Encontro
178
Atanásio
de Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte VI
– 5-7)
5 - Os
Imperadores escrevem a Antão
A fama de Antão chegou aos imperadores.
Quando Constantino Augusto e seus filhos Constâncio Augusto e Constante Augusto
ouviram estas coisas, escreviam-lhe como a um pai, rogando-lhe que lhe
respondesse.
Ele, no entanto, não deu muita
importância aos documentos nem se alegrou pelas cartas; continuou o mesmo que
antes de lhe escrever o imperador.
Quando lhe levaram os documentos,
chamou-os e disse: "Não se devem surpreender-se um imperador nos escreve,
porque é homem; deveriam surpreender-se é de que Deus haja escrito a lei para a
humanidade e nos tenha falado por meio de seu próprio Filho".
Em verdade, nem queria receber as
cartas, dizendo que não sabia que responder. Os monges, porém, persuadiram-no
manifestando-lhe que os imperadores eram cristãos e que se ofenderiam de ser
ignorados; então acedeu a que lhas lessem.
E respondeu, recomendando-lhes que
prestassem culto a Cristo e ando-lhes o saudável conselho de não apreciar
demasiado as coisas deste mundo, mas antes recordando o juízo futuro, e saber
que só Cristo é o Rei verdadeiro e eterno. Rogava-lhes que fossem humanos e
atendessem à justiça e aos pobres.
E eles ficaram felizes ao receber sua
resposta. Por isso era amado por todos, e todos desejavam tê-lo como pai.
6 -
Antão prediz os estragos da heresia ariana
Argumentando assim de si mesmo, e
contestando assim aos que o buscavam, voltou à Montanha Interior. Continuou
observando suas costumadas práticas ascéticas, e muitas vezes, quando estava
sentado ou caminhando com visitantes, quedava-se mudo, como está escrito no
livro de Daniel (cf 4.16 LXX).
Depois de algum tempo, retomava o que
estivera dizendo aos irmãos que o acompanhavam, e os presentes apercebiam-se de
que havia tido uma visão; pois amiúde quando estava na montanha via coisas que
aconteciam até no Egito, como o confessou ao bispo Serapião[1],
quando este se encontrava na Montanha Interior e viu Antão em transe de visão.
Numa ocasião, por exemplo, enquanto
estava sentado trabalhando tomou a aparência de alguém que estivesse em êxtase
e se lamentava continuamente pelo que via. Depois de algum tempo voltou a si,
lamentando-se e tremendo, e se pôs a orar prostrado, ficando longo tempo nessa
posição.
E quando se endireitou, o ancião estava
chorando. Agitaram-se então os que estavam com ele, alarmaram-se muitíssimo, e
lhe perguntaram o que se passava; urgiram-no por tanto tempo que o obrigaram a
falar.
Suspirando profundamente, disse:
"O', filhos meus, seria melhor morrer antes que se sucedam as coisas que
vi". Fazendo-lhe mais perguntas, disse entre lágrimas: "A ira está a
ponto de golpear a Igreja, e ela está a ponto de ser entregue a homens que são
como bestas insensíveis.
Vi a mesa da casa do Senhor e havia
mulas em torno, rodeando-a por todas as partes e dando coices com seus cascos
em tudo e que havia nela, tal como o escoicear de uma tropa que golpeia
desenfreada.
Vocês ouviram seguramente como eu me
lamentava; é que ouvi uma voz que dizia: "Meu altar será profanado".
Assim falou o ancião. E dois anos depois chegou o atual assalto dos arianos e o
saque das igrejas, quando à força se apoderaram dos vasos e os fizeram levar
pelos pagãos; quando também forçaram os pagãos de suas tendas para irem a suas
reuniões, e em sua presença fizeram o que lhes aprouve sobre a sagrada mesa.
Todos então nos apercebemos que o
escoucear de mulas predito por Antão, era o que os arianos estão fazendo como
bestas brutas.
Quando teve esta visão, consolou a seus
companheiros: "Não percam a coragem, meus filhos, pois ainda que o Senhor
esteja irritado, nos restabelecerá depois. E a Igreja recobrará rapidamente a
beleza que lhe é própria e resplandecerá com seus costumados esplendor. Verão
restabelecidos os que foram perseguidos, e a irreligião retirando-se de novo a
suas próprias guaridas, e a verdadeira fé afirmando-se em toda parte, em
liberdade completa.
