terça-feira, 1 de março de 2022

192 Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Primeiro (Capítulos 7 - 12)

 



192

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Primeiro (Capítulos 7 - 12)

 


LIVRO PRIMEIRO

Capítulo 7

1.      A alma se alegrava com a percepção desta excelente e inexplicável inteligência, porque adorava em seu Pai e Criador a infinidade de imensa eternidade.

2.      Porém, com um empenho mais exigente, procurava ao menos contemplar a beleza de seu infinito e eterno Senhor, como se a incircunscrita imensidade da bela inteligência pudesse ser mostrada de modo que sua beleza fosse conhecida.

3.      Quando a mente religiosa se via cercada pelo erro devido a sua fraqueza, encontrou nas vozes proféticas esta belíssima sentença: Pela magnitude das obras e beleza das criaturas pode-se chegar a contemplar, por analogia, seu Criador (Sb 13,5; LXX).

4.      O Criador daquilo que é grande está nas coisas maiores e o Autor das coisas belíssimas está nas mais belas.

5.      Quando a obra excede o próprio pensamento, necessariamente deve o autor superar em muito esse pensamento.

6.      Certamente belo é o céu, o éter, a terra, os mares; e o conjunto de tudo existe com sua formosura, a ponto de escolherem os gregos para nomeá-lo a palavra, apropriada, kosmos, que significa mundo.

7.      Nossa mente, por um instinto natural, capta a beleza das coisas de tal modo que, como acontece com certas aves e animais, não pode expressar com palavras o que entende, pois, a palavra fica aquém do pensamento, enquanto, por outro lado, toda palavra provém da mente e esta fala a si mesma com compreensão.

8.      Não se deve, então, pensar que o Senhor de toda beleza seja necessariamente muitíssimo mais belo do que toda a beleza?

9.      E se a beleza da eterna glória escapa a toda compreensão, será que ela não permite a nossa inteligência uma intuição a seu respeito?

10.  Por conseguinte, Deus deve ser confessado como belíssimo, pois, se não existe para a inteligência uma expressão adequada, contudo Ele não se acha fora da possibilidade de compreensão.

Capítulo 8

11.  O espírito imbuído pelo desejo despertado por estas piedosas sentenças e doutrinas descansava, como em inacessível altura, na beleza desta ideia, compreendendo que não lhe fora dada, pela sua natureza, outra coisa com que pudesse prestar ao seu Criador maior homenagem que esta: reconhecer que seu ser é tão grande que nele se pode crer, mas não se pode entendê-lo, pois a fé aceita a explicação necessária à religião, mas a infinidade do poder eterno a ultrapassa.

 

Capítulo 9

12.    Em meio a todas estas coisas, permanecia latente o sentimento natural, alimentado pela esperança, de que a santa ideia sobre Deus e os bons costumes mereceria uma incorrupta felicidade como recompensa pela luta vitoriosa.

13.    Não traria fruto pensar bem sobre Deus se a morte fosse destruir todo o sentido e se o ocaso da natureza falível o extinguisse.

14.    A própria razão nos persuadia de que não seria digno de Deus fazer participar do conselho e da prudência, nesta vida, o homem, sujeito a falhar e destinado a morrer para sempre, de tal sorte que aquele que não existia apenas seria trazido a este mundo para deixar de existir.

15.    Pelo contrário, deve-se entender que a única razão de ser de nossa criação está em que o que não era, começasse a ser, e não em que o que começou a ser deixasse de existir.

 

Capítulo 10

16.    O espírito se fatigava, temendo em parte por si mesmo, em parte pelo medo do corpo. Conservava firmemente, pela piedosa profissão da fé, seu modo de pensar a respeito de Deus, mas preocupava-se por si e pelo declínio de seu habitáculo, pois, cheio de ansiedade e incerteza, julgava que o corpo haveria de perecer juntamente com ele.

17.    Contudo, depois do conhecimento da Lei e dos Profetas, veio a conhecer também as palavras da doutrina evangélica e apostólica: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por Ele e, sem Ele, nada foi feito. O que foi feito, nele é a vida, e a vida era a luz dos homens, e a luz brilha nas trevas, e as trevas não a compreenderam. Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João. Este veio para dar testemunho da luz. Era a luz verdadeira, que ilumina todo o homem que vem a este mundo. Estava no mundo e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. A todos quantos o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, àqueles que creem em seu nome; que não nasceram do sangue, nem da vontade do homem, nem da vontade da carne, mas de Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós; e vimos sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo 1.1-4).

