terça-feira, 17 de setembro de 2019

111 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 22)


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111
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 22)


HOMILIA 22 - Lc 3.5-8
Sobre o que está escrito: “Todo vale será aterrado”, até aquela passagem que diz: “Deus tem o poder de suscitar destas pedras filhos de Abraão”.

A presença de Jesus transforma aquele que crê
Examinemos as coisas que são pregadas no advento de Cristo, entre as quais primeiramente está escrito a respeito de João: “Voz daquele que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, aplanai suas veredas”.
O que se segue diz respeito unicamente ao Senhor nosso Salvador. Pois não é João que “aterrou todo o vale”, mas o Senhor nosso Salvador.
Que cada um considere a si próprio: quem era antes que abraçasse a fé, e então constatará o vale baixo, um vale precipitado e imerso nos abismos. Mas quando veio o Senhor Jesus e enviou o Espírito Santo, seu substituto, todo vale ficou aterrado.
Ficou aterrado, porém, de boas obras e dos frutos do Espírito Santo. A caridade não deixa subsistir em ti o vale; pois, se tiveres paz e paciência e bondade, não somente cessarás de ser “vale”, mas também começarás a ser “montanha” de Deus.
Nas palavras “Todo vale será aterrado”, constatamos quotidianamente que isso se realiza e se cumpre, tanto para os gentios quanto para o povo de Israel, que foi deposto de sua grandeza: “toda montanha e toda colina serão abaixadas”.
Aquele povo era outrora uma “montanha” e uma “colina”, que foi abatida e desmantelada. Mas “à sua falta, a salvação foi dada aos gentios para provocar sua emulação”. Pois não pecarás, se disseres que as montanhas e as colinas que foram abatidas são as potências contrárias que se erigiam contra os mortais.
Para que os vales de que falamos sejam aterrados, as potências contrárias, montanhas e colinas, deverão ser abaixadas. Mas vejamos se a profecia seguinte referente ao advento de Cristo se cumpriu.
De fato, o texto prossegue: “E tudo que era tortuoso se tornará reto”. Cada um de nós era tortuoso – se, pelo menos era e não persevera até hoje – e a vinda do Cristo, que se cumpre até em nossa alma, reergueu tudo o que era tortuoso.
De que pode te servir a vinda do Cristo outrora na carne, se ele não vier até tua alma?
Oremos para que cada dia seu advento se cumpra em nós e possamos dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”. Se, com efeito, Cristo vive em Paulo e não vive em mim, para que me servirá isso?
Mas, quando tiver igualmente vindo a mim, terei gozado como Paulo gozou dele, então eu também posso igualmente dizer: “Vivo, mas não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”. Vejamos, portanto, ainda outras coisas que são anunciadas no advento de Cristo.
Nada era mais áspero que ti. Vê tuas antigas paixões, vê a ira e outros vícios; se, porém, deixaram de ser o que haviam sido, também compreenderás que nada foi mais áspero que ti e, para que eu fale mais expressivamente, nada foi mais tosco.
Tua conduta era tosca, tuas palavras e obras eram toscas. Mas meu Senhor Jesus veio, aplainou tuas asperezas, mudou em estradas planas todo o [teu] caos para fazer em ti um caminho sem obstáculos, leve e muito limpo; para poder andar em ti Deus Pai; e para que o Senhor Jesus fizesse em ti sua morada e dissesse: “Eu e meu Pai viremos e faremos nele nossa morada”.

Preparação para o batismo
E segue-se: “E toda carne verá a salvação de Deus”. Tu outrora eras carne; e tanto outrora eras carne, que, falando mais admiravelmente, enquanto ainda estás na carne, vês “a salvação de Deus”.
O que querem, porém, dizer essas palavras: “toda carne”, sem que nenhuma esteja excluída da visão “da salvação de Deus”, o deixo à compreensão daqueles que sabem sondar os mistérios e o coração das Escrituras. É preciso notar que João fala “aos povos que saíam para receber o batismo”.
Se alguém quer receber o batismo, deve sair. Permanecendo, com efeito, em seu primeiro estado, sem mudar de conduta e de hábitos, ele carece totalmente das disposições requeridas para se aproximar do batismo. Para que entendas o que seja “sair para receber o batismo”, aceita o testemunho e escuta as palavras com as quais Deus fala a Abraão: “Sai da tua terra”, e sua sequência.
E, assim, é para as multidões saindo para o lavacro, não as que saíram, mas somente as que estão tentando sair para a ablução batismal, que João dirige as palavras que seguem.
Se, com efeito, já tivessem saído, nunca diria a eles: “Raça de víboras”. Tudo o que lhes diz, portanto, e [também] a vós o diz, catecúmenos e catecúmenas, a vós que vos dispondes a vir ao batismo.
Examinai bem se talvez também a vós se possa dizer “Raça de víboras”. Pois se vós também tiverdes alguma semelhança com as víboras que caem sob nossos sentidos e com as serpentes invisíveis, também vos será dito: “Raça de víboras”.
Mas se não expelirdes de vosso coração a malícia e os venenos das serpentes, as palavras que se seguem também vos serão dirigidas: “Quem vos ensinou a fugir da ira que há de vir?”

