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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 23)
HOMILIA 23 - Lc 3.9-12
Sobre
o que está escrito: “Eis que o machado foi posto na raiz das árvores”, até
aquela passagem que diz: “Publicanos vieram, porém, para receber dele o
batismo”.
A
recusa de Israel
João já dizia
naquele tempo: “Eis que o machado foi posto na raiz das árvores”.
Se a consumação
dos séculos já estava iminente e o fim dos tempos, próximo, nenhuma questão
para mim surgiria.
Eu diria, com
efeito, que essas palavras: “eis que o machado foi posto na raiz das árvores”,
e aquelas: “toda árvore, portanto, que não produz bom fruto será cortada e
jogada ao fogo” são profecias do que se cumpria naquele tempo.
Mas depois que
tantos séculos se escoaram e tão inumeráveis anos, desde aquele tempo até o dia
presente se passaram, devemos nos perguntar como o Espírito Santo pode dizer
por seu profeta: “eis que o machado foi posto na raiz das árvores”.
Eu penso que é profetizado
ao povo de Israel que o seu corte está próximo.
Com efeito,
“àqueles que saíam para receber o batismo”, entre
outras coisas, dizia: “Produzi frutos que sejam dignos da conversão”, e, dirigindo-se a eles como a judeus: “Não
comeceis a dizer em vós mesmos: nós temos por pai a Abraão; pois vos digo que Deus
pode suscitar filhos de Abraão destas pedras”.
Isto, portanto,
que é dito: “eis que o machado foi posto na raiz das árvores”, é dito aos
judeus.
Esse versículo
se juntou a este pensamento do Apóstolo [Paulo]: são ramos infiéis que esse
machado quebrou e cortou para amputar da árvore não a raiz, mas aquilo que da
raiz deitava renovos, para que na raiz da primitiva árvore pudessem ser
inseridos ramos de oleastro.
“Toda árvore que
não produz bom fruto será cortada e jogada ao fogo.” É assim que deve acabar,
queimando em chamas.
Em seguida são
introduzidas três categorias de pessoas das que vêm indagar a João sobre a sua
salvação: uma que a Escritura chamou de “multidões que saem para receber o
batismo”, outra que ela nomeia como “publicanos”, e a terceira que ela designa
com o nome de “soldados”.
“As multidões o
interrogavam dizendo: O que faremos? Ele, respondendo, diz-lhes: ‘Quem tem duas
túnicas, dê uma àquele que não tem, e quem tem víveres, faça o mesmo’”.
O que,
evidentemente, não sei se convém preceituar à multidão.
Com efeito, foi
mais conveniente aos apóstolos do que ao povo, dizer “que aquele que tem duas
túnicas dê uma a quem não tem”. E para que saibas que isso convém mais aos
apóstolos que às multidões, ouve o que lhes é dito pelo Salvador: “Não leveis duas
túnicas pela estrada”.
E assim essas
duas vestimentas, das quais cada um está revestido, e é preceituado que uma
seja dada a quem não a tem, deve ter outro entendimento.
Como não devemos
“servir a dois senhores”, assim o Salvador
não quer, de fato, nos ver possuir duas túnicas, nem sermos envolvidos por uma
dupla veste, para que não seja uma vestimenta a do velho homem e outra a do
novo.
Ao contrário,
deseja ardentemente, porém, que “nós nos despojemos do velho homem e nos
revistamos do novo”. Até aí a explicação é fácil.
Mas uma pergunta surge: como, segundo essa interpretação, nos é
ordenado dar uma veste a quem não tem?
Qual é o homem
que não tem sequer uma vestimenta sobre sua carne, que é nu, que não está
coberto absolutamente por nenhuma veste?
Mas não digo
isso para que não seja preceituada a liberalidade e a misericórdia para com os
pobres e a clemência levada às últimas consequências, isto é, que também
protejamos os nus com uma de nossas túnicas.
Mas afirmo isto:
essa passagem pode suscitar também um entendimento mais profundo e pode ser necessário
que demos uma túnica àquele que absolutamente seja desmunido (desprovido).
Quem é esse,
então, que não tem uma túnica? Seguramente é aquele que é profundamente privado
de Deus.
Devemos,
portanto, nos despojar e dar àquele que está nu. Um possui Deus, o outro, isto
é, o poder adverso, é absolutamente privado.
E como está
escrito: “Precipitemos nossos delitos no fundo do mar”,
assim é necessário que sejam banidos por nós os vícios e os pecados, e
que os lancemos sobre aquele que existiu por causa deles para nós.
“E que aquele
que tem víveres”, diz a Escritura, “faça o mesmo”. Quem tem víveres, dê a quem
não tem, para que lhe seja liberalizado não apenas a vestimenta, mas também o
que possa comer.
O
mistério dos publicanos
“Também vieram,
porém, publicanos receber o batismo de João”.
Aqui a interpretação
é imediata: os publicanos não deveriam demandar nada além do que na Lei está
prescrito.
Pois quem
tivesse exigido mais, transgrediu não o que foi estabelecido por João, mas o
que foi estabelecido pelo Espírito Santo, que falou pela boca de João.
Porém, ignoro se
essas palavras têm, segundo o sentido anagógico (em
que há anagogia, passagem do sentido literal ao místico), uma significação mais rica, e se devemos, diante
de um auditório como este, propor coisas tão místicas, sobretudo entre aqueles
que não têm uma introspecção do cerne das Escrituras, mas se deleitam apenas
pela superfície.
Sem dúvida é
arriscado, mas deve-se tocar tal sentido, porém, ainda que seja sucinta e
brevemente.
