até se tornar grande, e grande em demasia”.
Sempre, pois, a sua vontade, que tendia para as melhores coisas, fazia seus progressos; sua inteligência contemplava algo mais divino e exercitava a memória, para que acumulasse mais riquezas no seu tesouro e as conservasse ali mais fielmente.
E desse modo sucedeu que Isaque, que cultivou todas as suas virtudes no campo da alma, cumpriu o mandamento que consiste em “crescei”.
É por essa razão que também João, ainda pequenino, crescia e se multiplicava; muito difícil, porém, e, entre os mortais, algo muito raro, é um pequenino crescer em espírito.
“O menino, porém, crescia e se fortificava em espírito”. Uma coisa é “crescia” e outra é “fortificava-se”.
A natureza humana é fraca e, para se tornar mais forte, precisa do auxílio divino. Nós lemos: “a carne é fraca”. Com qual auxílio, portanto, deve ser fortificada? Sem dúvida alguma, com o espírito; “pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca”.
Quem quer se tornar mais forte não deve ser fortalecido senão no espírito.
Muitos se fortalecem pela carne, se tornam mais robustos de corpo; porém, o atleta de Deus deve se robustecer pelo espírito e, quando assim estiver fortalecido, ele esmagará a sabedoria da carne e, tendo-se tornado espiritual, submeterá o corpo ao domínio da alma.
Não consideremos que isso que foi escrito sobre João, “crescia e se fortificava em espírito”, seja uma simples história e que não nos diga respeito em nada; mas, sim, que [isso foi escrito] para ser imitado por nós, para que, multiplicados espiritualmente, no sentido que dissemos, realizemos progressos.

João no deserto
“E ele estava no deserto até o dia de sua manifestação diante de Israel”.
Eu disse recentemente o quanto a concepção de João foi extraordinária, visto que “a criança exultou de alegria no ventre de sua mãe” e, antes de ter nascido, reconheceu o seu Senhor; eu mostrei também o milagre não menos grande que foi seu nascimento, quando Zacarias profetiza e dirige a palavra à criança, como se essa estivesse ouvindo, dizendo: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo”.
Depois de tal concepção e tal nascimento, era, pois, normal que João não esperasse ser criado por seu pai e sua mãe “até o dia de sua manifestação diante de Israel”, mas era necessário também que, fugindo do tumulto das cidades, da afluência do povo, dos vícios das cidades, se retirasse nos desertos, onde o ar é mais puro e o céu mais descoberto e Deus mais familiar; para que, como nem o mistério do batismo nem o tempo da pregação haviam chegado, tivesse tempo para as orações e conversasse com os anjos, chamasse pelo Senhor e o ouvisse respondendo e dizendo: “Eis que aqui estou”.
Como “Moisés falava e Deus respondia a ele”, assim creio que João tenha falado no deserto e o Senhor lhe tenha respondido.
Considero, porém, esse pensamento sugerido por uma razão certa, a partir da Escritura. Se, pois, “ninguém dentre os nascidos das mulheres foi maior que João Batista”, e se Deus, porém, respondeu a Moisés, consequentemente respondeu também a João, que foi maior que Moisés, que foi criado no deserto, cujo nascimento foi anunciado por um arcanjo – o mesmo arcanjo que anunciou o do Senhor –, cujo pai se tornou mudo por não acreditar que ele nasceria.
João estava, pois, “no deserto” e se alimentava de uma maneira nova e segundo um costume extra-humano, segundo o que nos lembra  próprio [São] Mateus: “seu alimento, porém, eram gafanhotos e mel silvestre”.
Porque João foi, pois, o ministro da primeira vinda do Salvador, e porque ele falava unicamente da economia da Encarnação do Senhor, porque sua profecia celebrava aquele que havia nascido de uma virgem, ele não tomou um mel que vinha de abelhas e purificado pelo cuidado dos homens, mas um mel silvestre.
E o inseto voador, do qual ele fazia seu alimento, não era um inseto grande, que não se elevava ao alto, mas um inseto pequeno e que a custo se levantava do chão e saltava mais do que voava. O que dizer a mais?
É dito muito claramente que os gafanhotos, animais pequeninos e limpos, foram sua comida. Considerai, pois, irmãos caríssimos, que, de uma maneira nova havia nascido, também de uma maneira nova foi alimentado.

