terça-feira, 3 de agosto de 2021

Encontro 177 - A Vida de Santo Antão (Parte VI – 4)

 

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Encontro 177

Atanásio de Alexandria (285-373)

A Vida de Santo Antão (Parte VI – 4)

 

IV - A verdadeira Sabedoria

1.      Tinha também um grau muito alto de sabedoria prática. O admirável era que, ainda que não tivesse educação formal (não recebeu a formação retórica e humanística que teria sido usual numa família abastada como a de Antão), possuía, no entanto engenho e compreensão despertos.

2.      Um exemplo: uma vez chegaram a ele dois filósofos gregos, pensando que podiam divertir-se com Antão. Quando ele, que nessa ocasião vivia na Montanha Exterior, catalogou os homens por sua aparência, dirigiu-se a eles e lhes disse por meio de um intérprete:

3.      "Por que, filósofos, se deram tanto trabalho vindo a um homem louco?" Quando eles lhe contestaram que não era louco, mas muito sábio, ele lhes disse: "Se vieram a um louco, seu incômodo não tem sentido; mas se pensam que sou sábio, então façam-se o que sou, porque se deve imitar o bom. Em verdade, se eu tivesse ido a vocês, tê-los-ia imitado; ao invés, agora que vieram a mim, convertam-se no que sou: eu sou cristão".

4.      Eles se foram, admirados; viram que até os demônios temiam a Antão.

5.      Também outros da mesma classe foram a seu encontro na Montanha Exterior e pensaram que podiam zombar dele porque não tinha cultura.

6.      Antão lhes disse: "Bem, que dizem vocês: que é primeiro, o sentido ou a letra? E qual é a origem do outro: o sentido da letra ou a letra do sentido?"

7.      Quando eles expressaram que o sentido é primeiro e origem da letra, Antão disse: "Por isso, quem tem mente sã não necessita das letras".

8.      Isto os assombrou e a todos os circunstantes. Foram-se admirados de ver tal sabedoria num homem iletrado, que não tinha as maneiras grosseiras de quem viveu e envelheceu na montanha, mas era um homem simpático e cortês.

9.      Seu falar era sazonado com a sabedoria divina (cf Cl 4,6), de modo que ninguém lhe tinha má vontade, mas todos se alegravam de haver ido em sua procura.

10.  E por certo, depois destes vieram outros. Eram daqueles que entre os pagãos têm reputação de sábios. Pediram-lhe que suscitasse uma controvérsia sobre nossa fé em Cristo.

11.  Quando procuravam arguir com sofismas a partir da pregação da divina Cruz, a fim de zombar, Antão guardou silêncio por um momento e, compadecendo-se primeiro da ignorância deles, disse logo por um intérprete que fazia excelente tradução de suas palavras:

12.  "Que é melhor: confessar a Cruz ou atribuir adultérios e pederastias aos assim chamados deuses? Pois manter o que mantemos é sinal de espírito viril e denota desprezo da morte, enquanto que o que vocês pretendem só fala de paixões desenfreadas”.

13.  “Outra vez, que é melhor: dizer que a Palavra de Deus imutável permaneceu a mesma ao tomar corpo humano para salvação e bem da humanidade de modo que ao compartilhar o nascimento humano pôde fazer os homens participantes da natureza divina e espiritual (cf 2 Pd 1,4), ou colocar o divino num mesmo nível que os seres insensíveis e adorar por isso a bestas e répteis e imagens de homens”? Precisamente esses são os objetos adorados por seus homens sábios.

14.  Com que direito vêm rebaixar-nos porque afirmamos que Cristo apareceu como homem, sendo que vocês fazem provir a alma do céu, dizendo que se extraviou e caiu da abóbada do céu ao corpo? E, oxalá fosse só o corpo humano, e não que se mudasse e emigrasse no de bestas e serpentes!

15.  Nossa fé declara que Cristo veio para salvação das almas, e vocês erroneamente teorizam acerca de uma Alma incriada.

16.  Cremos no poder da Providência e em seu amor pelos homens e em que essa vinda não era portanto impossível para Deus, mas vocês, chamando à alma imagem da Inteligência, imputam-lhe quedas e fabricam mitos sobre sua possibilidade de mudança.

