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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 22)
HOMILIA 22 - Lc 3.5-8
Sobre o que está escrito: “Todo vale será aterrado”, até aquela
passagem que diz: “Deus tem o poder de suscitar destas pedras filhos de
Abraão”.
A presença de Jesus transforma aquele
que crê
Examinemos as coisas que são pregadas no advento de Cristo, entre
as quais primeiramente está escrito a respeito de João: “Voz daquele que clama
no deserto: preparai o caminho do Senhor, aplanai suas veredas”.
O que se segue diz respeito unicamente ao Senhor nosso Salvador.
Pois não é João que “aterrou todo o vale”, mas o Senhor nosso Salvador.
Que cada um considere a si próprio: quem era antes que abraçasse a
fé, e então constatará o vale baixo, um vale precipitado e imerso nos abismos.
Mas quando veio o Senhor Jesus e enviou o Espírito Santo, seu substituto, todo
vale ficou aterrado.
Ficou aterrado, porém, de boas obras e dos frutos do Espírito Santo.
A caridade não deixa subsistir em ti o vale; pois, se tiveres paz e paciência e
bondade, não somente cessarás de ser “vale”, mas também começarás a ser
“montanha” de Deus.
Nas palavras “Todo vale será aterrado”, constatamos
quotidianamente que isso se realiza e se cumpre, tanto para os gentios quanto
para o povo de Israel, que foi deposto de sua grandeza: “toda montanha e toda
colina serão abaixadas”.
Aquele povo era outrora uma “montanha” e uma “colina”, que foi
abatida e desmantelada. Mas “à sua falta, a salvação foi dada aos gentios para
provocar sua emulação”. Pois não pecarás, se disseres que as montanhas e as colinas que
foram abatidas são as potências contrárias que se erigiam contra os mortais.
Para que os vales de que falamos sejam aterrados, as potências
contrárias, montanhas e colinas, deverão ser abaixadas. Mas vejamos se a
profecia seguinte referente ao advento de Cristo se cumpriu.
De fato, o texto prossegue: “E tudo que era tortuoso se tornará
reto”. Cada um de nós era tortuoso – se, pelo menos era e não persevera até
hoje – e a vinda do Cristo, que se cumpre até em nossa alma, reergueu tudo o
que era tortuoso.
De que pode te servir a vinda do Cristo outrora na carne, se ele
não vier até tua alma?
Oremos para que cada dia seu advento se cumpra em nós e possamos
dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”. Se,
com efeito, Cristo vive em Paulo e não vive em mim, para que me servirá isso?
Mas, quando tiver igualmente vindo a mim, terei gozado como Paulo
gozou dele, então eu também posso igualmente dizer: “Vivo, mas não sou eu que
vivo, é o Cristo que vive em mim”. Vejamos, portanto, ainda outras coisas que
são anunciadas no advento de Cristo.
Nada era mais áspero que ti. Vê tuas antigas paixões, vê a ira e
outros vícios; se, porém, deixaram de ser o que haviam sido, também
compreenderás que nada foi mais áspero que ti e, para que eu fale mais
expressivamente, nada foi mais tosco.
Tua conduta era tosca, tuas palavras e obras eram toscas. Mas meu
Senhor Jesus veio, aplainou tuas asperezas, mudou em estradas planas todo o
[teu] caos para fazer em ti um caminho sem obstáculos, leve e muito limpo; para
poder andar em ti Deus Pai; e para que o Senhor Jesus fizesse em ti sua morada
e dissesse: “Eu e meu Pai viremos e faremos nele nossa morada”.
Preparação para o batismo
E segue-se: “E toda carne verá a salvação de Deus”. Tu outrora
eras carne; e tanto outrora eras carne, que, falando mais admiravelmente,
enquanto ainda estás na carne, vês “a salvação de Deus”.
O que querem, porém, dizer essas palavras: “toda carne”, sem que
nenhuma esteja excluída da visão “da salvação de Deus”, o deixo à compreensão
daqueles que sabem sondar os mistérios e o coração das Escrituras. É preciso
notar que João fala “aos povos que saíam para receber o batismo”.
Se alguém quer receber o batismo, deve sair. Permanecendo,
com efeito, em seu primeiro estado, sem mudar de conduta e de hábitos, ele
carece totalmente das disposições requeridas para se aproximar do batismo. Para
que entendas o que seja “sair para receber o batismo”, aceita o testemunho e
escuta as palavras com as quais Deus fala a Abraão: “Sai da tua terra”, e
sua sequência.
E, assim, é para as multidões saindo para o lavacro, não as que
saíram, mas somente as que estão tentando sair para a ablução batismal, que
João dirige as palavras que seguem.
Se, com efeito, já tivessem saído, nunca diria a eles: “Raça de
víboras”. Tudo o que lhes diz, portanto, e [também] a vós o diz, catecúmenos
e catecúmenas, a vós que vos dispondes a vir ao batismo.
