LIVRO PRIMEIRO
1. A
alma se alegrava com a percepção desta excelente e inexplicável inteligência,
porque adorava em seu Pai e Criador a infinidade de imensa eternidade.
2. Porém,
com um empenho mais exigente, procurava ao menos contemplar a beleza de seu
infinito e eterno Senhor, como se a incircunscrita imensidade da bela
inteligência pudesse ser mostrada de modo que sua beleza fosse conhecida.
3. Quando
a mente religiosa se via cercada pelo erro devido a sua fraqueza, encontrou nas
vozes proféticas esta belíssima sentença: Pela magnitude das obras e beleza das
criaturas pode-se chegar a contemplar, por analogia, seu Criador (Sb 13,5;
LXX).
4. O
Criador daquilo que é grande está nas coisas maiores e o Autor das coisas
belíssimas está nas mais belas.
5. Quando
a obra excede o próprio pensamento, necessariamente deve o autor superar em
muito esse pensamento.
6. Certamente
belo é o céu, o éter, a terra, os mares; e o conjunto de tudo existe com sua
formosura, a ponto de escolherem os gregos para nomeá-lo a palavra, apropriada,
kosmos, que significa mundo.
7. Nossa
mente, por um instinto natural, capta a beleza das coisas de tal modo que, como
acontece com certas aves e animais, não pode expressar com palavras o que
entende, pois, a palavra fica aquém do pensamento, enquanto, por outro lado,
toda palavra provém da mente e esta fala a si mesma com compreensão.
8. Não
se deve, então, pensar que o Senhor de toda beleza seja necessariamente
muitíssimo mais belo do que toda a beleza?
9. E
se a beleza da eterna glória escapa a toda compreensão, será que ela não
permite a nossa inteligência uma intuição a seu respeito?
10. Por
conseguinte, Deus deve ser confessado como belíssimo, pois, se não existe para
a inteligência uma expressão adequada, contudo Ele não se acha fora da
possibilidade de compreensão.
Capítulo
8
11. O
espírito imbuído pelo desejo despertado por estas piedosas sentenças e
doutrinas descansava, como em inacessível altura, na beleza desta ideia,
compreendendo que não lhe fora dada, pela sua natureza, outra coisa com que
pudesse prestar ao seu Criador maior homenagem que esta: reconhecer que seu ser
é tão grande que nele se pode crer, mas não se pode entendê-lo, pois a fé
aceita a explicação necessária à religião, mas a infinidade do poder eterno a
ultrapassa.
Capítulo
9
12. Em
meio a todas estas coisas, permanecia latente o sentimento natural, alimentado
pela esperança, de que a santa ideia sobre Deus e os bons costumes mereceria
uma incorrupta felicidade como recompensa pela luta vitoriosa.
13. Não
traria fruto pensar bem sobre Deus se a morte fosse destruir todo o sentido e
se o ocaso da natureza falível o extinguisse.
14. A
própria razão nos persuadia de que não seria digno de Deus fazer participar do
conselho e da prudência, nesta vida, o homem, sujeito a falhar e destinado a morrer
para sempre, de tal sorte que aquele que não existia apenas seria trazido a
este mundo para deixar de existir.
15. Pelo
contrário, deve-se entender que a única razão de ser de nossa criação está em
que o que não era, começasse a ser, e não em que o que começou a ser deixasse
de existir.
Capítulo
10
16. O
espírito se fatigava, temendo em parte por si mesmo, em parte pelo medo do
corpo. Conservava firmemente, pela piedosa profissão da fé, seu modo de pensar
a respeito de Deus, mas preocupava-se por si e pelo declínio de seu habitáculo,
pois, cheio de ansiedade e incerteza, julgava que o corpo haveria de perecer
juntamente com ele.
17. Contudo,
depois do conhecimento da Lei e dos Profetas, veio a conhecer também as
palavras da doutrina evangélica e apostólica: No princípio era o Verbo, e o
Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto
de Deus. Tudo foi feito por Ele e, sem Ele, nada foi feito. O que foi feito,
nele é a vida, e a vida era a luz dos homens, e a luz brilha nas trevas, e as
trevas não a compreenderam. Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era
João. Este veio para dar testemunho da luz. Era a luz verdadeira, que ilumina
todo o homem que vem a este mundo. Estava no mundo e o mundo foi feito por Ele,
e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. A
todos quantos o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,
àqueles que creem em seu nome; que não nasceram do sangue, nem da vontade do
homem, nem da vontade da carne, mas de Deus. E o Verbo se fez carne e habitou
entre nós; e vimos sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça
e de verdade (Jo 1.1-4).
