domingo, 24 de outubro de 2021

Encontro 187 - Atanásio de Alexandria (285-373) - Sobre a Encarnação - (Capítulo 5 – parte 1)

                                     


Encontro 187

Atanásio de Alexandria (285-373)

Sobre a Encarnação (Capítulo 5 – parte 1)

 

CAPÍTULO V

CONTRA OS JUDEUS INCRÉDULOS TESTEMUNHAS DA ENCARNAÇÃO DE CRISTO

 

1.      Assim sendo, após clara demonstração da ressurreição do corpo do Salvador e da vitória alcançada sobre a morte, refutemos agora a incredulidade dos judeus e a zombaria dos gregos.

2.      Em oposição a esses fatos, os judeus recusam crer e ridicularizam os gregos, puxando para cá e para lá o que a cruz e a encarnação do Verbo de Deus apresentam de menos adequado. Não deixarei, contudo, de dirigir minha exposição contra uns e outros, tanto mais que possuo contra eles argumentos convincentes.

3.      Os judeus incrédulos encontrariam comprovação nas Escrituras, a cuja leitura também eles se dão. Do começo ao fim, o livro inspirado todo inteiro clama estas realidades, segundo revelam suas próprias palavras. Os profetas, há muito, anunciavam o milagre da Virgem e do menino que dela nasceria: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e por-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7,14; Mt 1,23), que significa: Deus conosco.

4.      Moisés, realmente grande, cuja veracidade reconheciam os judeus, aprecia de igual modo como sendo das maiores coisas as palavras proferidas sobre a encarnação do Salvador, e tomando-as como tais, cita-as em seus livros: “Um astro procede de Jacó, um homem se levanta, procedente de Israel. E esmaga os príncipes de Moab” (Nm 24,17b). E ainda: “Como são formosas as tuas moradas, ó Jacó, e as tuas tendas, ó Israel! Como vales sombreados, e como jardins ao lado de um rio e como tendas que o Senhor levantou, como cedros junto às águas! Um herói surge na sua descendência, e domina sobre muitos povos” (Nm 24,5-7a) E ainda Isaías: “Porque, antes que a criança saiba dizer ‘papai’ e ‘mamãe’, as riquezas de Damasco e os despojos de Samaria serão levados para o rei da Assíria” (Is 8,4b).

5.      Palavras proféticas acerca de seu aspecto humano. Mas os profetas prenunciam ser ele o Senhor de todos, nesses termos: “O Senhor, montado em uma nuvem veloz, vai ao Egito. Os deuses do Egito tremem diante dele” (Is 19,1) De lá, com efeito, é que o Pai o chama novamente do Egito: “Do Egito chamei o meu Filho” (Mt 2,15; Os 1,1).

6.      Sua morte também não passou sob silêncio, mas foi distintamente indicada nas Sagradas Escrituras. No intuito de que ninguém o ignorasse, permanecendo em erro, os profetas não hesitaram declarar nem mesmo a causa desta morte, que não padeceu por si mesmo, mas para a imortalidade e salvação de todos, nem de narrar as ciladas dos judeus e os ultrajes infligidos por eles.

7.      Assim se expressam: “Um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, sua face foi objeto de aversão; desprezado, não se fazia caso dele. E, no entanto, eram os nossos pecados que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava. Nós o tínhamos como sofredor, ferido e humilhado. Mas ele foi ferido por causa de nossas transgressões e esmagado em virtude das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele, sim por suas feridas fomos curados” (Is 53,3b-5).

8.      Admira a filantropia do Verbo, que aceita ultrajes por nossa causa, a fim de sermos honrados. “Todos nós, como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Foi maltratado, mas não abriu a boca, como cordeiro conduzido ao matadouro, como ovelha que permanece muda na presença de seus tosquiadores ele não abriu a boca. Em sua humildade seu julgamento foi retirado” (At 8,32s).

9.      Enfim, para não passar por homem vulgar, devido a seus sofrimentos, a Escritura previne os pensamentos dos homens e dá a conhecer sua natureza e seu poder, diversos dos nossos, dizendo: “Quem contará sua geração? Foi cortado da terra dos vivos, foi conduzido à morte por causa da transgressão do seu povo. Deram-lhe sepultura com os ímpios, e o seu túmulo está com os ricos, se bem que não houvesse praticado violência nem houvesse engano em sua boca. Mas o Senhor quis curá-lo de suas feridas” (Is 53,8b-10a).

