terça-feira, 24 de setembro de 2019

112 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 23)


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112
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 23)


HOMILIA 23 - Lc 3.9-12
Sobre o que está escrito: “Eis que o machado foi posto na raiz das árvores”, até aquela passagem que diz: “Publicanos vieram, porém, para receber dele o batismo”.

A recusa de Israel
João já dizia naquele tempo: “Eis que o machado foi posto na raiz das árvores”.
Se a consumação dos séculos já estava iminente e o fim dos tempos, próximo, nenhuma questão para mim surgiria.
Eu diria, com efeito, que essas palavras: “eis que o machado foi posto na raiz das árvores”, e aquelas: “toda árvore, portanto, que não produz bom fruto será cortada e jogada ao fogo” são profecias do que se cumpria naquele tempo.
Mas depois que tantos séculos se escoaram e tão inumeráveis anos, desde aquele tempo até o dia presente se passaram, devemos nos perguntar como o Espírito Santo pode dizer por seu profeta: “eis que o machado foi posto na raiz das árvores”.
Eu penso que é profetizado ao povo de Israel que o seu corte está próximo.
Com efeito, “àqueles que saíam para receber o batismo”, entre outras coisas, dizia: “Produzi frutos que sejam dignos da conversão”, e, dirigindo-se a eles como a judeus: “Não comeceis a dizer em vós mesmos: nós temos por pai a Abraão; pois vos digo que Deus pode suscitar filhos de Abraão destas pedras”.
Isto, portanto, que é dito: “eis que o machado foi posto na raiz das árvores”, é dito aos judeus.
Esse versículo se juntou a este pensamento do Apóstolo [Paulo]: são ramos infiéis que esse machado quebrou e cortou para amputar da árvore não a raiz, mas aquilo que da raiz deitava renovos, para que na raiz da primitiva árvore pudessem ser
inseridos ramos de oleastro.
“Toda árvore que não produz bom fruto será cortada e jogada ao fogo.” É assim que deve acabar, queimando em chamas.
Em seguida são introduzidas três categorias de pessoas das que vêm indagar a João sobre a sua salvação: uma que a Escritura chamou de “multidões que saem para receber o batismo”, outra que ela nomeia como “publicanos”, e a terceira que ela designa com o nome de “soldados”.
“As multidões o interrogavam dizendo: O que faremos? Ele, respondendo, diz-lhes: ‘Quem tem duas túnicas, dê uma àquele que não tem, e quem tem víveres, faça o mesmo’”.
O que, evidentemente, não sei se convém preceituar à multidão.
Com efeito, foi mais conveniente aos apóstolos do que ao povo, dizer “que aquele que tem duas túnicas dê uma a quem não tem”. E para que saibas que isso convém mais aos apóstolos que às multidões, ouve o que lhes é dito pelo Salvador: “Não leveis duas túnicas pela estrada”.
E assim essas duas vestimentas, das quais cada um está revestido, e é preceituado que uma seja dada a quem não a tem, deve ter outro entendimento.
Como não devemos “servir a dois senhores”, assim o Salvador não quer, de fato, nos ver possuir duas túnicas, nem sermos envolvidos por uma dupla veste, para que não seja uma vestimenta a do velho homem e outra a do novo.
Ao contrário, deseja ardentemente, porém, que “nós nos despojemos do velho homem e nos revistamos do novo”.  Até aí a explicação é fácil.
Mas uma pergunta surge: como, segundo essa interpretação, nos é ordenado dar uma veste a quem não tem?
Qual é o homem que não tem sequer uma vestimenta sobre sua carne, que é nu, que não está coberto absolutamente por nenhuma veste?
Mas não digo isso para que não seja preceituada a liberalidade e a misericórdia para com os pobres e a clemência levada às últimas consequências, isto é, que também protejamos os nus com uma de nossas túnicas.
Mas afirmo isto: essa passagem pode suscitar também um entendimento mais profundo e pode ser necessário que demos uma túnica àquele que absolutamente seja desmunido (desprovido).
Quem é esse, então, que não tem uma túnica? Seguramente é aquele que é profundamente privado de Deus.
Devemos, portanto, nos despojar e dar àquele que está nu. Um possui Deus, o outro, isto é, o poder adverso, é absolutamente privado.
E como está escrito: “Precipitemos nossos delitos no fundo do mar”, assim é necessário que sejam banidos por nós os vícios e os pecados, e que os lancemos sobre aquele que existiu por causa deles para nós.
“E que aquele que tem víveres”, diz a Escritura, “faça o mesmo”. Quem tem víveres, dê a quem não tem, para que lhe seja liberalizado não apenas a vestimenta, mas também o que possa comer.

