domingo, 27 de março de 2022

Estudo 197 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Segundo (Capítulos 1 - 5)

 


197

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Segundo (Capítulos 1 - 5)

LIVRO SEGUNDO

Capítulo 1.

1.      Para os fiéis, bastaria a palavra de Deus que chegou a nossos ouvidos pelo testemunho do Evangelista, com a força de sua verdade, quando o Senhor disse: Ide, ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo o que vos mandei; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos (Mt 28,19-20).

2.      Pois, o que não está contido neste testemunho a respeito do mistério da salvação humana? Ou, o que falta nele ou é obscuro? Tudo é pleno, vindo do que é Pleno, perfeito, do que é Perfeito.

3.      O significado das palavras, a eficácia do ato, a ordem do conteúdo e a compreensão da natureza aqui se encontram.

4.      Ordenou batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, isto é, na confissão do Autor, do Unigênito e do Dom.

5.      O autor de tudo é um só. Pois há um só Deus, o Pai, de quem tudo procede, e um só Senhor nosso, Unigênito, Jesus Cristo, por quem tudo existe, e um só Espírito, dom em tudo (cf. 1Cor 8,6; Ef 4,4).

6.      Todas as coisas estão ordenadas por suas virtudes e méritos: um poder, do qual tudo procede; um único Filho, por quem tudo foi feito; um só dom da perfeita esperança.

7.      Em tão grande perfeição absolutamente nada falta, pois nela há, no Pai, no Filho e no Espírito Santo, o infinito no eterno, a beleza na imagem, a intimidade no dom.

 

Capítulo 2.

8.      Somos obrigados, pelos erros dos hereges e blasfemadores, a tratar de coisas ilícitas, escalar cumes perigosos, falar do que é inefável e ousar o que é proibido.

9.      Quando somente com a fé deveríamos cumprir seus preceitos, isto é, adorar o Pai e, com Ele, venerar o Filho e enriquecer-nos com o Espírito Santo, somos forçados, com a fraqueza de nossa palavra, a estender-nos até as coisas inenarráveis e, pelo erro alheio, juntar-nos ao erro, de modo que aquilo que seria necessário guardar com respeito nas mentes, agora seja exposto, não sem perigo, por meio de palavras humanas.

 

Capítulo 3.

10.  Muitos receberam a simplicidade das palavras celestes em conformidade com a própria vontade, não de acordo com o que pedia sua força expressiva.

11.  Pois a heresia nasce da interpretação errônea, não da Escritura. O erro está no sentido imposto, não na palavra.

12.  Acaso pode a verdade ser corrompida? Quando se ouve a palavra Pai, a natureza do Filho não está contida no nome? Não será o Espírito Santo Aquele que recebe este nome? O Pai não pode deixar de ser Pai porque é Pai. O Filho não deixa de ser Filho, porque é Filho, e o Espírito Santo é Aquele que é recebido.

13.  Porém, homens de mente perversa tudo confundem e complicam. Com sua perversidade mudam a natureza para fazer com que o Pai não seja Pai, fazendo com que o Filho não seja Filho, quando afirmam que o Filho não é Filho por natureza, pois não se é filho quando a natureza não é a mesma no que gera e no que nasce. Não é filho o que tem uma natureza diferente da do pai. E como o Pai seria Pai se não tivesse gerado o Filho de sua mesma substância e natureza?

 

Capítulo 4.

14.  Não podem de modo algum mudar a realidade das coisas, porém introduzem novas doutrinas e invenções humanas.

15.  Sabélio diz que o Pai se estende ao Filho e que diferem antes pelo nome que pela realidade. Afirma que o Filho é o mesmo Pai.

16.  Ebion atribui somente a Maria a origem do Filho. Para ele, Deus procede do homem, e não o homem de Deus. A Virgem não recebeu em seu seio Aquele que subsistia antes dos séculos, porque era Deus e no princípio estava junto de Deus, mas gerou a carne pelo verbo, pois afirma que a palavra verbo não significa a natureza de Deus Unigênito que já existia, mas sim o som da palavra proferida.