O recenseamento do mundo inteiro
Depois disso, a Escritura continua: “Aconteceu que, naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, que se fizesse o recenseamento do mundo inteiro. Esse foi o primeiro recenseamento, sendo Quirino o governador da Síria”.
Alguém diria ao evangelista: “que proveito há para mim nessa narrativa, que o primeiro recenseamento de todo o universo, no tempo de César Augusto aconteceu, e que, entre todos, também José, com a sua esposa grávida, Maria, inscrevia seu nome no censo e, antes que o recenseamento termine, Jesus tenha nascido”?
Para quem olha de mais perto, esses acontecimentos parecem significar certo mistério, porque Cristo também deveria ser contado na enumeração do universo inteiro, pois queria ser inscrito com todos para santificar a todos, e ser mencionado no registro com o mundo inteiro, para oferecer ao universo viver em comunhão com ele; ele queria, depois desse recenseamento, recensear também todos os homens consigo “no livro dos viventes”, e todos os que tiverem acreditado nele, “inscrevê-los nos céus”, com os santos daquele “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como este texto serviu para sua espiritualidade?

segunda-feira, 10 de junho de 2019

99 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 9,10)


Resultado de imagem para Icone zacarias pai de João Batista

99
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 9,10)


HOMILIA 9
Lc 1,56-64- Sobre o que está escrito: “Permaneceu junto a ela por três meses”, até aquela passagem que diz: “E falava, bendizendo a Deus”.

Transformação operada nas almas pela presença de Jesus
A razão, tanto dos ditos quanto dos fatos reportados [nas Escrituras], deve ser digna do Espírito Santo e da fé no Cristo, para a qual fomos chamados como crentes.
Assim, devemos, agora, investigar a razão pela qual Maria, depois de haver concebido, veio para junto de Isabel e “permaneceu junto a ela por três meses”; ou qual foi a causa para que Lucas, que escrevia a história do Evangelho, inserisse nesse este versículo: “permaneceu por três meses, e depois regressou à sua casa”.
Seguramente deve haver  alguma razão, a qual, se o Senhor abrir nosso coração, a homilia que se segue mostrará.
Se, de fato, bastou que Maria viesse até Isabel e a saudasse, para que a criança exultasse de júbilo, e Isabel, cheia do Espírito Santo, profetizasse o que está escrito no Evangelho, e se, em uma hora apenas, tantas transformações ocorressem, resta, para a nossa reflexão, [verificar] quais progressos fez João em três meses, estando Maria junto de Isabel.
É verdadeiramente inconcebível que por três meses nem João nem Isabel tenham feito progressos com a proximidade da mãe do Senhor e com a presença do próprio Salvador, quando, em um segundo, instantaneamente, a criança exultou e, por assim dizer, pulou de alegria, e Isabel foi repleta do Espírito Santo.
Durante esses três meses, João era, pois, treinado e recebia, por assim dizer, a unção na arena dos atletas, e era preparado no ventre da mãe, para que, maravilhosamente nascido, fosse educado mais maravilhosamente ainda.
Porque foi educado de um modo inabitual, a Escritura não relata como ele foi amamentado pelos seios de sua mãe, [nem] como ele foi sustentado nos braços de uma criada, mas imediatamente [diz o que] se segue: “Ele viveu no deserto, até o tempo de sua apresentação a Israel”.

O nascimento de um justo
Depois, lemos: “Para Isabel, porém, o tempo de dar à luz completou-se, e ela deu à luz um filho”. Muitos consideram supérfluo dizer: “Para Isabel, porém, o tempo de dar à luz completou-se, e ela deu à luz um filho”.
Qual mulher, com efeito, pode dar à luz, se não tiver completado o tempo do parto? Mas aquele que medita com muito cuidado a Escritura e ouve [São] Paulo, que diz: “Presta atenção na leitura”, pode procurar, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, se em alguma parte encontra escrito sobre o nascimento de um pecador; nunca absolutamente encontrará que “completou-se o tempo para que desse à luz”.
Mas onde quer que nasça um justo, aí os dias se completam, lá sua vinda para o mundo se completa.
O nascimento de um justo tem sua plenitude, mas o nascimento do pecador é, por assim dizer, vazio e nulo. Isso é o que se refere ao que está escrito: “completou-se o tempo, para que desse à luz”.