18.    A mente ultrapassa a razão natural e entende mais sobre Deus do que imaginava.

19.    Reconhece ser seu Criador o Deus de Deus e ouve que o Deus Verbo, no princípio, estava junto de Deus.

20.    Compreende que a luz do mundo, estando no mundo, pelo mundo não foi reconhecida. O que veio ao que era seu, pelos seus não foi recebido.

21.    Mas, sabe também que aqueles que o receberam, como recompensa de sua fé, se tornaram filhos de Deus.

22.    E apreende que não nasceram da união da carne nem foram concebidos pelo sangue nem pela vontade dos corpos, mas nasceram de Deus.

23.    Em seguida conhece o Verbo feito carne, que habitou entre nós, e reconhece que foi vista a sua glória que, sendo a do Unigênito do Pai, é perfeita com a graça e a verdade.

 

Capítulo 11

24.    Aqui, a mente trêmula e ansiosa já encontra mais esperança do que pensava. Em primeiro lugar, é imbuída do conhecimento de Deus Pai.

25.    Aquilo que anteriormente, pelo senso natural, afirmava sobre a eternidade, infinidade e beleza de seu Criador, agora aceita como ser próprio também do Deus Unigênito.

26.    Não estende a fé a vários deuses, por ouvir que Deus vem de Deus. Não admite a diversidade de natureza que separaria Deus de Deus, porque reconhece ser cheio de graça e de verdade o Deus de Deus. Não pensa ser posterior o Deus de Deus, porque reconhece que no princípio estava junto de Deus.

27.    Reconhece que é muitíssimo extraordinária a fé neste conhecimento salutar, mas sabe que traz consigo um imenso prêmio, porque, se os seus não o receberam, os que o receberam foram elevados à filiação de Deus, não pelo nascimento da carne, mas pela fé.

28.    Ser filhos de Deus não vem da necessidade, mas do poder, pois o dom de Deus, proposto a todos, não é dado aos que nasceram simplesmente pela natureza, mas é alcançado como prêmio da aceitação.

29.    Embora cada um tenha o poder de se tornar filho de Deus, a fraqueza de uma fé vacilante pode constituir um impedimento para isto.

30.    Devido a esta dificuldade é levado a esperar com relutância, desejando mais, porém acreditando menos.

31.    Por isso o Deus Verbo se fez carne, para que, pelo Deus Verbo feito carne, a carne fosse elevada, até ser Deus Verbo. Para que se conhecesse que o Verbo feito carne não era outro senão o Deus Verbo e que não deixava de ter a carne de nosso corpo, habitou entre nós, e o que habitou entre nós não é outro, senão o mesmo Deus.

32.    Ao se fazer carne de nossa carne, por condescendência, assumiu nossa carne, e não ficou privado do que é seu, porque, como Unigênito de Deus, é cheio de graça e de verdade, perfeito no que é seu, e verdadeiro no que é nosso.

 

Capítulo 12

33.  Com alegria a mente acolheu esta doutrina do divino mistério. Elevando-se até Deus por meio da carne, foi chamada ao nascimento pela fé e à posse da celeste e nova geração concedida pelo poder.

34.  Reconheceu o cuidado que tem por ela o seu Pai e Criador, tendo por certo que não será reduzida a nada por Aquele, no qual tudo subsiste, vindo do nada.

35.  Tudo isso ultrapassa os limites da inteligência humana, incapaz de entender os desígnios celestes apenas com o senso comum, que julga haver na natureza das coisas somente aquilo que compreende ou pode provar por si mesmo.

36.  Mas as virtudes de Deus, segundo a magnificência do poder eterno, não são avaliadas pela inteligência, mas pela infinidade da fé.

37.  Pelo fato de não entender, não deixava de crer que no princípio Deus estivesse junto de Deus e que o Verbo feito carne tivesse habitado entre nós, e lembrava-se de que poderia entender se acreditasse.

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O que você destaca no texto e como ele serve para sua espiritualidade?

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