quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Encontro 183 - Atanásio de Alexandria (285-373) - Sobre a Encarnação (Capítulo 2)

 



Encontro 183

Atanásio de Alexandria (285-373)

Sobre a Encarnação (Capítulo 2)

 

 

CAPÍTULO II

A ENCARNAÇÃO DO VERBO, VITÓRIA SOBRE A MORTE E O DOM DA INCORRUPTIBILIDADE

 

1.      Por esta razão, o Verbo de Deus incorpóreo, incorruptível, imaterial veio a nossa terra, embora dela não estivesse longe anteriormente (cf. At 17,27). De fato, ele não abandonou parte alguma da criação, mas tudo enche, permanecendo, contudo, unido ao Pai (cf. Ef 4,6-10). Mas, vem por condescendência, favorecendo-nos com sua filantropia e manifestação.

2.      Vendo que o gênero humano racional se perde, e a corrupção da morte reina sobre ele; que a ameaça de Deus contra a transgressão conserva toda a força da corrupção contra nós, e seria inconveniente fosse a lei abolida antes de se ter cumprido; vendo ser inadequado fossem destruídas as obras de que ele é o demiurgo; vendo a maldade dos homens se tornar excessiva, e pouco a pouco ir aumentando, contra eles próprios, até se fazer intolerável; vendo todos os homens sujeitos à morte, ele teve piedade de nossa raça e misericórdia de nossa fraqueza; condescendeu com nossa corrupção e não suportou que a morte dominasse sobre nós, a fim não perecer a criatura nem se inutilizar a obra realizada por seu Pai, em benefício dos homens. O Verbo tomou, por isso, um corpo igual ao nosso.

3.      Pois, não quis apenas estar num corpo, nem quis somente aparecer. Efetivamente, teria podido, se quisesse, apenas aparecer, ou realizar esta teofania através de um ser mais poderoso que o homem. Assumiu, no entanto, um corpo como o nosso e não o fez simplesmente, mas o quis nascido de uma virgem sem pecado, imaculada, intacta. Era puro (cf. 1Pd 1,18) o corpo, inteiramente alheio a qualquer união humana. Sendo poderoso e demiurgo do universo, na virgem para si edificou (cf. Hb 9,24) qual um templo, um corpo. Dele se apropriou, fê-lo um instrumento para se dar a conhecer e onde habitar.

4.      E assim, de algo que é nosso, tomou um corpo semelhante ao nosso, e como todos estamos sujeitos à corrupção da morte, ele o entregou à morte, em prol de todos, apresentando-o ao Pai. Agiu desta maneira por filantropia. Desta maneira, uma vez que todos nele morrem, a sentença de corrupção proferida contra os homens será ab-rogada, após ter sido inteiramente consumada no corpo do Senhor. De agora em diante não mais maltratará os homens, seus semelhantes. Ele reconduzirá à incorruptibilidade os homens que se haviam voltado à corrupção, vivificá-los-á, tirando-os da morte. Pela apropriação de corpo humano e pela graça da ressurreição, fará desaparecer, longe deles, a morte, qual palha no fogo.

5.      O Verbo, portanto, compreendia que a corrupção dos homens de forma alguma poderia ser destruída, a não ser pela morte. Mas, era impossível que o Verbo morresse por ser imortal, ele, do Pai o Filho. Por isso, assume corpo mortal, a fim de que este, partícipe do Verbo, superior a tudo, seja capaz de morrer por todos, e graças ao Verbo que nele habita, permaneça incorruptível e doravante faça cessar em todos a corrupção pela graça da ressurreição.

6.      Por conseguinte, qual sacrifício e vítima imaculada, oferece à morte o corpo que assumiu, e logo faz desaparecer a morte de todos os corpos idênticos ao seu, através da oferta de vítima correspondente.

7.      É justo que o Verbo de Deus, superior a todos, ao oferecer seu corpo, templo e instrumento, qual resgate por todos, solva nossa dívida por sua morte.

