terça-feira, 7 de setembro de 2021

A Vida de São Atanásio


 Vida e Obra de Atanásio de Alexandria

1. Do nascimento até o concílio de Nicéia

O maior batalhador na defesa do Credo de Nicéia, o pilar da ortodoxia.

Tese da consubstancialidade do Pai e do Filho e, consequentemente, o maior adversário de Ário.

Nasceu em Alexandria em 295 de nossa era e morreu depois de uma longa e conturbada existência, nesta mesma Alexandria aos 2 de maio de 373. Com 78 anos.

De sua infância pouco se sabe. Quanto à sua formação, Gregório de Nazianzo afirma que Atanásio dedicou pouco tempo às letras profanas, o suficiente para aprender o copta, a koiné e o grego clássico.

Por não ter recebido nenhuma formação filosófica, alguns fazem dele um ignorante.

Cresceu neste centro cosmopolita que se tornara Alexandria, cidade na qual proliferavam cristãos ortodoxos, arianos e melecianos. Os judeus viviam num gueto ao lado dos pagãos adoradores de Serápis, o deus greco-egípcio, misturados aos maniqueus e gnósticos.

Atanásio converteu-se ainda na juventude, pois, aos dezessete anos foi escolhido pelo bispo Alexandre para ocupar o cargo de leitor.

Em 318, aos 23 anos, torna-se diácono e secretário episcopal.

Ainda por Gregório de Nazianzo sabemos que ele se aplicou desde sua conversão, às sérias e profundas meditações sobre as Escrituras (Oratio 21,6) que se tornaram, a partir de então, sua principal fonte de inspiração e saber.

Neste período, Alexandria tornara-se o foco incandescente da controvérsia ariana.

Atanásio apoiou incondicionalmente seu bispo Alexandre contra Ário. Alexandre, que governou o patriarcado do Egito de 312 a 328, foi o primeiro adversário de Ário, condenando-o num sínodo em 320 e, depois, em duas cartas que são documentos preciosos para se entender a pré-história de Nicéia.

A segunda carta, dirigida a Alexandre de Constantinopla, contém uma refutação radical do arianismo.

O bispo de Alexandria expõe nela a verdadeira fé ortodoxa: o Verbo não foi criado. Ele é eterno, é Deus. Ele é inferior ao Pai só por seu caráter de gerado. O Verbo tem seu ser do ser mesmo do Pai, fórmula que contém implicitamente o homooúsios de Nicéia.

Ário, presbítero de uma importante igreja alexandrina, concluiu, dos ensinos de Orígenes, uma doutrina que se pode sintetizar nestas três frases: “O Verbo não é eterno nem tem a mesma natureza do Pai. Foi criado no tempo por Deus Pai. Só por metáfora é que lhe chamamos Filho de Deus”. Ário e seus discípulos separam, assim, o filho do Pai.

Afirmam que o Filho não existia antes de ter sido gerado. Se houve, portanto, um tempo em que ele não existia, ele não é coeterno ao Pai. Ele, o filho, é a primeira e a mais sublime das criaturas, uma espécie de “segundo deus” (déutero theós) mas é alheio ao Pai quanto à essência, como a vinha ao vinhateiro ou o navio ao construtor.

 

2. Concílio de Nicéia

Dada a expansão do arianismo, a controvérsia recrudesceu. A rachadura do império era eminente.

Então o imperador Constantino convocou um concílio para a cidade de Nicéia com o fim principal de costurar a unidade política do império.

Atanásio, ainda diácono, acompanhou seu bispo Alexandre ao concílio na qualidade de secretário.

O Concílio se prolongou entre 20 de maio a 25 de agosto de 325.

O imperador, mesmo sem ser batizado, o preside e intervém constantemente nos assuntos eclesiásticos, embora não tivesse nenhuma formação religioso-teológica.

Sua intenção é criar uma fórmula que pacifique os ânimos e unifique as igrejas do Oriente e do Ocidente.

Os 250 bispos ali reunidos (alguns dizem que eram 318) discutem sobre três questões chaves:

As teses arianas, o cisma meleciano e a questão pascal.