Tenham porém, cuidado em não se deixarem
manchar com os arianos. Seu ensinamento não é do apóstolos, mas dos demônios e
de seu pai, o diabo. É estéril e irracional, e falta-lhe inteligência, tal como
às mulas lhes falta o entendimento.
7 -
Antão, Taumaturgo de Deus e Médico das almas
Tal é a história de Antão. Não
deveríamos ser céticos por se terem sucedido esses grandes milagres por
intermédio de um homem, pois tal é a promessa do Salvador: "Se tiverem fé
ainda que seja como um grão de mostarda, dirão a este monte: 'Passa-te daqui
para lá' e ele passará; nada lhes será impossível" (Mt 17,20).
E também: "Em verdade lhes digo:
tudo o que pedirem ao Pai em meu Nome Ele lhes dará... Peçam e receberão (Jo
16, 23s). É Ele quem diz a seus discípulos e a todos os que Nele creem:
"Curem os enfermos.... lancem fora os demônios; de graça o receberam,
grátis devem dá-lo" (Mt 10,8).
Antão, pois, curava, não dando ordens
mas orando e invocando o nome de Cristo, de modo que para todos era claro que
não era ele quem atuava, mas o Senhor que mostrava seu amor pelos homens
curando aos que sofriam, por intermédio de Antão.
Este ocupava-se apenas da oração e da
prática da ascese, e por esta razão levava sua vida na montanha, feliz na
contemplação das coisas divinas, e pesaroso de que tantos o perturbassem e o
forçassem a sair à Montanha Exterior.
Os juízes, por exemplo, rogavam-lhe que
descesse da montanha já que para eles era impossível ir lá, devido ao grande número
de gente envolta em pleitos. Pediram-lhe que fosse a eles para que pudessem
vê-lo. Ele procurou livrar-se da viagem e rogou-lhes que o dispensassem de
fazê-la.
Eles no entanto insistiram, e mesmo
mandaram-lhe réus com escolta de soldados, para que em consideração a eles se
decidisse a descer. Sob tal pressão, e vendo-os lamentar-se, foi à Montanha
Exterior.
De novo, o incômodo que teve não foi em
vão, pois ajudou a muitos e sua presença foi um verdadeiro benefício.
Ajudou os juízes aconselhando-os a que
dessem à justiça precedência sobre tudo o mais, que temessem a Deus e que se
recordassem de que "seriam julgados com a mesma medida com que
julgassem" (Mt 7,2). Amava porém sua vida montanhesa acima de tudo.
Uma vez importunado por pessoas que
necessitavam de ajuda, e solicitado pelo comandante militar que enviou
mensageiros a pedir-lhe que descesse, foi e falou algumas palavras acerca da
salvação e a favor dos necessitados, e logo apressou-se a ir embora.
Quando o duque ("Doux", do latim "dux". Era o título do
comandante militar de uma ou várias províncias),
como o denominavam, rogou-lhe que ficasse, respondeu que não podia passar mais tempo
com eles e o satisfez com esta bela comparação: "Assim como um peixe morre
quando fica algum tempo em terra seca, assim também os monges se perdem quando
se tornam folgazões e passam muito tempo com vocês.
Por isso, temos que voltar à montanha,
como o peixe à água. De outro modo, se nos entretemos, podemos perder de vista
a vida interior".
O comandante, ao ouvir isto e muitas
coisas mais, reconheceu admirado que era verdadeiramente servo de Deus, pois
como poderia um homem ordinário ter uma inteligência tão extraordinária se não
fosse amado por Deus?
Havia uma vez um comandante - Balácio
era seu nome - que como partidário dos execráveis arianos perseguia duramente
os cristãos. Em sua barbárie chegava até a espancar as virgens e desnudar e
açoitar os monges.
Antão enviou-lhe por isso uma carta
dizendo-lhe o seguinte; "Vejo que o juízo de Deus se aproxima de ti; deixa
pois de perseguir os cristãos para que não te surpreenda o juízo; agora está a
ponto de cair sobre ti".
Balácio entretanto pôs-se a rir, jogou a
carta no chão e nela cuspiu; maltratou os mensageiros e ordenou-lhes que
levassem a Antão a seguinte mensagem: "Vejo que estás muito preocupado
pelos monges; virei também a ti".
