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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 21)
HOMILIA 21 - Lc 3.1-4
Sobre o que está escrito: “No décimo quinto ano do reino de Tibério
César”, até aquela passagem que diz: “Aplanai suas veredas”.
O
Evangelho se dirige a todos
Quando as
profecias eram dirigidas apenas aos judeus, somente os reis de Judá eram
mencionados em seu título; por exemplo:
“Visão que teve Isaías, filho de Amós, contra a Judeia e contra Jerusalém, nos
reinados de Ozias, Joatão, Acaz e Ezequias”.
E, excetuados os
reis da Judeia, não vejo ninguém mais mencionado no tempo de Isaías.
Em alguns
profetas, lemos também os nomes dos reis de Israel, como nessa passagem: “E nos
dias de Jeroboão, filho de Joás, rei de Israel”.
Mas quando o mistério do Evangelho devia ser publicado e devia ser
espalhada sobre toda a terra a boa nova, da qual João, no deserto, foi o
primeiro mensageiro, e que o Império de Tibério governava o orbe terrestre,
então, descreve a Escritura, “no décimo quinto ano de seu reinado, a palavra do
Senhor foi dirigida a João”.
E se a salvação
devesse ser anunciada unicamente àqueles que, entre os gentios, haveriam de
abraçar a fé, e se Israel devesse ser totalmente excluído, teria bastado dizer:
“no décimo quinto ano de Tibério César, sendo governador da Judeia Pôncio
Pilatos”.
Mas porque da
Judeia e da Galileia muitos haveriam de abraçar a fé, também esses reinos são
mencionados no título e é dito: “Herodes sendo tetrarca da Galileia, Filipe,
seu irmão, sendo tetrarca da Itureia e da região da Traconítide, Lisânias sendo
tetrarca de Abilene, sob os príncipes dos sacerdotes Anás e Caifás, a palavra
do Senhor foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto”.
Outrora, “a
palavra de Deus tinha-se feito ouvir por Jeremias, filho de Helcias, membro da
família sacerdotal” no tempo de tal ou de
tal rei de Judá; agora é “a João, filho de Zacarias, que se dirige a palavra de
Deus”.
Ora, nunca ela
tinha sido dirigida aos profetas “no deserto”. Mas “os filhos da mulher
abandonada” iam abraçar a fé em maior número “que os daquela que tem marido”.
E é por isso que
a “palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto”.
A
pregação de João no deserto
Considera, ao
mesmo tempo, que a significação é mais rica, se se entende “deserto” no sentido
espiritual e não segundo o sentido literal
puro e simples.
Pois quem prega
“no deserto” aí vocifera inutilmente, visto que não há ninguém para ouvi-lo
falar.
O precursor do
Cristo, “a voz que clama no deserto”, prega no deserto da alma que não tem paz.
Não só então,
mas também no presente, “uma lâmpada ardente e brilhante” veio e “prega o batismo de penitência para a
remissão dos pecados”.
“A luz verdadeira” vem em seguida, quando a própria lâmpada diz: “é
preciso que ele cresça e que eu diminua”.
A palavra de
Deus é proferida “no deserto” e “estende-se a toda região circundante do
Jordão”.
Quais outros
lugares o Batista teve de percorrer, senão os arredores do Jordão, para que
qualquer um que quisesse fazer penitência recorresse logo à ablução da água?
A
preparação para o batismo
Ora, Jordão
significa “que desce”. O rio de Deus “que desce”, porém, com o poder de uma
grande correnteza, é nosso Salvador e Senhor, em quem somos batizados na água
verdadeira, a água da salvação.
É “para a
remissão dos pecados” que João prega o batismo: vinde, catecúmenos, fazei
penitência, a fim de receberdes o batismo “para a
remissão dos pecados”.
Recebe o batismo
“para a remissão dos pecados” aquele que cessa de pecar.
Se alguém vem ao
lavacro (banho) do batismo endurecido no pecado, para ele não se faz a remissão
dos pecados.