10.  Mas, talvez após ter ouvido a profecia sobre sua morte, queiras saber o que foi prenunciado sobre a cruz. Pois, ela também não passou sob silêncio, mas foi brilhantemente destacada pelos santos.

11.  Moisés foi o primeiro a anunciá-la com grandes clamores: “Tua vida penderá diante de teus olhos por um fio, e não acreditarás” (Dt 28,66).

12.  Depois dele, também os profetas deram testemunho: “Mas eu como cordeiro manso que é levado ao matadouro, não sabia; eles tramavam planos contra mim: Vinde, coloquemos madeira em seu pão, arranquemo-lo da terra dos vivos” (Jr 11,19a).

13.  E ainda: “Traspassaram as minhas mãos e os meus pés, contaram todos os meus ossos; repartiram entre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sorte” (Sl 22,17s).

14.  Esta morte por suspensão num madeiro só podia ser a da cruz; e em nenhum outro gênero de morte mãos e pés se traspassam a não ser no da cruz.

15.  E como pelo advento do Salvador todas as gentes começaram a reconhecer o Senhor, nem isso a Sagrada Escritura deixou de citar, mas o relembra nesses termos: “Ele será a raiz de Jessé, que se ergue para governar os povos; nele esperarão as nações” (Is 11,10; Rm 15,12). Estas poucas palavras bastam para demonstração dos fatos.

 

16.  Desenvolvimento oratório sobre estas testemunhas

17.  A Escritura inteira, efetivamente, acha-se repleta de traços a refutarem a incredulidade dos judeus. Entre os justos mencionados nas divinas Escrituras, os santos profetas, os patriarcas, houve algum que tenha nascido somente de virgem? Ou que mulher basta, sem concurso de marido, para dar à luz um homem? Acaso Abel não nasceu de Adão, Enoc de Jared, Noé de Lamec, Abraão de Taré, Isaac de Abraão e Jacó de Isaac? Judá de Jacó, Moisés e Aarão de Amram? Samuel não nasceu de Elcana, Davi de Jessé, Salomão de Davi, Ezequias de Acaz, Josias de Amós, Isaías de Amós, Jeremias de Helcias, Ezequiel de Buzi? Na origem de cada um deles não houve pai? Qual nasceu somente de virgem? Ora, o profeta cuidadosamente indicou este sinal.

18.  De quem um astro anunciou nos céus e proclamou à terra inteira seu nascimento? Moisés, ao nascer, foi escondido pelos pais. De Davi até mesmo os vizinhos não tinham ouvido falar, pois o grande Samuel não o conhecia e perguntou se havia ainda outro filho de Jessé. Abraão só depois de adulto foi notado pelos mais próximos. Mas, Cristo, ao nascer, não teve apenas o testemunho de um homem e sim de um astro que apareceu no céu, donde ele próprio descera.

19.  Qual o rei que antes de poder chamar ‘papai’ e ‘mamãe’ (cf. Is 8,4) começou a reinar e alcançou troféus contra os inimigos? Davi não começou a reinar aos trinta anos, e Salomão, já rapaz? Não tinha Joás sete anos ao começar a reinar (cf. 2Rs 12,1) e Josias, mais novo ainda, pelos sete anos, não recebeu o poder? (cf. 2Rs 22,1) Mesmo os que, porém, já haviam atingido tal idade, podiam chamar o pai e a mãe.

20.  Quem, pois, quase antes de nascer reina e despoja os inimigos? Os judeus, que perscrutam as Escrituras, digam-me qual o rei de Israel e de Judá em quem todas as nações depositaram sua esperança e com ele mantinham a paz? Ao invés, não eram elas antes inimigas?

