Encontro
187
Atanásio
de Alexandria (285-373)
Sobre a Encarnação
(Capítulo 5 – parte 1)
CAPÍTULO V
CONTRA OS JUDEUS INCRÉDULOS TESTEMUNHAS DA ENCARNAÇÃO DE CRISTO
1.
Assim sendo, após clara demonstração da
ressurreição do corpo do Salvador e da vitória alcançada sobre a morte,
refutemos agora a incredulidade dos judeus e a zombaria dos gregos.
2.
Em oposição a esses fatos, os judeus
recusam crer e ridicularizam os gregos, puxando para cá e para lá o que a cruz
e a encarnação do Verbo de Deus apresentam de menos adequado. Não deixarei,
contudo, de dirigir minha exposição contra uns e outros, tanto mais que possuo
contra eles argumentos convincentes.
3.
Os judeus incrédulos encontrariam
comprovação nas Escrituras, a cuja leitura também eles se dão. Do começo ao
fim, o livro inspirado todo inteiro clama estas realidades, segundo revelam
suas próprias palavras. Os profetas, há muito, anunciavam o milagre da Virgem e
do menino que dela nasceria: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho
e por-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7,14; Mt 1,23), que significa: Deus conosco.
4.
Moisés, realmente grande, cuja
veracidade reconheciam os judeus, aprecia de igual modo como sendo das maiores
coisas as palavras proferidas sobre a encarnação do Salvador, e tomando-as como
tais, cita-as em seus livros: “Um astro procede de Jacó, um homem se levanta,
procedente de Israel. E esmaga os príncipes de Moab” (Nm 24,17b). E ainda:
“Como são formosas as tuas moradas, ó Jacó, e as tuas tendas, ó Israel! Como
vales sombreados, e como jardins ao lado de um rio e como tendas que o Senhor
levantou, como cedros junto às águas! Um herói surge na sua descendência, e domina
sobre muitos povos” (Nm 24,5-7a) E ainda Isaías: “Porque, antes que a criança saiba
dizer ‘papai’ e ‘mamãe’, as riquezas de Damasco e os despojos de Samaria serão levados
para o rei da Assíria” (Is 8,4b).
5.
Palavras proféticas acerca de seu
aspecto humano. Mas os profetas prenunciam ser ele o Senhor de todos, nesses
termos: “O Senhor, montado em uma nuvem veloz, vai ao Egito. Os deuses do Egito
tremem diante dele” (Is 19,1) De lá, com efeito, é que o Pai o chama novamente
do Egito: “Do Egito chamei o meu Filho” (Mt 2,15; Os 1,1).
6.
Sua morte também não passou sob
silêncio, mas foi distintamente indicada nas Sagradas Escrituras. No intuito de
que ninguém o ignorasse, permanecendo em erro, os profetas não hesitaram
declarar nem mesmo a causa desta morte, que não padeceu por si mesmo, mas para
a imortalidade e salvação de todos, nem de narrar as ciladas dos judeus e os
ultrajes infligidos por eles.
7.
Assim se expressam: “Um homem sujeito à
dor, familiarizado com a enfermidade, sua face foi objeto de aversão;
desprezado, não se fazia caso dele. E, no entanto, eram os nossos pecados que
ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava. Nós o tínhamos como
sofredor, ferido e humilhado. Mas ele foi ferido por causa de nossas transgressões
e esmagado em virtude das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos
a paz caiu sobre ele, sim por suas feridas fomos curados” (Is 53,3b-5).
8.
Admira a filantropia do Verbo, que
aceita ultrajes por nossa causa, a fim de sermos honrados. “Todos nós, como
ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho; mas o
Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Foi maltratado, mas não
abriu a boca, como cordeiro conduzido ao matadouro, como ovelha que permanece
muda na presença de seus tosquiadores ele não abriu a boca. Em sua humildade
seu julgamento foi retirado” (At 8,32s).
9.
Enfim, para não passar por homem
vulgar, devido a seus sofrimentos, a Escritura previne os pensamentos dos
homens e dá a conhecer sua natureza e seu poder, diversos dos nossos, dizendo:
“Quem contará sua geração? Foi cortado da terra dos vivos, foi conduzido à
morte por causa da transgressão do seu povo. Deram-lhe sepultura com os ímpios,
e o seu túmulo está com os ricos, se bem que não houvesse praticado violência nem
houvesse engano em sua boca. Mas o Senhor quis curá-lo de suas feridas” (Is 53,8b-10a).
