Vida e Obra de Atanásio de Alexandria
1. Do nascimento até o concílio de
Nicéia
O maior batalhador na defesa do Credo de Nicéia, o pilar da ortodoxia.
Tese da consubstancialidade do Pai e do Filho e, consequentemente,
o maior adversário de Ário.
Nasceu em Alexandria em 295 de nossa era e morreu depois de uma
longa e conturbada existência, nesta mesma Alexandria aos 2 de maio de 373. Com
78 anos.
De sua infância pouco se sabe. Quanto à sua formação, Gregório de
Nazianzo afirma que Atanásio dedicou pouco tempo às letras profanas, o
suficiente para aprender o copta, a koiné e o
grego clássico.
Por não ter recebido nenhuma formação filosófica, alguns fazem
dele um ignorante.
Cresceu neste centro cosmopolita que se tornara Alexandria, cidade
na qual proliferavam cristãos ortodoxos, arianos e melecianos. Os judeus viviam
num gueto ao lado dos pagãos adoradores de Serápis, o deus greco-egípcio,
misturados aos maniqueus e gnósticos.
Atanásio converteu-se ainda na juventude, pois, aos dezessete anos
foi escolhido pelo bispo Alexandre para ocupar o cargo de leitor.
Em 318, aos 23 anos, torna-se diácono e secretário episcopal.
Ainda por Gregório de Nazianzo sabemos que ele se aplicou desde sua
conversão, às sérias e profundas meditações sobre as Escrituras (Oratio 21,6)
que se tornaram, a partir de então, sua principal fonte de inspiração e saber.
Neste período, Alexandria tornara-se o foco incandescente da
controvérsia ariana.
Atanásio apoiou incondicionalmente seu bispo Alexandre contra
Ário. Alexandre, que governou o patriarcado do Egito de 312 a 328, foi o
primeiro adversário de Ário, condenando-o num sínodo em 320 e, depois, em duas
cartas que são documentos preciosos para se entender a pré-história de Nicéia.
A segunda carta, dirigida a Alexandre de Constantinopla, contém
uma refutação radical do arianismo.
O bispo de Alexandria expõe nela a verdadeira fé ortodoxa: o Verbo
não foi criado. Ele é eterno, é Deus. Ele é inferior ao Pai só por seu caráter
de gerado. O Verbo tem seu ser do ser mesmo do Pai, fórmula que contém
implicitamente o homooúsios de Nicéia.
Ário, presbítero de uma importante igreja alexandrina, concluiu,
dos ensinos de Orígenes, uma doutrina que se pode sintetizar nestas três
frases: “O Verbo não é eterno nem tem a mesma natureza do Pai. Foi criado no
tempo por Deus Pai. Só por metáfora é que lhe chamamos Filho de Deus”. Ário e
seus discípulos separam, assim, o filho do Pai.
Afirmam que o Filho não existia antes de ter sido gerado. Se
houve, portanto, um tempo em que ele não existia, ele não é coeterno ao Pai.
Ele, o filho, é a primeira e a mais sublime das criaturas, uma espécie de
“segundo deus” (déutero theós) mas é alheio ao Pai quanto à essência, como a
vinha ao vinhateiro ou o navio ao construtor.
2. Concílio de Nicéia
Dada a expansão do arianismo, a controvérsia recrudesceu. A
rachadura do império era eminente.
Então o imperador Constantino convocou um concílio para a cidade
de Nicéia com o fim principal de costurar a unidade política do império.
Atanásio, ainda diácono, acompanhou seu bispo Alexandre ao
concílio na qualidade de secretário.
O Concílio se prolongou entre 20 de maio a 25 de agosto de 325.
O imperador, mesmo sem ser batizado, o preside e intervém
constantemente nos assuntos eclesiásticos, embora não tivesse nenhuma formação
religioso-teológica.
Sua intenção é criar uma fórmula que pacifique os ânimos e
unifique as igrejas do Oriente e do Ocidente.
Os 250 bispos ali reunidos (alguns dizem que eram 318) discutem
sobre três questões chaves:
As teses arianas, o cisma meleciano e a questão pascal.
Os leigos não têm direito à palavra, no concílio. Só os bispos
podem discursar.
