domingo, 6 de março de 2022

194 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Primeiro (Capítulos 13 - 17)

 



194

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Primeiro (Capítulos 13 - 17)


LIVRO PRIMEIRO

Capítulo 13

1.      Para que algum erro nascido da prudência humana não impeça que se creia com total confiança nestes mistérios da nossa fé, temos ainda o Apóstolo que ensina com palavras divinas: Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da “filosofia”, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo, porque nele habita a plenitude da divindade corporalmente e nele fostes levados à plenitude. Ele é a Cabeça de todo Principado e de toda a Autoridade. Nele fostes circuncidados, por uma circuncisão não feita por mão de homem, mas pelo despojamento de vossa natureza carnal, pela circuncisão de Cristo, sepultados com Ele no batismo, no qual também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos. E vós estáveis mortos pelas vossas faltas e pela incircuncisão da carne, Ele vos vivificou juntamente com Ele; perdoou todos os nossos delitos, apagou o quirógrafo que existia contra nós nas ordens legais, e o suprimiu, pregando-o na cruz, despojando nesta os Principados e as Autoridades, expondo-os em espetáculo diante do mundo, deles triunfando em público com a confiança em si mesmo (Cl 2.8-15).

2.      A firmeza da fé rejeita as capciosas e inúteis questões da filosofia e não se sujeita às falácias das humanas inépcias. Não se oferece a verdade como espólio à falsidade.

3.      A fé não considera Deus segundo o senso comum da inteligência, nem julga, de acordo com os elementos do mundo, a Cristo, em quem a plenitude da divindade habita corporalmente, pois, já que nele está a infinidade do eterno poder, este poder eterno da infinidade supera toda a compreensão da mente terrena.

4.      Atraindo-nos para a natureza de sua infinidade, não nos ligou à observância dos preceitos, nem nos instruiu pela sombra da Lei para o rito do corte da carne (isto é, a circuncisão), mas quis que o espírito circunciso dos vícios pela purificação dos pecados nos libertasse de toda exigência natural do corpo.

5.      Por sua morte seremos, no batismo, sepultados juntamente com Ele, para voltarmos à vida da eternidade.

6.      Visto que a regeneração para a vida eterna é a morte para esta vida e que, morrendo para os vícios, renasceremos para a imortalidade, Ele, imortal, morreu por nós, para que ressuscitássemos juntamente com Ele para a imortalidade.

7.      Assumiu a carne do pecado a fim de conceder-nos, pela assunção de nossa carne, o perdão das culpas, enquanto se tornou participante do que foi assumido, com exceção do pecado.

8.      Apagou, pela morte, a sentença de morte e, pela nova criação do gênero humano, destruiu em si mesmo o decreto de condenação.

9.      Permitiu ser pregado na cruz para que, destruída a maldição da cruz, nela pregasse toda a condenação terrena.

10.  Por último, padeceu como Homem para desonrar as Potestades. Morrendo como Deus, segundo as Escrituras, deveria triunfar com confiança de vencedor, pois sendo imortal e não podendo ser vencido pela morte, quis morrer para conceder a imortalidade aos que morrem.

11.  Estas coisas vão além da compreensão humana, são feitas por Deus e não caem sob o julgamento natural de nossa mente, porque a obra da infinita eternidade exige um julgamento infinito para julgá-la.

12.  Que Deus se faça Homem, que o imortal possa morrer, que o eterno seja sepultado, não pode ser entendido pela inteligência, mas constitui exceção, vinda do poder. Não pertence aos sentidos, mas ao poder divino, que Deus venha do homem, o imortal do morto, o eterno do sepultado.

13.  Pela sua morte ressuscitamos para Deus juntamente com Cristo e, como em Cristo está a plenitude da divindade, devemos reconhecer que o Pai nos ressuscita juntamente com o que morreu e confessar que Cristo Jesus é Deus na plenitude da divindade.

 

Capítulo 14

14.  Minha mente repousava feliz, numa segurança tranquila, por causa da sua esperança. Já não temia a iminência da morte, por considerá-la como o caminho para a vida eterna.

