LIVRO PRIMEIRO
1. Para
que algum erro nascido da prudência humana não impeça que se creia com total
confiança nestes mistérios da nossa fé, temos ainda o Apóstolo que ensina com
palavras divinas: Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e
enganosas especulações da “filosofia”, segundo a tradição dos homens, segundo
os elementos do mundo, e não segundo Cristo, porque nele habita a plenitude da
divindade corporalmente e nele fostes levados à plenitude. Ele é a Cabeça de
todo Principado e de toda a Autoridade. Nele fostes circuncidados, por uma
circuncisão não feita por mão de homem, mas pelo despojamento de vossa natureza
carnal, pela circuncisão de Cristo, sepultados com Ele no batismo, no qual
também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos. E
vós estáveis mortos pelas vossas faltas e pela incircuncisão da carne, Ele vos
vivificou juntamente com Ele; perdoou todos os nossos delitos, apagou o
quirógrafo que existia contra nós nas ordens legais, e o suprimiu, pregando-o
na cruz, despojando nesta os Principados e as Autoridades, expondo-os em
espetáculo diante do mundo, deles triunfando em público com a confiança em si
mesmo (Cl 2.8-15).
2. A
firmeza da fé rejeita as capciosas e inúteis questões da filosofia e não se
sujeita às falácias das humanas inépcias. Não se oferece a verdade como espólio
à falsidade.
3. A
fé não considera Deus segundo o senso comum da inteligência, nem julga, de
acordo com os elementos do mundo, a Cristo, em quem a plenitude da divindade
habita corporalmente, pois, já que nele está a infinidade do eterno poder, este
poder eterno da infinidade supera toda a compreensão da mente terrena.
4. Atraindo-nos
para a natureza de sua infinidade, não nos ligou à observância dos preceitos,
nem nos instruiu pela sombra da Lei para o rito do corte da carne (isto é, a
circuncisão), mas quis que o espírito circunciso dos vícios pela purificação
dos pecados nos libertasse de toda exigência natural do corpo.
5. Por
sua morte seremos, no batismo, sepultados juntamente com Ele, para voltarmos à
vida da eternidade.
6. Visto
que a regeneração para a vida eterna é a morte para esta vida e que, morrendo
para os vícios, renasceremos para a imortalidade, Ele, imortal, morreu por nós,
para que ressuscitássemos juntamente com Ele para a imortalidade.
7. Assumiu
a carne do pecado a fim de conceder-nos, pela assunção de nossa carne, o perdão
das culpas, enquanto se tornou participante do que foi assumido, com exceção do
pecado.
8. Apagou,
pela morte, a sentença de morte e, pela nova criação do gênero humano, destruiu
em si mesmo o decreto de condenação.
9. Permitiu
ser pregado na cruz para que, destruída a maldição da cruz, nela pregasse toda
a condenação terrena.
10. Por
último, padeceu como Homem para desonrar as Potestades. Morrendo como Deus,
segundo as Escrituras, deveria triunfar com confiança de vencedor, pois sendo
imortal e não podendo ser vencido pela morte, quis morrer para conceder a
imortalidade aos que morrem.
11. Estas
coisas vão além da compreensão humana, são feitas por Deus e não caem sob o
julgamento natural de nossa mente, porque a obra da infinita eternidade exige
um julgamento infinito para julgá-la.
12. Que
Deus se faça Homem, que o imortal possa morrer, que o eterno seja sepultado,
não pode ser entendido pela inteligência, mas constitui exceção, vinda do
poder. Não pertence aos sentidos, mas ao poder divino, que Deus venha do homem,
o imortal do morto, o eterno do sepultado.
13. Pela
sua morte ressuscitamos para Deus juntamente com Cristo e, como em Cristo está
a plenitude da divindade, devemos reconhecer que o Pai nos ressuscita
juntamente com o que morreu e confessar que Cristo Jesus é Deus na plenitude da
divindade.
Capítulo
14
14. Minha
mente repousava feliz, numa segurança tranquila, por causa da sua esperança. Já
não temia a iminência da morte, por considerá-la como o caminho para a vida
eterna.