Zacarias recobra a voz
Em seguida, depois do nascimento de João, “vizinhos e parentes alegravam-se” com a mãe dele e, em honra do pai, queriam dar o nome dele ao menino e chamá-lo de Zacarias.
Ora, Isabel, sob inspiração do Espírito Santo, dizia: “João é seu nome”. Em seguida, quando eles buscavam os justos motivos pelos quais seria melhor que ele fosse chamado de João, quando ninguém em sua família tinha esse nome, interrogaram ao pai, que, sendo incapaz de responder, o fez com um gesto com a mão e por escrito.
“Ele escreveu”, com efeito, numa tabuinha: “João é seu nome”. Assim que o estilete imprimiu a palavra sobre a cera, “sua língua”, que antes fora acorrentada, “soltou-se” e recebeu uma elocução que não era humana.
Enquanto sua língua esteve presa, era humana; a incredulidade, com efeito, a havia prendido. Assim que se soltou, cessou de ser humana, e “falava bendizendo a Deus” e profetizou o que está escrito no Evangelho, sobre o qual, quando for o tempo, discorreremos, oferecendo-nos a ocasião o Senhor Jesus Cristo: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

HOMILIA 10
Lc 1,67-76 - Sobre o que está escrito: “Cheio do Espírito Santo, ele profetizou”, até aquela passagem que diz: “Pois tu irás adiante do Senhor, para preparar seus caminhos”.

O Benedictus
Cheio do Espírito Santo, Zacarias anuncia duas profecias de modo geral, a primeira sobre o Cristo, a outra sobre João. Isso claramente se confirma por suas palavras, nas quais fala de um Salvador como já presente e que viveria no mundo e, em seguida, de João.
 “Cheio do Espírito Santo, ele profetizou dizendo: ‘Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e concedeu redenção a seu povo’”.
Estando Deus visitando e querendo redimir seu povo, Maria permaneceu com Isabel por três meses, depois que lhe falou o anjo, para que, por um poder especialmente inefável, o Salvador presente preparasse não somente João, como dissemos da última vez, mas também Zacarias, como o Evangelho de hoje nos mostra.
Paulatinamente, de fato, também ele progredia durante esses três meses sob a influência do Espírito Santo e, sem o sentir, recebia a instrução de Deus e fez essa profecia acerca do Cristo, dizendo: “Que concedeu a redenção a seu povo, e suscitou o cume de salvação para nós na casa de Davi”, porque “da raça de Davi segundo a carne” nasceu o Cristo. Em verdade foi “o cume da salvação na casa de Davi”, porque esta profecia já se encontra cantada: “A vinha foi plantada em um cume”.
Em qual cume? Em Cristo Jesus, sobre o qual agora está escrito: “Ele suscitou o cume da salvação para nós na casa de Davi, seu servidor, como foi falado pela boca dos seus santos profetas”.

A libertação
“Para a libertação de nossos inimigos”. Não pensemos que se trata agora de inimigos  no sentido físico, mas dos inimigos espirituais. Veio, com efeito, o Senhor Jesus, “forte no combate”, destruir todos os nossos inimigos, para nos libertar de suas armadilhas; [para nos libertar] da mão de todos os nossos inimigos, “da mão de todos os que nos odeiam”.
“Usar de misericórdia com nossos pais”. Eu considero que, com o advento do Senhor Salvador, Abraão, Isaque e Jacó tenham usufruído da misericórdia de Deus.
É inacreditável que esses homens, que previamente viram o seu dia e se alegraram, posteriormente, na sua vinda e com o [seu] nascimento de uma virgem, não tenham recebido nada de útil.
E o que direi dos patriarcas? Seguindo a autoridade das Escrituras, audaciosamente subirei ao ponto ainda mais alto, porque a presença do Senhor Jesus e a sua Encarnação tiveram proveito não só para as coisas terrenas, mas também para as celestes.
Por isso diz o Apóstolo [Paulo]: “Estabelecendo a paz, pelo sangue de sua cruz, sobre a terra e nos céus”.
Se a presença do Senhor, porém, foi útil, seja na terra, seja nos céus, por que temes em dizer que seu advento também foi útil aos Patriarcas, a fim de que fosse cumprida esta palavra: “Para usar de misericórdia com nossos pais, e recordar-se de sua santa aliança, do juramento feito a Abraão nosso pai”, de nos conceder sermos libertados “sem medo da mão de nossos inimigos”?
Frequentemente homens são liberados da mão de [seus] inimigos, mas não “sem medo”. Pois, quando primeiramente houve medo e perigo, e, assim, alguém tiver sido libertado da mão de seus inimigos, certamente foi libertado, mas não sem temor.
Assim, a vinda do Senhor Jesus nos libertou, “sem medo da mão de nossos inimigos”. Com efeito, não conhecemos nossos inimigos e não os vimos nos atacar, mas, sem o saber, de repente, fomos arrancados de suas armadilhas e de suas ciladas.
“Em um segundo e instantaneamente”, introduziu-nos na “herança e partilha dos justos” e fomos libertados “sem medo da mão dos inimigos, para servir a Deus na santidade e justiça perante ele todos os dias de nossa vida”.