O bispo Marcelo de Ancira (hoje Ancara, capital da Turquia) é, no
âmbito do concílio, o grande defensor da fé ortodoxa, mas inábil e tímido nas
intervenções contra os arianos.
É, então, que surge a figura de Atanásio. Qual seu papel e seu
lugar neste concílio? Sua idade e sua condição não lhe permitiam, sem dúvida,
ter função de primeiro plano que lhe dão.
Entretanto, alguns anos mais tarde, os bispos do Egito lembram
numa carta aos bispos católicos que “a atitude decidida de Atanásio contra a impiedade
dos arianos no sínodo reunido em Nicéia” já lhes havia suscitado a ira (Carta citada
por Atanásio, Apol. Contra Arianos, 6).
Talvez tenha sido admitido a falar ao lados dos bispos. Então,
manobrando os bastidores, Atanásio entra em cena com sua eloquência e força de
persuasão de tal modo que os arianos e melecianos começam a temê-lo.
Embora diácono, surpreendeu a todos os padres conciliares pelo
talento nas discussões teológicas e seu conhecimento profundo das Escrituras.
Sua contribuição será decisiva para que a fórmula do Credo que
afirma a consubstancialidade do Filho com o Pai fosse aceita.
É ainda Gregório Nazianzo, cinquenta anos mais tarde, quem
descreve a participação de Atanásio no concílio: “Em Nicéia, os arianos
observam o valoroso campeão da Verdade: de estatura baixa, quase frágil, mas de
postura firme e de cabeça levantada. Quando se levanta, como que se sente
passar uma onda de ódio através dele. A maioria da assembleia olha com orgulho
para aquele que é o intérprete do seu pensamento”.
De fato, sua firme convicção, somada a seu forte caráter, fez dele
o principal defensor da ortodoxia antiariana. Por isso foi o grande triunfador
do Concílio.
No final, foi aprovada uma fórmula de fé, que passou a se chamar
“Credo de Nicéia”.
Este Credo passou a ser o marco da ortodoxia.
Ário foi exilado.
3. Episcopado
Aos 17 de abril de 328, depois de ter indicado o próprio Atanásio
para lhe suceder, o bispo Alexandre morreu.
Os melecianos e arianos procuraram
contestar a escolha de Atanásio. O clero e povo ratificaram, dois meses e meio
mais tarde, sua indicação para a sede do prestigioso patriarcado de Alexandria.
O povo gritava: “Alexandre morreu, viva Atanásio. É um homem probo
(honrado), virtuoso, um bom cristão, um asceta, um verdadeiro bispo”.
Por temor de uma reivindicação meleciana que poderia ter sucesso,
a consagração episcopal de Atanásio foi apressada e se realizou aos 7 de junho
de 328.
Este procedimento informal vai-lhe criar embaraços mais tarde e
sua eleição será considerada inválida (cf. Apol. II, 6,4).
Contudo, Constantino reconheceu e homologou sua consagração. Os
quarenta e seis anos de seu episcopado (328 a 373) pertencem a um período dos
mais conturbados que se possa imaginar, da Igreja antiga.
Atanásio lutou contra Ário e seus correligionários, contra os cismáticos
melecianos, contra o próprio imperador Constâncio e, por vezes, contra certos
defensores tortos e intransigentes do símbolo de Nicéia. Constantino, Constâncio,
Juliano, Valente tentam se livrar dele, ou reduzi-lo ao silêncio. Todos fracassam
diante de sua firmeza e intransigência.
4. Cinco vezes exilado
Em 330, Atanásio entra em choque novamente com os arianos e com o
próprio imperador, por recusar a comunhão com Ário a pedido do próprio
Constantino.
Atanásio recusou-se a restituir a Ário, que voltava do exílio, a
igreja que ele ocupara em Alexandria, até a realização do concílio de Nicéia. O
patriarca do Egito resistiu a Constantino que repetidas vezes manifestou a
vontade de reintegrar Ário na comunhão católica.
De fato, Constância, viúva de Licínio, favorecia o arianismo.
Antes de morrer, recomendou ao imperador, seu irmão, um velho padre de sua
confiança, Eustócio.