O mistério dos publicanos
“Também vieram, porém, publicanos receber o batismo de João”.
Aqui a interpretação é imediata: os publicanos não deveriam demandar nada além do que na Lei está prescrito.
Pois quem tivesse exigido mais, transgrediu não o que foi estabelecido por João, mas o que foi estabelecido pelo Espírito Santo, que falou pela boca de João.
Porém, ignoro se essas palavras têm, segundo o sentido anagógico (em que há anagogia, passagem do sentido literal ao místico), uma significação mais rica, e se devemos, diante de um auditório como este, propor coisas tão místicas, sobretudo entre aqueles que não têm uma introspecção do cerne das Escrituras, mas se deleitam apenas pela superfície.
Sem dúvida é arriscado, mas deve-se tocar tal sentido, porém, ainda que seja sucinta e brevemente.
Quando tivermos deixado este mundo e esta nossa vida tiver sido mudada, alguns estarão sentados nas fronteiras do mundo, como no ofício de publicanos, perscrutando com o maior cuidado se acaso não encontram em nós algo que lhes pertença.
Parece-me que “o príncipe deste mundo” seja como um publicano. Por isso está escrito sobre ele: “O príncipe deste mundo vem, mas ele não possui nada em mim”.
Aquilo também que lemos no Apóstolo: “Devolvei a todos o que lhes é devido; a quem se deve o imposto, o imposto; a quem se deve o tributo, o tributo; a quem se deve a honra, a honra; não devais a ninguém nada senão o amor mutuamente”, essas palavras devem ser entendidas no sentido espiritual.
É por isso que se deve considerar a quantos perigos estamos expostos, para que não sejamos, por acaso, arrastados presos por causa de dívida, quando não tivermos tido o que devamos devolver ou o que devemos como tributo, como costuma suceder aos contribuintes do mundo, quando alguém é encarcerado por dívidas e condenado a ser escravo a serviço do Estado para
compensá-las.
Muitos entre nós devem ser pegos por publicanos dessa espécie, entre os quais Jacó, aquele homem santo, não temia muito, nem receava que algo nele fosse encontrado dos tributos devidos aos publicanos.
Por isso, Jacó dizia audaciosamente a Labão, o publicano: “Vem ver se algo das tuas coisas está em meu poder”.
Sobre isso, a Escritura dá seu testemunho, dizendo: “Labão não encontrou nada em poder de Jacó”.
Nosso Salvador e o Espírito Santo, que falou pela boca dos profetas, instruem não somente os homens, mas também os anjos e as potências invisíveis.
Por que falarei do Salvador? Os próprios profetas também e os apóstolos pregam tudo o que anunciam, não somente os homens, mas também aos anjos.
Para que saibas que isso é verdadeiro, diz a Escritura: “Fica atento, ó céu, e eu falarei”; e: “Na presença dos anjos, cantarei para ti”; e ainda: “Louvai o Senhor, céus dos céus, e as águas que estão acima dos céus louvem o nome do Senhor”; e: “Louvem-no os anjos”; e: “Em todo lugar em que se exerça seu poder, bendiz, ó minha alma, ao Senhor”.
Encontrarás em muitas passagens, e mormente nos Salmos, casos em que essas palavras são dirigidas aos próprios anjos, tendo sido dado ao homem, a ele que, todavia, possui o Espírito Santo, o poder de falar também aos anjos.
Citarei um único exemplo de tais passagens, para que saibamos que também os anjos podem ser instruídos por vozes humanas.
Está escrito no Apocalipse de João: “Escreve ao anjo da Igreja de Éfeso: eu tenho alguns agravos contra ti”. E novamente: “Escreve ao anjo da Igreja de Pérgamo: tenho alguns agravos contra ti”. Certamente é um homem que escreve aos anjos e prescreve alguma coisa.

Presença dos anjos
Eu não hesito em pensar que em nossa assembleia também os anjos estão presentes, não somente para toda a Igreja, tomada em seu conjunto, mas também para cada um de nós, dos quais fala o Salvador: “Seus anjos veem sempre a face de meu Pai que está nos céus”.
Aqui está presente uma dupla Igreja: uma dos homens, a outra dos anjos.
Se o que dizemos é conforme o pensamento divino e a intenção das Escrituras, os anjos se alegram e oram conosco. Porque os anjos estão presentes na Igreja, naquela pelo menos que o merece e pertence ao Cristo, é prescrito às mulheres que oram que tenham “sobre a cabeça um véu por causa dos anjos”.
Quais anjos, pois? Sem nenhuma dúvida, aqueles que assistem os santos e se rejubilam na Igreja, os quais, evidentemente, nós não vemos, porque nossos olhos foram cobertos pelas impurezas dos pecados, mas veem os apóstolos de Jesus, aos quais é dito: “Em verdade, em verdade eu vos digo, vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem”.
Se eu tivesse essa graça, [isto é,] de vê-los, assim como os apóstolos, e de contemplá-los, como Paulo os contemplou, veria claramente agora a multidão dos anjos que Eliseu via e que Giezi, que estivera de pé a seu lado, não via. Giezi estava com medo de ser preso pelos inimigos, vendo Eliseu sozinho.
Mas Eliseu, como profeta do Senhor, se põe em oração e diz: “Ó Senhor, abre os olhos deste servidor e que ele veja que há muito mais seres conosco do que com eles”. E imediatamente, às preces do varão santo, Giezi contemplou os anjos que anteriormente não via.
Por esta razão dissemos estas coisas, para mostrar que os publicanos eram instruídos por João, não apenas aqueles que servem aos impostos do Estado, mas também aqueles que vinham para se converter, dos quais uns eram mesmo publicanos e outros eram soldados, e saíam para receber o batismo da conversão.
Vieram, com efeito, não somente João e os profetas, mas também o próprio Salvador, para pregar a conversão e a salvação aos homens, aos anjos e às outras potências celestes, para que “em nome de Jesus todo joelho se dobre no céu, na terra e nos infernos, e que toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, na glória de Deus Pai”; “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?


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