A grandeza do precursor
“E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo”. Em minha mente indago [sobre] a razão por que Zacarias profetiza não como se falasse de João, mas ao próprio João: “e tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo”, e a sequência.
De fato, era supérfluo dirigir-se a quem não ouvia e fazer uma apóstrofe a um pequenino e
em lactação.
[Mas] penso que posso ter encontrado esta razão: porque tudo o que foi escrito a seu respeito relata feitos maravilhosos: João maravilhosamente nasceu e, com o anúncio de um anjo, veio ao mundo; depois de Maria ter estado morando na casa de Isabel por três meses, foi posto no mundo.
Porque, se duvidas que aquele imediatamente posto no mundo possa ouvir as palavras do pai e saber o que elas sejam – porque a ele é dito: “e tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo” –, considera que foram muito mais maravilhosos os acontecimentos anteriores: “eis que a voz da tua saudação mal chegou aos meus ouvidos e a criança exultou em júbilo em meu ventre”.
Se, com efeito, até aqui encerrado no ventre da mãe, ouviu Jesus e, ouvindo-o, exultou e alegrou-se, por que não crer que ele, uma vez nascido, tenha podido ouvir e compreender a profecia do pai que lhe diz: “e tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo; pois irás adiante do Senhor para preparar seus caminhos?”.
Eu penso que Zacarias se apressou para falar com o pequenino, porque sabia que, pouquíssimo tempo depois, iria viver no deserto, e que não poderia mais ter a presença dele. “Com efeito, a criança vivia no deserto até o dia de sua manifestação para Israel”.
Também Moisés morou no deserto, mas depois de completar quarenta anos de idade; fugiu do Egito e, durante outros quarenta anos, guardou os rebanhos de Jetro.
João, pelo contrário, assim que nasceu, passou a viver no deserto e aquele que “foi o maior entre os nascidos das mulheres”, pareceu digno de uma educação mais elevada. É dele que fala o profeta: “eis que envio meu anjo diante de tua face”.
Com razão, é chamado anjo aquele que fora enviado adiante do Senhor e pôde ouvir e compreender, assim que nasceu, o pai que profetizava. Por isso, nós que acreditamos em tantas coisas maravilhosas, creiamos igualmente na ressurreição, creiamos também nas promessas do reino dos céus, que devem se cumprir e que o Espírito Santo nos garante quotidianamente.
Receberemos tudo isso, que está escrito de modo maravilhoso, mais do que podemos perceber, em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?

segunda-feira, 3 de junho de 2019

98 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 8)


Imagem relacionada
98
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 8)


HOMILIA 8
Lc 1,46-51 - Sobre o que está escrito: “Minha alma engrandece o Senhor”, até aquela passagem, onde se lê: “Para aqueles que o temem estendeu seu poder”.

O Magnificat
Antes de João, Isabel profetiza; antes do nascimento do Senhor Salvador, Maria profetiza. E como o pecado começou com o erro de uma mulher, para desembocar depois em um homem, assim também o princípio da salvação teve seu começo com as mulheres, a fim de que outras mulheres também, superada a fragilidade de seu sexo, imitem a vida e a conduta daquelas santas mulheres, sobretudo daquelas que agora são descritas no Evangelho.
Vejamos, pois, a profecia da Virgem. Ela diz: “A minha alma engrandece o Senhor, exultou de alegria o meu espírito em Deus, meu Salvador”. Duas realidades, a alma e o espírito, se unem em um duplo louvor.
A alma celebra o Senhor, o espírito, a Deus: não que um seja o louvor do Senhor e outro o louvor de Deus, mas porque aquele que é Deus é o mesmo que também é o Senhor, e aquele que é o Senhor é o mesmo que também é Deus.