Este insinuou ao imperador que Ário não estava longe de aceitar as
conclusões de Nicéia.
O imperador se deixou convencer e retirou a sentença de exílio.
Ário retornou do exílio, entrevistou-se com Constantino e terminou por lhe
agradar deixando-lhe uma confissão de fé pouco precisa, mas relativamente
ortodoxa e suscetível de ser conciliada com o símbolo de Nicéia.
O imperador julgou que agora todos estavam de acordo e não havia outra
coisa a fazer que reintegrar Ário na comunhão ortodoxa e na sua igreja em Alexandria,
especialmente depois que sua fé fora aprovada pelo sínodo de Jerusalém.
Mas Atanásio recusou-se a fazê-lo respondendo ao imperador que “é
impossível reintegrar na Igreja homens que contradizem a verdade, fomentam a
heresia, e contra os quais um concílio geral pronunciou o anátema”.
No dia mesmo em que seria admitido à comunhão na catedral de
Constantinopla, por promulgação do imperador, Ário morreu, em 336, em
circunstâncias “horríveis e estranhas o que despertou suspeitas de que os santos
ortodoxos tinham contribuído de maneira mais eficaz do que com suas preces para
livrar a Igreja do mais temível dos seus inimigos”.
Como patriarca, a atividade pastoral de Atanásio, seu acolhimento
junto aos monges, sua popularidade, sua intransigência na defesa da ortodoxia,
as medidas enérgicas para consolidar sua autoridade, por submeter ou suprimir
os arianos e melecianos, transformaram-no em objeto de intrigas e de inveja.
Seus inimigos preparam-lhe novo ataque. Espalham boatos e
suspeitas. Apresentam o patriarca como um tirano brutal, soberbo, opressor e
corrupto. Acusam-no de violar o tratado assinado no concílio niceno com os
partidários cismáticos de Melécio; que sacrilegamente quebrara um cálice numa das
igrejas melecianas em Mareotis (Delta do Nilo).
Este cálice, diziam ser de um padre, Ischyras, que tinha uma
igreja em Mareotis. Mas a ordenação deste padre não fora reconhecida válida e
os cristãos de Mareotis o impediram de exercer seu ministério e ele se limitava
a celebrar em sua família.
Divulgaram que Atanásio havia destruído seu altar e quebrado seu
cálice. Depois o próprio Ischyras certificou por escrito que não sabia de nada
de toda essa história.
Foi acusado ainda de ter açoitado ou aprisionado seis bispos melecianos;
e que Arsênio de Hypsela, um sétimo
bispo da mesma facção, havia sido assassinado por Atanásio, após este ter-lhe
corta do a mão.
As
acusações eram tão absurdas que o próprio Constantino as reconheceu falsas. Mas
seus inimigos melecianos conjugaram forças com o bispo Eusébio de Nicomédia, um
ariano convicto, de grande influência na casa imperial, e de tal modo se
fortaleceu o poder da facção inimiga que, juntos, promoveram um sínodo em Tiro,
no ano 335.
Tendo já desprezado o sínodo de Cesaréia, curvou-se agora às
ordens peremptórias do imperador, que ameaçou puni-lo caso não comparecesse ao
sínodo de Tiro.
Atanásio sabendo que ia encontrar lá uma assembleia hostil, levou
consigo cinquenta bispos egípcios, escolhidos com cuidado, entre os quais o
próprio Arsênio que Atanásio descobrira escondido num mosteiro.
O sínodo foi presidido por Eusébio de Cesaréia.
Atanásio aguardava o momento decisivo para apresentar Arsênio vivo
na assembleia. Conseguiu provar que na aldeia onde fora acusado de quebrar um
cálice consagrado não podia existir na verdade nem igreja nem altar nem cálice.
Mas seus inimigos dirigem-se novamente ao imperador acusando-o
agora de bloquear o fornecimento de trigo do Egito para Roma. Então,
Constantino envia Atanásio para o exílio, na
Gália, em Tréveros, a dois mil quilômetros de sua sede.
É nesta ocasião que Atanásio dá a conhecer a vida monástica, no
Ocidente. É o primeiro de uma série de cinco exílios.