Os leigos não têm direito à palavra, no concílio. Só os bispos podem discursar.

O bispo Marcelo de Ancira (hoje Ancara, capital da Turquia) é, no âmbito do concílio, o grande defensor da fé ortodoxa, mas inábil e tímido nas intervenções contra os arianos.

É, então, que surge a figura de Atanásio. Qual seu papel e seu lugar neste concílio? Sua idade e sua condição não lhe permitiam, sem dúvida, ter função de primeiro plano que lhe dão.

Entretanto, alguns anos mais tarde, os bispos do Egito lembram numa carta aos bispos católicos que “a atitude decidida de Atanásio contra a impiedade dos arianos no sínodo reunido em Nicéia” já lhes havia suscitado a ira (Carta citada por Atanásio, Apol. Contra Arianos, 6).

Talvez tenha sido admitido a falar ao lados dos bispos. Então, manobrando os bastidores, Atanásio entra em cena com sua eloquência e força de persuasão de tal modo que os arianos e melecianos começam a temê-lo.

Embora diácono, surpreendeu a todos os padres conciliares pelo talento nas discussões teológicas e seu conhecimento profundo das Escrituras.

Sua contribuição será decisiva para que a fórmula do Credo que afirma a consubstancialidade do Filho com o Pai fosse aceita.

É ainda Gregório Nazianzo, cinquenta anos mais tarde, quem descreve a participação de Atanásio no concílio: “Em Nicéia, os arianos observam o valoroso campeão da Verdade: de estatura baixa, quase frágil, mas de postura firme e de cabeça levantada. Quando se levanta, como que se sente passar uma onda de ódio através dele. A maioria da assembleia olha com orgulho para aquele que é o intérprete do seu pensamento”.

De fato, sua firme convicção, somada a seu forte caráter, fez dele o principal defensor da ortodoxia antiariana. Por isso foi o grande triunfador do Concílio.

No final, foi aprovada uma fórmula de fé, que passou a se chamar “Credo de Nicéia”.

Este Credo passou a ser o marco da ortodoxia.

Ário foi exilado.

 

3. Episcopado

Aos 17 de abril de 328, depois de ter indicado o próprio Atanásio para lhe suceder, o bispo Alexandre morreu.

Os melecianos e arianos procuraram contestar a escolha de Atanásio. O clero e povo ratificaram, dois meses e meio mais tarde, sua indicação para a sede do prestigioso patriarcado de Alexandria.

O povo gritava: “Alexandre morreu, viva Atanásio. É um homem probo (honrado), virtuoso, um bom cristão, um asceta, um verdadeiro bispo”.

Por temor de uma reivindicação meleciana que poderia ter sucesso, a consagração episcopal de Atanásio foi apressada e se realizou aos 7 de junho de 328.

Este procedimento informal vai-lhe criar embaraços mais tarde e sua eleição será considerada inválida (cf. Apol. II, 6,4).

Contudo, Constantino reconheceu e homologou sua consagração. Os quarenta e seis anos de seu episcopado (328 a 373) pertencem a um período dos mais conturbados que se possa imaginar, da Igreja antiga.

Atanásio lutou contra Ário e seus correligionários, contra os cismáticos melecianos, contra o próprio imperador Constâncio e, por vezes, contra certos defensores tortos e intransigentes do símbolo de Nicéia. Constantino, Constâncio, Juliano, Valente tentam se livrar dele, ou reduzi-lo ao silêncio. Todos fracassam diante de sua firmeza e intransigência.

 

4. Cinco vezes exilado

Em 330, Atanásio entra em choque novamente com os arianos e com o próprio imperador, por recusar a comunhão com Ário a pedido do próprio Constantino.

Atanásio recusou-se a restituir a Ário, que voltava do exílio, a igreja que ele ocupara em Alexandria, até a realização do concílio de Nicéia. O patriarca do Egito resistiu a Constantino que repetidas vezes manifestou a vontade de reintegrar Ário na comunhão católica.

De fato, Constância, viúva de Licínio, favorecia o arianismo. Antes de morrer, recomendou ao imperador, seu irmão, um velho padre de sua confiança, Eustócio.