Por isso vos
conjuro a que não vos aproximeis do batismo sem precaução nem reflexão atenta,
mas que mostreis primeiramente “frutos dignos da conversão”!
Durante algum
tempo, tende uma boa conduta, guardai-vos puros de todas as impurezas e de
todos os vícios: a remissão de vossos pecados vos será dada, quando vós mesmos
tiverdes começado a desprezar vossos próprios pecados. “Deixai vossos pecados,
e eles vos deixarão.”
Aplainar
as veredas
Porém esta
passagem que agora é citada do Antigo Testamento, a lemos escrita em Isaías.
Aí, com efeito, está dito: “Voz daquele que clama no deserto: preparai o caminho
do Senhor, endireitai suas veredas”.
O Senhor quer
encontrar em vós um caminho para poder entrar em vossas almas e fazer seu
itinerário; preparai-lhe a vereda, da qual é dito: “Endireitai suas veredas”.
“Voz daquele que clama no deserto.”
Uma voz clama:
“Preparai o caminho”. A voz, com efeito, é a primeira a chegar aos ouvidos; em
seguida, depois da voz, ou melhor, ao mesmo tempo que ela, a palavra penetra o
ouvido.
É nesse sentido
que o Cristo é anunciado por João. Examinemos, portanto, o que a voz anuncia a
respeito da Palavra. “Preparai”, diz a voz, “um caminho para o Senhor”.
Que caminho
prepararíamos para o Senhor?
Porventura um
caminho material? A palavra do Senhor pode tomar tal caminho? Ou deve-se
preparar um caminho interior para o Senhor, e dispor, em nosso coração, veredas
endireitadas e planas?
Esse é o caminho
através do qual entrou a Palavra de Deus, que consiste na capacidade de
acolhida do coração humano.
Imensidão
do coração humano
Grande é o
coração do homem, imenso e capaz de acolher
a Palavra, desde que seja puro! Queres conhecer sua grandeza e sua largueza?
Vê a extensão
dos conhecimentos divinos que ele compreende. Ele próprio diz: “Ele me deu um conhecimento
verdadeiro das coisas que há: ele me fez conhecer a estrutura do mundo, as
propriedades dos elementos, o começo, o fim e o meio dos tempos, as mudanças
das estações, a sucessão dos meses, os ciclos dos anos, a posição dos astros, a
natureza dos animais e o furor dos animais selvagens, as violências dos
espíritos e os pensamentos dos homens, as variedades de árvores e as virtudes
das raízes”.
Tu vês que não é
pequeno o coração do homem que pode abarcar tantas coisas.
Entende sua
grandeza não de dimensões físicas, mas o poder de seu pensamento, que pode
abarcar tamanho conhecimento da verdade.
Porém, para
levar todas as pessoas simples a crer quão grande pode ser o coração do homem,
a partir de exemplos quotidianos, continuemos.
Quaisquer que
sejam as cidades que atravessamos, guardamos em nossa mente suas
características: a localização das praças, das muralhas e dos edifícios mora em
nosso coração; conservamos desenhada e inscrita em nossa memória uma rua em que
entramos.
Abraçamos em nosso
pensamento silencioso o mar que navegamos. Não é pequeno, como eu disse, o coração
do homem, que pode abarcar tantas coisas.
Se, porém, não é
pequeno abarcando tantas coisas, consequentemente, nele o caminho do Senhor é
preparado e a vereda é aplainada, para que ande nela o Verbo e a Sabedoria de
Deus.
Prepara um
caminho para o Senhor por uma boa conduta; e, com obras honrosas, alisa a
vereda para que, sem qualquer obstáculo, ande em ti o Verbo de Deus e te dê de presente
o conhecimento dos mistérios e da vinda daquele “a quem pertencem a glória e o
poder nos séculos dos séculos. Amém”.
O que você
destaca no texto?
Como ele serve
para sua espiritualidade?
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