4.1 Segundo exílio.
Morto Constantino, aos 22 de maio de 337, seus filhos tornaram-se imperadores:
Constantino II ficou com a Espanha, a Gália e a Britânia. Governou de 337 a
340. Constante ficou com a Itália, Ilírico e a África. Seu reinado durou até
350.
Constâncio ficou com a Ásia, Síria e o Egito. Governou até 361. Os
dois primeiros apoiavam Atanásio, enquanto o último sustentava os arianos.
Mas Constantino II foi morto por seu irmão Constante, em 340, e o
império foi então dividido entre este e Constâncio, que ficou com todo o
Oriente, e Constante que ficou com o Ocidente.
Constâncio, o novo imperador do Oriente, permitiu que Atanásio
deixasse Tréveros e retornasse para sua diocese.
No ano seguinte, Atanásio realizou um sínodo em Alexandria para
confirmar sua presença e anular sua condenação de Tiro.
Mas, as manobras dos arianos o condenaram novamente no sínodo de
Antioquia, em 339, denunciando-o junto ao papa Júlio e com o apoio da
autoridade civil, fizeram com que Gregório da Capadócia assumisse a sede de
Alexandria.
Atanásio teve que abandonar Alexandria e se exilou em Roma, onde
permaneceu por três anos.
Ali
foi recebido pelo próprio papa Júlio, que propôs outro sínodo para reexaminar
as acusações contra ele.
Como
os arianos e eusebianos, seus inimigos, se recusassem a participar deste
sínodo, Atanásio foi reabilitado.
Quando Gregório da Capadócia, que havia tomado seu posto na sede
de Alexandria, morreu em 345, Constante, imperador do Ocidente, pressionou seu
irmão Constâncio, imperador do Oriente, em favor de Atanásio convidando-o para
retornar e reassumir seu patriarcado.
4.2 Terceiro exílio.
Os dez anos que seguiram, de 346 a 356, são chamados a sua “década
de ouro”.
Sua atividade pastoral e literária se desenvolveu ao máximo. Mas,
sua posição tornou-se insegura após a morte de Constante, pois Constâncio II
permanecera o único imperador do Oriente e do Ocidente.
Este,
que como seu pai Constantino, atrevia-se a pronunciar juízos acerca de
mistérios nos quais nunca havia sido iniciado, procurou usar as armas do poder
em prol da causa do arianismo.
Assim, procurou estabelecer uma política alinhando todo império do
ponto de vista do Oriente, isto é, do ponto de vista ariano.
E começaram os ataques contra Atanásio que foi, mais uma vez,
condenado ao exílio pelos bispos ocidentais reunidos num sínodo em Arles, em
353 e em Milão, 355.
Deve chamar a atenção o impressionante número de sínodos
promovidos neste período.
A multiplicação deles se deu a partir da entrada de Constantino,
isto é, da política e do poder imperial no seio da Igreja.
O propósito de firmar a uniformidade política e doutrinal, que
levou os imperadores a convocar tantos sínodos na Gália, na Itália, na Ilíria e
na Ásia, era repetidamente frustrado por suas próprias leviandades, pelas
divisões dos arianos e pela resistência dos católicos.
Decidiram eles, num último e decisivo esforço, arrogantemente
impor os decretos de um concílio ecumênico.
Os bispos do Oriente receberam ordem de se reunir na Selêucia, em
Isáuria, enquanto os do Ocidente tomavam suas deliberações em Rimini.
O concílio oriental, após gastar quatro dias num debate feroz e
vão, dissolveu-se sem chegar a nenhuma conclusão definida. O concílio do
Ocidente foi prolongado até o sétimo mês. Mas somente as ameaças, a autoridade
do soberano, os incômodos do frio e da fome, e a tediosa melancolia de um
desesperançado exílio lograram por fim arrancar a relutante aquiescência dos
bispos de Rimini.
Os deputados do Oriente e do Ocidente se apresentaram ao imperador
no palácio de Constantinopla e este teve a satisfação de impor ao mundo uma
profissão de fé que estabelecia a aparência, sem exprimir a
consubstancialidade, do Filho de Deus.
