segunda-feira, 24 de junho de 2019

100 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 11)


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100
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 11)


HOMILIA 11 - Lc 1.80-2.2
Sobre o que está escrito: “O menino crescia e se fortificava em espírito”, até aquela passagem que diz: “Esse é o primeiro recenseamento que houve, sendo governador da Síria Quirino”.

O crescimento espiritual
Nas Sagradas Escrituras, há dois tipos de crescimento: um é corporal, quando a vontade humana em nada é útil; o outro é espiritual, quando a causa do crescimento consiste no esforço humano.
O evangelista, então, fala agora desse crescimento, que citamos como segundo, isto é, o espiritual: “O menino, porém, crescia e se fortalecia em espírito”.
É bem o que ele diz: “crescia em espírito”, não ficava na mesma medida em que havia se iniciado, mas sempre crescia nele o espírito e, a cada hora e momento, com o espírito em crescimento, sua alma também recebia incrementos.
E não apenas a alma, mas também o pensamento e a inteligência acompanhavam os progressos do espírito. Não sei como podem explicar o que Deus recomenda, isto é, “crescei e multiplicai-vos”, aqueles que tomam isso no sentido físico e ao pé da letra.
Admitamos, pois, que “multiplicai-vos” se refira ao número, de modo que, quando, em números, se tem mais do que se tinha antes, há multiplicação.
Mas isto que se segue: “crescei”, não está ao nosso alcance. Qual dos homens, com efeito, não quereria “acrescentar à sua estatura” [alguma medida] para se tornar mais alto?
Se, portanto, algo nos é ordenado que se faça – é tolice ordenar aquilo que aquele a quem se ordene não possa cumprir – e nos é ordenado que cresçamos, seguramente nos é ordenado aquilo que podemos cumprir.
Queres saber como se deve entender “crescei”? Escuta o que Isaque fez, do qual se diz: “Isaque progredia e se tornava maior até se tornar grande, e grande em demasia”.
Sempre, pois, a sua vontade, que tendia para as melhores coisas, fazia seus progressos; sua inteligência contemplava algo mais divino e exercitava a memória, para que acumulasse mais riquezas no seu tesouro e as conservasse ali mais fielmente.
E desse modo sucedeu que Isaque, que cultivou todas as suas virtudes no campo da alma, cumpriu o mandamento que consiste em “crescei”.
É por essa razão que também João, ainda pequenino, crescia e se multiplicava; muito difícil, porém, e, entre os mortais, algo muito raro, é um pequenino crescer em espírito.
“O menino, porém, crescia e se fortificava em espírito”. Uma coisa é “crescia” e outra é “fortificava-se”.
A natureza humana é fraca e, para se tornar mais forte, precisa do auxílio divino. Nós lemos: “a carne é fraca”. Com qual auxílio, portanto, deve ser fortificada? Sem dúvida alguma, com o espírito; “pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca”.
Quem quer se tornar mais forte não deve ser fortalecido senão no espírito.
Muitos se fortalecem pela carne, se tornam mais robustos de corpo; porém, o atleta de Deus deve se robustecer pelo espírito e, quando assim estiver fortalecido, ele esmagará a sabedoria da carne e, tendo-se tornado espiritual, submeterá o corpo ao domínio da alma.
Não consideremos que isso que foi escrito sobre João, “crescia e se fortificava em espírito”, seja uma simples história e que não nos diga respeito em nada; mas, sim, que [isso foi escrito] para ser imitado por nós, para que, multiplicados espiritualmente, no sentido que dissemos, realizemos progressos.

João no deserto
“E ele estava no deserto até o dia de sua manifestação diante de Israel”.
Eu disse recentemente o quanto a concepção de João foi extraordinária, visto que “a criança exultou de alegria no ventre de sua mãe” e, antes de ter nascido, reconheceu o seu Senhor; eu mostrei também o milagre não menos grande que foi seu nascimento, quando Zacarias profetiza e dirige a palavra à criança, como se essa estivesse ouvindo, dizendo: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo”.
Depois de tal concepção e tal nascimento, era, pois, normal que João não esperasse ser criado por seu pai e sua mãe “até o dia de sua manifestação diante de Israel”, mas era necessário também que, fugindo do tumulto das cidades, da afluência do povo, dos vícios das cidades, se retirasse nos desertos, onde o ar é mais puro e o céu mais descoberto e Deus mais familiar; para que, como nem o mistério do batismo nem o tempo da pregação haviam chegado, tivesse tempo para as orações e conversasse com os anjos, chamasse pelo Senhor e o ouvisse respondendo e dizendo: “Eis que aqui estou”.
Como “Moisés falava e Deus respondia a ele”, assim creio que João tenha falado no deserto e o Senhor lhe tenha respondido.
Considero, porém, esse pensamento sugerido por uma razão certa, a partir da Escritura. Se, pois, “ninguém dentre os nascidos das mulheres foi maior que João Batista”, e se Deus, porém, respondeu a Moisés, consequentemente respondeu também a João, que foi maior que Moisés, que foi criado no deserto, cujo nascimento foi anunciado por um arcanjo – o mesmo arcanjo que anunciou o do Senhor –, cujo pai se tornou mudo por não acreditar que ele nasceria.
João estava, pois, “no deserto” e se alimentava de uma maneira nova e segundo um costume extra-humano, segundo o que nos lembra  próprio [São] Mateus: “seu alimento, porém, eram gafanhotos e mel silvestre”.
Porque João foi, pois, o ministro da primeira vinda do Salvador, e porque ele falava unicamente da economia da Encarnação do Senhor, porque sua profecia celebrava aquele que havia nascido de uma virgem, ele não tomou um mel que vinha de abelhas e purificado pelo cuidado dos homens, mas um mel silvestre.
E o inseto voador, do qual ele fazia seu alimento, não era um inseto grande, que não se elevava ao alto, mas um inseto pequeno e que a custo se levantava do chão e saltava mais do que voava. O que dizer a mais?
É dito muito claramente que os gafanhotos, animais pequeninos e limpos, foram sua comida. Considerai, pois, irmãos caríssimos, que, de uma maneira nova havia nascido, também de uma maneira nova foi alimentado.

O recenseamento do mundo inteiro
Depois disso, a Escritura continua: “Aconteceu que, naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, que se fizesse o recenseamento do mundo inteiro. Esse foi o primeiro recenseamento, sendo Quirino o governador da Síria”.
Alguém diria ao evangelista: “que proveito há para mim nessa narrativa, que o primeiro recenseamento de todo o universo, no tempo de César Augusto aconteceu, e que, entre todos, também José, com a sua esposa grávida, Maria, inscrevia seu nome no censo e, antes que o recenseamento termine, Jesus tenha nascido”?
Para quem olha de mais perto, esses acontecimentos parecem significar certo mistério, porque Cristo também deveria ser contado na enumeração do universo inteiro, pois queria ser inscrito com todos para santificar a todos, e ser mencionado no registro com o mundo inteiro, para oferecer ao universo viver em comunhão com ele; ele queria, depois desse recenseamento, recensear também todos os homens consigo “no livro dos viventes”, e todos os que tiverem acreditado nele, “inscrevê-los nos céus”, com os santos daquele “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como este texto serviu para sua espiritualidade?

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