Quando tivermos
deixado este mundo e esta nossa vida tiver sido mudada, alguns estarão sentados
nas fronteiras do mundo, como no ofício de publicanos, perscrutando com o maior
cuidado se acaso não encontram em nós algo que lhes pertença.
Parece-me que “o
príncipe deste mundo” seja como um publicano. Por isso está escrito sobre ele:
“O príncipe deste mundo vem, mas ele não possui nada em mim”.
Aquilo também
que lemos no Apóstolo: “Devolvei a todos o que lhes é devido; a quem se deve o
imposto, o imposto; a quem se deve o tributo, o tributo; a quem se deve a
honra, a honra; não devais a ninguém nada senão o amor mutuamente”, essas palavras devem ser entendidas no sentido
espiritual.
É por isso que
se deve considerar a quantos perigos estamos expostos, para que não sejamos,
por acaso, arrastados presos por causa de dívida, quando não tivermos tido o
que devamos devolver ou o que devemos como tributo, como costuma suceder aos
contribuintes do mundo, quando alguém é encarcerado por dívidas e condenado a ser escravo a serviço do Estado
para
compensá-las.
Muitos entre nós
devem ser pegos por publicanos dessa espécie, entre os quais Jacó, aquele homem
santo, não temia muito, nem receava que algo nele fosse encontrado dos tributos
devidos aos publicanos.
Por isso, Jacó
dizia audaciosamente a Labão, o publicano: “Vem ver se algo das tuas coisas
está em meu poder”.
Sobre isso, a
Escritura dá seu testemunho, dizendo: “Labão não encontrou nada em poder de
Jacó”.
Nosso Salvador e
o Espírito Santo, que falou pela boca dos profetas, instruem não somente os
homens, mas também os anjos e as potências invisíveis.
Por que falarei
do Salvador? Os próprios profetas também e os apóstolos pregam tudo o que
anunciam, não somente os homens, mas também aos anjos.
Para que saibas
que isso é verdadeiro, diz a Escritura: “Fica atento, ó céu, e eu falarei”; e: “Na presença dos anjos, cantarei para ti”; e ainda: “Louvai o Senhor, céus dos céus, e as
águas que estão acima dos céus louvem o nome do Senhor”; e: “Louvem-no os anjos”; e:
“Em todo lugar em que se exerça seu poder, bendiz, ó minha alma, ao Senhor”.
Encontrarás em
muitas passagens, e mormente nos Salmos, casos em que essas palavras são
dirigidas aos próprios anjos, tendo sido dado ao homem, a ele que, todavia,
possui o Espírito Santo, o poder de falar também aos anjos.
Citarei um único
exemplo de tais passagens, para que saibamos que também os anjos podem ser
instruídos por vozes humanas.
Está escrito no
Apocalipse de João: “Escreve ao anjo da Igreja de Éfeso: eu tenho alguns agravos
contra ti”. E novamente: “Escreve ao anjo da
Igreja de Pérgamo: tenho alguns agravos contra ti”.
Certamente é um homem que escreve aos anjos e prescreve alguma coisa.
Presença
dos anjos
Eu não hesito em
pensar que em nossa assembleia também os anjos estão presentes, não somente
para toda a Igreja, tomada em seu conjunto, mas também para cada um de nós, dos
quais fala o Salvador: “Seus anjos veem sempre a face de meu Pai que está nos
céus”.
Aqui está
presente uma dupla Igreja: uma dos homens, a outra dos anjos.
Se o que dizemos
é conforme o pensamento divino e a intenção das Escrituras, os anjos se alegram
e oram conosco. Porque os anjos estão presentes na Igreja, naquela pelo menos
que o merece e pertence ao Cristo, é prescrito às mulheres que oram que tenham
“sobre a cabeça um véu por causa dos anjos”.
Quais anjos, pois?
Sem nenhuma dúvida, aqueles que assistem os santos e se rejubilam na Igreja, os
quais, evidentemente, nós não vemos, porque nossos olhos foram cobertos pelas impurezas
dos pecados, mas veem os apóstolos de Jesus, aos quais é dito: “Em verdade, em
verdade eu vos digo, vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo
sobre o Filho do homem”.
Se eu tivesse
essa graça, [isto é,] de vê-los, assim como os apóstolos, e de contemplá-los, como
Paulo os contemplou, veria claramente agora a multidão dos anjos que Eliseu via
e que Giezi, que estivera de pé a seu lado, não via. Giezi estava com medo de ser
preso pelos inimigos, vendo Eliseu sozinho.
Mas Eliseu, como
profeta do Senhor, se põe em oração e diz: “Ó Senhor, abre os olhos deste
servidor e que ele veja que há muito mais seres conosco do que com eles”. E imediatamente, às preces do varão santo, Giezi
contemplou os anjos que anteriormente não via.
Por esta razão
dissemos estas coisas, para mostrar que os publicanos eram instruídos por João,
não apenas aqueles que servem aos impostos do Estado, mas também aqueles que
vinham para se converter, dos quais uns eram mesmo publicanos e outros eram soldados,
e saíam para receber o batismo da conversão.
Vieram, com
efeito, não somente João e os profetas, mas também o próprio Salvador, para
pregar a conversão e a salvação aos homens, aos anjos e às outras potências
celestes, para que “em nome de Jesus todo joelho se dobre no céu, na terra e nos
infernos, e que toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, na glória de
Deus Pai”; “a quem pertencem a glória e o
poder nos séculos dos séculos. Amém”.
O que você destaca
no texto?
Como ele serve
para sua espiritualidade?
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