Este insinuou ao imperador que Ário não estava longe de aceitar as conclusões de Nicéia.

O imperador se deixou convencer e retirou a sentença de exílio. Ário retornou do exílio, entrevistou-se com Constantino e terminou por lhe agradar deixando-lhe uma confissão de fé pouco precisa, mas relativamente ortodoxa e suscetível de ser conciliada com o símbolo de Nicéia.

O imperador julgou que agora todos estavam de acordo e não havia outra coisa a fazer que reintegrar Ário na comunhão ortodoxa e na sua igreja em Alexandria, especialmente depois que sua fé fora aprovada pelo sínodo de Jerusalém.

Mas Atanásio recusou-se a fazê-lo respondendo ao imperador que “é impossível reintegrar na Igreja homens que contradizem a verdade, fomentam a heresia, e contra os quais um concílio geral pronunciou o anátema”.

No dia mesmo em que seria admitido à comunhão na catedral de Constantinopla, por promulgação do imperador, Ário morreu, em 336, em circunstâncias “horríveis e estranhas o que despertou suspeitas de que os santos ortodoxos tinham contribuído de maneira mais eficaz do que com suas preces para livrar a Igreja do mais temível dos seus inimigos”.

Como patriarca, a atividade pastoral de Atanásio, seu acolhimento junto aos monges, sua popularidade, sua intransigência na defesa da ortodoxia, as medidas enérgicas para consolidar sua autoridade, por submeter ou suprimir os arianos e melecianos, transformaram-no em objeto de intrigas e de inveja.

Seus inimigos preparam-lhe novo ataque. Espalham boatos e suspeitas. Apresentam o patriarca como um tirano brutal, soberbo, opressor e corrupto. Acusam-no de violar o tratado assinado no concílio niceno com os partidários cismáticos de Melécio; que sacrilegamente quebrara um cálice numa das igrejas melecianas em Mareotis (Delta do Nilo).

Este cálice, diziam ser de um padre, Ischyras, que tinha uma igreja em Mareotis. Mas a ordenação deste padre não fora reconhecida válida e os cristãos de Mareotis o impediram de exercer seu ministério e ele se limitava a celebrar em sua família.

Divulgaram que Atanásio havia destruído seu altar e quebrado seu cálice. Depois o próprio Ischyras certificou por escrito que não sabia de nada de toda essa história.

Foi acusado ainda de ter açoitado ou aprisionado seis bispos melecianos; e que Arsênio de Hypsela, um sétimo bispo da mesma facção, havia sido assassinado por Atanásio, após este ter-lhe corta do a mão.

As acusações eram tão absurdas que o próprio Constantino as reconheceu falsas. Mas seus inimigos melecianos conjugaram forças com o bispo Eusébio de Nicomédia, um ariano convicto, de grande influência na casa imperial, e de tal modo se fortaleceu o poder da facção inimiga que, juntos, promoveram um sínodo em Tiro, no ano 335.

Tendo já desprezado o sínodo de Cesaréia, curvou-se agora às ordens peremptórias do imperador, que ameaçou puni-lo caso não comparecesse ao sínodo de Tiro.

Atanásio sabendo que ia encontrar lá uma assembleia hostil, levou consigo cinquenta bispos egípcios, escolhidos com cuidado, entre os quais o próprio Arsênio que Atanásio descobrira escondido num mosteiro.

O sínodo foi presidido por Eusébio de Cesaréia.

Atanásio aguardava o momento decisivo para apresentar Arsênio vivo na assembleia. Conseguiu provar que na aldeia onde fora acusado de quebrar um cálice consagrado não podia existir na verdade nem igreja nem altar nem cálice.

Mas seus inimigos dirigem-se novamente ao imperador acusando-o agora de bloquear o fornecimento de trigo do Egito para Roma. Então, Constantino envia Atanásio para o exílio, na Gália, em Tréveros, a dois mil quilômetros de sua sede.

É nesta ocasião que Atanásio dá a conhecer a vida monástica, no Ocidente. É o primeiro de uma série de cinco exílios.