17.  Como consequência fazem mutável a mesma Inteligência por causa da alma; pois enquanto imagem deve ser aquilo de que é imagem. Se vocês, entretanto, pensam semelhantes coisas acerca da Inteligência, recordem-se de que blasfemam do Pai da Inteligência".

18.  Em referência à Cruz, que dizem vocês ser o melhor: suportar a Cruz, quando homens malvados lançam mão da traição, e não vacilar ante a morte de maneira ou forma alguma, ou fabricar fábulas sobre as andanças de Isis e Osíris (deuses egípcios), as conspirações de Tifon, a expulsão de Cronos[1], com seus filhos devorados e seus parricídios? Sim, aqui temos sua sabedoria!

19.  E por que enquanto se riem da Cruz, não se maravilham da Ressurreição?

20.  Pois os mesmos que nos transmitiram um acontecimento escreveram também sobre o outro. Ou por que enquanto se lembram da Cruz, nada têm que dizer sobre os mortos devolvidos à vida, os cegos que recuperaram a vista, os paralíticos que foram curados e os leprosos que foram limpos, o caminhar sobre as águas e os outros sinais e milagres que mostram Cristo não como homem mas como Deus?

21.  Em todo caso, parece-me que vocês se enganam a si mesmos e que não têm nenhuma familiaridade real com nossas Escrituras.

22.  Leiam-nas, porém, e vejam que tudo quando Cristo fez prova que era Deus que habitava conosco para a salvação dos homens.

23.  Mas falem-nos também vocês sobre seus próprios ensinamentos. Que podem, porém dizer acerca de coisas insensíveis senão insensatezes e barbaridades? Se entretanto, como ouço, querem dizer que entre vocês tais coisas se falam em sentido figurado, e assim convertem o rapto de Coré em alegoria da terra; a cólera de Hefestos, do sol, a Hera, do ar; a Apolo do sol; a Artemísia, da lua, e a Poseidon, do mar, ainda assim vocês não adoram o próprio Deus, mas servem à criatura em lugar de Deus que tudo criou.

24.  Se vocês compuseram tais histórias porque a criação é bela, não deveriam ter ido além de admirá-la, e não fazer das criaturas deuses para não dar às coisas criadas a honra do Criador.

25.  Nesse caso já seria tempo de darem à casa construída a honra devida ao arquiteto, ou a honra devida ao general, aos soldados. Agora, que têm que dizer a tudo isto? Assim saberemos se a Cruz tem algo que sirva para escarnecer-se dela.

26.  Eles estavam desconcertados e davam voltas ao assunto de uma e de outra forma. Antão sorriu e disse, de novo através de um intérprete [85]: "Só ao ver as coisas já se tem a prova de tudo o que eu disse. Dado, porém, que vocês, supõe-se, confiam absolutamente nas demonstrações, e isto é uma arte em que vocês são mestres, e já que exigem de nós não adorar a Deus sem argumentos demonstrativos, digam-me isto primeiro: Como se origina o conhecimento preciso das coisas, em especial o conhecimento de Deus? É por uma demonstração verbal ou por um ato de fé?

27.  E que vem primeiro: o ato de fé ou a demonstração verbal?" Quando replicaram que o ato de fé precede e que isto constitui um conhecimento exato, disse Antão: "Bem respondido!

28.  A fé surge da disposição da alma, enquanto a dialética vem da habilidade dos que a idealizam. De acordo com isto, os que possuem uma fé ativa não necessitam de argumentos de palavras, e provavelmente os reputam supérfluos; pois o que apreendemos pela fé, vocês cuidam construí-lo com argumentações e amiúde nem sequem podem exprimir o que nós percebemos.

29.  A conclusão é que uma fé ativa é melhor e mais forte de que seus argumentos sofísticos.

30.  Os cristãos, por isso, possuímos o mistério, não baseando-nos na razão da sabedoria grega (cf 1 Cor 1,17), mas fundados no poder de uma fé que Deus nos garantiu por meio de Jesus Cristo.

31.  Pelo que toca à verdade da explicação dada, notem como nós, iletrados, cremos em Deus reconhecendo sua Providência a partir de suas obras.

32.  E quanto a ser nossa fé algo de efetivo, notem que nos apoiamos em nossa fé em Cristo, enquanto vocês a baseiam em disputas ou palavras sofísticas; seus ídolos fantasmas estão passando de moda, mas nossa fé se difunde em toda parte.

