Páscoa: festa da vida
O significado dos 50 dias da Páscoa para Santo
Agostinho
1. Certamente,
Agostinho de Hipona (354-430) celebrou a Páscoa ao longo de toda a sua vida.
Não deixou de lembrar a noite de 24 para 25 de abril do ano 387, na qual ele
recebeu o batismo e se revestiu de Cristo para ser uma nova criatura em Deus,
tornando realidade as palavras que ele havia lido no códice do Apóstolo Paulo
no jardim de Milão, obedecendo à voz que dizia: «Tolle, lege» (pegue e leia!),
porque lá tinha recebido o convite para «despojar-se das obras das trevas e
revestir-se com as armas da luz» (Rm 13.13).
2. A
teologia batismal e o convite a viver com fidelidade o chamado à santidade
recebido no batismo estarão sempre presentes em suas homilias e seus escritos.
3. Da
mesma forma o pensamento da celebração da Páscoa e o fato de celebrá-la todos
os anos; não porque Cristo necessite morrer muitas outras vezes, mas para que,
a cada ano, os fiéis façam memória do ocorrido, para que esqueçam a
centralidade do mistério da ressurreição de Cristo na vida dos cristãos.
4. Portanto,
o que aconteceu uma vez definitivamente, se repete todos os anos para avivar a
memória e a fé dos fiéis: «A repetição anual da solenidade é equivalente a uma
repetição do que Cristo Senhor sofreu por nós na sua morte única.
5. O
que ocorreu apenas uma vez na história para a renovação da nossa vida é
comemorada durante todo o ano para perpetuar a sua memória» (sermão 206,1).
6. Para
santo Agostinho a Páscoa é a festa da vida. O cristão é chamado para morrer
para sua vida de pecado e ressuscitar para uma nova vida, uma vida plena com
Cristo. Então, no dizer de Santo Agostinho em um dos seus sermões de Páscoa, é
necessário morrer para o homem velho e para o pecado, para viver em Cristo.
7. Somente
neste caminho, quando chegar a morte corporal, poderemos realmente viver com
Deus: «Creia, você que já é batizado: a velha vida já morreu, a morte foi
recebida na Cruz e sepultada no batismo. A vida antiga, na qual você
experimentou o mal, foi enterrada. Ressuscite para a (vida) nova! Viva bem!
Viva para viver! Viva de maneira que, quando você morrer, não morra» (s. 229 E,
3).
8. Por
outro lado, a Páscoa foi para Santo Agostinho um tempo em que se antecipa a
alegria da vida eterna com Deus, pois é o tempo de cantar Aleluia, ou seja,
«Louvado seja Deus». Precisamente, o louvor será a principal ocupação dos
bem-aventurados na abençoada vida eterna:
9. «Com
razão, meus irmãos, a Igreja mantém a antiga tradição de cantar o Aleluia
durante estes cinquenta dias. Aleluia e louvor a Deus são a mesma coisa. Com
ele nos é antecipado, simbolicamente, no meio de nossas fadigas, o que faremos
em nosso descanso. Com efeito, quando, após o trabalho do tempo presente,
chegarmos a ele, a nossa única ocupação será o louvor de Deus. Toda a nossa
atividade se reduzirá no Aleluia. O que significa Aleluia? “Louvai ao Senhor”»
(s. 252, 9).
10. O
tempo da Páscoa é símbolo da vida eterna com Deus, onde o ser humano poderá
desfrutar para sempre de Deus e louvá-lo.
11. É,
portanto, um tempo de esperança e de consolação, que antecipa, litúrgica e
misteriosamente, a alegria eterna do céu, onde a pessoa poderá amar, louvar,
contemplar a Deus e finalmente relaxar.
12. Isto
é o que Santo Agostinho ressalta em um dos seus sermões de Páscoa, antecipando,
de alguma forma, a célebre frase que conclui sua obra A Cidade de Deus:
13. «Façamos
destes dias um símbolo do dia sem fim. Façamos do lugar da mortalidade um
símbolo do tempo da imortalidade. Corramos para a casa eterna. Felizes são
aqueles que vivem em sua casa, Senhor; te louvarão pelos séculos eternos. Diz a
lei, a Escritura, a Verdade: precisamos chegar à casa de Deus que está nos
céus. Ali nós entoaremos louvores a Deus, não apenas cinquenta dias, mas, como
está escrito, pelos séculos dos séculos. Nós o veremos, o amaremos e o
louvaremos; não desaparecerá a visão, nem se esgotará o amor, nem se calará o
louvor. Tudo será eterno, nada terá fim» (s. 254, 8).
14. Para
Agostinho, o Aleluia torna-se um viático para caminhante e para o peregrino da
cidade de Deus. Poder cantar o Aleluia no tempo presente é um incentivo e
encorajamento para continuar percorrendo o caminho com alegria, apesar das
dificuldades e problemas, sabendo que somos aguardados pelo Reino eterno e a
pela vida eterna com Deus.
15. O
Aleluia é, pois, um canto de peregrinos, de viandantes que sabem que nesta
terra eles não têm morada perpétua e se destinam a Deus: «Também neste tempo de
nossa peregrinação cantemos Aleluia como viático para nosso conforto; o Aleluia
é agora, para nós, canção dos viajantes. Por um caminho cansativo, avançamos
para a pátria, um lugar de paz, onde, depostas todas nossas ocupações, teremos
não mais do que o Aleluia» (s. 255, 1).
16. De
fato os cinquenta dias do tempo da Páscoa são interpretados por Agostinho
simbolicamente, como a soma de quarenta, representando o trabalho e a fadiga da
vida contemporânea, à qual deve ser adicionado o dez do denário prometido aos
trabalhadores fieis e perseverantes que trabalham na vinha do Senhor.
17. Por
isso o tempo pascal para santo Agostinho tem um sentido profundamente
escatológico, como ele costuma repetir em muitos de seus sermões:
18. «Mas,
uma vez tenhamos vivido santamente o número quarenta, ou seja, uma vez que
vivemos santamente nesta dispensação temporária, caminhando em conformidade com
os preceitos de Deus, receberemos como salário o denário que corresponde aos
fiéis (…). Portanto, acrescente o salário do denário ao número quarenta
santamente vivido e surgirá o número cinquenta, que simboliza a futura Igreja,
onde Deus será louvado para sempre» (s. 252, 11).
19. E
dentro deste simbolismo pascal, se multiplica cinquenta por três, número da
Trindade e se adiciona três, obtendo-se, assim, cento cinquenta e três, o
número de peixes apanhados pelos Apóstolos após a ressurreição de Cristo na
pesca milagrosa:
20. «Mas,
como todos foram chamados à vida santa do número quarenta em nome da Trindade e
a receber o denário, multiplique o número cinquenta por três e se obterá cento
e cinquenta. “Acrescente-lhe o mistério da Trindade e terá cento e cinquenta e
três, o número de peixes que foi pego na direita” (s. 252, 11).
21. Finalmente,
a Páscoa é para santo Agostinho, entre outros elementos que poderíamos
destacar, um tempo de alegria, sabendo que a morte não é o fim, mas, depois da
morte vem a ressurreição e a vida. Por isto assinala santo Agostinho que os
cinquenta dias pascais constituem um momento de alegria e felicidade que deve
empapar toda a existência do cristão:
22. «Estes
dias que se seguem à paixão de nosso Senhor, e nos quais cantemos o Aleluia a
Deus, são para nós dias de festa e alegria» (s. 228, 1).
23. (fonte: http://www.agustinosrecoletos.com/2014/04/para-santo-agostinho-pascoa-e-a-festa-da-vida/?lang=pt-pt)
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