 

4.1 Segundo exílio.

Morto Constantino, aos 22 de maio de 337, seus filhos tornaram-se imperadores: Constantino II ficou com a Espanha, a Gália e a Britânia. Governou de 337 a 340. Constante ficou com a Itália, Ilírico e a África. Seu reinado durou até 350.

Constâncio ficou com a Ásia, Síria e o Egito. Governou até 361. Os dois primeiros apoiavam Atanásio, enquanto o último sustentava os arianos.

Mas Constantino II foi morto por seu irmão Constante, em 340, e o império foi então dividido entre este e Constâncio, que ficou com todo o Oriente, e Constante que ficou com o Ocidente.

Constâncio, o novo imperador do Oriente, permitiu que Atanásio deixasse Tréveros e retornasse para sua diocese.

No ano seguinte, Atanásio realizou um sínodo em Alexandria para confirmar sua presença e anular sua condenação de Tiro.

Mas, as manobras dos arianos o condenaram novamente no sínodo de Antioquia, em 339, denunciando-o junto ao papa Júlio e com o apoio da autoridade civil, fizeram com que Gregório da Capadócia assumisse a sede de Alexandria.

Atanásio teve que abandonar Alexandria e se exilou em Roma, onde permaneceu por três anos.

Ali foi recebido pelo próprio papa Júlio, que propôs outro sínodo para reexaminar as acusações contra ele.

Como os arianos e eusebianos, seus inimigos, se recusassem a participar deste sínodo, Atanásio foi reabilitado.

Quando Gregório da Capadócia, que havia tomado seu posto na sede de Alexandria, morreu em 345, Constante, imperador do Ocidente, pressionou seu irmão Constâncio, imperador do Oriente, em favor de Atanásio convidando-o para retornar e reassumir seu patriarcado.

 

4.2 Terceiro exílio.

Os dez anos que seguiram, de 346 a 356, são chamados a sua “década de ouro”.

Sua atividade pastoral e literária se desenvolveu ao máximo. Mas, sua posição tornou-se insegura após a morte de Constante, pois Constâncio II permanecera o único imperador do Oriente e do Ocidente.

Este, que como seu pai Constantino, atrevia-se a pronunciar juízos acerca de mistérios nos quais nunca havia sido iniciado, procurou usar as armas do poder em prol da causa do arianismo.

Assim, procurou estabelecer uma política alinhando todo império do ponto de vista do Oriente, isto é, do ponto de vista ariano.

E começaram os ataques contra Atanásio que foi, mais uma vez, condenado ao exílio pelos bispos ocidentais reunidos num sínodo em Arles, em 353 e em Milão, 355.

Deve chamar a atenção o impressionante número de sínodos promovidos neste período.

A multiplicação deles se deu a partir da entrada de Constantino, isto é, da política e do poder imperial no seio da Igreja.

O propósito de firmar a uniformidade política e doutrinal, que levou os imperadores a convocar tantos sínodos na Gália, na Itália, na Ilíria e na Ásia, era repetidamente frustrado por suas próprias leviandades, pelas divisões dos arianos e pela resistência dos católicos.

Decidiram eles, num último e decisivo esforço, arrogantemente impor os decretos de um concílio ecumênico.

Os bispos do Oriente receberam ordem de se reunir na Selêucia, em Isáuria, enquanto os do Ocidente tomavam suas deliberações em Rimini.

O concílio oriental, após gastar quatro dias num debate feroz e vão, dissolveu-se sem chegar a nenhuma conclusão definida. O concílio do Ocidente foi prolongado até o sétimo mês. Mas somente as ameaças, a autoridade do soberano, os incômodos do frio e da fome, e a tediosa melancolia de um desesperançado exílio lograram por fim arrancar a relutante aquiescência dos bispos de Rimini.

Os deputados do Oriente e do Ocidente se apresentaram ao imperador no palácio de Constantinopla e este teve a satisfação de impor ao mundo uma profissão de fé que estabelecia a aparência, sem exprimir a consubstancialidade, do Filho de Deus.