O triunfo do arianismo fora precedido do afastamento do clero
ortodoxo e o reinado de Constâncio foi desonrado pela injusta e ineficaz perseguição
ao grande Atanásio (id. ibidem, 294-5).
Como Atanásio resistisse, as tropas circundaram sua igreja.
Sentindo que não podia mais se sustentar, procurou escapar dos soldados e fugiu
para as regiões isoladas da Tebaida e se refugiou junto aos monges. Sua sede
foi ocupada, então, pelo ariano Jorge, o Capadócio.
Foi nesta ocasião, quando conseguiu com dificuldade salvar sua
vida, que Atanásio escreveu a Apologia por sua fuga para defender sua atitude e
clarear sua posição.
Com a morte de Constâncio, aos 3 de novembro de 361, por doença,
na Cecília, aos 44 anos, houve um tumulto no qual Jorge foi trucidado, no natal
deste ano.
O sucessor de Constâncio será Juliano, o Apóstata, seu primo,
sobrinho de Constantino, que tem agora 31 anos e se torna único imperador..
Este, com intenção de mostrar uma política tolerante, revoga o
decreto de exílio e declara a igualdade dos cultos, mas sua intenção é restaurar
a antiga religião, o paganismo.
Sentindo-se traído ou não encontrando junto aos bispos todo apoio e
reconhecimento que esperava, queixa-se numa Carta dirigida ao povo de Bostra.
4.3 Quarto exílio.
Atanásio aproveitou-se desse decreto e retornou para Alexandria aos
2l de fevereiro de 362 e, imediatamente, convocou um sínodo. Mas Juliano, detestava
o patriarca de Alexandria e não lhe dará descanso, pois no momento mesmo em que
queria reavivar o paganismo, via Atanásio destruir-lhe os últimos restos de esperança.
Parece que o conflito de Juliano com a igreja não era tanto falta
de tolerância como uma questão de contra quem era intolerante. Neste contexto,
escreve a seu amigo Ecdício, prefeito do Egito, estas linhas nada tolerantes:
“Ouso que Atanásio com sua audácia ordinária, tomou posse daquilo que ele chama
o trono episcopal. Nada me será mais agradável do que conseguires expulsar do
Egito este maldito Atanásio que, sob o meu reinado, o celerado ousa batizar
mulheres gregas de nascimento ilustre. Ele, um pequeno homem de nada, gloria-se
de desafiar a morte”.
Os alexandrinos intervêm a favor de seu patriarca junto ao
imperador Juliano. Tudo em vão, pois este responde: “Não tenho pior inimigo do
que aquele para quem pedis benevolência. Repito: expulsai-o de vossa cidade”
(Carta 6, 25,5).
Apesar de seu propósito de manter uma política de tolerância não
suportou o sucesso de Atanásio que reforçava a união dos cristãos e o enviou,
então, para o deserto do Egito, em exílio, aos 24 de outubro de 362.
4.4 Quinto exílio.
Juliano morria alguns meses depois, aos 26 de junho de 363, na batalha
contra os Sassânidas. Desta vez, o império teve à sua frente o católico
ortodoxo Joviano, o qual imediatamente chamou para a sede de Alexandria, o
patriarca exilado.
Infelizmente Joviano morreu pouco tempo depois, em fevereiro de
364, e subiu ao trono Flávio Valentiniano que se estabeleceu em Milão.
Valentiniano, embora simpatizante dos ortodoxos, manteve-se neutro
nas disputas eclesiásticas, prejudicou a ortodoxia nomeando seu irmão Valente
como imperador do Oriente, com sede em Constantinopla.
De fato, Valente, favorável ao arianismo, mandou banir todos os
bispos fiéis ao Credo de Nicéia que tinham sido restituído às suas sedes pelo
édito de Juliano.
Vendo o perigo se aproximar, ameaçado de prisão, Atanásio deixou a
cidade em segredo. Permanece no exílio, fugitivo no deserto do Egito, até
janeiro de 366, quando um novo édito permitiu seu retorno.
Desta
vez, esteve à frente de seu patriarcado por um período de paz de sete anos.