17.  Outros pregadores deste tempo dizem que procede do nada e do tempo a forma, a sabedoria e a força de Deus, para indicar que o Pai não sofreu diminuição pelo fato de existir o Filho, tornando-se igual ao Filho.

18.  Vêm em defesa de Deus, afirmando que Filho é criatura, como todas as coisas que foram criadas do nada, para que o Pai conserve sua perfeição porque nada foi gerado dele.

19.  Não causa admiração, portanto, que tenham uma ideia diferente sobre o Espírito Santo aqueles que, com tamanha audácia, afirmam que quem o concede que foi criado é mutável e pode desaparecer.

20.  Assim destroem a verdade deste perfeito mistério, inventando uma diversidade de substância onde existe a comunhão, negando o Pai quando negam que o Filho seja Filho, negando o Espírito Santo quando ignoram que o possuímos, e ignorando o seu Autor.

21.  Assim fazem perder-se os ignorantes quando afirmam a racionalidade de sua doutrina e iludem os ouvintes privando os nomes da realidade da sua natureza, já que não podem tirar os nomes da realidade.

22.  Omito outros nomes perigosos para os homens: os marcionitas, os valentinianos, os maniqueus e outras pestes que às vezes ocupam a mente dos ignorantes e os contagiam com o seu convívio. Causam uma única epidemia, quando os pregadores infundem a doença na mente dos ouvintes pela sua palavra.

 

Capítulo 5.

23.  A infidelidade dos hereges nos faz duvidar e correr perigo.

24.  Por isso, devemos dizer mais do que ordena o preceito celeste sobre coisas tão importantes e misteriosas.

25.  O Senhor mandou batizar os povos Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19). A fórmula de fé é clara. Para os hereges, porém, o sentido é incerto. Portanto, não se deve acrescentar nada ao que foi prescrito, mas sim opor um limite a sua audácia.

26.  Como a malignidade, instigada pela fraude diabólica, quer ocultar a verdade, fingindo respeitar os nomes que correspondem à natureza, devemos dar a conhecer a realidade dos nomes.

27.  Tendo indicado, de acordo com o que se acha na Escritura, a dignidade e função do Pai, do Filho e do Espírito Santo, procuraremos fazer com que os nomes não sejam privados das propriedades da natureza, e que estas sejam contidas na significação natural destes nomes.

28.  Não sei o que pretendem os que pensam de modo diferente sobre estas coisas corrompendo a verdade, obscurecendo a luz, dividindo o indivisível, partindo o indestrutível, separando o inseparável.

29.  Para eles é tão fácil censurar o que é perfeito, dar uma lei ao poder divino, circunscrever o infinito! Quanto a mim, sofro intensamente ao ter de responder-lhes. Meu espírito se perturba, minha inteligência se entorpece. Confessarei com minhas palavras não tanto minha incapacidade, quanto o dever de silenciar. Vejo-me obrigado a falar, pois é preciso resistir à audácia, evitar a difusão do erro, precaver-se contra a ignorância.

30.  O que se exige é incomensurável, aquilo que se ousa fazer é incompreensível: falar de Deus para além dos limites estabelecidos pelo próprio Deus.

31.  Ele deu os nomes que correspondem à natureza: Pai, Filho, Espírito Santo. O que se procura além disso ultrapassa o sentido das palavras, transcende a capacidade do pensamento e a compreensão da inteligência, não pode ser dito, alcançado, captado.

32.  A própria natureza das coisas torna impossível que as palavras tenham um significado.

33.  A luz impenetrável cega a mente do que contempla, o que não é contido por nenhum limite excede a capacidade da inteligência.

34.  Nós, porém, pedindo perdão Àquele que é todas estas coisas, levados pela necessidade, ousaremos, procuraremos e falaremos.

35.  Só uma coisa prometemos, em questão de tamanha importância: acreditar no que as palavras significam.

 

O que você destaca em cada capítulo?

Como este texto auxilia sua espiritualidade?

 

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