A imagem de Deus
Pergunta-se como a alma engrandece o Senhor. Com efeito, se o Senhor não pode receber nem acréscimo nem diminuição, e se ele é o que é, em que medida pode Maria dizer: “Minha alma engrandece o Senhor”?
Se considero que o Senhor Salvador é a “imagem do Deus invisível” e vejo que minha alma foi feita “à imagem do Criador”, de modo que seja imagem da imagem – minha alma, com efeito, não é expressamente a imagem de Deus, mas foi criada à semelhança da primeira imagem – então compreenderei isto: a exemplo daqueles que costumam pintar imagens e utilizar o exercício de sua arte para reproduzir um modelo único, por exemplo, o rosto de um rei, cada um de nós transforma sua alma à imagem do Cristo, e traça dele uma imagem maior ou menor, ou deteriorada ou sórdida, ou clara e reluzente, correspondendo à efígie da imagem principal.
Quando, pois, tiver ampliado a imagem da imagem, isto é, minha alma, e a tiver “engrandecido” por minhas obras, meus pensamentos e minhas palavras, então a imagem de Deus se tornará grande e o próprio Senhor, de quem é a imagem, será engrandecido em nossa alma. Do mesmo modo que o Senhor cresce em nossa imagem, igualmente se formos pecadores, ela diminui e decresce.
Mas certamente o Senhor nem diminui nem decresce; mas nós, no lugar de imagem do Senhor, nos revestimos de outras imagens; no lugar de imagem do verbo, da sabedoria, da justiça e de outras virtudes, tomamos a forma do diabo, a ponto de que se possa dizer de nós: “serpentes, raça de víboras”.
Mas revestimos a máscara do leão, do dragão e das raposas, quando somos venenosos, cruéis, astutos; e também revestimos a do bode, quando somos mais inclinados à luxúria.
Eu me lembro de um dia estar explicando uma passagem do Deuteronômio, em que está escrito: “Não façais nenhuma imagem de homem ou de mulher, a imagem de nenhum animal”, que eu disse, porque a “Lei é espiritual”, que uns se fazem imagem de um homem, outros de uma mulher; que um se parece com os pássaros, que outro com os répteis e serpentes e um outro se torna semelhante a Deus. Aquele que as ler, saberá como estas palavras devem ser entendidas.

A humildade da Virgem
Assim a alma de Maria primeiramente “engrandece o Senhor” e depois “o espírito exulta em Deus”; se nós não tivermos crescido antes, não podemos exultar.
Ela diz: “Ele voltou os olhos para a humildade de sua serva”. Para qual humildade de Maria o Senhor voltou os olhos?
O que tinha a mãe do Salvador de humilde e de abjeto, que gerava o Filho de Deus no ventre? O que, portanto, disse: “voltou os olhos para a humildade de sua serva”, é tal como se dissesse: “voltou os olhos para a justiça de sua serva”, “voltou os olhos para a sua temperança”, “voltou os olhos para a sua fortaleza e a sua sabedoria”.
De fato, é normal que Deus volte seus olhos para as virtudes. Alguém objetará e dirá: “entendo como Deus volte seus olhos para a justiça e sabedoria de sua serva. Como, porém, ele pode prestar atenção na humildade, não me é claro o suficiente”.
Quem se faz tais perguntas, considere que precisamente nas Escrituras a humildade é considerada como uma das virtudes.
O Salvador, com efeito, diz: “Aprendei de mim porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis o repouso para vossas almas”.
Porque, se queres ouvir o nome dessa virtude, como também é chamada pelos filósofos, escuta que a humildade, para a qual Deus volta os olhos, é a mesma que é chamada por eles de “atyphía” ou de “metriótes”.
Mas nós podemos defini-la em uma perífrase: é o estado de um homem que não se enche de orgulho, mas se abaixa ele próprio. Quem, pois, se enche de orgulho, segundo o Apóstolo, cai “na condenação do diabo” – que, precisamente, começou pelo inchaço do orgulho e da soberba –; ele diz: “a fim de que não caia inchado de orgulho na condenação do diabo”.
“Ele voltou os olhos sobre a humildade de sua serva”. Deus me olhou, disse ela, porque eu sou humilde e busco a mansidão e a sujeição.

Grandeza de Maria
“Eis que doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. Se compreendo a expressão “todas as gerações” segundo o sentido mais simples, a interpreto a respeito dos que creem. Mas se eu a perscrutar mais profundamente, perceberei que é preferível acrescentar “porque quem é poderoso fez por mim grandes coisas”; porque “todo aquele que se humilha será exaltado”.
Mas “Deus voltou os olhos para a humildade” da bem-aventurada Maria, por isso o “Todo-poderoso, cujo nome é santo, realizou grandes coisas” para ela.
“E sua misericórdia se estende de geração em geração”. E não é sobre uma, duas, três nem mesmo cinco gerações que se estende “a misericórdia” de Deus, mas eternamente, “de geração em geração. Para os que o temem, ele estendeu o poder de seu braço”.
Se mesmo como enfermo te aproximares do Senhor, se o temeres, poderás ouvir sua promessa, que o Senhor te faz por causa de teu temor.
Que promessa é essa? “Para os que o temem, ele estendeu o poder”. O poder ou o império é um domínio real. De fato, “krátos”, que nós podemos traduzir por “poder”, se aplica àquele que governa ou àquele que tem tudo sob seu domínio.
Se, pois, temeres ao Senhor, ele te dará a fortaleza ou o poder, te dará o Reino, de modo que, submetido ao “Rei dos reis”, possuas o “reino dos céus” em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como o texto serviu para sua vida espiritual?