Examinai bem se talvez também a vós se possa dizer “Raça de
víboras”. Pois se vós também tiverdes alguma semelhança com as víboras que caem
sob nossos sentidos e com as serpentes invisíveis, também vos será dito: “Raça
de víboras”.
Mas se não expelirdes de vosso coração a malícia e os venenos das
serpentes, as palavras que se seguem também vos serão dirigidas: “Quem vos
ensinou a fugir da ira que há de vir?”
A ira de Deus
Uma grande ira ameaça nosso século: o mundo inteiro haverá de
sofrer a ira de Deus.
A tamanha vastidão dos céus e a extensão da terra, os coros das
estrelas, o esplendor do sol e as consolações noturnas da lua, tudo será
subvertido pela ira de Deus.
Todas essas coisas passarão, com efeito, por causa dos pecados dos
homens. E outrora evidentemente a ira de Deus veio; [mas] se limitou a castigar
unicamente a terra, “pois toda carne tinha abandonado seu caminho sobre a
terra”.
Mas agora a ira de Deus haverá de vir sobre o céu e sobre a terra:
“Os céus passarão, mas tu permanecerás” – essas palavras se dirigem a Deus –,
“e todos envelhecerão como uma vestimenta”.
Apreciai e medi a ira que há de consumir o mundo inteiro: punirá
aqueles que são dignos de castigo, e encontrará matéria sobre a qual
realizar-se.
Cada um de nós, naquilo que faz, preparou a matéria da ira; pois
está dito na Epístola aos Romanos: “Por teu endurecimento e a impenitência de
teu coração, amontoas para ti um tesouro de ira no dia da ira e da revelação do
justo julgamento de Deus”.
A conversão
Depois seguem estas palavras: “Quem vos ensinou a fugir da ira que
há de vir? Produzi, portanto, frutos que sejam dignos da conversão”. Também a
vós que vindes ao batismo é dito: “Produzi frutos dignos da conversão”.
Queres saber quais são os frutos dignos da conversão? “A caridade
é um fruto do Espírito, a alegria é um fruto do Espírito assim como a paz, a
paciência, a benignidade, a bondade, a fé, a mansidão, a temperança e o resto.”
Caso tenhamos possuído todas essas virtudes, teremos “produzido
frutos dignos da conversão”. Foi dito ainda àqueles que vinham encontrar João
para receber o batismo: “E não comeceis a dizer em vós mesmos: ‘temos Abraão
por pai’.
Digo-vos, com efeito, que Deus pode suscitar destas pedras filhos
para Abraão”. João, o último dos profetas, profetiza aqui a expulsão do
primeiro povo e a vocação dos gentios. Àqueles, com efeito, que se vangloriavam
de Abraão, ele diz: “E não comeceis a dizer em vós mesmos: temos Abraão por
pai”.
E dos gentios novamente fala: “Digo-vos, com efeito, que Deus pode
suscitar destas pedras filhos para Abraão”. De quais pedras?
Não são as pedras materiais e sem vida que
ele mostrava, mas os homens insensíveis e duros de outrora, que, por adorarem
pedras ou madeira, viram se realizar aquilo que no Salmo se cantava sobre tais
adoradores: “Que os que fabricam os ídolos se tornem como eles, assim como
todos os que confiam neles”.
Verdadeiramente os que fabricam ídolos e confiam neles são semelhantes
a seus deuses, sem inteligência nem nenhuma razão, converteram-se em pedras e
madeira.
Ainda que vejam na criação tanta ordem, tanta harmonia e
disciplina, tanta beleza no mundo, eles se recusam a reconhecer o Criador a
partir das criaturas e não consideram que uma organização tão perfeita é obra
de uma Providência que a dirige; mas são cegos e veem o mundo apenas com olhos
de animais sem razão, com olhos de bichos.
Pois eles não observam a presença de alguma razão em um mundo
manifestamente regido pela Razão. Esse
é o nosso comentário acerca das palavras de João: “Deus pode suscitar destas
pedras filhos para Abraão”.
Quanto a nós, então, supliquemos a Deus, se alguma vez fomos
pedras, que também nos tornemos “filhos de Abraão”, em lugar dos outros filhos,
que foram rejeitados e que perderam por própria falta a promessa e a adoção.
Citarei, ainda, um testemunho a respeito das pedras, se
evidentemente está escrito no Cântico do
Êxodo: “Que eles sejam mudados em pedras, até que atravesse teu povo, ó Senhor,
até que atravesse este teu povo, do qual tomaste posse”.
E assim, roga-se a Deus que os gentios, por um momento, sejam
convertidos em pedras – porque tal é bem o sentido mais expressivo da palavra
grega apolithoóntosan – “até que atravesse o povo” judeu.
Não há dúvida de que, depois que eles tiverem atravessado, os
gentios cessarão de ser lapídeos e receberão uma natureza verdadeiramente
humana e racional no Cristo, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos
séculos. Amém”.
O que você destaca
no texto?
Como ele serve
para sua espiritualidade?
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