Aproveitou esse período para revisar suas obras. É, também nesse
tempo, convocado por Basílio de Cesaréia para restaurar a unidade da Igreja de
Antioquia e começa a trabalhar nesta tarefa, quando a morte o colhe na noite de
2 ou 3 de maio de 373.
Nos últimos anos de sua vida, se não foi molestado por parte das autoridades
políticas, ele os transcorreu na amargura, assistindo o avolumar-se da
controvérsia que incansavelmente tinha procurado eliminar.
Quanto ao debate sobre o Espírito Santo, nem mesmo havia acenos de
resolução. Justamente naqueles anos, os grupos pneumatômacos encontraram em Macedônio
de Constantinopla, eleito bispo da capital em 344, em oposição ao niceno Paulo,
um ponto de referência capaz de dar nova vitalidade à sua heresia,
organizando-lhe eficazmente a propaganda, de onde o nome de macedonianos, como
tais grupos ficaram doravante coletivamente designados.
Mas, Atanásio, por sua vez, tinha feito escola. Quando morreu,
deixou na Igreja alexandrina um discípulo valioso, Dídimo, o Cego, pronto a
continuar a batalha. Este, de fato, contribuiu especialmente com seu tratado
Sobre o Espírito Santo, um dos melhores estudos sobre a questão no século IV,
para preparar o desaparecimento definitivo do movimento macedônio no concílio
Constantinopolitano I, de 381.
5. Escritos
Embora levasse vida de peregrino, de exílio em exílio, as vicissitudes
ininterruptas não lhe impediram de escrever inúmeras obras.
Sua produção literária é ampla abrangendo os gêneros apologético,
histórico, exegético, homilético e epistolar.
Mal se pode pensar como, no meio de tantas tribulações, de uma
vida tão agitada, encontrava lugar e tempo para redigir tantas obras que exigem
calma e reflexão.
Consideradas no seu objeto, no seu conteúdo geral, cronológico e
na autenticidade, a obra do grande doutor alexandrino pode se dividir em
tratados dogmáticos, polêmicos, históricos, morais e exegéticos, se bem que
nenhuma dessas divisões seja rigorosa.
De muitas obras autênticas, restam apenas fragmentos.
A maior parte de sua obra está relacionada com a defesa do Credo
de Nicéia, isto é, da consubstancialidade e consequentemente da divindade do
Verbo.
É o caso de todos os escritos dogmáticos e apologéticos Contra os pagãos
e Contra os arianos, assim como o livro Sobre a Encarnação do Verbo.
Polemista hábil, Atanásio revela as ocasiões e os objetivos pelos
quais escreve.
Perseguido, atacado por todos os modos, soube se defender
vigorosamente com seus escritos, convencido que a sua causa estava intimamente
unida à defesa da ortodoxia católica.
Seus escritos são apologias pessoais, vivas, quentes, recheadas de
fatos, de argumentos, de provas. Guardou todas as cartas que se lhe
endereçaram.
Copiou todas aquelas que enviou a outros. Desse modo, constituiu
um importantíssimo “dossier” cheio de documentos, de éditos imperiais, de
reuniões episcopais, de processos verbais de funcionários, de símbolos
conciliares e sinodais.
Aqui apresentamos apenas suas obras mais
significativas.
5.1 Por volta de
320, antes mesmo de seu episcopado e da controvérsia ariana, Atanásio, ainda
jovem diácono, teria composto sua primeira obra, uma apologia em dois livros intitulada:
Discurso contra os pagãos e Sobre a encarnação do Verbo.
5.2 A
Apologia (Discurso) contra os arianos data, provavelmente, de 348. Escrita para
responder àqueles que negavam a legitimidade de seu retorno após o segundo
exílio.
5.3
Epístola sobre o Decreto do concílio de Nicéia, de 350-35l. É a justificação do
termo homooúsios, inserido pelos Padres de Nicéia no seu símbolo.
5.4
A Vida e conduta de santo Antão: é uma
biografia.
5.5
Das obras exegéticas só restam fragmentos. Na Carta a Marcelino, Atanásio trata
da exegese e da interpretação dos salmos.