O triunfo do arianismo fora precedido do afastamento do clero ortodoxo e o reinado de Constâncio foi desonrado pela injusta e ineficaz perseguição ao grande Atanásio (id. ibidem, 294-5).

Como Atanásio resistisse, as tropas circundaram sua igreja. Sentindo que não podia mais se sustentar, procurou escapar dos soldados e fugiu para as regiões isoladas da Tebaida e se refugiou junto aos monges. Sua sede foi ocupada, então, pelo ariano Jorge, o Capadócio.

Foi nesta ocasião, quando conseguiu com dificuldade salvar sua vida, que Atanásio escreveu a Apologia por sua fuga para defender sua atitude e clarear sua posição.

Com a morte de Constâncio, aos 3 de novembro de 361, por doença, na Cecília, aos 44 anos, houve um tumulto no qual Jorge foi trucidado, no natal deste ano.

O sucessor de Constâncio será Juliano, o Apóstata, seu primo, sobrinho de Constantino, que tem agora 31 anos e se torna único imperador..

Este, com intenção de mostrar uma política tolerante, revoga o decreto de exílio e declara a igualdade dos cultos, mas sua intenção é restaurar a antiga religião, o paganismo.

Sentindo-se traído ou não encontrando junto aos bispos todo apoio e reconhecimento que esperava, queixa-se numa Carta dirigida ao povo de Bostra.

 

4.3 Quarto exílio.

Atanásio aproveitou-se desse decreto e retornou para Alexandria aos 2l de fevereiro de 362 e, imediatamente, convocou um sínodo. Mas Juliano, detestava o patriarca de Alexandria e não lhe dará descanso, pois no momento mesmo em que queria reavivar o paganismo, via Atanásio destruir-lhe os últimos restos de esperança.

Parece que o conflito de Juliano com a igreja não era tanto falta de tolerância como uma questão de contra quem era intolerante. Neste contexto, escreve a seu amigo Ecdício, prefeito do Egito, estas linhas nada tolerantes: “Ouso que Atanásio com sua audácia ordinária, tomou posse daquilo que ele chama o trono episcopal. Nada me será mais agradável do que conseguires expulsar do Egito este maldito Atanásio que, sob o meu reinado, o celerado ousa batizar mulheres gregas de nascimento ilustre. Ele, um pequeno homem de nada, gloria-se de desafiar a morte”.

Os alexandrinos intervêm a favor de seu patriarca junto ao imperador Juliano. Tudo em vão, pois este responde: “Não tenho pior inimigo do que aquele para quem pedis benevolência. Repito: expulsai-o de vossa cidade” (Carta 6, 25,5).

Apesar de seu propósito de manter uma política de tolerância não suportou o sucesso de Atanásio que reforçava a união dos cristãos e o enviou, então, para o deserto do Egito, em exílio, aos 24 de outubro de 362.

 

4.4 Quinto exílio.

Juliano morria alguns meses depois, aos 26 de junho de 363, na batalha contra os Sassânidas. Desta vez, o império teve à sua frente o católico ortodoxo Joviano, o qual imediatamente chamou para a sede de Alexandria, o patriarca exilado.

Infelizmente Joviano morreu pouco tempo depois, em fevereiro de 364, e subiu ao trono Flávio Valentiniano que se estabeleceu em Milão.

Valentiniano, embora simpatizante dos ortodoxos, manteve-se neutro nas disputas eclesiásticas, prejudicou a ortodoxia nomeando seu irmão Valente como imperador do Oriente, com sede em Constantinopla.

De fato, Valente, favorável ao arianismo, mandou banir todos os bispos fiéis ao Credo de Nicéia que tinham sido restituído às suas sedes pelo édito de Juliano.

Vendo o perigo se aproximar, ameaçado de prisão, Atanásio deixou a cidade em segredo. Permanece no exílio, fugitivo no deserto do Egito, até janeiro de 366, quando um novo édito permitiu seu retorno.

Desta vez, esteve à frente de seu patriarcado por um período de paz de sete anos.