A ira de Deus
Uma grande ira ameaça nosso século: o mundo inteiro haverá de sofrer a ira de Deus.
A tamanha vastidão dos céus e a extensão da terra, os coros das estrelas, o esplendor do sol e as consolações noturnas da lua, tudo será subvertido pela ira de Deus.
Todas essas coisas passarão, com efeito, por causa dos pecados dos homens. E outrora evidentemente a ira de Deus veio; [mas] se limitou a castigar unicamente a terra, “pois toda carne tinha abandonado seu caminho sobre a terra”.
Mas agora a ira de Deus haverá de vir sobre o céu e sobre a terra: “Os céus passarão, mas tu permanecerás” – essas palavras se dirigem a Deus –, “e todos envelhecerão como uma vestimenta”.
Apreciai e medi a ira que há de consumir o mundo inteiro: punirá aqueles que são dignos de castigo, e encontrará matéria sobre a qual realizar-se.
Cada um de nós, naquilo que faz, preparou a matéria da ira; pois está dito na Epístola aos Romanos: “Por teu endurecimento e a impenitência de teu coração, amontoas para ti um tesouro de ira no dia da ira e da revelação do justo julgamento de Deus”.

A conversão
Depois seguem estas palavras: “Quem vos ensinou a fugir da ira que há de vir? Produzi, portanto, frutos que sejam dignos da conversão”. Também a vós que vindes ao batismo é dito: “Produzi frutos dignos da conversão”.
Queres saber quais são os frutos dignos da conversão? “A caridade é um fruto do Espírito, a alegria é um fruto do Espírito assim como a paz, a paciência, a benignidade, a bondade, a fé, a mansidão, a temperança e o resto.”
Caso tenhamos possuído todas essas virtudes, teremos “produzido frutos dignos da conversão”. Foi dito ainda àqueles que vinham encontrar João para receber o batismo: “E não comeceis a dizer em vós mesmos: ‘temos Abraão por pai’.
Digo-vos, com efeito, que Deus pode suscitar destas pedras filhos para Abraão”. João, o último dos profetas, profetiza aqui a expulsão do primeiro povo e a vocação dos gentios. Àqueles, com efeito, que se vangloriavam de Abraão, ele diz: “E não comeceis a dizer em vós mesmos: temos Abraão por pai”.
E dos gentios novamente fala: “Digo-vos, com efeito, que Deus pode suscitar destas pedras filhos para Abraão”. De quais pedras?
Não são as pedras materiais e sem vida que ele mostrava, mas os homens insensíveis e duros de outrora, que, por adorarem pedras ou madeira, viram se realizar aquilo que no Salmo se cantava sobre tais adoradores: “Que os que fabricam os ídolos se tornem como eles, assim como todos os que confiam neles”.
Verdadeiramente os que fabricam ídolos e confiam neles são semelhantes a seus deuses, sem inteligência nem nenhuma razão, converteram-se em pedras e madeira.
Ainda que vejam na criação tanta ordem, tanta harmonia e disciplina, tanta beleza no mundo, eles se recusam a reconhecer o Criador a partir das criaturas e não consideram que uma organização tão perfeita é obra de uma Providência que a dirige; mas são cegos e veem o mundo apenas com olhos de animais sem razão, com olhos de bichos.
Pois eles não observam a presença de alguma razão em um mundo manifestamente regido pela Razão. Esse é o nosso comentário acerca das palavras de João: “Deus pode suscitar destas pedras filhos para Abraão”.
Quanto a nós, então, supliquemos a Deus, se alguma vez fomos pedras, que também nos tornemos “filhos de Abraão”, em lugar dos outros filhos, que foram rejeitados e que perderam por própria falta a promessa e a adoção.
Citarei, ainda, um testemunho a respeito das pedras, se evidentemente está escrito  no Cântico do Êxodo: “Que eles sejam mudados em pedras, até que atravesse teu povo, ó Senhor, até que atravesse este teu povo, do qual tomaste posse”.
E assim, roga-se a Deus que os gentios, por um momento, sejam convertidos em pedras – porque tal é bem o sentido mais expressivo da palavra grega apolithoóntosan – “até que atravesse o povo” judeu.
Não há dúvida de que, depois que eles tiverem atravessado, os gentios cessarão de ser lapídeos e receberão uma natureza verdadeiramente humana e racional no Cristo, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?


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