O
Cânon do Novo Testamento acabou sendo fixado em 367, mediante esta sua Carta a
Marcelino. De sua Explicação ou Exposição alegórica dos salmos, há diversos
fragmentos, bem como de seu Comentário do Gênesis. São todos de datação
incerta.
5.6
Famosas são suas Cartas a Epiteto, bispo de Corinto, e ao filósofo Máximo, nas quais
explica o dogma cristológico.
5.7
A Carta Sinodal (Epistula ad Afros) aos bispos africanos foi redigida numa
reunião de noventa bispos do Egito e da Líbia. Tinha por finalidade premunir
seus irmãos da África ocidental contra as intrigas dos homeousianos (os que
negam a igualdade de substância, entre o Filho e o Pai, acentuando a
inferioridade do Filho) e protestar contra as novas tentativas dos arianos que
procuravam substituir o credo de Nicéia pelo símbolo de Rimini.
Este
escrito remonta ao ano 370.
5.8
Epístolas a Serapião. Durante seu terceiro exílio no deserto da Tebaida
(356-362), foi interpelado por cartas enviadas pelo bispo Serapião de Thmuis,
redigidas por volta de 358, em relação à posição de alguns grupos existentes no
Egito, na Ásia Menor e em Constantinopla que, sob o influxo do
subordinacionismo ariano, afirmavam que o Espírito Santo é uma entidade celeste
pouco superior aos anjos.
5.9
A Epístola a Joviano nasceu sob o pedido do jovem imperador Joviano que lhe demandara
esclarecimentos sobre a fé. Atanásio a compõe em Antioquia, no ano de 363.
5.10
Além das obras citadas, deixou muitas outras Cartas entre as quais devem merecer
destaque as Cartas Festivas (ou Pascais). Estas derivam de um antigo costume de
os bispos se dirigirem às igrejas de suas dioceses para anunciar a data da Páscoa
e o início da quaresma. Frequentemente, eles aproveitavam a ocasião para transmitir
algum ensino pastoral ou doutrinal.
Conclusão
A importância de Atanásio para a história do dogma reside em sua
explicação e exposição da doutrina da Trindade, em particular, sobre o Logos.
Defende incansavelmente a consubstancialidade do Filho com o Pai e
expõe também, mais claramente, do que os teólogos anteriores a natureza e a
geração do Verbo.
Não se pode deixar de admirar a coragem deste soldado sempre
pronto, combatente intrépido de primeira linha em defesa da fé, que não
conheceu repouso. Dos 46 anos de patriarcado, dezessete ele os passou no
exílio, sempre combatendo incessantemente contra os arianos.
Estes o perseguiram com ira implacável por meio século. A luta foi
o programa de seu dia-a-dia. Escreveu para se defender ou para defender a fé de
Nicéia.
Espírito lúcido, justo, penetrante, generoso ao mesmo tempo,
imbuído de fé viva, eloquência natural, foi um homem de caráter impetuoso e
tenaz. Granjeou admiradores entusiastas e inimigos encarniçados.
Na fé, alimentada por um misticismo fervente e por um moralismo
rígido, preocupou-se sobretudo em defender a realidade da redenção. Por esta
razão, teve que defender de igual modo a encarnação do Verbo divino, pois,
aquilo que não foi assumido também não foi salvo. Assim, Jesus tem que ser
verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Defendeu com igual força a independência da
Igreja em relação à autoridade política. Foi o duro e tenaz lutador que os
tempos e as circunstâncias reclamavam.
Ao longo de seus últimos anos, são Basílio Magno empenhou-se em
reconciliá-lo com o bispo Melécio de Antioquia para unir o Oriente com Roma
contra o arianismo.
A tradição eclesiástica resume o gênio e o caráter de Atanásio
como homem extraordinário, afirmando que ele fora, do ponto de vista da defesa
da ortodoxia cristã, o maior homem de seu século. Possuía um espírito justo,
vivo e penetrante, um coração generoso e desinteressado. Não lhe faltou coragem
para transformar-se, aos olhos de seus fiéis, num herói. Persistente,
incansável, manteve sempre uma fé viva, um cristianismo viril, simples e nobre.
Maior era sua fé que sua erudição.
Fonte pesquisada: Patristica - Santo Atanásio - Paulus.
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