15.  Não julgava molesta ou dura a vida do corpo, mas acreditava ser ela o que são as letras na meninice, o remédio para os doentes, a natação para os náufragos, a disciplina para os adolescentes, a obediência para os militares.

16.  Compreendia que a tolerância das coisas presentes traz como prêmio a bem-aventurada imortalidade. Pregava aos outros aquilo que acreditava ser verdadeiro para si mesma e, pelo ministério do sacerdócio recebido, estendia seu múnus (tarefa) a serviço da salvação do povo.

 

Capítulo 15

17.  Entrementes, surgiram invenções imprudentes de homens desesperados de si mesmos, maus, sem piedade para com todos, que medem o poder da natureza de Deus pela fraqueza da sua própria natureza.

18.  Não pretendiam elevar-se até o infinito, a ponto de opinar sobre a imensidão do que é infinito, mas queriam encerrar o Ilimitado dentro dos limites de sua inteligência e ser, para si mesmos, os árbitros da religião, quando, ao contrário, a obediência é necessária para a religião.

19.  Esquecidos do que lhes compete, negligentes das coisas divinas, põem-se a corrigir os preceitos.

 

Capítulo 16

20.  Passamos em silêncio as estultíssimas razões dos outros hereges, sobre as quais, no entanto, se houver ocasião no discurso, diremos algo.

21.  Alguns corrompem de tal forma o mistério da fé evangélica que, sob a única pia profissão de um só Deus, renegam o nascimento do Deus Unigênito, dizendo tratar-se antes de uma extensão até o homem do que de uma descida.

22.  Negam que Aquele que foi Filho do Homem, tendo no tempo assumido a carne, tenha sido sempre e seja agora o mesmo Filho de Deus.

23.  Dizem que não há nele o nascimento de Deus, mas que é o mesmo que procede de si mesmo. Pretendem que o Pai se tenha estendido a si mesmo, como Filho, até a Virgem, de modo que a sucessão que leva de Deus, tal como é em si mesmo, até a carne, permita guardar a inviolável fé no único Deus.

24.  Outros ainda (porque não há salvação alguma a não ser em Cristo, Deus Verbo, que no princípio estava junto de Deus), negando a natividade, professam somente a criação, já que professar o nascimento significa aceitar que Cristo é verdadeiro Deus, enquanto afirmar a criação faz supor que não seja Deus.

25.  Simulam com isso uma fé verdadeira, ao afirmar um só Deus em sua essência, enquanto não excluem a Cristo do mistério.

26.  Substituem, porém, o verdadeiro nascimento pela palavra e pela fé na criação e assim o separam do único Deus verdadeiro, já que uma criatura subordinada não pode pretender para si a perfeição da divindade que não lhe foi concedida pelo verdadeiro nascimento.

 

Capítulo 17

27.  O espírito se inflama ao responder à sua loucura, recordando como foi salutar para si mesmo não apenas crer em um só Deus, mas crer também que Deus é Pai e, não apenas esperar em Cristo, mas no Cristo que é Deus, que não é criatura, mas é Deus criador, nascido de Deus.

28.  Apressamo-nos, a partir dos precônios (pregações) proféticos e evangélicos, em confundir o delírio e a ignorância daqueles que, pretextando a pregação de um só Deus, a única e verdadeiramente útil pregação religiosa, ou negam que Cristo seja Deus Filho, ou se opõem a que seja verdadeiro Deus, de tal modo que a criação de uma criatura poderosa faça parte do mistério da fé no único Deus, porque, para eles, confessar a natividade de Deus seria afastar-se da fé no único Deus.

29.  Quanto a nós, instruídos por Deus a não pregarmos dois deuses nem um solitário, apoiamos a razão desta afirmação nos precônios evangélicos e proféticos, sobre Deus Pai e Deus Filho.

30.  Para nossa fé, um e outro são um só, mas não são uma só pessoa. Professamos que um e outro não são o mesmo e também que, entre o verdadeiro e o falso, não há algum outro.

31.  O nascimento não permite que Deus nascido de Deus seja o mesmo que este nem permite que seja algo diferente.

 

O que você destaca no texto e como ele serve para sua espiritualidade?

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