Encontro
179
Atanásio
de Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte VII
– 1,2)
Parte
VII - Final
1
- Morte de Antão
1.
Este
é o lugar para que eu lhes conte e vocês ouçam, já que desejosos disto, como
foi o fim de sua vida, pois também nisto foi modelo digno de imitação.
2.
Segundo
seu costume, visitava os monges na Montanha Exterior. Recebendo, da
Providência, um premonição de sua morte, falou aos irmãos: "Esta é a
última visita que lhes faço e me admiraria se nos voltássemos a ver nesta vida.
Já é tempo de morrer, pois tenho quase cento e cinco anos".
3.
Ao
ouvir isto, puseram-se a chorar, abraçando e beijando o ancião. Ele porém, como
se tivesse de partir de uma cidade estranha à sua própria, continuou falando
alegremente.
4.
Exortava-os
a "não se relaxarem em seus esforços nem a se desalentarem na prática da
vida ascética, mas a viver como se tivessem de morrer cada dia e, como disse
antes, a trabalhar duramente a fim de guardar a alma limpa de pensamentos
impuros, e a imitar os homens santos.
5.
Não
se aproximem dos cismáticos melecianos (seita
de Malécio de Antioquia – defendia a Doutrina sobre os Lapsis), pois já
conhecem seu ensinamento ímpio e perverso. Não se metam para nada com os
arianos, pois sua irreligião é clara para todos. E se veem que os juízes os apoiam,
não se deixem confundir: isto se acabará, é um fenômeno mortal, destinado a seu
fim em pouco tempo.
6.
Por
isso, mantenham-se limpos de tudo isto e observem a tradição dos Padres e,
sobretudo, a fé ortodoxa em nosso Senhor Jesus Cristo, como aprenderam das
Escrituras e eu tão frequentemente o recordei."
7.
Quando
os irmãos instaram pra que ficasse com eles, até morrer, ali, recusou-se a isto
por muitas razões, segundo disse, embora sem indicar nenhuma.
8.
Especialmente
era por isto: os egípcios têm o costume de honrar com ritos funerários e
envolver em sudários de linho os corpos dos homens santos e particularmente dos
santos mártires; mas não os enterram: colocam-nos sobre divãs e os guardam em
suas casas, pensando honrar o defunto deste modo.
9.
Antão
pediu muitas vezes inclusive aos bispos que dessem instruções ao povo sobre
esse assunto. Ao mesmo tempo envergonhou os leigos e reprovou as mulheres,
dizendo que "isto não era correto nem reverente, em absoluto. Os corpos
dos patriarcas e dos profetas se guardam em túmulos até estes dias; e o corpo
do Senhor também foi depositado num túmulo e puseram uma pedra sobre ele (Mt
27,60) até que ressuscitou ao terceiro dia".
10. Ao expor assim
as coisas, demonstrava que cometiam erro e que não dava sepultura aos corpos
dos defuntos, por santos que fossem. E em verdade, quem maior ou mais santo que
o corpo do Senhor?
11. Como resultado,
muitos que o ouviram começaram desde então a sepultar seus mortos, e deram
graças ao Senhor pelo bom ensinamento recebido.
12. Sabendo disto,
Antão teve medo de que fizessem o mesmo com seu próprio corpo. Por isso,
despedindo-se dos monges da Montanha Exterior, apressou-se para a Montanha
Interior, onde costumava viver.
13. Depois de poucos
meses, caiu doente. Chamou os que o acompanhavam - havia dois que levavam vida
ascética havia quinze anos e se preocupavam com ele devido a sua idade avançada
- , e lhes disse: "Vou-me pelo caminho de meus pais", como diz a
Escritura (cf 1 Rs 2,2; Jos 23,14), pois me vejo chamado pelo Senhor.
14. Quanto a vocês,
estejam vigilantes e não façam tabula rasa da vida ascética que tanto tempo
praticaram. Esforcem-se por manter seu entusiasmo como se estivessem começando
agora.
15. Já conhecem os
demônios e seus desígnios; conhecem também sua fúria e também sua incapacidade.
Assim, pois, não os temam; deixem antes que Cristo seja o alento de sua vida e
ponham nele sua confiança.
16. Vivam como se
cada dia tivessem de morrer, fazendo atenção a si mesmos e recordando tudo o
que ouviram de mim.
17. Não tenham
nenhuma comunhão com os cismáticos e absolutamente nada com os hereges arianos.
Sabem como eu mesmo me guardei deles devido à sua pertinaz heresia contra
Cristo.
18. Sejam ansiosos
em manifestar sua lealdade primeiro a Cristo e depois a seus santos, 'para que depois
de sua morte eles os recebam nas moradas eternas' (Lc 16,9), como a amigos
familiares.
19. Gravem este
pensamento, tenham-no como propósito. Se vocês realmente se preocupam comigo e
me consideram como pai, não permitam que ninguém leve meu corpo para o Egito,
não aconteça que me guardem em suas casas. Foi esta a razão que me trouxe para
cá, à montanha. Sabem como sempre confundi os que fazem isto e os intimei a
deixar tal costume.