18. A
mente ultrapassa a razão natural e entende mais sobre Deus do que imaginava.
19. Reconhece
ser seu Criador o Deus de Deus e ouve que o Deus Verbo, no princípio, estava
junto de Deus.
20. Compreende
que a luz do mundo, estando no mundo, pelo mundo não foi reconhecida. O que
veio ao que era seu, pelos seus não foi recebido.
21. Mas,
sabe também que aqueles que o receberam, como recompensa de sua fé, se tornaram
filhos de Deus.
22. E
apreende que não nasceram da união da carne nem foram concebidos pelo sangue
nem pela vontade dos corpos, mas nasceram de Deus.
23. Em
seguida conhece o Verbo feito carne, que habitou entre nós, e reconhece que foi
vista a sua glória que, sendo a do Unigênito do Pai, é perfeita com a graça e a
verdade.
Capítulo
11
24. Aqui,
a mente trêmula e ansiosa já encontra mais esperança do que pensava. Em
primeiro lugar, é imbuída do conhecimento de Deus Pai.
25. Aquilo
que anteriormente, pelo senso natural, afirmava sobre a eternidade, infinidade
e beleza de seu Criador, agora aceita como ser próprio também do Deus
Unigênito.
26. Não
estende a fé a vários deuses, por ouvir que Deus vem de Deus. Não admite a
diversidade de natureza que separaria Deus de Deus, porque reconhece ser cheio
de graça e de verdade o Deus de Deus. Não pensa ser posterior o Deus de Deus,
porque reconhece que no princípio estava junto de Deus.
27. Reconhece
que é muitíssimo extraordinária a fé neste conhecimento salutar, mas sabe que
traz consigo um imenso prêmio, porque, se os seus não o receberam, os que o
receberam foram elevados à filiação de Deus, não pelo nascimento da carne, mas
pela fé.
28. Ser
filhos de Deus não vem da necessidade, mas do poder, pois o dom de Deus,
proposto a todos, não é dado aos que nasceram simplesmente pela natureza, mas é
alcançado como prêmio da aceitação.
29. Embora
cada um tenha o poder de se tornar filho de Deus, a fraqueza de uma fé
vacilante pode constituir um impedimento para isto.
30. Devido
a esta dificuldade é levado a esperar com relutância, desejando mais, porém
acreditando menos.
31. Por
isso o Deus Verbo se fez carne, para que, pelo Deus Verbo feito carne, a carne
fosse elevada, até ser Deus Verbo. Para que se conhecesse que o Verbo feito
carne não era outro senão o Deus Verbo e que não deixava de ter a carne de
nosso corpo, habitou entre nós, e o que habitou entre nós não é outro, senão o
mesmo Deus.
32. Ao
se fazer carne de nossa carne, por condescendência, assumiu nossa carne, e não
ficou privado do que é seu, porque, como Unigênito de Deus, é cheio de graça e
de verdade, perfeito no que é seu, e verdadeiro no que é nosso.
Capítulo
12
33. Com
alegria a mente acolheu esta doutrina do divino mistério. Elevando-se até Deus
por meio da carne, foi chamada ao nascimento pela fé e à posse da celeste e
nova geração concedida pelo poder.
34. Reconheceu
o cuidado que tem por ela o seu Pai e Criador, tendo por certo que não será
reduzida a nada por Aquele, no qual tudo subsiste, vindo do nada.
35. Tudo
isso ultrapassa os limites da inteligência humana, incapaz de entender os
desígnios celestes apenas com o senso comum, que julga haver na natureza das
coisas somente aquilo que compreende ou pode provar por si mesmo.
36. Mas
as virtudes de Deus, segundo a magnificência do poder eterno, não são avaliadas
pela inteligência, mas pela infinidade da fé.
37. Pelo
fato de não entender, não deixava de crer que no princípio Deus estivesse junto
de Deus e que o Verbo feito carne tivesse habitado entre nós, e lembrava-se de
que poderia entender se acreditasse.
.
O que você destaca no texto e como ele serve para sua
espiritualidade?
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