10. Mas,
talvez após ter ouvido a profecia sobre sua morte, queiras saber o que foi prenunciado
sobre a cruz. Pois, ela também não passou sob silêncio, mas foi brilhantemente
destacada pelos santos.
11. Moisés
foi o primeiro a anunciá-la com grandes clamores: “Tua vida penderá diante de
teus olhos por um fio, e não acreditarás” (Dt 28,66).
12. Depois
dele, também os profetas deram testemunho: “Mas eu como cordeiro manso que é
levado ao matadouro, não sabia; eles tramavam planos contra mim: Vinde, coloquemos
madeira em seu pão, arranquemo-lo da terra dos vivos” (Jr 11,19a).
13. E
ainda: “Traspassaram as minhas mãos e os meus pés, contaram todos os meus ossos;
repartiram entre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sorte”
(Sl 22,17s).
14. Esta
morte por suspensão num madeiro só podia ser a da cruz; e em nenhum outro gênero
de morte mãos e pés se traspassam a não ser no da cruz.
15. E como
pelo advento do Salvador todas as gentes começaram a reconhecer o Senhor, nem
isso a Sagrada Escritura deixou de citar, mas o relembra nesses termos: “Ele será
a raiz de Jessé, que se ergue para governar os povos; nele esperarão as nações”
(Is 11,10; Rm 15,12). Estas poucas palavras bastam para demonstração dos fatos.
16. Desenvolvimento oratório sobre estas
testemunhas
17. A
Escritura inteira, efetivamente, acha-se repleta de traços a refutarem a incredulidade
dos judeus. Entre os justos mencionados nas divinas Escrituras, os santos profetas,
os patriarcas, houve algum que tenha nascido somente de virgem? Ou que mulher
basta, sem concurso de marido, para dar à luz um homem? Acaso Abel não nasceu
de Adão, Enoc de Jared, Noé de Lamec, Abraão de Taré, Isaac de Abraão e Jacó de
Isaac? Judá de Jacó, Moisés e Aarão de Amram? Samuel não nasceu de Elcana, Davi
de Jessé, Salomão de Davi, Ezequias de Acaz, Josias de Amós, Isaías de Amós,
Jeremias de Helcias, Ezequiel de Buzi? Na origem de cada um deles não houve
pai? Qual nasceu somente de virgem? Ora, o profeta cuidadosamente indicou este
sinal.
18. De
quem um astro anunciou nos céus e proclamou à terra inteira seu nascimento? Moisés,
ao nascer, foi escondido pelos pais. De Davi até mesmo os vizinhos não tinham ouvido
falar, pois o grande Samuel não o conhecia e perguntou se havia ainda outro
filho de Jessé. Abraão só depois de adulto foi notado pelos mais próximos. Mas,
Cristo, ao nascer, não teve apenas o testemunho de um homem e sim de um astro
que apareceu no céu, donde ele próprio descera.
19. Qual o
rei que antes de poder chamar ‘papai’ e ‘mamãe’ (cf. Is 8,4) começou a reinar e
alcançou troféus contra os inimigos? Davi não começou a reinar aos trinta anos,
e Salomão, já rapaz? Não tinha Joás sete anos ao começar a reinar (cf. 2Rs
12,1) e Josias, mais novo ainda, pelos sete anos, não recebeu o poder? (cf. 2Rs
22,1) Mesmo os que, porém, já haviam atingido tal idade, podiam chamar o pai e
a mãe.
20. Quem,
pois, quase antes de nascer reina e despoja os inimigos? Os judeus, que perscrutam
as Escrituras, digam-me qual o rei de Israel e de Judá em quem todas as nações
depositaram sua esperança e com ele mantinham a paz? Ao invés, não eram elas antes
inimigas?
21. Enquanto
Jerusalém subsistia, faziam-lhe guerra sem tréguas. Combatiam todas contra
Israel. Os assírios a oprimiam, os egípcios a perseguiam, os babilônios a invadiam.