Não haviam passado cinco dias quando o
juízo de Deus caiu sobre ele. Balácio e
Nestório, prefeito do Egito, haviam saído para a primeira
estação fora de Alexandria, chamada Chereu; ambos iam a cavalo. Os cavalos
pertenciam a Balácio e eram os mais mansos que ele tinha. Ainda não haviam
chegado, quando os cavalos, como costumam fazer, começaram a retrucar um contra
o outro, e de repente o mais manso dos dois, cavalgado por Nestório, mordeu
Balácio, lançou-o por terra e o atacou. Rasgou-lhe de tal modo o músculo com
seus dentes, que tiveram de levá-lo de volta à cidade, onde morreu depois de
três dias. Todos se admiraram de que se cumprisse tão rapidamente o que Antão
predissera. Assim se escarmentaram (castigar, punir) os duros.
Quanto aos demais que recorriam a ele,
suas íntimas e cordiais conversações faziam-nos esquecer imediatamente os
litígios e os levavam a considerar felizes os que abandonavam a vida do mundo.
De tal modo lutava pela causa dos
ofendidos que se podia pensar ser ele mesmo e não outros a parte agravada.
Tinha além disso tal dom para ajudar a
todos, que muitos militares e homens de grande influência abandonavam sua vida
onerosa e faziam-se monges.
Numa palavra, era como se Deus houvesse
dado um médico ao Egito. Quem recorreu a ele na dor sem voltar com alegria?
Quem chegou chorando por seus mortos e não se libertou imediatamente de seu
pesar? Houve alguém que chegasse com ira e não a transformasse em amizade? Quem
pobre ou arruinado foi a ele, e ao vê-lo e ouvi-lo não desprezou a riqueza,
sentindo-se consolado em sua pobreza? Que monge negligente não ganhou novo
fervor ao visitá-lo? Que jovem, chegando à montanha e vendo Antão, não
renunciou logo ao prazer, começando a amar a castidade? Quem se lhe acercou
atormentado por um demônio e não foi liberto? Quem chegou com a alma torturada
e não encontrou a paz do coração?
Era algo único, na prática ascética de
Antão, ter ele, como já foi dito, o dom do discernimento dos espíritos.
Reconhecia seus movimentos e sabia muito bem em que direção seu esforço e
ataque levava cada um deles.
Não só ele próprio não foi enganado, mas
alentando a outros que eram fustigados em seus pensamentos, ensinou-lhes como
resguardar-se de seus desígnios, descrevendo a debilidade e os ardis dos
espíritos que praticavam a possessão.
Assim cada um se ia como que ungido por
ele (metáfora tomada das unções dos atletas) e cheio de confiança para a luta
contra os desígnios do diabo e de seus demônios.
E quantas jovens que tinham pretendentes
mas que viram Antão só de longe, e permaneceram virgens por Cristo!
Muita gente chegava a ele de terras
estranhas, e também eles recebiam ajuda como os demais, voltando como enviados
em seu caminho por um pai.
E em verdade, agora que já se foi,
todos, com órfãos de pai, se consolam e se confortam só com sua recordação,
guardando ao mesmo tempo com carinho suas palavras de admoestação e de
conselho.
O que você destaca no texto e como ele serve para sua espiritualidade?
[1] [87] São Serapião (cf também 91,11) foi superior de uma colônia de anacoretas antes de chegar a ser bispo de Thmuis no Baixo Egito. Segundo os testemunhos dos historiadores cristãos, foi homem de grande santidade e saber. S. JERÔNIMO, atribui-lhe o sobrenome de "Scholasticus", e diz que escreveu um tratado contra os maniqueus, um sobre os títulos dos santos e várias cartas. Em PG 40 conservam-se uma carta a Eudóxio e outra aos monges, além dos fragmentos de seu trabalho contra os maniques. A obra mais conhecida que se lhe atribui é o "Eucológio" ou Sacramentário: é uma coleção de trinta orações litúrgicas de grande importância para a história da liturgia cristã antiga. Sendo amigo de Santo Atanásio, viu-se envolvido na controvérsia ariana, foi também expulso de sua sede episcopal. Morreu em 362.
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