Aproveitou esse período para revisar suas obras. É, também nesse tempo, convocado por Basílio de Cesaréia para restaurar a unidade da Igreja de Antioquia e começa a trabalhar nesta tarefa, quando a morte o colhe na noite de 2 ou 3 de maio de 373.

Nos últimos anos de sua vida, se não foi molestado por parte das autoridades políticas, ele os transcorreu na amargura, assistindo o avolumar-se da controvérsia que incansavelmente tinha procurado eliminar.

Quanto ao debate sobre o Espírito Santo, nem mesmo havia acenos de resolução. Justamente naqueles anos, os grupos pneumatômacos encontraram em Macedônio de Constantinopla, eleito bispo da capital em 344, em oposição ao niceno Paulo, um ponto de referência capaz de dar nova vitalidade à sua heresia, organizando-lhe eficazmente a propaganda, de onde o nome de macedonianos, como tais grupos ficaram doravante coletivamente designados.

Mas, Atanásio, por sua vez, tinha feito escola. Quando morreu, deixou na Igreja alexandrina um discípulo valioso, Dídimo, o Cego, pronto a continuar a batalha. Este, de fato, contribuiu especialmente com seu tratado Sobre o Espírito Santo, um dos melhores estudos sobre a questão no século IV, para preparar o desaparecimento definitivo do movimento macedônio no concílio Constantinopolitano I, de 381.

 

5. Escritos

Embora levasse vida de peregrino, de exílio em exílio, as vicissitudes ininterruptas não lhe impediram de escrever inúmeras obras.

Sua produção literária é ampla abrangendo os gêneros apologético, histórico, exegético, homilético e epistolar.

Mal se pode pensar como, no meio de tantas tribulações, de uma vida tão agitada, encontrava lugar e tempo para redigir tantas obras que exigem calma e reflexão.

Consideradas no seu objeto, no seu conteúdo geral, cronológico e na autenticidade, a obra do grande doutor alexandrino pode se dividir em tratados dogmáticos, polêmicos, históricos, morais e exegéticos, se bem que nenhuma dessas divisões seja rigorosa.

De muitas obras autênticas, restam apenas fragmentos.

A maior parte de sua obra está relacionada com a defesa do Credo de Nicéia, isto é, da consubstancialidade e consequentemente da divindade do Verbo.

É o caso de todos os escritos dogmáticos e apologéticos Contra os pagãos e Contra os arianos, assim como o livro Sobre a Encarnação do Verbo.

Polemista hábil, Atanásio revela as ocasiões e os objetivos pelos quais escreve.

Perseguido, atacado por todos os modos, soube se defender vigorosamente com seus escritos, convencido que a sua causa estava intimamente unida à defesa da ortodoxia católica.

Seus escritos são apologias pessoais, vivas, quentes, recheadas de fatos, de argumentos, de provas. Guardou todas as cartas que se lhe endereçaram.

Copiou todas aquelas que enviou a outros. Desse modo, constituiu um importantíssimo “dossier” cheio de documentos, de éditos imperiais, de reuniões episcopais, de processos verbais de funcionários, de símbolos conciliares e sinodais.

 

Aqui apresentamos apenas suas obras mais significativas.

 

5.1 Por volta de 320, antes mesmo de seu episcopado e da controvérsia ariana, Atanásio, ainda jovem diácono, teria composto sua primeira obra, uma apologia em dois livros intitulada: Discurso contra os pagãos e Sobre a encarnação do Verbo.

 

5.2 A Apologia (Discurso) contra os arianos data, provavelmente, de 348. Escrita para responder àqueles que negavam a legitimidade de seu retorno após o segundo exílio.

 

5.3 Epístola sobre o Decreto do concílio de Nicéia, de 350-35l. É a justificação do termo homooúsios, inserido pelos Padres de Nicéia no seu símbolo.

 

5.4 A Vida e conduta de santo Antão:  é uma biografia.

 

5.5 Das obras exegéticas só restam fragmentos. Na Carta a Marcelino, Atanásio trata da exegese e da interpretação dos salmos.