E coisa espantosa, os sírios, seus vizinhos eram também adversários. Davi não guerreava
os moabitas, e não talhava em peças os sírios, Josias não se precavia de seus vizinhos,
e Ezequias não temia a jactância de Senaquerib? Amalec não lutou com Moisés, a
quem eram hostis também os amorreus? Os habitantes de Jericó não combateram
contra Josué, filho de Nun? E em geral, na falta de verdadeiras tréguas, houve
acaso amizade entre as nações e Israel? Será bom verificar em quem, pois, as nações
depositam sua esperança. Deve existir alguém, pois é impossível que os profetas
tenham mentido.
22. Qual,
então, o santo profeta ou santo patriarca que morreu na cruz pela salvação de
todos? Quem foi ferido e morto para a cura de todos? Qual dos justos ou dos
reis desceu ao Egito, a fim de derrubar, por ocasião de sua chegada, os ídolos
dos egípcios? Abraão desceu, e no entanto, a idolatria em geral exercia seu
império. Foi lá que Moisés nasceu; todavia, a superstição ali reinava.
23. Qual
dentre os mencionados pela Escritura teve mãos e pés traspassados, ou pendeu de
fato do madeiro e morreu na cruz pela salvação de todos? Abraão acamou-se e
morreu; Isaac e Jacó também juntaram os pés no leito e morreram. Moisés e Aarão
faleceram no monte. Davi, em casa, e não sucumbiu às conjurações do povo. Sem dúvida,
fora perseguido por Saul, mas escapou incólume. Isaías foi cortado ao meio, mas
não pendeu do lenho. Jeremias foi coberto de injúrias, não foi, contudo,
condenado à morte. Ezequiel não sofreu por causa da plebe, mas por anunciar o
que aconteceria ao povo.
24. Consequentemente,
todos esses que assim padeceram eram homens, semelhantes por natureza aos
outros. Aquele, porém, cujos sofrimentos foram prenunciados nas Escrituras não
é simplesmente homem, mas diz-se que é a Vida de todos, embora por natureza
semelhante aos homens. “Tua vida penderá diante de teus olhos por um fio”, diz
a Escritura (Dt 28,66); e ainda: “Quem contará sua geração?” (Is 53,8). É
possível ter notícia da geração de todos os santos e contar desde o começo o
que foi cada um deles, e onde nasceu; mas a Palavra de Deus indica ser
inenarrável a geração do que é a própria Vida.
25. A
quem, pois, assim as Sagradas Escrituras se referem? Quem é este ser tão grande
do qual os profetas anunciam coisas tão prodigiosas? Nenhum outro se encontra enquanto
tal nas Escrituras, a não ser nosso Salvador comum, o Verbo de Deus, nosso Senhor
Jesus Cristo. É procedente da Virgem, apareceu qual homem na terra aquele cuja geração
segundo a carne é inenarrável. Com efeito, não se lhe atribui um pai segundo a carne,
porque seu corpo não provém de homem e sim apenas de virgem.
26. Não é
difícil traçar a genealogia dos antepassados de Davi, de Moisés e dos patriarcas;
ao invés, ninguém pode narrar, como se fosse originária de um homem, a geração
do Salvador, segundo a carne. Foi ele quem fez um astro anunciar o nascimento de
seu corpo; forçoso era, uma vez que o Verbo descia do céu, houvesse também um sinal
do céu. A chegada do rei da criação precisava ser claramente noticiada por toda
a
27. terra.
28. Sem
dúvida, nasceu na Judéia, entretanto persas vieram adorá-lo. Mesmo antes de sua
aparição corpo, devia alcançar a vitória contra os demônios, seus adversários,
e obter os troféus contra a idolatria. Podemos observar com os nossos próprios
olhos como, por toda parte os povos abjuram aos costumes de seus pais e a
impiedade dos ídolos, depositando de então em diante a confiança em Cristo e
sendo contados entre os seus.
29. A
impiedade dos egípcios não cessou a não ser quando o Senhor do universo, levado,
por assim dizer, sobre uma nuvem e vindo corporalmente para o meio deles, reduziu
a nada o erro da idolatria, e reconduziu os homens a si e por seu intermédio ao
Pai.
30. Foi
ele quem, à luz do sol, diante de toda a criação e dos que o matavam, foi crucificado;
sua morte trouxe salvação universal e a criação inteira foi redimida. Ele é a Vida
de todos e qual ovelha entregou o corpo à morte, em resgate pela salvação de
todos, mesmo se os judeus continuam incrédulos.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua
espiritualidade?
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