21.  Enquanto Jerusalém subsistia, faziam-lhe guerra sem tréguas. Combatiam todas contra Israel. Os assírios a oprimiam, os egípcios a perseguiam, os babilônios a invadiam. E coisa espantosa, os sírios, seus vizinhos eram também adversários. Davi não guerreava os moabitas, e não talhava em peças os sírios, Josias não se precavia de seus vizinhos, e Ezequias não temia a jactância de Senaquerib? Amalec não lutou com Moisés, a quem eram hostis também os amorreus? Os habitantes de Jericó não combateram contra Josué, filho de Nun? E em geral, na falta de verdadeiras tréguas, houve acaso amizade entre as nações e Israel? Será bom verificar em quem, pois, as nações depositam sua esperança. Deve existir alguém, pois é impossível que os profetas tenham mentido.

22.  Qual, então, o santo profeta ou santo patriarca que morreu na cruz pela salvação de todos? Quem foi ferido e morto para a cura de todos? Qual dos justos ou dos reis desceu ao Egito, a fim de derrubar, por ocasião de sua chegada, os ídolos dos egípcios? Abraão desceu, e no entanto, a idolatria em geral exercia seu império. Foi lá que Moisés nasceu; todavia, a superstição ali reinava.

23.  Qual dentre os mencionados pela Escritura teve mãos e pés traspassados, ou pendeu de fato do madeiro e morreu na cruz pela salvação de todos? Abraão acamou-se e morreu; Isaac e Jacó também juntaram os pés no leito e morreram. Moisés e Aarão faleceram no monte. Davi, em casa, e não sucumbiu às conjurações do povo. Sem dúvida, fora perseguido por Saul, mas escapou incólume. Isaías foi cortado ao meio, mas não pendeu do lenho. Jeremias foi coberto de injúrias, não foi, contudo, condenado à morte. Ezequiel não sofreu por causa da plebe, mas por anunciar o que aconteceria ao povo.

24.  Consequentemente, todos esses que assim padeceram eram homens, semelhantes por natureza aos outros. Aquele, porém, cujos sofrimentos foram prenunciados nas Escrituras não é simplesmente homem, mas diz-se que é a Vida de todos, embora por natureza semelhante aos homens. “Tua vida penderá diante de teus olhos por um fio”, diz a Escritura (Dt 28,66); e ainda: “Quem contará sua geração?” (Is 53,8). É possível ter notícia da geração de todos os santos e contar desde o começo o que foi cada um deles, e onde nasceu; mas a Palavra de Deus indica ser inenarrável a geração do que é a própria Vida.

25.  A quem, pois, assim as Sagradas Escrituras se referem? Quem é este ser tão grande do qual os profetas anunciam coisas tão prodigiosas? Nenhum outro se encontra enquanto tal nas Escrituras, a não ser nosso Salvador comum, o Verbo de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo. É procedente da Virgem, apareceu qual homem na terra aquele cuja geração segundo a carne é inenarrável. Com efeito, não se lhe atribui um pai segundo a carne, porque seu corpo não provém de homem e sim apenas de virgem.

26.  Não é difícil traçar a genealogia dos antepassados de Davi, de Moisés e dos patriarcas; ao invés, ninguém pode narrar, como se fosse originária de um homem, a geração do Salvador, segundo a carne. Foi ele quem fez um astro anunciar o nascimento de seu corpo; forçoso era, uma vez que o Verbo descia do céu, houvesse também um sinal do céu. A chegada do rei da criação precisava ser claramente noticiada por toda a

27.  terra.

28.  Sem dúvida, nasceu na Judéia, entretanto persas vieram adorá-lo. Mesmo antes de sua aparição corpo, devia alcançar a vitória contra os demônios, seus adversários, e obter os troféus contra a idolatria. Podemos observar com os nossos próprios olhos como, por toda parte os povos abjuram aos costumes de seus pais e a impiedade dos ídolos, depositando de então em diante a confiança em Cristo e sendo contados entre os seus.

29.  A impiedade dos egípcios não cessou a não ser quando o Senhor do universo, levado, por assim dizer, sobre uma nuvem e vindo corporalmente para o meio deles, reduziu a nada o erro da idolatria, e reconduziu os homens a si e por seu intermédio ao Pai.

30.  Foi ele quem, à luz do sol, diante de toda a criação e dos que o matavam, foi crucificado; sua morte trouxe salvação universal e a criação inteira foi redimida. Ele é a Vida de todos e qual ovelha entregou o corpo à morte, em resgate pela salvação de todos, mesmo se os judeus continuam incrédulos.

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

 

 

 

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