33.  Com todos seus silogismos e sofismas vocês não convertem ninguém do cristianismo ao paganismo, mas nós, ensinando a fé em Cristo, estamos despojados os deuses do medo que inspiravam, de modo que todos reconhecem Cristo como Deus e Filho de Deus.

34.  Como toda sua elegante retórica, vocês não impedem o ensinamento de Cristo, mas nós, à simples menção do nome de Cristo crucificado, expulsamos os demônios que vocês veneram como deuses. Onde aparece o sinal da Cruz, ali a magia e a feitiçaria são impotentes e sem efeito.

35.  Em verdade, digam-nos, onde ficaram seus oráculos? Onde os encantamentos dos egípcios? Onde estão suas ilusões e os fantasmas dos magos? Quando terminaram estas coisas e perderam seu significado? Não foi acaso quando chegou a Cruz de Cristo? Por isso, será ela que merece desprezo e não, antes, o que ela deitou abaixo, demonstrando sua impotência?

36.  Também é notável o fato de que jamais a religião de vocês foi perseguida; ao contrário, em todas as partes goza de honra entre os homens, mas os seguidores de Cristo são perseguidos, e sem embargo é a nossa causa que floresce e prevalece e não a sua.

37.  Com toda a tranquilidade e proteção do que goza, sua religião está morrendo, enquanto a fé e o ensinamento de Cristo, desprezados pro vocês e frequentemente perseguidos pelos governantes, encheram o mundo.

38.  Em que tempo resplandeceu tão brilhantemente o conhecimento de Deus? Ou em que tempo apareceram a continência e a virtude da virgindade? Ou quando foi tão desprezada a morte como quando chegou a Cruz de Cristo?

39.  E ninguém duvida disto ao ver os mártires que desprezam a morte por causa de Cristo, ou ao ver as virgens da Igreja que por causa de Cristo guardam seus corpos puros e sem mancha.

40.  Estas provas bastam para demonstrar que a fé em Cristo é a única religião verdadeira. Aqui porém estão vocês, que buscam conclusões baseadas no raciocínio, vocês que não têm fé.

41.  Nós não buscamos provas, como diz nosso Mestre, 'com palavras persuasivas de sabedoria humana'(1 Cor, 2,4), mas persuadimos os homens pela fé que tangivelmente precede todo raciocínio baseado em argumentos.

42.  Vejam, aqui há alguns que são atormentados pelos demônios".  Estes eram gente que tinham vindo para vê-lo e sofriam por causa dos demônios; fazendo-os adiantar-se, disse: "Pois bem, curem-nos com seus silogismos ou com qualquer magia que desejem, invocando a seus ídolos; ou então, se não podem , deixem de lutar contra nós e vejam o poder da Cruz de Cristo".

43.  Dito isto, invocou a Cristo e fez sobre os enfermos o sinal da Cruz, repetindo a ação por segunda e terceira vez. Imediatamente as pessoas se levantaram completamente sãs, tendo-lhes voltado o uso da razão e dando graças ao Senhor.

44.  Os assim chamados filósofos estavam assombrados e realmente atônitos pela sagacidade do homem e pelo milagre realizado. disse-lhes, porém, Antão: "Por que se maravilham com isto? Não somos nós, mas Cristo quem age através do que Nele creem. Creiam vocês também e verão que não é palavreado e sim fé que pela caridade opera para Cristo (cf Gl 5,6); se vocês também abraçam isto, não necessitarão andar buscando argumentos da razão, mas verão que a fé em Cristo é suficiente." Assim falou a Antão.

45.  Quando partiram, admiraram-no, abraçaram-no e reconheceram que os havia ajudado.

 

O que você destaca no texto e por quê?

Como este texto serviu para sua espiritualidade?

O que você destaca na fala de seu irmão/ã.

 



1. Kronos (o Saturno dos romanos). O mais jovem dos titãs, filho de Gea e de Urano, a quem despojou do governo do universo. Casado com sua irmã Rea, com ela reinou sobre o mundo. Segundo um oráculo, seria destronado por um de seus filhos; para evitá-lo, devorava-os logo ao nascer. Por uma astúcia de sua mãe Rea, pôde salvar-se Zeus que, chegando à idade adulta, declarou guerra aos titãs e a seu pai, vencendo-os a todos.

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