15. Não
julgava molesta ou dura a vida do corpo, mas acreditava ser ela o que são as
letras na meninice, o remédio para os doentes, a natação para os náufragos, a
disciplina para os adolescentes, a obediência para os militares.
16. Compreendia
que a tolerância das coisas presentes traz como prêmio a bem-aventurada
imortalidade. Pregava aos outros aquilo que acreditava ser verdadeiro para si
mesma e, pelo ministério do sacerdócio recebido, estendia seu múnus (tarefa) a
serviço da salvação do povo.
Capítulo
15
17. Entrementes,
surgiram invenções imprudentes de homens desesperados de si mesmos, maus, sem
piedade para com todos, que medem o poder da natureza de Deus pela fraqueza da
sua própria natureza.
18. Não
pretendiam elevar-se até o infinito, a ponto de opinar sobre a imensidão do que
é infinito, mas queriam encerrar o Ilimitado dentro dos limites de sua
inteligência e ser, para si mesmos, os árbitros da religião, quando, ao
contrário, a obediência é necessária para a religião.
19. Esquecidos
do que lhes compete, negligentes das coisas divinas, põem-se a corrigir os
preceitos.
Capítulo
16
20. Passamos
em silêncio as estultíssimas razões dos outros hereges, sobre as quais, no
entanto, se houver ocasião no discurso, diremos algo.
21. Alguns
corrompem de tal forma o mistério da fé evangélica que, sob a única pia
profissão de um só Deus, renegam o nascimento do Deus Unigênito, dizendo
tratar-se antes de uma extensão até o homem do que de uma descida.
22. Negam
que Aquele que foi Filho do Homem, tendo no tempo assumido a carne, tenha sido
sempre e seja agora o mesmo Filho de Deus.
23. Dizem
que não há nele o nascimento de Deus, mas que é o mesmo que procede de si
mesmo. Pretendem que o Pai se tenha estendido a si mesmo, como Filho, até a
Virgem, de modo que a sucessão que leva de Deus, tal como é em si mesmo, até a
carne, permita guardar a inviolável fé no único Deus.
24. Outros
ainda (porque não há salvação alguma a não ser em Cristo, Deus Verbo, que no
princípio estava junto de Deus), negando a natividade, professam somente a
criação, já que professar o nascimento significa aceitar que Cristo é
verdadeiro Deus, enquanto afirmar a criação faz supor que não seja Deus.
25. Simulam
com isso uma fé verdadeira, ao afirmar um só Deus em sua essência, enquanto não
excluem a Cristo do mistério.
26. Substituem,
porém, o verdadeiro nascimento pela palavra e pela fé na criação e assim o
separam do único Deus verdadeiro, já que uma criatura subordinada não pode
pretender para si a perfeição da divindade que não lhe foi concedida pelo
verdadeiro nascimento.
Capítulo
17
27. O
espírito se inflama ao responder à sua loucura, recordando como foi salutar
para si mesmo não apenas crer em um só Deus, mas crer também que Deus é Pai e,
não apenas esperar em Cristo, mas no Cristo que é Deus, que não é criatura, mas
é Deus criador, nascido de Deus.
28. Apressamo-nos,
a partir dos precônios (pregações) proféticos e evangélicos, em confundir o
delírio e a ignorância daqueles que, pretextando a pregação de um só Deus, a
única e verdadeiramente útil pregação religiosa, ou negam que Cristo seja Deus
Filho, ou se opõem a que seja verdadeiro Deus, de tal modo que a criação de uma
criatura poderosa faça parte do mistério da fé no único Deus, porque, para
eles, confessar a natividade de Deus seria afastar-se da fé no único Deus.
29. Quanto
a nós, instruídos por Deus a não pregarmos dois deuses nem um solitário,
apoiamos a razão desta afirmação nos precônios evangélicos e proféticos, sobre
Deus Pai e Deus Filho.
30. Para
nossa fé, um e outro são um só, mas não são uma só pessoa. Professamos que um e
outro não são o mesmo e também que, entre o verdadeiro e o falso, não há algum
outro.
31. O
nascimento não permite que Deus nascido de Deus seja o mesmo que este nem
permite que seja algo diferente.
O que você destaca no texto e como ele serve para sua
espiritualidade?
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