8.      Deste modo, unido a todos os homens pelo corpo semelhante ao deles, o Filho incorruptível de Deus pode justamente a todos os homens revestir da incorruptibilidade (1Cor 15,54), segundo a promessa da ressurreição. E a própria corrupção da morte não vigora mais contra os homens, por causa do Verbo que entre eles habita, através de corpo individual.

9.      Se um grande rei entra numa cidade importante e habita uma de suas casas, esta cidade se considera honrada em extremo. De então em diante, nem inimigos, nem bandidos avançam para devastá-la; ao contrário é tida por merecedora de todas as atenções, por causa do rei que habita somente uma das casas. Igualmente acontece com o rei do universo.

10.  Veio à nossa terra e habitou corpo semelhante ao nosso. Cessaram com isso as maquinações dos inimigos contra os homens, desapareceu a corrupção da morte que há muito prevalecia. O gênero humano teria perecido completamente se o Filho de Deus, Senhor e Salvador do universo, não viesse pôr termo à morte.

11.  Verdadeiramente essa grande obra adaptava-se por excelência à bondade de Deus. Se um grande rei construiu uma casa ou cidade, e esta por negligência dos habitantes é atacada por bandidos, ele de forma alguma a abandona, mas a defende e protege como obra sua, não levando em conta a negligência dos habitantes, mas a própria dignidade.

12.  Com maior razão, Deus, Verbo do Pai, tão bom, constatando que o gênero humano, criatura sua, caíra na corrupção, não o abandonou; mas pela oferta do próprio corpo, eliminou a morte que se lhes apegara, corrigiu as negligências deles através de sua doutrina, e por seu poder restaurou todo o gênero humano.

13.  Disso podemos nos convencer lendo os escritos dos teólogos enviados pelo Salvador, em que se diz: “Pois a caridade de Cristo nos compele, quando consideramos que um só morreu por todos e que, por conseguinte, todos morreram. Ora, ele morreu por todos, a fim de que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele quemorreu e ressuscitou por eles” (2Cor 5,14s) dos mortos, nosso Senhor Jesus Cristo.

14.  E ainda: “Vemos, todavia, Jesus, que foi feito, por um pouco, menor que os anjos, por causa dos sofrimentos da morte, coroado de honra e de glória. É que pela graça de Deus ele provou a morte em favor de todos os homens” (Hb 2,9).

15.  Em seguida, a Escritura indica por que nenhum outro devia se encarnar, a não ser o Verbo de Deus: “Convinha, de fato, que aquele por quem e para quem todas as coisas existem, conduzindo muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o autor da salvação deles” (Hb 2,10). Desta forma, ela assinala não competir a nenhum outro, a não ser ao Verbo de Deus, que fizera os homens no começo, livrá-los da corrupção que lhes sobreviera.

16.  O Verbo assumiu corpo, a fim de oferecê-lo em sacrifício em favor dos corpos semelhantes ao seu. Isso ensinam as Escrituras, ao dizer: “Uma vez que os filhos têm em comum carne e sangue, por isso também ele participou da mesma condição, a fim de destruir pela morte o dominador da morte, isto é, o diabo; e libertar os que passaram toda a vida em estado de servidão, pelo temor da morte” (Hb 2,14-15).

17.  Com efeito, pelo sacrifício de seu próprio corpo, ele pôs termo à lei que pesava sobre nós, renovou-nos o princípio da vida, deu-nos a esperança da ressurreição. Pois, se por meio dos homens a morte os dominou, em compensação, pela encarnação do Verbo de Deus, a morte foi destruída e a vida surgiu novamente, segundo afirma o Apóstolo, portador de Cristo: “Com efeito, visto que a morte veio por um homem, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Pois, assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida etc.” (1Cor 15,14-15).

18.  Agora não morremos mais como condenados, e sim, devendo despertar dentre os mortos, esperamos a universal ressurreição, a qual Deus nos mostrará em “tempo oportuno” (cf. 1Tm 6,15) ele que a operou e com ela nos agraciou.

19.  É a primeira causa da encarnação do Salvador. Aprendamos também em seguida quanto foi justificada sua benevolente vinda até nós.

 

 

O que você destaca no texto?

Como ele te auxiliou em sua espiritualidade?

 

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