O Cânon do Novo Testamento acabou sendo fixado em 367, mediante esta sua Carta a Marcelino. De sua Explicação ou Exposição alegórica dos salmos, há diversos fragmentos, bem como de seu Comentário do Gênesis. São todos de datação incerta.

 

5.6 Famosas são suas Cartas a Epiteto, bispo de Corinto, e ao filósofo Máximo, nas quais explica o dogma cristológico.

 

5.7 A Carta Sinodal (Epistula ad Afros) aos bispos africanos foi redigida numa reunião de noventa bispos do Egito e da Líbia. Tinha por finalidade premunir seus irmãos da África ocidental contra as intrigas dos homeousianos (os que negam a igualdade de substância, entre o Filho e o Pai, acentuando a inferioridade do Filho) e protestar contra as novas tentativas dos arianos que procuravam substituir o credo de Nicéia pelo símbolo de Rimini.

Este escrito remonta ao ano 370.

 

5.8 Epístolas a Serapião. Durante seu terceiro exílio no deserto da Tebaida (356-362), foi interpelado por cartas enviadas pelo bispo Serapião de Thmuis, redigidas por volta de 358, em relação à posição de alguns grupos existentes no Egito, na Ásia Menor e em Constantinopla que, sob o influxo do subordinacionismo ariano, afirmavam que o Espírito Santo é uma entidade celeste pouco superior aos anjos.

 

5.9 A Epístola a Joviano nasceu sob o pedido do jovem imperador Joviano que lhe demandara esclarecimentos sobre a fé. Atanásio a compõe em Antioquia, no ano de 363.

 

5.10 Além das obras citadas, deixou muitas outras Cartas entre as quais devem merecer destaque as Cartas Festivas (ou Pascais). Estas derivam de um antigo costume de os bispos se dirigirem às igrejas de suas dioceses para anunciar a data da Páscoa e o início da quaresma. Frequentemente, eles aproveitavam a ocasião para transmitir algum ensino pastoral ou doutrinal.

 

Conclusão

A importância de Atanásio para a história do dogma reside em sua explicação e exposição da doutrina da Trindade, em particular, sobre o Logos.

Defende incansavelmente a consubstancialidade do Filho com o Pai e expõe também, mais claramente, do que os teólogos anteriores a natureza e a geração do Verbo.

Não se pode deixar de admirar a coragem deste soldado sempre pronto, combatente intrépido de primeira linha em defesa da fé, que não conheceu repouso. Dos 46 anos de patriarcado, dezessete ele os passou no exílio, sempre combatendo incessantemente contra os arianos.

Estes o perseguiram com ira implacável por meio século. A luta foi o programa de seu dia-a-dia. Escreveu para se defender ou para defender a fé de Nicéia.

Espírito lúcido, justo, penetrante, generoso ao mesmo tempo, imbuído de fé viva, eloquência natural, foi um homem de caráter impetuoso e tenaz. Granjeou admiradores entusiastas e inimigos encarniçados.

Na fé, alimentada por um misticismo fervente e por um moralismo rígido, preocupou-se sobretudo em defender a realidade da redenção. Por esta razão, teve que defender de igual modo a encarnação do Verbo divino, pois, aquilo que não foi assumido também não foi salvo. Assim, Jesus tem que ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Defendeu com igual força a independência da Igreja em relação à autoridade política. Foi o duro e tenaz lutador que os tempos e as circunstâncias reclamavam.

Ao longo de seus últimos anos, são Basílio Magno empenhou-se em reconciliá-lo com o bispo Melécio de Antioquia para unir o Oriente com Roma contra o arianismo.

A tradição eclesiástica resume o gênio e o caráter de Atanásio como homem extraordinário, afirmando que ele fora, do ponto de vista da defesa da ortodoxia cristã, o maior homem de seu século. Possuía um espírito justo, vivo e penetrante, um coração generoso e desinteressado. Não lhe faltou coragem para transformar-se, aos olhos de seus fiéis, num herói. Persistente, incansável, manteve sempre uma fé viva, um cristianismo viril, simples e nobre. Maior era sua fé que sua erudição.


Fonte pesquisada: Patristica - Santo Atanásio - Paulus. 

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