20. Por isso,
façam-me vocês mesmos os funerais e sepultem meu corpo na terra, e respeitem de
tal modo o que lhes disse, que ninguém senão vocês saiba o lugar. Na
ressurreição dos mortos, o Salvador me devolverá incorruptível.
21. Distribuam minha
roupa. Ao bispo Atanásio deem uma túnica e o manto em que estou, e que ele
mesmo me deu, mas que se gastou em meu poder; ao bispo Serapião deem a outra
túnica, e vocês podem ficar com a camisa de pelo (47,2).
22. E agora, meus
filhos, Deus os abençoe. Antão parte e não está mais com vocês.
23. Depois de dizer
isto e de que eles o houvessem beijado, estendeu os pés, seus rosto estava
transfigurado de alegria e seus olhos brilhavam de regozijo como se visse
amigos vindo a seu encontro; e assim faleceu e foi reunir-se a seus pais.
24. Eles então,
seguindo as ordens que lhes havia dado, prepararam e envolveram o corpo e o
sepultaram aí na terra.
25. E até o dia de hoje
ninguém, exceto esses dois, sabe onde está sepultado[1].
Quanto aos que receberam as túnicas e o manto usados pelo bem-aventurado Antão,
cada um guarda seu presente como grande tesouro. Olhá-los é ver Antão e pô-los
é como revestir-se de suas exortações com alegria.
26. Este foi o fim
da vida de Antão no corpo, como antes tivemos o começo de sua vida ascética. E
ainda que seja um pobre relato comparado com a virtude do homem, recebam-no,
entretanto, e reflitam que classe de homem foi Antão; o varão de Deus.
27. Desde sua
juventude até uma idade tão avançada conservou uma devoção inalterável à vida
ascética.
28. Nunca tomou a velhice
como desculpa para ceder ao desejo de abundante alimentação, nem mudou sua
forma de vestir, pela debilidade de seu corpo, nem tampouco lavou seus pés com
água. E no entanto sua saúde se manteve totalmente sem prejuízo - Por exemplo,
mesmo seus olhos eram perfeitamente normais, de modo que sua vista era
excelente; não havia perdido nem um só dente; só se haviam gasto até as
gengivas pela grande idade do ancião.
29. Manteve mãos e pés
sãos, e em tudo aparecia com melhores cores e mais fortes do que os que têm uma
dieta diversificada, banhos e variedade de roupas; fato de chegar a ser famoso
em todas as partes, de ter encontrado admiração universal e de que sua perda
foi sentida por pessoas que nunca o viram, sublinha sua virtude e o amor que
Deus lhe tinha.
30. Antão ganhou renome,
não por seus escritos nem por sabedoria de palavras nem por nenhuma outra
coisa, senão só por seu serviço a Deus.
31. E ninguém pode
negar que isto é dom de Deus. Como explicar, efetivamente, que este homem, que
viveu escondido em uma montanha, fosse conhecido em Espanha e Gália, em Roma e
África, senão por Deus, que em toda parte faz conhecidos os seus, que, mais
ainda, havia dito isto a Antão em seus começos.
32. Pois ainda que
façam suas obras em segredo e desejem permanecer na obscuridade, o Senhor os
mostra publicamente como lâmpadas a todos os homens (Mt 5,16), e assim, os que
ouvem falar deles podem aperceber-se de que os mandamentos levam à perfeição, e
então se encorajam pela senda que conduz à virtude.
2 –
Epílogo
33. Agora, pois,
leiam isto aos demais irmãos, para que também eles aprendam como deve ser a
vida dos monges, e se convençam de que nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo
glorifica aos que o glorificam.
34. Ele não só conduz
ao Reino dos Céus os que o servem até o fim, mas, ainda que se escondam e façam
o possível por viver fora do mundo, faz com que em toda parte sejam conhecidos
e se fale deles, por sua própria santidade e pela ajuda que dão a outros.
35. Se a ocasião se
apresenta, leiam-no também aos pagãos, para que ao menos deste modo possam
aprender que nosso Senhor Jesus Cristo é Deus e Filho de Deus, e que os
cristãos, que o servem fielmente e mantêm sua fé ortodoxa nele, demonstram que
os demônios, considerados deuses pelos pagãos, não o são, mas antes os calcam
aos pés e afugentam pelo que são: enganadores e corruptores de homens.
36. Por Nosso Senhor
Jesus Cristo, a quem seja dada a glória pelos séculos. Amém.
O que você
destaca neste texto?
Como ele serve
para sua espiritualidade?
[1]
A tumba
foi descoberta em 561, o seu corpo trasladado a Alexandria. Quando os
sarracenos dominaram o Egito em 635, os restos foram levados a Constantinopla.
Dali foram trasladados à França em fins do século X, e desde 1491 se guardam na
igreja de São Julião de Arles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário